sábado, 28 de junho de 2008

A HISTÓRIA DOS AMANTES, 12



Ele deu dois passos e caiu num abismo. Deu dois passos com a chave na mão, e quando a chave se introduziu na fenda daquilo que parecia um cofre, Rôni sentiu passar para seus dedos uma leve eletricidade vinda da chave, e viu que aquela porta fechada não lhe seria indiferente.
Entrou e percebeu que a sala estava vazia. Mas o vazio era maior do que a sala. Não era um vazio pela ausência das pessoas que viviam ali, sua esposa, a empregada, mas algo havia morrido ali em caráter definitivo.
Rôni permaneceu alguns segundos com a chave na mão e a porta aberta.
Depois atravessou a sala, afastou a cortina, abriu a janela. Entrou um ar sujo, um indiferente ruído de trânsito, bem lá de baixo. E Rôni prosseguiu, entrou no hall que levava aos quartos. Ninguém estava lá. Ele sabia. Ele sentia.

Val tinha partido.
Era como se ele já esperasse. Apesar de tudo, seus lábios tremiam, pálidos, diante do espelho da alcova, enquanto lia o cartão:

Ronaldo:
Vou-me embora. Nossa separação é definitiva.
Depois mandarei buscar o resto de minhas roupas.
Valquíria.

Rôni reparou que o teto do quarto estava estranhamente róseo.
Uma luz do ocaso filtrava-se pela vidraça. Rôni abriu a janela e olhou para a rua. Aquela janela dava para o mar e para um labirinto de ruas em que seu olhar se perdeu por instantes, no trânsito.
A janela respirava a rua e um mar distante. Entrou, quase imperceptível, um som. Uns ruídos longínquos, vindos do longe. Gaivotas alçavam vôo.
Em baixo, duas ruas, cortavam uma cruz, indiferente, retas. Visto ali, no alto do prédio, dir-se-ia que ele ia suicidar-se.


Sim, foi naquela tarde que a sentença lhe veio, forte, compacta, perfeita e aterradora como uma lança. Val partira.
Agora o vento veio forte, bateu a porta, derrubou a folha de papel de cima da penteadeira.
Rôni abriu a gaveta e espalhou as camisas por cima da cama. Não ficaria ali, naquele apartamento vazio que testemunhara seu fim. Aquilo era um sonho...
Mas o bilhete, como uma bala, apareceu, caído no chão.
Rôni então sofreu uma angústia forte, foi atravessado por uma dor, e caiu de joelhos, chorando alto.


Quando se levantou, viu as camisas espalhadas sobre a colcha da cama, pegou a chave da rua e saiu.
Durante duas horas ele andou pelas ruas da cidade. Em direção da Lapa e entrando num bar mergulhado nas sombras. O bar cheio de prostitutas, mas nenhuma quis saber dele e de sua cerveja. Alguns homens formavam um grupo num ângulo da sala.
Rôni pôde lembrar Val com ele numa praça luminosa, na orla da praia, onde Rôni subia os degraus de um pedestal antigo que chegava à cabeceira do tanque retangular e no ar abria os seus braços, espalmando as mãos, feliz.
Eles estavam diante do majestoso mar da Ilha, o mar soava luminosamente e enchia o espaço da clara voz de Val, a aragem marinha filtrando-se no meio de tudo pela camisa aberta e os peitos nus.
Nada me entristece mais do que aquela ilha, a demora do tempo passado no momento presente e o movimento interior e imensurável da força dos instantes da juventude.
Visto de longe o mar era uma vedação azul soberana, e as coisas aconteciam em bloco e se dissolviam em brancas explosões de espuma.
Estou perdido. Trabalho mal nesse espaço. Isso é tudo?

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