quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
Aderson de Menezes
FOTO DO BLOG DO CORONEL ROBERTO
Waldemar Pedrosa
De Waldemar Pedrosa — grande homem do nosso tempo — tive notícia ainda em minha infância, na cidade de Parintins, onde eu nasci e aonde fôra ele, uma vez pelo menos, no exercício de sua advo-cacia prestigiosa e prestigiada.
Por essa época, anterior à década de trinta, já era deveras influente o papel desempenhado pelo ínclito conterrâneo nos embates advocatícios ocorridos na capital amazonense, em que sua atuação profissional se tinha projetado e se havia imposto de maneira decisiva e brilhante, assim entre seus inúmeros clientes, via de regra por ela beneficiados, como no seio de colegas — ainda que acidentalmente adversários, de Juizes e serventuários de justiça, todos unânimes em reconhecer-lhe e em aplaudir-lhe a conduta exemplar como advogado, dentro e fora dos autos. Notadamente perante os jurados que, como Juizes de fato no campo de sua especialidade penal, acompanhavam de perto e bem podiam aquilatar a fidelidade ética com que versava os problemas sub judice, estes dominados por esplendente cultura jurídica.
Todavia, desse período antecedente a 1930, não guardo de memória a sua presença física, naquela figura pequena mas bem aprumada, como vulto humano de impressionante simpatia e de real envergadura moral e intelectual. Pois, até então, somente o conhecera através de fotografias estampadas nos jornais e nas revistas de Manaus, inclusive em “Amazônida” de propriedade e direção de Carlos Mesquita, professor e jornalista, nas quais aparecia, indefectivelmente, naqueles clichés magistralmente preparados por mestre Gil (outrora, no local, o único e verdadeiro artista em tal mister), de beca, borla e capelo como doutor em direito que era pelo talento peregrino e pelo saber primoroso.
Foi no início de 1931, ao albor da mocidade, que me transferi para Manaus, em cujas ruas tive ensejo de identificar, em sua simplicidade característica, o amazonense ilustre já cultuado na minha admiração espontânea, naturalmente surgida e a afirmar-se definitivamente. Para mim, sua imagem humana era mesma, apenas observando dessemelhança exterior, entre os retratos anteriores e o aspecto desse momento, na falta do bigode, que deixara de usar, e na roupa diária, que evidentemente não podia ser a indumentária magisterial.
Homem de sociedade, vestido sobriamente mas sempre bem posto e muito elegante, ora de vê-lo passar nas vias públicas ante os olhares respeitosos e os cumprimentos corteses de seus semelhantes, que lhe festejavam mais as virtudes pessoais e permanentes do que as posições ocasionais e temporárias, disso decorrendo, à mista, a atmosfera constante de estima e de reverência em que viveu e trabalho em a prol de sua terra estremecida, no desempenho quase sem interrupção, correto e eficiente, das mais altas e consagradoras funções públicas.
Aproximei-me logo dos seus filhos, meus contemporâneos todos, para, muito depois e em plena juventude, tratar pessoalmente com aquela personalidade marcante, a um tempo jovial e austera. É que a sua jovialidade estava na alegria de viver, com largueza, comunicação e amor, enquanto a sua austeridade era circunscrita ao bom procedimento, como autêntico homem de bem.
Desde acadêmico de direito, passei a visitar-lhe a biblioteca, alta e requintadamente selecionada, de onde me forneceu valiosos subsídios para meu discurso de formatura, como orador de minha turma de bacharéis, de que fez parte o seu filho Walter Pedrosa. Mais tarde, fomos juntamente militantes na política partidária, como fundadores no Amazonas do famigerado PSD e integrantes de sua primeira e valorosa caravana ao interior de nosso Estado. Quando se ausentou para o cumprimento do mandato senatorial, sucedi-lhe em importante processo judicial, então somente instaurado por meio de sua petição inicial, como procurador da viúva de humilde agricultor do Janauacá, contra poderosa e endinheirada empresa de navegação aérea — a extinta Panair do Brasil S. A., o qual tive a ventura de conduzir à mais completa e indiscutível vitória, através do pagamento de indenização pela ré por culpa de seu preposto, terçando armas com uma equipe de grandes e experientes advogados, entre os quais sobressaíam Huascar de Figueiredo e Armando Madeira. E, da antiga metrópole brasileira, o Rio de Janeiro de tantas belezas naturais e artificiais, cujas livrarias, inclusive os célebres “sebos” percorria com interesse percuciente e cuidado inexcedível, me ofertava amiudadamente as novidades de minha preferência, que ele tão bem distinguia, tendo desse jeito cooperado intensamente para os meus estudos jurídicos e, em especial, para a minha especialização em Teoria-Geral do Estado.
