sábado, 28 de junho de 2008

A HISTÓRIA DOS AMANTES, 8

Fomos para Búzios.
Mas, apesar de tudo, algumas vezes eu sentia indisfarçável e indefinível aborrecimento. Era quando eu começava a pensar que ela só estaria comigo por pouco tempo. Ou a percebia no meio de um certo vazio em que ela nada tinha para me dizer.
Tudo resistia à clareza com que eu tentava explicá-la no meio do que vivia. Expor minhas teses. Que a vida dela em Búzios, eu inicialmente pensava, estava ficando monótona, desagradável, longe do cenário político.

Mas eu estava enganado, conforme depois vi.
Todavia ela nada revelava do que estava se passando.

Sim, Val se desarticulava e era em vão que eu tentava rearmá-la no curso de minha ficção, ela não agüentando mais, eu unindo as partes que se soltavam dela, não deixando que seus detalhes mais importantes se perdessem, se desarticulassem. Mas ela se afinava, se adelgaçava e enfraquecia progressivamente, e eu não lhe podia valer. Nada a reanimava, nem mesmo nossas idas ao Rio, como a em que fomos conhecer Nara Leão no show «Opinião», e quando fomos ver «Vidas secas» de Nelson Pereira dos Santos e «Deus e o diabo na terra do sol» de Gláuber.

Mas Val não quis mais ir naqueles meses ao Rio com freqüência, pois seus amigos da CGT estavam presos, a UNE arrasada, os sindicatos sob intervenção militar.

Sim, começo a compreender que um dos meus fracassos com ela fora o casamento, que eu não devia nem podia ter casado, que tenho de viver na solidão somente para não desarticular o outro. Mas era um erro de que eu não me queria arrepender e de que não me arrependo até hoje, pois tinha sido uma necessária experiência.

Foi então que, inesperadamente, inexplicavelmente e de modo súbito e louco - Val disse que estava grávida.

Eu já devia ter notado que a nossa união se dava no meio de uma crise movida pela inexistência de outra motivação em minha vida, não sendo causa mas conseqüência vital.
O abismo onde sempre tenho a tentação de poder escorregar e cair como quem pisa cauteloso sobre uma ponte de tabuas podres se mostrava na minha frente. Mola do meu medo, castigo do meu casamento.

O fato de que Val nunca engravidava era para mim um permanente passaporte ao perigo da liberdade, que nada nos prendia se não tivéssemos filhos. A loucura básica do meu temperamento amante se dava na aparente e frágil solidez da nossa união, desde jovem, assegurada legalmente agora como eu sempre busquei nela, ela tão avessa à qualquer ligação duradoura. Mas a porta que ela deixava permanentemente aberta era um ponto de fuga que me ameaçava apunhalar pelas costas e a punha à salvo da desgraça de uma inevitável prisão - tese aliás de minha autoria - e o que eu poderia conseguir seria pedir que ela não me abandonasse em caráter definitivo, ou seja, nada a sério que viesse a me amedrontar ou corroer e desamparar. Ela podia sair - desde que voltasse!

Eu descobrira, então, que o fundamento de sua permanência, mesmo casada comigo, era só ilusória condição: ela poderia retirar-se a qualquer momento, cortando os laços frágeis da sua dependência com que se unira a mim, ela afetiva e emocionalmente para sempre emancipada.


Tudo isso eu considerava, explicando que era assim porque não tínhamos tido filhos - falta que fazia de nós um casal de certa maneira "errado".
Mas agora, pouco tempo depois de Carlos a possuir com aquela intensidade, o ter ela engravidado explodia em mim como uma bomba destruidora de tudo, como uma arrasadora arma que eu não podia assimilar de imediato.

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