MÃOS AO ALTÍSSIMO
"Uma menina síria de quatro anos teria levantado as mãos para o alto como se estivesse se rendendo ao confundir uma câmera fotográfica como uma arma. A imagem comovente foi compartilhada pela fotojornalista Nadia Abu Shaban no Twitter."
Mãos ao Altíssimo!
BERNARDINA DE OLIVEIRA
"Menina síria!
Olhar que derruba mundo em partes desiguais.
Olhar sábio de cores ingênuas.
Lábios afinados de tristeza,
Mãos sobre cabeça,punhos de anjo forte.
Emolduram homem que foge,
Choro contido
Sangra noite enluarada.
Holofote de longas franjas constrange,
Sopro no curso dos mares,
Desvio no ventre dos rios.
Burburinho nas cidades!
Faces coradas e belas,
Extrema-unção de estrelas ,
Agasalhada discrição,
Ponto cego no voo da águia ,
Contorcida árvore aprisiona cenário:
Tijolos, saibro e céus.
Insígnia cravada neste milênio de amarras.
Muito quente! Muito quente! Gritara a vietnamita!
Olhares são flechas,
Olhares são rosas sem espinhos,
Espinhos são olhares dentro de nós,
Estilhaços de cobre e chumbo.
Acendam verdes semáforos!
Curvem-se todos:
- Essa menina precisa passar!"
Bernardina de Oliveira
Bernardina de Oliveira, Mineira. Residente no Rio de Janeiro desde 1960. Professora (Português-Literaturas); Mestre em Comunicação (ECO-UFRJ). Pesquisadora do Patrimônio Imaterial- RJ -(SEC-RJ). Prêmios: Vencedora do V concurso Roquette-Pinto: roteiro para TV; ABL e Folha Dirigida: Tema: “Devemos ver com os olhos livres”(2º lugar). Poemas publicados nas coletâneas “Terça ConVerso no Café”. Livros: Poemas: "Mulher de Pedra" (1998); “Cada um com cada qual” (2000); "Tempo de Ninguém" (2006).
espelho-d'água
homem contemporâneo
deus de alguma coisa
vitrines e aglomerados
íntegro homem de agora
não pergunta nada
não quer saber de mais nada
esgotou-se na fonte
espelho d'água
COROAÇÃO
Bernardina de Oliveira
sinal amarelo
entre via láctea
e buraco negro
furo na orelha
farpa nas mãos
hena nos pés
batman bate tambores
e naja se ergue
das subterrâneas águas
cinza do dragão
que bate asas ao léu
mosca na sopa de cogumelos
nem fria nem morna ou quente
nem Einstein nem Santos Dumont
nem bandeira nem cachimbo da paz
grito solto nos lagos , rios e mares
tudo que se arrasta, voa e nada
do Pacífico ao Atlântico Sul
semáforo queimado e girassóis ao vento
solto legado da nossa miséria
tapa de mãos enluvadas
beijos no beco vadio
portas escancaradas
candelabros alumiando
como vagalumes urbanos
do Pão de Açúcar
bromélias florecem
e escorregam régias
sobre sóbria face
do ancião
( Rio de Janeiro, 14 de março de 2020)
PRIMEIRA CHUVA DE VERÃO
História desfolhada,
tosca luz na sombra,
primeira chuva de verão.
Corpo esculpido na pedra,
talhados traços.
Cidade desperta
volta às cavernas,
corte nas mãos,
ângulos da mesma vela.
JOGO
Querer o quê?
Olhar entre séculos?
Caminhadas serviram aos reis,
catedrais serviram aos reis,
mausoléus serviram aos reis
e o metrô nem chega ao meu reino!
Ainda me guio pelas estrelas.
Passos não se perdem.
Em verdade há ausência de flores
na praça onde o saxofonista toca a vida,
equilibrado momento de notas e arranjos.
Querer o quê?
Mulher faz o jogo,
homem faz o jogo.
Jaz um hiato
no gramado simétrico
do amor.
TEMPO DE NINGUÉM
Tempo de ninguém,
competente tempo.
Rumo desperto
cruzamento à parte,
volta incompleta.
Amor se desdobra,
hospedeiro amor
das horas todas.
Linha do corpo,
tecida batalha.
aprendiz olha
paisagem de fundo.
Músicas transitam
e o canto das águas
se rende à paixão.
Nem vida nem morte,
coração aos pulos,
tempo de ninguém.
CADA UM COM CADA QUAL
Cada um com cada qual!
Silêncio dos quartos,
três cômodos e quatro solidões...
Saudades se insinuam,
risos quebram silêncio da rua arborizada
corrompendo pedras portuguesas
desalojadas dos mosaicos.
Anjos perambulando entre mortais.
O que há de errado?
Selvagens farejam questões sublimes!
Salvas de prata
recolhem raízes
e vôo de pardais.
Cada um com cada qual
onde o mundo adormece,
acordando sonho das águas,
ócio das insônias!
Cada um com cada qual!
VÔO RASO
Palavra solta
à cata do mundo.
Lasca vermelha da florada.
Desfaz-se parte por parte,
ponto por ponto.
Palavra armada,
incandescente corpo em vôo
nas ruas do Rio
DÁDIVA
Cidade, dama das almas,
mil sonhos e um só parecer.
Trajeto caçador de sombras,
canção fragmentada do amor.
E o olhar não se perde, acostuma.
e a solidão não se finda, associa.
Cidade, dama das vidas:
tudo que quero cabe na concha da sua mão.
AMANTES DA CHUVA
Paisagem
deságua silêncios.
Cheiro de barro nas mãos do artista.
Delicados contornos
quebram rigor da tempestade.
Tudo é neblina!
Nobreza é água livre dos seus cursos.
Espaço clama por plantadores de flores silvestres.
Braços se desfazem das muralhas
no alinhamento das pedras.
Exata dimensão
dos amantes,
dos amantes da chuva.
PELE DE BRIM
Em saber
que também canta
indiferente,
também canta,
canta, canta, canta...
Olhar finito exposto
para essa nova
das janelas
de pássaros de barro
acolhidos sob pele de brim...
Devota rotina
se destaca do luar.
vaidade assim talhada,
arrogante entre azuis
da noite
constrangida
surpreendentemente
entreaberta
ao corpo urbano
do amor.
Canto da baleia
Final de inverno,
Pia Cotovia,
Canto esquerdo do quarto,
Bate fora bem-te-vi.
Vivalma faz coro!
Trem ancorado
E sino de bronze
Tange velho século,
Em sepulcro de agora.
Rostos flácidos se ocultam,
Saibro no mapa da plataforma.
Pôster de família
Flutua solto da dourada moldura,
Breve espaço no retângulo borrado,
Colares e gravatas se
equilibram
Na palma da mão.
Olhar no olho do amigo
Em adiantado estado de solidão,
Sorrindo do outro lado do mundo,
Hostel aberto à visitação.
Hora ou outra vez,
quiçá...
Paciente – tocata do
trem,
Pés agitados no ritmo das rodas,
Linhas aquecidas pela exposição,
Condutor se ausenta,
De ponta a ponta,
Cede lugar ao estrangeiro!
Tempestade na montanha,
Nômade se curva como hera!
Carpideiras libertam-se
das tocas,
Precipitam-se das cascatas,
Enredadas em viscosas
bolhas!
Da poltrona embolorada
Zarpam-se risos
trêmulos.
Sol enviesado nos
estilhaços da vidraça,
Ensurdecedora freada dos vagões.
Moedas soltas nos trilhos...
Ao longe, ondas preguiçosas
Balouçam-se para
ninar baleia com recém-nascido às costas
E o leite jorra mar adentro.
Véu da cristalina fonte,
Molhados lábios sedentos.
Olhos congelados no retrovisor!
- Atentem-se às malas e agasalhos,
É a jornada. (Bernardina de Oliveira)
2 comentários:
que belezaaaaa!!!!!!!!
Elegante, intensa.Doce.
Bernardina, ela e suas criações.
celia
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