Assim, sem nunca ter-lhe assistido as aulas, passou a ser, a distância, um dos meus maiores Mestres, tornando-se pelos anos afora e até a morte ainda chorada, na recíproca freqüência a que nos habituáramos e apesar da diferença de idades, um dos meus melhores Amigos!
EXPLICAÇAO PARA UMA PARCERIA DIFERENTE
As minhas relações sempre e muito estreitas com Waldemar Pedrosa justificam, a rigor, a conseqüente intimidade com a sua vida e com a sua obra, das quais era imperativo fazer um documentário para conhecimento dos porvindouros, isto porque os contemporâneos prazerosamente se afeiçoaram à sua ação e à sua criação, aquela assaz difundida e benfazeja em multivariedade construtiva e esta representada por alentada bagagem literária e científica, mediante diversos opúsculos isoladamente impressos.
Ainda em sua vida fecunda, experimentei a honra de lembrar ao então Governador Arthur Cezar Ferreira Reis, que iniciara, oficialmente, algumas séries de publicações de obras da pena de amazonenses ou sobre assuntos regionais, a inclusão, na “Série Eulário Chaves”, de cunho jurídico e em homenagem ao idealizador da antiga Universidade de Manaus, a primeira fundada no Brasil, em 1909, do trabalhos do inolvidável conterrâneo, sugestão prontamente acolhida pelo eminente historiador e que levou a coordenar e revisar, à inteira revelia do autor a ser republicado, as produções constantes do livro “Problemas de Direito e Estado”, Editora Sérgio Cardoso, Manaus, 1966, e que são as seguintes: “A Socialização do Direito” (conferência), “A Anterioridade da Lei” (palestra), “A Extinção dos Mandatos Legislativos em face da Constituição” (parecer e discurso), “Os Crimes de Responsabilidade, sua Doutrina e Definição Legal” (prolusão histórica e projeto de lei) e “O Brasil na Comissão de Tutela da Organização das Nações Unidas" (discurso e relatório).
Não se tendo cogitado, na referida estampa gráfica, de um selecionamento, mas de simples coletânea no campo estritamente jurídico, para o aproveitamento da oportunidade governamental, necessário se faz complementar aquela conveniente iniciativa, agora através de empreendimento particular, no sentido de dar-se à publicidade nova o mais variada reunião de trabalhos do saudoso amazonense em áreas específicas, ainda esparsos e ameaçados de breve extinção ou esgotamento das respectivas edições, algumas das quais reduzida a um único exemplar pertencente ao arquivo do digno extinto, ora em poder do seus familiares.
Eis a razão fundamental do presente livro, que não é integralmente de minha autoria, nem se cinge a ser mera biografia do grande morto, porém, muito ao contrário, terá sua lavra repartida com o próprio biografado, várias de outras produções absoluta exce-ção feita das compiladas mio volume “Problemas de Direito e Estado”, servem para comprovar a interpretação efetuada à margem da atuação do estudioso abnegado, do impretérito defensor criminal, do escritor do bom estilo, do administrador consciente, do parlamentar zeloso e do magistrado impoluto, que, sendo como realmente foi um modelo humano, viveu toda uma existência feliz, no percurso de luminosa trajetória.
O que se tem em mira publicar não é apenas o elogio de certeza merecido e até reclamado por sua memória a ser eternamente exaltada, mas o que se objetiva compendiar, de jeito mais convincente e de forma mais duradoura, é uma síntese de sua múltipla atividade mental, em cada um dos setores em que efetiva e cintilantemente pontificou com obra imorredoura, naturalmente acompanhada de apontamentos a respeito de sua admirável convivência humana.
O plano deste livro, menos biografia do que documentário, tem portanto um feitio modesto, embora expressivo, de conformidade com o compromisso que assumi comigo mesmo: em cada capítulo, de início versando ângulos da vida de Waldemar Pedrosa, com fatos reais descritos sem excessos, um texto dele próprio relacionado com o enfoque biográfico, desse modo perfeita e satisfatoriamente documentado.
Daí, sem dúvida, o subtítulo elucidativo e despretencioso: notas biográficas e textos documentais, porque, na verdade, eu entendo, como aliás ele também entendia, que a louvaminha não possui nem propósito nem valor.
O que tem sentido e mérito, fazendo exemplo ou paradigma, é a inteligência e a dignidade que emolduram um homem, cujo saber pode ser comprovado como o do Waldemar Pedrosa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário