sábado, 28 de junho de 2008
A HISTÓRIA DOS AMANTES, 16
Último capítulo
Quinze anos depois, a face dela se fechou numa expressão amarga, de áspera severidade, fumava muito, tensa, na decepção que o longo período de ditadura militar lhe imprimira no rosto, onde se via ainda os traços de antiga paixão.
Os olhos de Val agora piscavam muito, o pescoço se fez duro, ela tinha rugas cavadas sobre os lábios, olhos inquietos, perdidos, assustados.
Os cabelos grisalhos, prematuramente grisalhos. Ela não os pintava, perdera muito cabelo, estava ali, com aquele inesperado envelope nas mãos, na mesa vazia, há bastante tempo para ser aberto.
Trocara de nome, agora era Valnice Pacheco, o nome trocara, fugindo da repressão, para ser deixada em paz.
Aquele envelope continha uma carta de Rôni.
Depois que se estabeleceu ali, não soubera dele. Dedicava-se à mãe velha. Agüentou mais de uma década, ali.
Visitava poucas amigas e ainda se lembrava de Rôni e da grande derrota.
Ela se viu no espelho e se perguntava: “quem sou?” Sim, tudo passou. “Não, não volto a falar com ele”. Lembrava-se. Rôni desaparecia na memória.
Mas agora estavam, ela e velha mãe, na Praça Tiradentes. Iam a caminho do hotel, e no dia seguinte iriam ao escritório de Rôni, onde ele trabalhava, agora. Era uma editora.
E como Val começasse a chorar, seus silenciosos e tímidos soluços, abafados com o punho, a mãe tira um pequeno lencinho branco da bolsa, enxuga a sua face, segura sua mão, dá-lhe um beijo. E novamente insiste que ela tome o seu café. “O café vai reanimá-la, diz a mãe”. Passa-lhe a xícara e insiste. Val olha para fora, para a rua Pedro I, presa de funda inquietação. Não tinha notícias dele. Ela era uma exilada dentro de seu próprio país. Estava envelhecida, pobre, desempregada, arruinada. Ela se sentia só, sem amigos, sem rumo, perdida, com a mãe num mundo desconhecido. Tinha fechado a loja.
Sim, pensou Val, eu serei na manhã seguinte um dia feliz, porque ainda não sei o que poderei dizer para ele, mas não há dúvida de que tenho de decidir amanhã.
FIM DE “A HISTÓRIA DOS AMANTES”
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