domingo, 3 de abril de 2011

AFRANIO PEIXOTO - HISTORIA DO BRASIL















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HISTÓRIA DO BRASIL

Afrânio Peixoto


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História do Brasil
Afrânio Peixoto (1876-1947)

Fonte digital
Digitalização da 2ª edição em papel
Biblioteca do Espírito Moderno - Série 3.ª - História e Biografia
Cia. Editora Nacional - 1944

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[eBookLibris: Edição só texto - Ilustrações e imagens apenas indicadas]
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© 2008 Afrânio Peixoto
USO NÃO COMERCIAL * VEDADO USO COMERCIAL



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HISTÓRIA
DO
BRASIL

Suceda o que suceder, o Brasil será
sempre uma herança de Portugal.
ROBERT SOUTHEY — “História do Brasil”.
Londres, 1819, v. 3.º, c. XLIV, págs. 697.


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O Autor
Afrânio Peixoto (Júlio A. P.), médico legista, político, professor, crítico, ensaísta, romancista, historiador literário, nasceu em Lençóis, nas Lavras Diamantinas, BA, em 14 de dezembro de 1876, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 12 de janeiro de 1947. Eleito em 7 de maio de 1910 para a Cadeira n. 7, na sucessão de Euclides da Cunha, foi recebido em 14 de agosto de 1911, pelo acadêmico Araripe Júnior.

Foram seus pais o capitão Francisco Afrânio Peixoto e Virgínia de Morais Peixoto. O pai, comerciante e homem de boa cultura, transmitiu ao filho os conhecimentos que auferiu ao longo de sua vida de autodidata. Criado no interior da Bahia, cujos cenários constituem a situação de muitos dos seus romances, sua formação intelectual se fez em Salvador, onde se diplomou em Medicina, em 1897, como aluno laureado. Sua tese inaugural, Epilepsia e crime, despertou grande interesse nos meios científicos do país e do exterior. Em 1902, a chamado de Juliano Moreira, mudou-se para o Rio, onde foi inspetor de Saúde Pública (1902) e Diretor do Hospital Nacional de Alienados (1904). Após concurso, foi nomeado professor de Medicina Legal da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1907) e assumiu os cargos de professor extraordinário da Faculdade de Medicina (1911); diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro (1915); diretor da Instrução Pública do Distrito Federal (1916); deputado federal pela Bahia (1924-1930); professor de História da Educação do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (1932). No magistério, chegou a reitor da Universidade do Distrito Federal, em 1935. Após 40 anos de relevantes serviços à formação das novas gerações de seu país, aposentou-se.

A sua estréia na literatura se deu dentro da atmosfera do simbolismo, com a publicação, em 1900, de Rosa mística, curioso e original drama em cinco atos, luxuosamente impresso em Leipzig, com uma cor para cada ato. O próprio autor renegou essa obra, anotando, no exemplar existente na Biblioteca da Academia, a observação: “incorrigível. Só o fogo.” Entre 1904 e 1906 viajou por vários países da Europa, com o propósito de ali aperfeiçoar seus conhecimentos no campo de sua especialidade, aliando também a curiosidade de arte e turismo ao interesse do estudo. Nessa primeira viagem à Europa travou conhecimento, a bordo, com a família de Alberto de Faria, da qual viria a fazer parte, sete anos depois, ao casar-se com Francisca de Faria Peixoto. Em 1906, submeteu-se às provas do concurso em que ganharia as cadeiras de Medicina Legal e Higiene. Quando da morte de Euclides da Cunha (1909), foi Afrânio Peixoto quem examinou o corpo do escritor assassinado e assinou o laudo respectivo.

Ao vir ao Rio, seu pensamento era de apenas ser médico, tanto que deixara de incursionar pela literatura após a publicação de Rosa mística. Sua obra médico-legal-científica avolumava-se. O romance foi uma implicação a que o autor foi levado em decorrência de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, para a qual fora eleito à revelia, quando se achava no Egito, em sua segunda viagem ao exterior. Começou a escrever o romance A esfinge, o que fez em três meses. O Egito inspirou-lhe o título e a trama novelesca, o eterno conflito entre o homem e a mulher que se querem, transposto para o ambiente requintado da sociedade carioca, com o então tradicional veraneio em Petrópolis, as conversas do mundanismo, versando sobre política, negócios da Bolsa, assuntos literários e artísticos, viagens ao exterior. Em certo momento, no capítulo “O Barro Branco”, conduz o personagem principal, Paulo, a uma cidade do interior, em visita a familiares ali residentes. Demonstra-nos Afrânio, nessa páginas, os aspectos da força telúrica com que impregnou a sua obra novelesca. O romance, publicado em 1911, obteve um sucesso incomum e colocou seu autor em posto de destaque na galeria dos ficcionistas brasileiros. Na trilogia de romances regionalistas Maria Bonita (1914) Fruta do mato (1920) e Bugrinha (1922), que foi violentamente criticada pelos modernistas, é importante a análise psicológica das personagens femininas.

Dotado de personalidade fascinante, irradiante, animadora, além de ser um grande causeur e um primoroso conferencista, conquistava pessoas e auditórios pela palavra inteligente e encantadora. Como sucesso de crítica e prestígio popular, poucos escritores se igualaram na época a Afrânio Peixoto.

Na Academia, teve também intensa atividade. Pertenceu à Comissão de Redação da Revista (1911-1920); à Comissão de Bibliografia (1918) e à Comissão de Lexicografia (1920 e 1922). Presidente da Casa de Machado de Assis em 1923, promoveu, junto ao embaixador da França, Alexandre Conty, a doação pelo governo francês do palácio Petit Trianon, construído para a Exposição da França no Centenário da Independência do Brasil. Ainda em 1923, deu início às publicações da Academia, numa coleção que, em sua homenagem, desde 1931, tem o nome de Coleção Afrânio Peixoto.

Afrânio Peixoto procurou resumir sua biografia o seu intenso labor intelectual exercido na cátedra e nas centenas de obras que publicou em dois versos: “Estudou e escreveu, nada mais lhe aconteceu.”

Era membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia das Ciências de Lisboa; da Academia Nacional de Medicina Legal, do Instituto de Medicina de Madri e de outras instituições.

Principais obras: Rosa mística, drama (1900); Lufada sinistra, novela (1900); A esfinge, romance (1911); Maria Bonita, romance (1914); Minha terra e minha gente, história (1915); Poeira da estrada, crítica (1918); Trovas brasileiras (1919); José Bonifácio, o velho e o moço, biografia (1920); Fruta do mato, romance (1920); Castro Alves, o poeta e o poema (1922); Bugrinha, romance (1922); Dicionário dos Lusíadas, filologia (1924); Camões e o Brasil, crítica (1926); Arte poética, ensaio (1925); As razões do coração, romance (1925); Uma mulher como as outras, romance (1928); História da literatura brasileira (1931); Panorama da literatura brasileira (1940); Pepitas, ensaio (1942); Obras completas (1942); Obras literárias, ed. Jackson, 25 vols. (1944); Romances completos (1962). Além dessas, publicou obras de outros autores e numerosos livros de medicina, história, discursos, prefácios.

Fonte: ABL


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ÍNDICE
Prefácio

I — ANTECEDENTES
Cavilização mediterrânea
As especiarias
As navegações
Comércio

II — REVELAÇÃO
A segunda armada: o Brasil
A data
O descobrimento
O nome
A terra
A gente
Ainda Cabral
Precursores de Cabral

III — PRIMEIRO SÉCULO
Homens e fazendas
Brasil, sem proveito
Capitanias
Governo Geral
O “Brasil Esquecido”

IV — PRIMEIRO SÉCULO (II)
Os primeiros governadores
Os Franceses
Entradas e bandeiras; cativeiros, resgates, descimentos
Fim de Nóbrega, Mem de Sá, D. Pedro Leitão
A situação de Portugal

V — SEGUNDO SÉCULO
Os Franceses no Maranhão
Os Holandeses no Brasil
A restauração de Portugal e a de Pernambuco
Entradas e bandeiras. Escravidão vermelha
Escravidão negra
Monopólio e rebeldia
Remate

VI — TERCEIRO SÉCULO
Emboabas
Mascates
Os Franceses no Rio de Janeiro
“Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas”
As minas gerais
Limites com Espanha
Jesuítas
Pombal
Sintomas de rebeldia

VII — QUARTO SÉCULO
A Família Real e a Corte acolhem-se no Brasil, tornado metrópole do Reino Unido. Desenvolvimento correlato. Torna D. João VI a Portugal. D. Pedro e a Independência. Abdicação de D. Pedro I

VIII — QUARTO (II) E QUINTO SÉCULOS
A Regência
D. Pedro II
Guerra com o Paraguai
Abolição dos escravos
A República


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PREFÁCIO
A história não é um arquivo, ou relicário de memórias evocadas: seria de pouco préstimo. Ao contrário. A história é uma criação contínua da vida. Além do documento, que aparece todos os dias, alterando o juízo, esse juízo, com o mesmo documento, muda com as gerações, dada a sensibilidade diferente das gerações sucessivas... A evocação deve ser animada para ser ressurreição. Daí o dito razoável de historiador contemporâneo, Jacques Bainville: de vinte em vinte anos devia-se reescrever a história.

A do Brasil ainda não foi escrita: mas há ensaios. Meio milhão de documentos, no Arquivo Colonial, em Lisboa, estão à espera dos pesquisadores. O grande ensaio de Varnhagen e seus colaboradores, (só porque pesquisou alguns documentos) de tão bom, já é como missal, de que as notas de Capistrano e Garcia são como iluminuras. Afonso de Taunay, último bandeirante, não tornou ainda, rematando a História Geral das Bandeiras. Só agora aparecem os primeiros tomos das revelações econômicas de Simonsen. Pedro Calmon ensaia um sentido da civilização no Brasil. Está começando a História da Companhia de Jesus no Brasil do Dr. Serafim Leite, S. J., sem a qual, dissera Capistrano, não se poderia escrever a própria história do Brasil. Fora longo citar todos os ensaios, volumosos alguns, de grande mérito. Esse é mais um ensaio...

Exíguo, limitado, como ensaio confessado, que é: apenas o Brasil vem de Portugal, que está no mundo: coméço do comêço, como deve ser. Por vezes raio pela moral e pela sociologia: não inovo, se, para os clássicos, as datas e fatos faziam apenas documentos, para ser acreditada a história de “mestra da vida”. Isto é velho, mas é renovado, pela opinião de Benedetto Croce, quando diz que toda história é história contemporânea. A humanidade não é tão original, que não se repita.

Mas o ensaio tem razão de existir. Duas vezes, na vida, obrigaram-me à promissória: a Academia Brasileira, fazendo-me seu, obrigou-me a escritor; a Academia Portuguesa da História, elegendo-me, inesperada e surpreendentemente, obriga-me a cumprir comigo, e é disto culpada. Justificado, entretanto, o ensaio... Na hora de um duplo centenário, o da fundação e o da restauração da nacionalidade, o que um brasileiro patriota, de melhor, pode oferecer, à Pátria da sua Pátria, é a história mútua, essa história da América Portuguesa, história do Brasil...
(1940)


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I
ANTECEDENTES
Civilização mediterrânea. — As especiarias. — Portugal. — As navegações. — Comércio. — As Índias. — O Brasil.

CIVILIZAÇÃO MEDITERRÂNEA
A comunicação entre homens é a causa primeira da civilização: nestes contactos, a convivência multiplica ações e reações psicológicas, que se tornam experiências e colaborações inovadoras e afinam o homem em sentimento, inteligência, vontade, como fazem iniciativas, empresas, progresso social.

O maior incentivo da comunicação é o interesse, todos os interesses, dos mais imediatos e prementes, aos mais transcendentes e espirituais. O gozo comum das utilidades, depois a fruição pessoal delas, a troca entre posses, finalmente o tráfico — trabalho, indústria, comércio, já civilizado ou intercâmbio. Montesquieu pôde, pois, dizer: “A história do comércio é a história da comunicação dos povos”.

Antes de um domínio, de qualquer maneira social, os Gregos disseminados pela bacia do Mediterrâneo, entre si comunicantes, criaram mais do que a Grécia, — Creta, Micenas, Argos, Esparta, Tebas, Atenas... efêmeras expressões políticas — fatos apenas mais impressionantes — criaram o Helenismo, disperso por todo o Mediterrâneo, fazendo ao mundo de então, e ainda ao de hoje, uma incomparável irradiação de poder, indústria, espírito e moral, que conquistaram a terra. E, do Mediterrâneo, essa cultura transbordou e penetrou em continentes longínquos: antes de Alexandre chegar às Índias, traficantes gregos tinham chegado à China. Antes de os Cruzados nórdicos virem civilizar-se no Mediterrâneo, ao contacto do Império Cristão do Oriente, já Fenícios, Cartagineses, Gregos, Romanos tinham devassado o Mar do Norte, até a última Tule. O périplo de Hamon é meio circuito da África. Ofir ou Sofira, na Bíblia, é Sofala, na Índia. A comunicação fora acendendo pequenos focos de cultura, dispensando o prestígio político, tardio e ineficiente para tanto. A Europa conheceu o Oriente, que lhe veio, penosamente, pelas caravanas, da Índia ao Mediterrâneo.

AS ESPECIARIAS
Conheceu a Europa, assim, as especiarias dos trópicos. Esse supérfluo tornou-se necessário. O clima ajudara a religião a vestir os homens e, demais, a evitar os banhos — Michelet pôde dizer, da Idade-Média: nem um banho, em mil anos! — E, no corpo não lavado e na roupa não mudada — a roupa branca interna, a camisa, começa a aparecer só depois de 1330 — as excreções fazem repugnância, incomodidade, repulsão. Os perfumes tropicais, sândalo, mirra, benjoim, incenso, misturas, essências, cânfora, tinturas, foram um alívio e um deleite. Com as essências e os perfumes, o suntuário que agrada à vista, tapetes, sedas, cetins, telas, damascos, jóias, porcelanas, mil objetos exóticos invadiram a Europa e tudo era “especiaria”.

Mas, as dominantes, eram as do gosto. A Europa não aprendera ainda a sucessão sazonal das colheitas, nem tinha como guardar alimento, da estação calmosa para a estação fria. Por faltar forragem aos bovídeos, durante o inverno, eram abatidos, os mais deles, em Novembro, aos primeiros frios, em todo o Norte, e salgada a carne para o consumo dos meses seguintes. Não havia a batata, que é americana, nem os legumes já eram do hábito da mesa, nem a estação os permitiria. O regime alimentar era, pois, severo e ingrato: trigo e carne salgada. O tempero, as especiarias tropicais, pimenta, cravo, canela, gengibre, noz moscada... foram bênçãos do céu... festa do apetite e alegria do gosto. Dado o hábito, tal suntuário transforma-se na mais exigente necessidade. O parco mel de abelhas teve o sucedâneo milagroso do açúcar, a princípio nas boticas, de tão precioso, depois nas mercearias. O chá, o café, o cacau, como fora o álcool, viriam a ser delícias desse gosto, tanto e tão severamente tratado durante séculos.

Por isso, o comércio de especiarias do Oriente, das Índias, pelos desertos da Arábia e da Síria até o Mediterrâneo, ou por via de cabotagem, pelo Golfo Pérsico, Mar Vermelho, até o Istmo de Suez, para o mesmo Mediterrâneo, com escalas medrosas, comércio em que viriam a primar Gênova e Veneza, destribuidoras das especiarias ao resto da Europa, por Nurembergue, Lião, Bruges... aos portos, e ao interior da Europa medieval, esse comércio, digo, era questão tão vital à humanidade, como é hoje o senhorio dos mares pelo interesse insular da Inglaterra, que ora permite ao mundo intercomunicar-se. Antes, o enriquecimento que esse tráfico trouxera às cidades italianas, provocara o surto de cultura que é das causas do Renascimento, por isso mesmo ajudando o estímulo à competição.

Quando os Turcos tomaram Constantinopla (1453), quando suas armadas dominaram o Mediterrâneo, quando Veneza se pôs em guerra contra a Turquia, já seria a necessidade: o comércio no Mediterrâneo entrou em decadência e a Europa insistiu noutro caminho, outros caminhos empreendera para conseguir as especiarias que foram o incentivo das Navegações e da Revelação. “E, se mais mundo houvera, lá chegara”. (Lus., VII, 14).

Haviam as Cruzadas ensinado aos Nórdicos o caminho marítimo, até o fundo do Mediterrâneo: depois dos périplos piedosos, vieram os lucrativos tráficos marítimos. As conquistas religiosas haviam aproximado o Oriente de entrepostos, Rodes, Chipre, Beirute, Grécia, Egito, antes de Pisa, Gênova, finalmente Veneza, dominante, onde todo o norte da Europa tinha armazéns, feitores e representações. Comprava-se e vendia-se e a mercadoria caminhava via terrestre ou marítima. Além dos produtos exóticos, as indústrias regionais: vidros, rendas, drogas farmacêuticas, e com isso o tráfico de escravos, negros, muçulmanos, dálmatas. A moeda de ouro e prata, o primeiro banco, que datava de 1141, uma frota de 3 a 4.000 navios, governo de plutocratas servindo ao lucro individual e coletivo, tinham feito, de Veneza, a cidade cosmopolita, monopolizadora do comércio das especiarias. Isto despertaria emulação, incentivo e concorrência: os Turcos no Mediterrâneo iriam ajudá-las.

PORTUGAL
Além do Mediterrâneo, nas terras mais ocidentais da Europa, estava Portugal. Desprendido de Leão, o pequeno condado por Afonso VI doado a sua filha e genro, Dona Teresa e Dom Henrique, iria afirmar-se autônomo sob o filho deles, Dom Afonso Henriques, o primeiro rei, que já em 1137 bate Afonso VII na batalha de Cerneja: está Portugal independente e há-de crescer para o Sul... de Guimarães a Leiria, a Lisboa. Os Cruzados, de passagem (1147), ajudam-no a tomar Lisboa ao Infiel, como ajudaram Dom Sancho I a tomar Silves, a outra capital árabe do sul (1189).

Costas a Espanha, a elevada meseta pára aí, e Portugal já desce vertentes, por onde correm o Minho, o Vouga, o Douro, o Tejo, o Guadiana, até o mar. Essa descida da serra, através de degraus e socalcos, que produzem pão e vinho e azeite, e fazem a Monarquia agrária dos reis Afonsinos, irá dar, ao apelo do Atlântico, em face, provocando pescadores, ensinando a cabotagem, com a experiência e a aventura, a navegação do alto mar. Essa navegação de cabotagem, as colônias fenícias, cartaginesas, helenas — Lisboa pretende vir de Ulisses e Viana de Diómedes... — romanas, tiveram experiência, à vista, do longo curso dos mares do Norte e do Sul, nesses Cruzados. Já no fim do século XII traficantes portugueses são denunciados em Marselha e Mompilher [=Montpellier-NE]. Em 1194 naufraga no Mar do Norte, nas costas da Holanda, um barco português, carregado de mercadoria. Em 1213 João-sem-terra já autoriza mercadores portugueses a levarem a mercância a seus domínios. A escritura de concórdia de 1238, de Sancho II, o decreto aos habitantes do norte (Toti populo a minio usque ad daurium) de Afonso III, em 1253, o foral de Gaia em 1255, o de Viana em 1258, demonstraram que no inter-século XII e XIII havia tráfico useiro de comércio, com França, Flandres, Holanda e Inglaterra. Em 1293 negociantes de Lisboa fundam em Flandres uma bolsa de comércio para auxílio ao tráfico com os países setentrionais. Já Dom Fernando, em 1380, protege a marinha mercante, de naus de mais de cem toneladas, isentas de direitos sobre madeira, ferro e qualquer importação, e até de impostos “em fintas e talhas nem em sisas” e para proteger os armadores e marítimos fundara a Companhia das Naus (1). Em 1383 têm negociantes portugueses casa própria em Bruges, onde se reuniam, antes de trasladada a Antuérpia.

Se o comércio pacífico olhou o norte, o do sul exigiu a conquista. Quando Afonso III põe fora do Algarve os últimos Mouros (1249), surge a sugestão de África, do outro Algarve africano — “Alharb” é o poente ou ocidente, donde também, para os Portugueses, como para os Mouros, “Algarves d’aquém e d’além mar”, como um todo indivisível. — Este “Algarve d’além mar em África” é um apelo.

Dom Deniz [=Dom Diniz=Dom Dinis NT] ajuda a fundar, definitivamente, em Coimbra, o “estudo geral” ou Universidade, começado em 1290: é um farol espiritual, de endereço atlântico, no limite ocidental da Europa: símbolo dessa missão espiritual que ia caber a Portugal, de primeira mão — derramar a cultura mediterrânea no mundo, pelas Navegações.

No mesmo sentido importará marinheiros genoveses para pilotos e mestres de marinha militar: o Almirante Micer Manuel Peçagno, de Gênova, sucede, em 1317, ao almirante-mor lusitano e terá sempre com ele “vynte homens de Genua sabedores de mar”. (Daí esses Dória, Spinola, Cavalcanti... que passam a ser nomes nossos). É a experiência do Mediterrâneo, invocada e transplantada. O pontífice Bento XII, na bula Gaudemus, testifica que ele formava “dentro de pouco tempo marinheiros tão ousados e dextros como dificilmente se poderiam encontrar noutra parte”. Os pinhais para conter as dunas, que fizera plantar em Leiria, irão servir de sementeira às naus, assim previstas por Dom Deniz. Como quer que seja, já em 1336, sob Afonso IV, os Portugueses redescobrem as Canárias.

Se a dinastia agrária dos Afonsinos já cede aos apelos marítimos, a de Aviz far-se-á ao mar e, daí, além do tráfico, as conquistas. Com Dom João I, satisfazendo as ambições belicosas da nobreza e de luxo da burguesia, Portugal vai a África e toma Ceuta (1415): era Infiel a bater, mas o Infiel não interessa em Espanha, declinando Portugal do auxílio invocado para o expelir de Granada: Ceuta, tomada, impede a Espanha de a tomar, e Ceuta é, em Marrocos, centro de caravanas, celeiro de cereais e base militar para proteger a navegação contra os ninhos de piratas marroquinos. Dom Henrique, armado cavaleiro na mesquita muçulmana feita templo cristão, vê, ouve, pondera, para resolver. O norte de África era sonho, até o Egito, até o lendário Preste João das Índias, suposto cristão e portanto aliado natural contra o Infiel e seu comércio, que dominavam o Mediterrâneo... As especiarias pelo norte de África seriam possibilidade. Chegou-se e entrar em conversações. De 1402 a 1425 viriam seis embaixadas à Europa e cinco outras no sentido contrário, foram à Etiópia: a de 52 foi mesmo endereçada a Dom Henrique(2). Em 87 Dom João II dará o último arranco, mandando Pero de Covilhã e Afonso de Paiva em busca do Preste. A boa política exige realidades imediatas.

AS NAVEGAÇÕES
Mas Ceuta foi decepção: posto isolado em meio hostil e, ao demais, agora trocada por Túnis, pelas caravanas que vêm do Soldão com especiarias, era entretanto, como disse Dom Pedro, um dos “inclitos infantes”: “sumidouro de gente, de armas e de dinheiro”. O outro caminho, o das navegações, daria mais resultados. Dom Henrique, com as rendas do seu mestrado de Cristo, ia dar-se a elas, herdado o impulso do Pai. Ao Mediterrâneo chegara a galé, com o remo, lenta mas segura na manobra, pois o objetivo principal era a guerra. O Atlântico ia à caravela, desde 1440, de trinta metros de comprido, alta para fender as ondas, arqueação para gente, mantimentos e carga, a seis milhas ou dez quilômetros à hora, graças ao vento nas velas. “Os Portugueses inventaram o duplo aparelho: velas quadradas para o vento de popa, velas latinas para o barlavento”(3): com isto, o invento português foi este — a navegação ao largo: Colombo, que a fizera, foi aluno, e até genro, de navegante português. Depois, outros aprenderam.

Estabelecendo-se entre Sagres e S. Vicente, onde recebia os navegantes e pilotos e conversava com astrônomos e cosmógrafos, preparando seus planos de contornar a África, estavam aí simbolizados os dois endereços das Navegações: o continente negro a costear antes das Índias, o outro para o desconhecido, que será a América. E a realidade vai-se substituindo à vontade, que foi sonho. Porto-Santo e Madeira conhecidas e ocupadas em 14-23-25, os Açores em 1432, o Cabo Bojador é transposto em 34. No ano seguinte atinge-se a ponta da Galé, a 22º12’ lat. N. Em 41 Antão Gonçalves vai até aí, ao Rio de Oiro, já para carregar azeite e peles de lobo-marinho e tomar informações “das Índias e terra de Preste Joham e seer podesse” (Zurara, Crônica... da Guiné, ed. 1854, cap. XVI, p. 94). Começara a chegar ao reino mercância africana: peles, malagueta (a concorrente da pimenta indiana)(5), marfim, ouro em pó, principalmente escravos. Lançarote de Lagos traz o primeiro carregamento deles, 235 peças, das quais 46, ou o quinto, a vintena, para o Infante. Até 48, quando acaba a Crônica de Zurara, são 927 negros e 125 para o Infante. Os negros invadem Portugal e passam a Espanha, negociados por traficantes, nobres, príncipes, até por el-Rei D. Afonso V. Clenardo virá a dizer em 1535: “Os escravos pululam por toda parte: estou em crer que em Lisboa são mais que os portugueses de condição livre”. (Cf. Gonçalves Cerejeira, Clenardo, Coimbra, 1918, t. II, p. 14-5, do apêndice). Não é novidade, pois já dissera Garcia de Rezende na Miscelânea: “Vemos no reino meter tantos cativos, crescer e irem-se os naturais, que se assim for, serão mais eles que nós, a meu ver”.

Mas, em 43, alcançava-se a Senegâmbia, passava-se o Senegal, chegava-se à terra dos Guinéus, atingindo o Cabo Verde, a 14º,4’ lat. N. Em 44 era organizada a Companhia de Lagos para exploração comercial da costa, arrendado o monopólio: ainda hoje a tradição mostra, aí, o mercado dos escravos: a Casa de Guiné foi em Lagos. Em 47 dobra-se o Cabo dos Mastros. Em 60 exploram-se as ilhas de Cabo Verde.

Quando morre o Infante de Sagres, nesse ano de 1460, do Cabo Não ao Cabo Mesurado, 1.700 milhas geográficas do périplo africano estavam reveladas. O Infante não era um místico, como o romantismo quis fazer dele: era um estadista, um político, com o trato das realidades: fomentou a cultura do campo nas terras do seu Mestrado de Cristo; desenvolveu e criou indústrias novas, a pesca, o coral, a tinturaria, a saboaria, a moagem; traficou com peles, malagueta, escravos. (Cf. Jaime Cortesão, História de Portugal, ed. Damião Peres, Barcelos, 1931, t. III, p. 363). Mandou vir a cana do açúcar da Sicília para a Madeira, onde fez plantar canaviais, fundou um lagar ou engenho, importou artífices e técnicos, deu privilégio de fabrico (1452), reservando o terço da produção para o seu erário: o primeiro doce foi para presente a príncipes e nobres. Depois chegou-se a prover Lisboa de umas 120.000 arrobas por ano, para o reino e o restante para Flandres, a Provença, Sul de França, Veneza. Também fez vir de Chipre a vide doce e seca, que dá o vinho quente e generoso: dois séculos mais, o vinho Madeira terá universal renome e substituirá, na pauta, o açúcar, emigrante para a América. Açúcar, vinho generoso, malagueta, peles, ouro, escravos eram, antes das Índias, o suprimento africano das especiarias: o Atlântico já substituindo o Mediterrâneo.

Depois de Dom Henrique as navegações passam à Coroa, intensificadas por Dom João II, escoado o interregno de Afonso V, cujas proezas em África — Alcácer-Ceguer, Tânger, Arzila — são defensivas contra os ninhos de pirataria marroquina. D. João II, vivendo ainda seu pai, explora, por sua conta, — como o pai explorara escravos, a vender para Espanha, — o comércio e a pesca na Guiné, proibida a concorrência. Em 81 dará o apoio militar a esse comércio com o Castelo de S. Jorge da Mina, fortaleza que era, a um tempo, também armazém ou depósito de mercadoria, a trocar, vender e comprar. El-Rei teve até navios a frete. “O dono da nação era agora comerciante, como tinha sido em outros tempos lavrador”(6).

Mas as navegações continuaram. Em 71 é a Costa de Malagueta, a Mina do Oiro, no Rio do Lago, chegam do além do Cabo das Palmas, feito de João de Santarém e Pedro Escobar. Em 82 chega-se ao Zaire, onde já se chanta padrão de pedra; em 84, pelo mesmo Diogo Cão, ultrapassa-se o Equador, que, em 85, fica atrás, no Cabo Negro alcançado. O arranco definitivo foi, porém, a expedição de Bartolomeu Dias, para vingar, em 88, o Cabo que chamou Tormentoso, porque o dobrou em meio de tempestade, e, só de retorno, teve a noção do triunfo. Atingira e passara a meta. Dom João II mudou tal nome em cabo de Boa Esperança,(7) “pela que ele prometia — diz o cronista João de Barros — deste descobrimento da Índia, tão esperada e por tantos anos requerida”. Acabada a África, a caminho para a Índia!

Tanta era a obsessão desse caminho, que não se quis ver mais. Cristóvão Colombo, que habitara a Madeira, casado com portuguesa, filha do navegador Bartolomeu Perestrelo, concebera a idéia de chegar à Índia pelo Ocidente. Andou na Corte de Dom João II “ladrando” o seu requerimento, diz o cronista João de Barros, “vaidade” disse, dele e seu plano, um conselheiro d’el-Rei, o bispo Dom Diogo Ortiz. Foi-se a Castela, onde esteve anos, combatido e motejado, até que a piedade de Isabel a Católica lhe deu as jóias empenhadas, para três caravelas. Em 1492 chegava à América, e lá tornaria outras vezes, sem dissuadir-se que não havia, por aí, caminho para as Índias. Não importa: é a América, não se sabe o quê, mas alguma coisa grande será. Será mesmo pretexto para um ajuste de contas, dos irmãos contrários, Portugal e Espanha. Um papa espanhol, Alexandre VI (Bórgia), aproveita o momento para dividir o mundo, pólo a pólo, em duas bandas, entre Espanha e Portugal: a Bula Inter Coetera é de 4 de Maio de 1493. O Tratado de Tordesilhas, em que as duas partes limitam estas suas posses, assim doadas, é de 1494.

Portugal prosseguiria na sua direção, não mais com Dom João II, que escolhera Vasco da Gama para a empresa dos Lusíadas, porque morre, mas recolherá Dom Manuel a glória de chegar às Índias, em 1497. O Infiel pode dominar o Mediterrâneo: as especiarias têm outro caminho, finalmente, para chegar à Europa. O monopólio era de Veneza: passa a Lisboa(8). A pimenta comprada na Índia a três cruzados o quintal, chegará no Egito a oitenta, e muito mais em Veneza, pois vai escasseando tanto, que as expedições tornam vazias, sem um fardo... Depois de Vasco da Gama custará menos de trinta cruzados, em Lisboa, e haverá a que se queira...

COMÉRCIO
Essa pimenta, rainha das especiarias, não é apenas um tempero, mas um símbolo: são as Navegações, as Índias, Portugal que abandona a Europa atrás dela(9), e encontra o mundo em caminho... É o que diz o Soldado Prático Português, de um competente contemporâneo, Diogo do Couto: “o descobrimento da Índia todo foi fundado sobre a pimenta” (Cap. XXIII, p. 97), “a cousa da Índia em que mais se põe os olhos” (Cap. XVIII, p. 77). Por isso o pio Gaspar Corrêa diz dela, com propriedade, “lume dos olhos de Portugal” (Lendas da Índia, t. II, L. II, Cap. I, p. 7) e o que é mais, atribui o pensamento a el-Rei e a Afonso de Albuquerque. Todo o reino, do rei ao menor súdito, sonha com a pimenta ou a riqueza. Único ou “todo” será exagero: negá-lo, seria esconder a evidência.

A “Casa da Guiné” fora em Lagos; a “Casa da Guiné e da Mina” já era em Lisboa; a “Casa da Índia” vai suceder às precursoras, e é principalmente a pimenta sucedendo aos escravos, ao ouro, às peles, à malagueta, à pimenta africana. A Casa da Índia não era apenas um entreposto, um armazém, era um ministério, vários ministérios. A princípio nobres e comerciantes e a tripulação dos navios eram sócios, depois o Estado, na regra, chamou tudo a si. Os feitores ou feitorias no Oriente compravam a especiaria, com dinheiro e mercadoria que iam do reino, armazenavam-na e, nas armadas, despachavam a mercância, em fardos do peso de quatro quintais, além das “quintaladas” da tripulação. Em Lisboa descarregava na Casa da Índia, armazém, alfândega e bolsa que negociava por conta própria e dos sócios da empresa, o Estado ou el-Rei, os mercadores, os donos das quintaladas. Vendia pelo preço que fixava, fixando a quantidade, para não desvalorizar o produto. As praças de Flandres e Holanda, Alemanha ou Itália tinham seus agentes, de grandes firmas, Fuggers, Welser, Hoschstetter, Affaitati, Gualterotti, Frescobaldi... que possuíam o privilégio da distribuição. À Casa da Índia convergia tudo; dela é que tudo saía. O movimento por isso era tal que, diz Damião de Góes, houve ocasiões em que as partes tiveram de volver nos dias seguintes, por não haver possibilidade de contar dinheiro a pagar: fato inaudito — não receber, por falta de tempo... O dinheiro, intermediário universal, foi português: se a Guiné daria o nome dos “guinéus” pelo seu ouro, o cruzado português foi, como a libra ou o dólar de hoje em dia, moeda comum. A bolsa de Desdêmona, no Othelo de Shakespeare, estava cheia de cruzados: my purse full of cruzadoes (Othelo, III, 4).

O rei era o primeiro negociante(10). Os fidalgos imitam o soberano. Os da Casa de Bragança foram dos mais diligentes e ambiciosos. “A Corte era verdadeiramente uma grande casa de negócio”(11). Não havia desdouro nisso, bem pelo contrário. Não foi só pela honra, que o comando das armadas e das naus era dado a homens nobres, que desconheciam a navegação. Quando um rei quer pôr cobro a isso, atendendo aos desastres que esses imperitos trazem à marinha, os fidalgos protestam e dá-lhes razão o Conselho Ultramarino(12).

E não comandam apenas armadas e naus: são armadores de navios de comércio e transportes. Na armada que descobre o Brasil, comandada pelo fidalgo Pedro Álvares Cabral, “marinheiro de primeira viagem”, dois dos treze navios são de nobres comerciantes, um do Conde de Porto Alegre, aio de el-Rei, o outro de Dom Álvaro, filho do segundo duque de Bragança, sócio do mercador Bartolomeu Marchioni(13). Na armada de Tristão da Cunha, uma das naus era propriedade do Capitão-mor(14). Nas contas da Casa da Índia figura a nobreza e não se exclui nem o ilustríssimo Afonso de Albuquerque que, só na frota de 1509, tem mercadoria de mais de um milhão de reais. Um comandante de armada, Dom Luiz de Almeida, compra o posto ao Conde da Torre por cinco mil cruzados, e a Lopo Soares, nomeado Governador da Índia, propõe Dom Manuel desistir do posto por vinte mil cruzados, ou quatro mil contos de hoje, que o ambicioso recusou: não seria só pela honra.

O paço do rei, da família real, da corte, era junto à casa de negócio: “como qualquer morador da escola antiga, Dom Manuel estabeleceu a residência no local do seu comércio”(15). Onde hoje, no Terreiro do Paço, em Lisboa, à direita, olhando o rio, estão vários ministérios, estavam os Paços da Ribeira e seguia-se-lhes a Casa da Índia.

A tanto chega “o gosto da cobiça”, verberada pelo Épico (Lusíadas, X, 145), como antes Garcia de Rezende, na Miscelânea, fizera a esse “muito negociar”, que, em 1538, quando Dom João III pensa em mandar, à Índia, uma armada de quarenta naus para se opor à dos Turcos, em preparativos para expelirem os Portugueses de seus domínios orientais, muitos fidalgos que usufruiam comendas se furtaram e aos filhos. “Alegavam que o descobrimento se fizera para fins de trato e comércio e não, como as conquistas de África, de guerrear os infiéis”(16). À insistência do soberano apelam para a Mesa da Consciência que lhes deu razão(17). Aliás a política dos homens e dos Estados sempre foi feita de realidades: a interpretação, à posteriori, é que é tendenciosa, falsificando, com as idéias, os fatos. Na época ninguém cuidou em dissimular isto, de que não há vergonha. Dom Manuel, dando conta aos reis de Espanha da viagem do Gama, diz: “da dita especearya e pedrarya nam trouxeram logo tanta soma, como poderam, por nam levarem pera ello aquella mercadorya, nem tanta, como convynha”. (Alguns documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa, 1892, p. 96). As expedições seguintes levarão mais dinheiro e trarão mercadoria que farte. Vasco da Gama e Pedro Álvares levavam intuitos pacíficos e muita recomendação para isso(18). Foram interesses opostos, de Venezianos, de traficantes orientais na frente deles, que deram ocasião às insídias, represálias, desatinos, de parte a parte, que se descrevem nos Lusíadas e nas Crônicas. Isto é que dá lugar a que os Portugueses, com os Dom Francisco de Almeida, Duarte Pacheco Pereira, principalmente Afonso de Albuquerque... fundem, sobre a violência e a força militar, o Império português do Oriente, consoante o que disse o Épico: “Quem não quer comércio busca a guerra”. (Lus., VIII, XCII). Entenda-se, não o querem com os Portugueses, porque o têm tratado com os Venezianos: ainda hoje é a competição do interesse que decide, por fim, a guerreira; o imperialismo militar é o nome “patriótico” da irredutível economia... A mercadoria indiana — canela, pimenta, cravo, gengibre, noz moscada, sândalo, benjoim, cânfora, perfumes, porcelanas, pedrarias, sedas — ia a Meca, ao Cairo e daí ao Mediterrâneo. Foi isto que os Portugueses impediram, pelo prestígio da força, baldados os meios pacíficos.

A fé e a ciência(19) andaram e serviram ao propósito das Navegações, mas o fito delas foi a Índia. Dom Manuel, rematando cronistas e historiadores, resume: “entençom e desejo... de se aver de descobrir e achar a Ymdya” (Alguns documentos. .. da Torre do Tombo, p. 127-8). Por quê? Por suprir o Mediterrâneo, então vedado, ou difícil, e, por isso, caríssimo. Para quê? Para obter as especiarias, mais vantajosamente, por outro caminho(20). O privilégio muda de posse: eram Venezianos, são agora Portugueses; era Veneza o empório do Oriente, passa a ser Lisboa... É o que diz esse mesmo Dom Manuel, intérprete fidedigno de Portugal, no título pomposo que vem a tomar: “Senhor da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”(21). E ninguém toma títulos senão os que enobrecem: “titulos muyto famosos”, disse Castanheda (Dp. cit. 1. I, Cap. XXIX, p. 71); “tam honroso quãto ho he ha mesma conquista”, disse Damião de Góes (Op. cit., p. I, fl. 45).

As conseqüências morais ou ideais da ação de Portugal no Oriente não são por isso menos consideráveis: atacando os Infiéis no Oriente chama para as Índias as possibilidades muçulmanas, que já não podem investir contra a Europa e mesmo se enfraquecem no Mediterrâneo. Já em 1571, com a batalha de Lepanto, eles entram, esses Turcos, em decadência, nesse Mediterrâneo(22). Apesar do monopólio, as navegações e o comércio do Oriente não interessaram só a Portugal, senão a toda a Europa(23), que mais se enriqueceu do que nós, ao menos a Flandres, a Inglaterra, a Holanda, a quem dávamos ouro e nos forneciam as manufaturas a traficar com a pimenta.

Portugal pelas especiarias foi à Índia, e, com as navegações, conheceu mundos novos, estimulando e dando benefícios ao mundo antigo. O Brasil foi achado, no meio do caminho...


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REIS DE PORTUGAL
(Desde o começo das conquistas e navegações):


Dom João I (1385-1423).
Dom Duarte (1423-1438): irmão, o Infante Dom Henrique (1415-1460).
Regência do Infante D. Pedro (1440-1446).
Dom Afonso V (1446-1481).
Dom João II (1481-1495).
Dom Manuel (1495-1521).

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1415 — Dom João I toma Ceuta.
1423 — Bartolomeu Perestrelo vai a Porto-Santo.
1425 — João Gonçalves Zargo e Tristão Vaz Teixeira vão à Madeira.
1427 — Achamento dos Açores, pelo piloto Diogo de Sunis (?) ou Gonçalo Velho Cabral.
1429 — Gil Eanes vai ao Cabo Bojador.
1432 — Gonçalo Velho Cabral vai aos Açores (Santa Maria).
1434 — Gil Eanes dobra o Cabo Bojador e vai até o Rio do Ouro.
1435 — Afonso Gonçalves Baldaia vai até a Ponta da Galé.
1439 — Sete ilhas dos Açores já conhecidas.
1449 — Dom Henrique manda lançar ovelhas nas sete ilhas dos Açores.
1440 — Antão Gonçalves e Nuno Tristão no Porto do Cavalheiro, Nuno Tristão vai até o Cabo Branco.
1443 — Nuno Tristão passa o Cabo Branco e vai à ilha de Gete.
1444 — Denis Dias descobre o Cabo Verde.
1445 — Nuno Tristão chega a Senegâmbia.
1447 — Nuno Tristão e Álvaro Fernandes vão até o Rio Tabete.
1449 — Já descobertas nove ilhas do Arquipélago dos Açores.
1453 — Todo o arquipélago dos Açores é reconhecido.
1455 — Aloísio Cadamosto vai até à costa de Gâmbia, na caravela de Vicente Dias.
1457 — Cadamosto e Antônio de Noli vão até o Cabo Roxo na Guiné e descobrem cinco das ilhas de Cabo Verde (1460).
1460 — 61 — Pedro de Sintra atinge a Serra Leoa e vai até o Cabo Mesurado.
1461 — 2 — Diogo Afonso descobre as outras ilhas do Arquipélago de Cabo Verde.
1471 — João de Santarém e Pedro Escobar descobrem toda a Costa da Malagueta, a Mina de Ouro, chegando além do Cabo dos Palmas, no Rio do Lago.
1469 — 71 — Descobrimento das ilhas do golfo da Guiné: Formosa, Fernando Pó, Corisco, Ano Bom, São Tomé e Príncipe e da Costa do Gabão.
1481 — Diogo de Azambuja levanta a fortaleza de São Jorge da Mina.
1484 — 5 — Diogo Cão vai até às bocas do Congo e ao Cabo Negro.
1486 — João Afonso descobre o reino de Benim.
1488 — Bartolomeu Dias dobra o Cabo de Boa Esperança.
1497 — Vasco da Gama vai até às Índias.
1500 — Pedro Álvares Cabral descobre o Brasil.


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II
REVELAÇÃO
A segunda armada: o Brasil. — A data. — O descobrimento. — O nome. — A terra. — A gente. — Ainda Cabral. — Precursores de Cabral.

A SEGUNDA ARMADA: O BRASIL
Partira Vasco da Gama a 8 de Julho de 1497, com três naus, São Gabriel, São Rafael, Bérrio e uma barcaça de mantimentos: depois de mil trabalhos e doenças, tornou, destroçado, em começo de Setembro de 1499, apenas com dois navios e um terço da gente. “Avedo dous annos & dous meses q dali partira (de Lisboa), com cento & corenta & oyto homes, de que não tornarão mais que cincoenta & cinco & ainda forão muytos para os immensos trabalhos que passarão, de bravas tormetas & terríveis doenças... (Castanheda, História da Índia, 1. I, Cap. XXIX). “Os Lusíadas” foram 148, dos quais morreram de escorbuto e outras misérias 93... Mas o “feito nunca feito” (Lus., VIII, 71) estava realizado, e conhecido, e percorrido, o caminho das Índias. Era, agora, aproveitá-lo.

Foi o que imediatamente empreendeu Dom Manuel. Apresta-se logo a segunda armada, para a qual Vasco da Gama indica um capitão, outro fidalgo como ele(1). É Pedro Álvares Cabral, de Belmonte (pedraluarjz de guouuea, diz a “Carta da Capitanya Moor e poderes”(2), que recebe instruções de el-Rei e conselhos do Gama. São dez naus e três navios pequenos, “mil e quinhentos homens”, diz Castanheda (op. cit., 1. I, cap. XXX, p. 72) comandados por Pedralvares, a Capitânia; por Sancho de Tovar, soto-capitão ou imediato; por Pedro de Ataíde; por Nuno Leitão da Cunha; por Nicolau Coelho, que fora companheiro de Vasco da Gama; por Simão de Miranda; por Vasco de Ataíde; por Bartolomeu Dias, que dobrara o Cabo de Boa-Esperança; por seu irmão Pero Dias, também da empresa d’“Os Lusíadas”; por Luiz Pires; por Aires Gomes da Silva; por Simão de Pina e por Gaspar de Lemos.

Bartolomeu Dias e Nicolau Coelho serão a experiência; mas há um passageiro de categoria, Duarte Pacheco Pereira, que virá Camões a chamar “o Aquiles Lusitano”, autor do Esmeraldus de Situ Orbis, que negociara o Tratado de Tordesilhas, privava com el-Rei, conselheiro, cosmógrafo, marinheiro e, ao demais, herói: viaja na nau. S. Pedro, do comando de Pedro de Ataíde(3).

O comércio colabora: duas naus são de fidalgos, o Conde de Porto Alegre, aio de el-Rei e Dom Álvaro de Bragança, este associado ao banqueiro Bartolomeu Marchioni, florentino que reside em Lisboa, privado da Corte e com grandes serviços ao Estado: deles é a nau Anunciada(4), do comando de Nuno Leitão da Cunha, a primeira das que tornam a Lisboa.

São princípios de Março de 1500. “...a partida de Belém... foi segunda feira IX de Março” (Carta de Pero Vaz, in “Alguns documentos da Torre do Tombo”, cit. p. 108). A 14 “amtre as Canareas, mais perto da Gram Canarea”; a 22 “ouvemos vista das ilhas de Cabo Verde”; a 23 “se perdeo da frota Vaasco d’Atayde com a sua naao, sem hy aver tempo forte, nem contrairo pera poder seer; fez o capitam suas deligençias para o achar a huuas e a outras partes, e non pareceo mais”. (Id.) “...e assy seguimos nosso caminho por este mar de lomgo ataa terça feira d oitavas de pascoa que foram XXI d Abril, que topamos alguuns sygnaaes de tera... os quaaes heram muita camtidade d ervas compridas... e aa quarta feira seguinte pola manhãa topamos aves... e neeste dia, a oras de bespera, ouvemos vista de tera, saber: primeiramente d huum grande monte muy alto e redondo, e doutras terras mais baixas, ao sul dele, e de terra chãa, com grandes arvoredos, ao qual monte alto o capitam pos nome o monte Pascoal e aa tera de Vera Cruz” (Id.).

É a certidão de nascimento, lavrada pelo escrivão que ia para Calecut, Pero Vaz de Caminha, em carta a el-Rei, um dos raros documentos que nos restam da empresa: o Brasil foi descoberto a 22 de Abril de 1500, numa quarta-feira...

A DATA
Sem tento, há por aí outras datas. Era vigente o Calendário Juliano. A reforma Gregoriana, de 1582, não retroage os cômputos cronológicos: se retroagisse, mais nove dias, seria a 1.º de Maio. A “invenção da Vera Cruz”, celebrada pela Igreja, é a 3 de Maio. Foi Gaspar Corrêa que confundiu as duas datas: “O capitão pôs o nome de Santa Cruz a esta nova terra, porque a ella chegarão a tres de mayo, dia de Santa Cruz”. (Lendas da Índia, t. I, p. 152).

Ora Cabral pusera à terra o nome de “Vera Cruz”, que D. Manuel mudara em “Santa Cruz”: Santa Helena achara essa cruz a 3 de Maio. Pareceu certo. Em 1823 sugerira Lara Ordonhes a Gonçalves Gomide, deputados à Constituinte Brasileira, e o último por carta a José Bonifácio, o dia 3 de Maio para a abertura da assembléia, “por ser o do descobrimento do Brasil”, o que foi aceito. Dissolvida a Constituinte, a Constituição outorgada por D. Pedro I marcou esse dia para a abertura das Câmaras, durante todo o Império, o que continuou na República. (Cf. Miguel de Lemos, in Jornal do Comércio, do Rio, de 27 de Maio de 1899 e Boletim do Apostolado Positivista do Brasil, n.º 13, de 6 de junho de 99).

Vem daí. Mas Gaspar Corrêa não tinha documento, e servira-se de ilação. O documento apareceu, em 1817, quando Aires do Casal publicou, na sua Corografia Brasílica, a Carta de Pero Vaz de Caminha a el-Rei D. Manuel, e que está na Torre do Tombo. Ora o documento diz, precisamente, 22 de Abril de 1500. Os ensaios de conciliação com a reforma gregoriana do calendário, que ocorreu em 1582, não procedem: 1.º, porque Gaspar Corrêa que faleceu entre 1561 e 1583, escrevendo antes, desconhecia a reforma: a sua data é “juliana”; 2.º, porque não retroagiu o cômputo gregoriano para nenhuma data da história universal, antes de 1582; 3.º, porque a reforma gregoriana não recorreu, suprimiu apenas alguns dias do mês de Outubro, seguindo a quinta-feira 4 de outubro, sexta-feira 15 de outubro... para acertar o erro então existente, de dez dias, em 1582; 4.º, porque 22 de abril, mais nove dias, que era a diferença em 1500, dá 1.º de Maio e não 3...; 5.º, porque contando a diferença no fim do século XVI, ou dez dias, dá ainda assim 2 de Maio, e não 3...; 6.º, porque contando a diferença na época de José Bonifácio, começo do século XIX, seriam doze dias, ou 4 de maio e não 3...; 7.º, porque pela “conta de chegar”, de Varnhagen (História Geral, 2.ª ed., 1877), esse descobrimento, (não com a vista, o achado da terra a 22 de Abril, porém a 23, com o “primeiro trato” dos índios) não parece sério e seria então, quando fosse, o descobrimento dos “brasileiros”(5) e não do Brasil; 8.º finalmente porque não se atentou que, além da data precisa “terça-feira d oitavas de pascoa que foram XXI dias d Abril que topamos alguns sygnaes de terra... hos quaes eram muita camtidade de ervas compridas”... “aa quarta feira seguinte pola manhãa topamos aves... e neste dia, a ora de bespora, ouvemos vista de tera”...

Portanto, o Brasil foi descoberto a 22 de Abril, quarta-feira, à tarde. Três de Maio foi “domingo” e o Brasil foi descoberto uma “quarta-feira”... Este elemento de identificação, sobre o qual nunca se insistiu devidamente, parece-me irretorquível: aa quarta feira, portanto a 22 de abril...

E tanto, que na Relação do Piloto anônimo (outro raro documento da viagem de Cabral, publicado em italiano nos Paesi nuovamente retrouati, de Francesco Montalboddo, 1507, e reproduzido em Ramusio, Delle Navigatione e Viaggi, Veneza, 1554, t. I, f. 132) se lê: “alli XXIII di aprile che fu il mercoredi nella ottava di Pascha hobbe la detta armata vista de una terra di che hebbe grandissimo piacere”. (São os mesmos termos de Cretico, no liv. VI dos Paesi nuovamente retrouati, Vincentia, 1507, com pequenas variantes, o que leva os redatores da Racolta Colombiana, parte III, vol. I, p. 83-4, a escreverem que podem tranqüilamente atribuir a tradução italiana do “Piloto Anônimo” ao Cretico, que fez, de parte da relação, carta sua à Senhoria de Veneza...) No texto citado é a mesma data, 24 de Abril in la octava di Passione. Pode-se dizer: “Piloto-anônimo” ou Cretico “errados”, pois que esse dia 24 de Abril de 1500 foi sexta-feira... e o dia da semana corrige a data do mês, menos fácil de reter de memória. (A correção gregoriana respeitou esta decorrência da semana: se 4 de outubro antecede a 15 de outubro, — supressos os dias do mês, de 5 a 14, — a semana é respeitada e, a quinta-feira, 4, segue-se sexta-feira, 15 de outubro de 1582. Não se recorreu: suprimiram-se 10 dias, no mês; não se tocou na semana). O Brasil foi descoberto uma quarta-feira (concordância de Pero Vaz e do Piloto-Anônimo-Cretico), portanto, a 22 de Abril...

O DESCOBRIMENTO
Foi descoberto... O Tratado de Tordesilhas, concluído a 7 de junho, assinado a 2 de julho de 1494 em Arevalo, dizia que todos os descobrimentos portugueses ao oriente de uma “raya ou linea derecha de polo a polo... a tresientas & setenta leguas de las yslas del Cabo Verde”, ou que, desde essa data, viriam a descobrir os Portugueses, seriam deles; para o ocidente seriam dos Castelhanos. A linha limitante ou divisória das duas bandas do mundo seria riscada por “pilotos, como astrólogos y marineros & qualesquer otras personas que convengan”, dentro de dez meses. Isto é ao tempo de Dom João II; Dom Manuel pede à Santa Sé confirmação do Tratado, o que Júlio II concede, a 24 de janeiro de 1506. A pedido dos reis de Espanha, um pontífice espanhol, Alexandre VI (Bórgia), sem audiência de Portugal, dividira o mundo pelo meio e dera aos Portugueses um hemisfério limitado até 100 léguas de Cabo Verde. D. João II não reclamou do Papa, negociou com Espanha: a linha seria a 250 léguas, se os Espanhóis descobrissem novas terras ao ocidente até 20 de julho de 1494, de 370 se isso não tivesse ocorrido até esta data. A linha do Pontífice caía no mar, deixando a Índia, pela África, aos Portugueses; a concessão a Colombo, até onze dias da assinatura do tratado, dar-nos-ia um terço, ainda assim, do Brasil; a linha definitiva deu-nos o Brasil quase todo, da embocadura do Amazonas, ao limite sul de S. Paulo.

A 370 léguas a oeste da ilha mais ocidental do arquipélago de Cabo Verde... acabava o hemisfério português pelo ocidente... Dom João II insistente, tenaz (el Hombre, como lhe chamava Isabel a Católica) e os seus diplomatas e técnicos previram o Brasil, aí incluído: a Espanha e a Igreja concediam-lhe a África e as Índias, supondo que o contentavam; não, ele queria mais, e exigiu também o Brasil...

Duarte Pacheco Pereira, o grande piloto, escritor, cosmógrafo e herói que veio com Cabral ao Brasil, e fora dos negociantes de Tordesilhas, dirigindo-se a el-Rei D. Manuel escreveu, em 1506, no Esmeraldo: “Por tanto bemaventurado Principe temos sabido & visto como no terceiro anno de vosso Reynado do hano de nosso senhor de mil quatrocentos noventa & oito donde nos vossa alteza mandou descobrir ha parte oucidental passando alem ha grandeza do mar ociano honde he achada & navegada huma tam grande terra firme com muitas e grandes Ilhas ajacentes a ella que se estende a setenta grados de Ladeza da linha equinocial contra ho polo artico.” (Esmeraldus de Situ Orbis, cit. 1. I, cap. II, p. 7). “É achada e navegada”, traduzem os comentadores: achou-se e navegou-se o Brasil. Mas, em 1498, Dom Manuel mandara Duarte Pacheco achar esse Brasil suspeitado em Tordesilhas, em 1494, pelos Portugueses, um deles esse Duarte Pacheco que, em 1500, vem, com Cabral, a isso...(6)

O depoimento de Pero Vaz, do Mestre João, físico e cirurgião, que vinha na Armada, e do Piloto Anônimo, sobre o descobrimento, em 1500, não revela surpresa e imprevisto... O Piloto refere “o grandíssimo prazer” do achamento. Achar o que se procura faz isto. O imprevisto não; esse, surpreende(7). Nesses documentos, os únicos de testemunhas, não há tempestades, ao menos a invocada para o desvio da rota. Vasco da Gama passara também ao ocidente de Cabo Verde, empegado no mar, para evitar as calmarias africanas e dobrar de largo o Cabo de Boa Esperança, como fez Cabral, mas não aportou ao Brasil... Mestre Joham, o físico da armada, diz a el-Rei D. Manuel:

“Quando, senor, al sityo desta tierra, mande Vossa Alteza traer un napa-mundi que tiene Pero Vaaz Bisagudo(8), e por ay podrra ver Vosa Alteza el sityo desta tierra”, “en pero, aquel napa-mundi non certyfica esta tierra ser habytada, o no. Es napamundi antiguo”... Já o Brasil estava em “napamundi antiguo”: ao menos sabia-o um dos descobridores...

Fundado nestes dois documentos, de Duarte Pacheco e de Mestre Joham, ambos testemunhas presenciais do achado de 1500, diz o americanista Henri Vignaud: “não poderá haver dúvida alguma que não é Cabral o primeiro descobridor português do Brasil”. (Americ Vespuce — ses voyages... Paris, 1911, p. 143-5). Depois disso, continuar-se-á a falar da “tempestade”, “das calmarias”, do “acaso”(9), como fizeram, da quarta-feira, 22 de abril, 3 de maio, que foi domingo... Ignorância ou teima: ou as duas.

A 22 de abril, à tardinha, houveram vista da terra, o monte Pascoal, o arvoredo. A 23 navegaram contra a terra e surgiram na foz de um rio. Viram homens nus, com arcos e flechas. A 24 navegaram ao longo da costa, buscando abrigo, aguada e lenha. Acharam um porto, abrigado por arrecifes e aí ancoraram. A 26, domingo, o franciscano Fr. Henrique Soares, de Coimbra, ajudado por outros religiosos, celebrou, num ilhéu, a primeira missa(10). Na sexta-feira, 1.º de Maio, erigiram em terra firme uma grande cruz de madeira, feita por dois carpinteiros de bordo, com as armas e divisas de Dom Manuel, sendo rezada então a segunda missa. Para o reino, a dar notícia do achado, seguiu o navio de Gaspar de Lemos. Com as araras e papagaios, arcos, flechas, penas, amostras da terra e da gente, pretende Castanheda fora um índio: “& mandou-lhe hu home daquela terra” (op. cit., 1. I, c. XXXI, p. 72). A armada agora de onze navios, partiu a 2 de Maio, sábado, rumo de África, para passar o Cabo de Boa Esperança pelo largo, segundo recomendava a experiência de Bartolomeu Dias e de Vasco da Gama.

O NOME
Disse Pero Vaz: “ao qual monte alto o capitam pos nome o monte Pascoal e aa tera a tera de Vera Cruz”(11) (op. cit.).

Dom Manuel, escrevendo aos Reis de Espanha, diz: “mi capitan com trece naos partio de Lisboa a nueve de Marzo dei año pasado. Em las octavas de la pascoa siguiente llegó á una tierra que nuevamente descubrió, á la qual puso nombre de Santa Cruz”. (Hist. da Colonização Portuguesa do Brasil, vol. II, p. 155-164).

No regimento dado a João da Nova, capitão da terceira armada, logo depois da de Cabral, vem o nome de Ilha da Cruz (Varnhagen, História Geral, 4.ª ed., t. I, p. 78; António Baião, “O Comércio do Pau-Brasil”, Hist. da Colonização Port. cit., t. II, p. 321).

Portanto, oficialmente, Vera Cruz, Santa Cruz, Cruz... Houve mais: Terra dos Papagaios, pelas grandes e belas araras, que impressionavam, e Pedrálvares enviara ao reino por Gaspar de Lemos, nome que vem em alguns mapas antigos. Cretico (Giovanni Matteo), agente em Lisboa da Senhoria de Veneza, escrevendo dali em 22 de Julho de 1501, diz, narrando a viagem de Cabral: “ha discoberto una terra nova, chiamano la terra deli Papagá, per esserli papagá longi une brazo e piú, de vari colori, de li qual ne hanno visto doy”. (Paesi novamente retrouati, t. VI, Cap. CXXV, Vicentia, 1507). Também aí vem carta de Pietro Pasqualigo (Cap. CXXVI), de 18 de outubro de 1501, em que diz: “com la terra dei Papagá noviter trovate per le navi di questo re che andarono in Calicut”.

Logo, porém, começou o Brasil. Escreveu João de Barros: “Per o qual nome Sancta Cruz foi aquella terra nomeada os primeiros annos: & a cruz arvorada algus durou naquelle lugar. Porem como o demonio per o sinal da cruz perdeo o dominio que tinha sobre nós, mediante a paixão de Christo Jesu consumada nella: tanto que daquella terra começou de vir o pao vermelho chamado brasil, trabalhou que este nome ficasse na bocca do povo, & q se perdesse o de Sancta Cruz: Como que importava mais o nome de hum pao que tinge panos: que daquelle pao que deu tintura a todolos sacramentos perque somos salvos...” (Décadas, I, 1. V, cap. II).

Recentemente, disse Duarte Leite: “Em 1503 já se empregava o termo Brasil, porque o diz João Empoli numa carta transcrita em Ramusio”. (Hist. da Colonização Portuguesa, vol. I, p. 198). Capistrano de Abreu dissera: “Empoli, em 1504, chamava-a Vera Cruz ou Brasil” (Ramusio, Navig., I, p. 145). Desde este ano o nome Brasil apareceu em documentos portugueses e alemães e cada vez se generalizava mais. (Wieser, Magalhães-Strasse und Austral Continent, Innsbruck, 1881, ps. 93-94; Materiais e Achegas, I, nota).

“Empoli”, não é exato. Duarte Leite e Capistrano foram induzidos em erro por Ramusio que, na narrativa de Empoli, introduziu um aposto comprometedor, em 1550-4: depois de “terra della Vera Croce”, esclareceu: “over de Bresil cosi nominata”. O texto autêntico, reproduzido na Racolta Colombiana, parte III, vol. II, Roma, 1893, p. 180, que faz fé, diz apenas “Vera Crocie è si nomata”. Portanto Giovanni da Empoli, feitor de Bartolo Marchioni, numa nau de Portugal, não chama, em documento de 16 de Setembro de 1504, (o 1503, de Duarte Leite,(12) vem do começo dele: “la partita nostra fu di Lisbona a di 6 d’Aprile 1503...”), a Vera Cruz, Brasil. Aliás, atente-se nisto: Ramusio escreve duas vezes “Bresil”, e como, adiante, o documento fala em verzino, não parece admitir identidade de nome entre a terra e a madeira...

Capistrano cita Wieser, que diz, de fato: “Acho o nome Brasil já desde 1504 repetidamente em uso” (p. 93). A saber: Beschreibung der Meerfahrt von Lissabon nach Calacut, vom J. 1504 (Descrição da Navegação de Lisboa a Calacut, do a. 1504): “chama terra nova de Prisilli”; Empoli, no fim de 1504, e cita Ramusio, Venetia, 1563, etc; um “diário de bordo” de 1505-6, diz: “aos 6 dias de mayo foron leste hoeste com a terra de Brazil 200 leguas e dhy se foron ao Sul ata 40 grados” (Pbl. por Schmeller em seu artigo: “Ueber Valentin Fernandez Alemã,(13) etc.” — Abhandlungen der I cl. d. k., bayrischen Akademie d. W. Bd. IV Abtheilung, p. 41 f.; finalmente, a “Gazeta Alemã”, Newen Zeytung aufs Presillg Landt, da qual Varnhagen, op. cit.. p. 98, dissera, citando outrem, que deviam ser informações “de 1507”, e que, na “História Geral”, ainda é mais decisivo e antecipado: “Julgamos de tal importância alguns períodos dessa relação ou gazeta (que supomos haver sido escrita em Lisboa por um estrangeiro e publicada pela primeira vez em 1506”... (Varnhagen, op. cit., II, 4.ª ed., p. 98-9). Ora, o mss. da “Gazeta” foi achado, posteriormente, por Konrad Haebler, em 1895, no Arquivo dos Príncipes Fuegger, em Augsburgo, e traz a data de 1514... (cf. Clemente Brandenburger — A nova gazeta da Terra do Brasil, São Paulo — Rio, 1922). Portanto, Empoli, em 1504, e a Gazeta, em 1506, afastados...

Chamei a atenção para o modo de Ramusio, ainda em 1550-63, escrever na sua interpolação “Bresil”, distinguindo este nome da terra, do nome da madeira, escrito adiante, em italiano, “verzinio”. É que, aqui, tem cabida a hipótese que aquele nome é de origem francesa... Os nomes lusitanos Vera-Cruz, Santa Cruz, não seriam mudados pela piedade portuguesa: foram os piratas franceses, desde antes de 1504, (quando vieram, ao dizer de Anchieta, pela primeira vez) que designaram a terra pela riqueza conhecida, “terre du brésil”, depois daí “le Brésil”, como ainda hoje. Nós tivemos, pela divulgação e aceitação do nome, de traduzi-lo: “Brasil”.

Como quer que seja já em 1510 está em Gil Vicente, no Auto da Fama, “terra do Brasil”: mas será mesmo o Auto de 1510?(14) De 1511, talvez: “Llyuro da naao bertoa que vay para a terra do brasyll... que partiu deste porto de Lixª a 22 de fevº de 511” é o título de um documento publicado por Varnhagen. A nau partiu em 11, mas o livro teria sido escrito nessa data? Tudo leva a crer, mas não é certo.

Certa é a carta de Afonso de Albuquerque, de 1 de Abril de 1512, da Índia, a el-Rei D. Manuel, “a qual (carta de um piloto) tinha ho cabo de Bôoa Esperança, Portugal e a terra do Brasyll...” (Alguns documentos... do Tombo, cit., p. 261). Por certo é também de 1512 o mapa de Jerônimo Marini — Orbis Typus Universalis Tabula Hieronimi Marini fecit Venetia MDXII — cujo original possui o nosso Ministério do Exterior, na Biblioteca do Itamarati, onde se lê pela primeira vez, em planta: “Brasil”. Um ano depois, e é interessantíssimo, é o próprio Dom Manuel que mudara Vera Cruz em Santa Cruz, segundo disse aos reis de Castela Fernando e Isabel e agora a um deles o diz, em 13 de Setembro de 1513: “na teerra... que he pegada com a nossa teerra do Brasyl” (Carta a el-Rei D. Fernando, de Castela, in Alguns documentos, p. 292).

Mas é sempre “terra do Brasil”, como se dissesse, por abreviação, “terra do (pau) brasil”: o documento escrito em que primeiro aparece Brasil só, como no mapa de Marini é o de Dom Rodrigo de Acuña, de 15 de Junho de 27, ao bispo de Osma, dando conta da perda da armada que mandara Carlos V às Molucas e pedindo interceda junto de D. João III para lhe obter a liberdade, preso que está na feitoria de Pernambuco (nos baixios de D. Rodrigo, onde naufragara, e naufraga, mais tarde, o primeiro Bispo, comido pelos índios). Diz ele: “nos convino arrybar al Brrasil”; (nesta carta há ainda “tyerra dei Brrasil” e “nao cargada de brrazil” (Alguns documentos... do Tombo, cit. p. 488-9).

O nome Brasil vem de longe. Disse Humboldt, vem de Samatra, e levou quatro mil anos para nos chegar... É o nome de uma madeira tintorial, a Cesalpina ecchinata, especiaria trazida do Oriente à Europa, nome variamente escrito — braxile, bresillum, brisilium, bersi, verzi, verzino, como recentemente, há cinco séculos, o chamavam os Venezianos. Já dele falam o geógrafo árabe Abuzeid El Hacen (IX século), Endrisi e Chrestien de Troyes no século XII: este escreve mesmo Braisil, que dá, em francês, a pronúncia do nome atual nesse idioma. Teria vindo à Europa depois dos primeiros Cruzados, por volta de 1140. Tirava-se, do toro, a casca e o líber, e apenas o cerne vermelho servia para tingir panos e fazer tinta, para iluminar manuscritos, dando tons róseos às miniaturas. A madeira, dura e corada, também aproveitava à marcenaria.


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Situação dos Índios do Brasil, no século XVI segundo Metraux


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A geografia apoderar-se-ia do nome, e terras do Brasil houve, antes da nossa: Krestchmer encontrou em mapas medievais as seguintes variantes: Brazi, Bracier, Brasil, Brasiel, Brazil, Brazile, Braziele, Braziel, Bracil, Braçil, Braçill, Bersill, Braxil, Braxili, Braxiel, Braxyili, Brisilge...(15). É uma ou mais ilhas do Ocidente, no grupo dos Açores, ou na altura da Bretanha, ou não longe da Irlanda. Ainda hoje há uma pedra Brazil Rock, na Irlanda, e um monte Brasil, junto à cidade de Angra, na Ilha Terceira, dos Açores. Num mapa de 1351 já aparece esta “ínsula do Brazil”, nesse Açores. Em 1480 partiram de Bristol navios à procura da Ilha Brasil. Em 1497 Ayala, legado de Espanha junto à Corte de Inglaterra, dizia que de sete anos àquela parte partiam de Bristol, anualmente, navios à mesma pesquisa. Lá está, no mapa de Toscanelli, (1474) ao norte e oriente, a ilha Brasil... Até 1875 o Almirantado inglês manteve nas suas cartas essa “Brasil Rock”(16).

Diz a erudição que os Árabes chamavam ao pau bakkam, que traduziram em latim brasilium, procurando a analogia da raiz semítica bakkham (ardente) com a ariana bradsch, em português brasa, italiano brace, francês braise. Como se deu tal nome à geografia, é controvertido: Brasil, indicaria fenômenos vulcânicos notados no arquipélago açoreano; ou aí se teria encontrado senão o verdadeiro brasil, pelo menos algum sucedâneo, talvez a urzela. Contudo Capistrano de Abreu, reparando que nas formas gráficas e geográficas de Kretschmer não se vêem formas congêneres do verzi ou verzino, diz poder-se concluir que o Brasil, ilha ocidental, nada tem com o produto oriental. Conclui que natural é proceda o nome do celta, e há quem o decomponha braza, grande, i: em todo o caso Brasil, ilha, aparece sempre no Atlântico e sempre a W de terras primitivamente habitadas por Celtas. Os índios chamavam à planta arabutan ou ibirapitanga.

Os Portugueses conheciam o brasil: a 19 de outubro de 1470 Afonso V proibia aos traficantes da Guiné comerciarem que as tintas do brasil, protegendo talvez o produto das ilhas. Quando se começou o tráfico com os selvagens de Santa Cruz, a primeira matéria de exploração foi o brasil. No Esmeraldo, escrito em 1505, escreveu Duarte Pacheco da terra: “é achado nela muito e fino brasil com outras muitas cousas” — (cap. 2, do I livro). Terre du brésil lhe chamaram os piratas franceses, e, depois, o menor esforço daria le Brésil, como ainda hoje. Esse menor esforço foi a causa da troca, que tanto indignou João de Barros: os políticos e sacerdotes, que batizam e dão nomes, não advertem que eles prevalecem na ordem da simplicidade. Em alguns anos apenas, a Terra de Vera Cruz já era pois, o Brasil....(17). E era — o que mais admira, na expressão do próprio Dom Manuel: “na teerra... que he pegado com a nossa teerra do Brasyl”. Piedosamente diríamos: nome mudado na crisma...

A palavra teve, no começo, várias acepções, que foi perdendo: Pau-brasil: “Cá ha assuquer e algodão, brasil e ambre e resgates” (Cartas avulsas de Jesuítas, Rio, 1931, Carta XLVII). “Pera ali carregarem de brasil”. (Id. Carta XXVII). A terra: “Todo o Brasil, que assim se pode dizer” (Id. Carta LVI). “Nestas partes do Brasil” (Id. Carta LXIII). A gente: “Para estudantes — brasil fazem-no muito bem”. (Id. Carta LIV). “Os que tangiam eram meninos brasis” (Id. Carta LV). A língua: “Espera em pouco tempo falar tão bem brasil, como agora italiano; às vezes lhe falava homem português e ele respondia brasil”. (Id. Carta XLVIII).

“Brasileiro” foi, a princípio, o traficante ou o ocupado em tirar o brasil, como de baleia “baleeiro” (Varnhagen). A desinência “eiro” é profissional: ferreiro, carpinteiro. Aqui, de profissional, passou a patronímico: os mineiros que trabalhavam nas minas gerais ficaram depois, os filhos de Minas Gerais. Contudo tentou-se “brasiliense”, “brasílico”, brasiliano“, sem êxito, até agora. Brasileiro ficou o filho do Brasil: que importa tal dignificação, se brasil ficou também dignificado em Brasil?

A TERRA
A 21 de Abril viram os Navegadores sinais de terra: ervas compridas a que os mareantes chamam botelho, e asy outras a que tambem chamam rabo d asnos; e aa quarta feira seguinte pela manhãa topamos aves, a que chamam fura buchos; e neeste dia, a ora de bespera, ouvemos vista de tera, saber: primeiramente d’huum grande monte muy alto e redondo, e d outras terras mais baixas, ao sul d ele e de terra chãa, com gramdes arvoredos, ao qual monte alto o capitam pos nome o monte Pascoal, e aa tera a tera da Vera Cruz”.

Lançado o prumo, ao sol posto, obra de seis léguas de terra, deram fundo, ancoragem limpa, diz a carta de Pero Vaz, que vamos citando. Aí passaram a noite; na manhã seguinte, quinta-feira, aproaram à terra, até meia légua de distância, “omde lançamos ancoras em direito da boca de huum rio.” Num bote foi Nicolau Coelho à terra “pera veer aquelle rio”, ao que acudiram selvagens, que tinham já visto de longe. Troca de afabilidades entre bárbaros e civilizados, o ruído do mar obstando a que se entendessem. À noite, chuva e vento, decidindo na sexta-feira seguinte levantar ferro e fazer vela; “fomos de longo da costa, com os botees e esquifes amarados per popa, contra o norte pera veer se achavamos alguña abrigada & bom pouso, onde jouvesemos pera tomar agoa e lenha”. Os navios pequenos iam mais chegados a terra, para a procura de um pouso seguro e “acharam os ditos navios pequenos huum arrecife com huum porto dentro muito boo e muito seguro, con huua muy larga entrada e meteram-se dentro e amaynaram.” Estavam numa baía e nela acharam “huum ilheeo grande que na baya está, que de baixa mar fica muy vazio, pero he de todas partes, cercado dagoa”. Nesse ilhéu, a 26 de abril, domingo de pascoela, foi dita a primeira missa, sem índios portanto, apenas para a tripulação.

A carta de Pero Vaz é datada, no fim, “deste Porto Seguro da vosa ilha de Vera Cruz oje sexta feira primeiro dia de mayo de 1500”, véspera de partida da armada para a Índia. Ora, tem-se levantado discussão acerca disto, porque o Porto Seguro de hoje, não corresponde ao de Caminha... A identificação tem sido contraditória. O rio de Nicolau Coelho é hoje “rio do Frade”. A enseada ao norte a dez léguas, é de Santa Cruz, hoje dita Baía Cabrália. Identifica-a o ilhéu, em que foi dita a primeira missa, hoje chamado Coroa Vermelha.

Pretendeu Varnhagen que fosse isso no atual Porto Seguro, mais atrás, ao sul, onde há arrecife protetor e não ilhéu, o que fez dizer a Capistrano de Abreu: “Porto Seguro atual não corresponde à descrição de Caminha, por mais que se queira fazer de um recife um ilhéu”. João Ribeiro — malícia de historiadores — atribui a opinião de Varnhagen à vaidade de seu título de Visconde de Porto Seguro, (poder-se-ia replicar que o título veio do nome do historiador, traduzido do velho alemão originário: Wahr... Haagen... porto verdadeiro ou bom, ou porto seguro) para tirar ao ilhéu da Coroa Vermelha, na baía de Santa Cruz, a glória de ponto de desembarque de Cabral. Além da tradição, vinda com Gandavo, Gabriel Soares, Anchieta, Cardim... há a descrição de Caminha, com a dos geógrafos acordes, Aires do Casal, Almirante Mouchez, Beaurepaire-Rohan, Salvador Pires. Mas haverá causa “decidida”? A confusão parece ter sido devida a que o nome de “Porto Seguro” (dado à atual Santa Cruz) foi posto também à povoação e igreja sede da capitania, o Porto Seguro, que prevaleceu; o nome de Santa Cruz, reservado à terra depois do Brasil, só mais tarde seria apenas o da região, baía, ilhéu, dez léguas ao norte, onde fundearam os navegantes: um nome mudou de lugar e o outro, genérico, localizou-se. (Cf. Carlos Malheiro Dias — A Semana de Vera Cruz in Hist. da Colon. Port., cit. t. II, págs. 75-154).

A terra produziu boa impressão aos navegantes: “a terra em sy he de muito boos aares asy frios e tenperados coma os d antre Douro e Minho, porque neste tempo d agora asy os achavamos como os de la; agoas sam muitas imfimdas; em tal maneira he graciosa que querendo a aproveitar, darseá nela tudo per bem das agoas que tem”. (Caminha, “Carta”, in fine). Este primeiro louvor na boca e na pena dos visitantes, e até dos habitantes, jamais cessou, até agora. O patriotismo brasileiro é sempre da terra: a gente ainda não conta. Culmina em Vespúcio, que chegou a escrever: “se o paraíso terreal existe em alguma parte da terra, não dever ser longe dali”. Podia ser improviso de momento. Os Jesuítas, que aqui padeceram seu apostolado, não são diferentes. É boa e sã, fértil de tudo, de boas águas e bons ares, para Nóbrega (Cartas, 89). Anchieta concorda: “O clima é geralmente muito temperado, de bons e delicados ares e mui sadios, aonde os homens vivem muito, até oitenta, noventa e mais anos e a terra está cheia de velhos. Não tem frios nem calores grandes, os céus são mui puros, maxime à noite”. (Cartas, p. 424). Em São Paulo há uns “Campos Elíseos”: foi Simão de Vasconcelos que lhes deu tal nome: “Estes campos (de Piratininga) merecem nome de Elísios ou bem afortunados...” (Crôn. I, I, n. 149).

Chegaram até à comparação. “Saúde não há mais no mundo, ares frescos, terra alegre, não se viu outra; os mantimentos eu os tenho por melhores, ao menos para mim que os de lá (Portugal) e de verdade que nenhuma lembrança tenho delles, pera os desejar. Si tem em Portugal gallinhas, cá as ha muitas e mui baratas; si tem carneiros, cá ha tantos animais que caçam nos mattos, e de tão boa carne, que me rio muito de Portugal em essa parte. Si tem vinho, ha tantas águas que a olhos vistos me acho melhor com ellas que com os vinhos de lá; si tem pão, cá o tive eu por vezes e fresco, e comia antes do mantimento da terra que delle, e está claro ser mais sã a farinha da terra que o pão de lá; pois as fructas, coma quem quizer as de lá, das quaes cá temos muitas, que eu com as de cá me quero. E alem disto ha cá cousas em tanta abundancia, que, alem de se darem em todo o anno, dão-se tão facilmente e sem as plantarem que não ha pobre que não seja farto com mui pouco trabalho. Pois se fallarem nas recreações, comparando as de cá com as de lá, não se podem comparar e estas deixo eu pera os que cá quizerem vir a experimentar. Finalmente, quanto ao de dentro e de fóra, não se pode viver sinão no Brasil quem quizer viver no paraiso terreal: ao menos sou desta opinião. E quem não me quiser acreditar, venha experimentar. Dir-me-a que vida pode ter um homem, dormindo em uma rede, pendurado no ar como rédea de uvas? Digo que é isto cá tão grande cousa que, tendo eu cama de colxões, e aconselhando-me o médico que dormisse na rêde, e a achei tal que nunca mais pude ver cama, nem descansar noite que nella não dormisse, em comparação do descanso que nas redes acho. Outro terá outros pareceres; mas a experiência me constrange a ser desta opinião”. E por isso o repete Rui Pereira (Cartas Avulsas de Jesuítas, p. 263-4): “se houvesse paraíso na terra eu diria que agora o havia no Brasil” (id. p. 263). São todos assim, estrangeiros e nacionais; não quero citar se não daqueles e da primeira hora. E a gente?

A GENTE
No dia 23 avistaram os navegantes sete ou oito homens, depois mais dezoito ou vinte. Nos dias seguintes muitos, que vieram às naus.

“A feiçam deles he seerem pardos, maneira d avermelhados, de boos rostros e boos narizes bem feitos; amdam nuus, sem nenhuũa cobertura; nem estimam nenhuma coussa cobrir, nem mostrar suas vergonhas, e estam açerqua d isso com tanta inocência como teem em mostrar o rostro; traziam ambos os beiços de baixo furados e metidos por eles senhos osos d oso bramcos de compridam de huũa maão travessa e de grossura de huum fuso d algodam, e agudo na ponta coma furador”. “Amdavam hy outrros quartejados de cores, saber, d eles ameetade da sua própria cor, e ameetade de timtura negra maneira de zulada, e outros quartejados d escaques. Aly amdavam antr’eles tres ou quatro moças bem moças e bem jentis, com cabelos muito pretos compridos pelas espadoas, e suas vergonhas tam altas e tam çaradinhas, e tam limpas das cabeleiras, que de as nos muito bem olharmos nom tinhamos nenhuũa vergonha...” “Amdava (um) todo per louçaynha, cheo de penas pegadas pelo corpo, que parecia aseetadado coma Sam Sebastiam; outros traziam carapuças de penas amarelas, e outros de vermelhas, e outros de verdes; e huũa daquellas moças era toda timta de fundo a cima daquela tintura, a qual certo era também feita e tam arredomda, e sua vergonha que ela nom tinha, tam graciosa, que a muitas molheres de nossa terra veendo lhe taaes feições fezera vergonha, por nom terem a sua com eela. Nenhuũ d eles nom era fanado, mas todos asy coma nos”...

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Pau Brasil — Cesalpinea echinata
Foto Museu Nacional - Rio

A impressão era, ou foi, simpática: inocência, curiosidade, boa índole. As mulheres, pela privação deles, e pela nudez delas, “bem moças e bem gentis”, diz Pero Vaz, “mui fermosas, que nam ham nenhuũa inveja às da rua Nova de Lixbôa” virá a dizer Pero Lopes, alguns anos mais tarde. (Diário da Navegação, ed. de Eugênio de Castro, Rio, 1927, p. 154). Também elas se agradaram dos Europeus: o romance exótico da colonização vai começar. “Iracema”(18) será um símbolo. Vão nascer os mamalucos, os maiores inimigos da raça primitiva...

Os descobridores não podiam saber mais. Porém, os que vieram depois, sobretudo os Jesuítas, grandes amigos deles, que conviveram com eles, para os educarem, e aproveitarem, na civilização, têm depoimentos cruéis. Diz Nóbrega (Cartas do Brasil, p. 73, 90, 91): “É gente que nenhum conhecimento tem de Deus”. “Gente tão inculta... regendo-se todos por inclinações e apetites sensuais, que está sempre inclinada ao mal, sem conselho, nem prudência. Têm muitas mulheres e isto pelo tempo em que se contentam com elas e com as dos seus, o que não é condenado entre eles. Fazem guerra, uma tribo a outra, a 10, 15 e 20 léguas, de modo que estão todos entre si divididos. Se acontece aprisionarem um contrário na guerra, conservam-no por algum tempo, dão-lhe por mulheres suas filhas, para que o sirvam e guardem, depois do que o matam, com grande festa e ajuntamento dos amigos e dos que moram por ali perto e se deles ficam filhos, os comem, ainda que sejam seus sobrinhos e irmãos, declarando às vezes as próprias mães que só os pais e não a mãe, têm parte neles.” (As mães não são mais do que uns sacos, em respeito aos pais, em que se criam as crianças... virá a testificar Anchieta — “Informações” p. 452, — nas Cartas, etc). “É esta a cousa mais abominável que existe entre eles. Se matam a um na guerra o fazem em pedaços e depois de moqueados os comem com a mesma solenidade; e tudo isto fazem com um ódio cordial que têm um ao outro e nestas duas coisas, isto é, terem muitas mulheres e matarem os inimigos consiste toda sua honra.” “Não se guerreiam por avareza porque não possuem mais de seu do que lhes dão a pesca, a caça e o fruto que a terra dá a todos, mas somente por ódio e vingança sendo tão sujeitos a ira que se acaso se encontram em caminho logo vão ao pau, a pedra ou à dentada e assim comem diversos animais, como pulgas e outros como este, tudo para se vingarem do mal que lhes causam”...

E por aí além. Outros depoimentos não faltam e não apenas de Jesuítas. Gabriel Soares fala dos Aimorés: “Não vivem estes bárbaros em aldeias, nem casas como o outro gentio, nem há quem lh’as visse nem saiba nem desse com elas pelos matos, até hoje; andam sempre de uma para outra pelos campos e matos, dormem no chão sobre folhas; e se lhes chove arrumam-se ao pé de uma árvore, onde engenham as folhas por cima, quanto os cobre, assentando-se de cócoras; e não se lhes achou outro rastro de gazalhada. Não costumam estes alarves fazer roças nem plantar mantimentos... Vivem de frutos silvestres e caça, de saltear toda a sorte de gentio... comem carne humana por mantimento não por vingança como os outros... (Tratado, 47-8).

Outro Jesuíta, António Blásquez, depõe de suas casas, dos que as têm: “São suas casas escuras, fedorentas e afumadas, em meio das quais estão uns cântaros como meias tinas, que figuram as caldeiras do inferno. Em um mesmo tempo estão rindo uns e outros chorando, tão de vagar que se lhes passa uma noite em isto sem lhe ir ninguém à mão. Suas camas são umas redes podres com a ourina, porque são tão preguiçosos que, ao que demanda a natureza, se não querem levantar. E dado caso que isto bastara para imaginar em o inferno”... (Cartas Avulsas, 173). Outro padre, ainda, visita aldeia já meio civilizada, cujos moradores tinham tornado da guerra, trazendo despojos dos vencidos: “vi que daquela carne (humana) cozinhavam em um grande caldeirão e ao tempo que cheguei atiravam fora uma porção de braços, pés e cabeças de gente, que era cousa medonha de ver-se e seis ou sete mulheres, que com trabalho se teriam em pé, dançavam ao redor, espevitando o fogo, que pareciam demônios no Inferno”. (Azpilcueta Navarro, in Cartas Avulsas, p. 52).

E não só Jesuítas, de moral estrita, repito: todos os contemporâneos: “Sam muy deshonestos e dados a sensualidade e assim se entregam aos vícios como se nelles não houvera razão de homens” (Gandavo, História da província Santa Cruz, ed. do Anuário do Brasil, 1924, p. 124). Gabriel Soares depõe: “São muito afeiçoados ao pecado nefando, entre os quais se não tem por afronta e o que serve de macho se tem por valente e conta esta bestialidade por proeza e nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem, como mulheres públicas” (Op. cit., p. 289).

Todos, todos os depoimentos: para finalizar a do boníssimo Anchieta: “todos eles se alimentam de carne humana e andam nus”, (Cartas, p. 45); “copiosíssima libação de vinhos, que fabricam de raízes” (id.); “as mulheres andam nuas e não sabem se negar a ninguém mas até elas mesmas cometem e importunam os homens, jogando-se com eles nas redes porque têm por honra dormir com os Cristãos” (p. 68); “não se pode nem se deve prometer deles cousa que haja de durar (p. 150); ”os ensinados... tornam-se aos costumes de seus pais“ (p. 179). Rui Pereira conta nas Cartas Avulsas, p. 265, o retorno à barbárie de toda uma aldeia ”se foram fugindo todos pelo sartão...

Portanto, sem dúvida, dos últimos povos da terra, na escala sociológica. Nômades quase, sem agricultura, nem criação, sem propriedade, nem governo, nem religião, pequena mentalidade sem progresso. La Condamine iria a dizer deles que envelhecem sem deixar de ser crianças — antropófagos, sensuais, intemperantes, perdidos pelas florestas... tais foram os selvagens do Brasil.

Entretanto, por uma contradição bem humana, a imaginação dos viajantes e a das viagens, por antítese à Europa, arranjou — e com selvagens do Brasil — a lenda do “bom selvagem” e a da “idade de ouro”... Montaigne conta que viu Tabajaras, levados a Ruão e até entrevistou um, que lhe fez a crítica da monarquia dinástica e da sociedade capitalista... Ronsard, informado pelo “douto Villegaignon”, a quem se refere, diz deles, os índios do Brasil: “Ils vivent maintenant en leur âge doré... Vivez joyeusement je voudrais vivre ainsi”.

Este “bom selvagem” falsificado no século XVI (1560) dará com o romantismo nascente no fim do século XVIII e começo do XIX, a volta à natureza, à primitividade, portanto, desfazendo o “Contrato Social”, para obter a “igualdade” de Rousseau, a Revolução Francesa e o romantismo literário de Chateaubriand, — exótico com Atala e os Natchez, — “revolução literária das letras”.(19)


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Trecho da Carta de Martim Waldseemüller (1507) em que primeiro aparece o nome “America” dado ao sul do Novo Mundo, região do Nordeste do Brasil

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Gravura do livro de Hans Staden, “Viagem ao Brasil”, 1557: “os chefes fumam, deliberando ao luar sobre a sorte do prisioneiro, no centro”.

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Gravura do livro de Hans Staden, “Viagem ao Brasil”, 1557: assando um prisioneiro. O autor H. S. é figurado à direita, vendo a sorte que o aguarda.


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Tal falsificação produziu aqui o romantismo literário de José de Alencar: o “Guarani” é um gentleman abnegado; a “Iracema” é um divino amor de mulher; os “Timbiras”, de Gonçalves Dias, são cavalheiros andantes, “senhores em cortesia”... E produziu a falsificação patriótica do selvagem Brasileiro, oposto, como símbolo, ao “maroto”, o Português colonizador, e o negro Africano, cuja servilidade ajudou a fazer o Brasil. A mestiçagem destas duas raças está e estará, por muito tempo ainda fazendo a independência do Brasil, com a glorificação do “bom selvagem”, a falsificar e engrandecer, esquecendo os Europeus, e escondendo os Africanos, exaltados os Americanos, que entretanto destruíram, e se destruíram... O que eles foram porém, esses aborígenes, dizem-no os cronistas contemporâneos, todos os Jesuítas, os Gabriel Soares, Gandavo, Hans Staden... que os trataram. Dizem-no os nossos contemporâneos que os estudaram objetivamente, os Couto de Magalhães, Rondon, Roquette Pinto, Salesianos e Beneditinos da neo-catequese: depois de os exterminarmos, vem-nos, não a penitência, a falsificação romântica pretendidamente patriótica...

AINDA CABRAL
Prosseguindo a viagem, deixando o Brasil, a 2 de Maio, as 11 restantes embarcações — a de Luís Pires perdera-se antes do Brasil, a de Gaspar de Lemos tornara, a levar notícia a Lisboa — rumaram para a costa de África para passar, ao largo, o Cabo de Boa Esperança. A 23 de Maio foram salteados por uma tempestade, sossobrando quatro navios, por não terem tido tempo de amainar(20), os de Bartolomeu Dias, Vasco de Ataíde, Aires da Silva e Simão de Pina, perdendo-se, deles, tudo. Camões fez dizer ao Adamastor:

Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança. (Lus., V, 44).

Os sete navios que sobraram dividem-se em três grupos: um, o de Pero Dias, desgarra, vai ao Mar Vermelho, o primeiro ocidental que tal ousou, e torna a Lisboa, num périplo aventuroso; dois, o de Tovar e o de Cunha, varam por Moçambique, onde os vão encontrar os quatro que traz o grupo de Cabral; reúnem, então, seis. De Moçambique a Quiloa, a Melinde, na Costa oriental da África, e, daí, a Angediva, a Calecut, a Cochim. Apesar dos propósitos e recomendações, porque a empresa é de paz e comércio — Aires Corrêa leva mercadorias para vender empregando o dinheiro na compra de outras, diz el-Rei nas “Instruções” a Pedrálvares — sobrevêm insídias, represálias, e a reação violenta de Cabral, que bombardeia Calecut, seguindo para Cochim e Cananor, onde se abasteceu de especiarias.

Em 16 de Janeiro de 1501 deixa a Índia, naufragando a nau de Tovar, já na costa de África: reduz-se a armada a cinco navios e, como, no menor deles, vai Tovar comissionado a Sofala, e chega por isso depois, Pedro Álvares torna ao reino apenas com quatro naus: uma atrasa-se, outra adíanta-se, mas o capitão, com a capitânia e a nau de Pedro de Ataíde, chega a Lisboa, a 9 de julho de 1501.

Esta segunda viagem foi a mais importante que até aí se fizera, 13 naus, o Brasil de permeio, provisão de especiaria, e apesar das grandes perdas marítimas, de navios e gente, cobriu, dizem Gaspar Corrêa e Barros(21) duas vezes o custo da expedição.

Tornado ao reino, Cabral foi ainda nomeado para o comando da quarta armada, em 1502, depois definitivamente atribuído a Vasco da Gama. Casou com D. Isabel de Castro, viveu em Santarém, onde tinha propriedades, sofreu de maleitas, e, por fim, veio a falecer, por volta de 1520, jazendo aí, enterrado na Igreja da Graça, onde tem, na lápide rasa, este epitáfio: “Aquy jaz Pedralvares Cabral e dona Isabel de Castro sua molher cuja he esta Capella he de todos seus erdeyros aqual depois da morte de seu marydo foi camareyra mor da Infanta dona Marya fylha del rey dõ João noso señor hu terceyro deste nome.”

PRECURSORES DE CABRAL
Era corrente, nos livros de história do Brasil, falar-se dos precursores de Cabral, a política nacionalista ajudando. Os partidos ou palpites tomaram-se, uns por acharem muita sorte a Pedralvares, outros a Portugal; aqueles outros empenhados na reabilitação de Américo Vespúcio: as más causas, como as poderosas, atraem sempre sequazes, como adversários. A contrariedade é humana.

Recentemente, porém, conscienciosos, pertinentes e capazes estudos de Duarte Leite, reduziram tudo a bem pouco. Seria longo detalhar. Para ele, se Duarte Pacheco Pereira passou o mar oceano a mando de D. Manuel, foi no hemisfério norte, e “nem descobriu o Brasil em 1498, nem assistiu, dois anos depois, à sua descoberta, por Álvares Cabral”. (D. Leite, Descobridores do Brasil, Porto, 1931, p. 27).

Quanto a Vicente Yanez Pinzon, que teria vindo ao Brasil em 1500, antes de Cabral: “despida de ouropéis e excrescências, da decantada viagem de descoberta limitou-se ao trecho compreendido entre as Guianas e a costa norte que defronta a ilha Trinidad”. (Op. cit., p. 48).

“Alonso de Hojeda nunca esteve no Brasil”, prova ele (págs. 49-56, op. cit.); os 6 graus ao sul devem trocar-se por 6° N, o que representaria de fato apenas um erro de 3°, fácil de cometer pelos pilotos de Hojeda (p. 56, op. cit.).

Também “Diogo de Lepe em 1500 não reconheceu terras brasileiras” e até o navegante não é o que “morreu de morte infamante em Portugal, por ter devassado defesos territórios, senão outro”, tomado na Guiné, por causa de certos pretos que levava furtados. Como Pinzon, Lepe não teria estado no Amazonas (op. cit., p. 63).

Finalmente, a questão mais difícil de Américo Vespúcio, que tem protetores qualificados que o defendem, de acusadores também qualificados. O processo é longo. Duarte Leite põe revide à viagem de 1497 do florentino ao Brasil e analisando as “Cartas” do navegador a quem um cartógrafo, Hilacomillus ou Waldseemüller em 1507, fez doação honorífica do Novo Mundo “América” (nome a ser dado, não ao continente, senão à parte nordeste do Brasil(22), que o navegante abordara) chega a severíssimas conclusões: “esta fátua personagem não passa de noveleiro mentiroso, astrônomo improvisado, navegador como os havia em barda, cosmógrafo que repetia conceitos de outrem, falso descobridor que se apropriou de glórias alheias. Conseguiu, apesar disto, mistificar gerações de homens cultos, que se afadigaram em lhe interpretar as fantasias e procurar sentido aos despautérios”. (Op. cit., p. 193).

Aliás não está só neste juízo. Para não citar outro, o de Sir Clemens R. Markham (The letters of Amerigo Vespucci, London, 1894) para quem Vespúcio é um ignorante, invejoso, apropriador de mérito alheio, rancoroso, que nenhuma situação teve em Portugal, não foi navegador nem cosmógrafo, apenas negociante, fornecedor de víveres às esquadras...

Enquanto as navegações portuguesas e castelhanas eram segredo de Estado, como as fortalezas e obras defensivas hoje em dia, o caixeiro florentino de Marchione em Lisboa, e sócio de Berard em Sevilha, escrevia para a terra a gabar-se e, pela publicidade, foi-se enfeitando com as penas alheias... Aliás os panegiristas chegam às vezes à confissão: “Conhecemos as viagens de Vespúcio apenas por ele... Viagens que Vespúcio diz ter feito...” (Vignaud — op. cit., introd. p. 3.)

Vespúcio gaba-se de solicitado, em Sevilha, por Dom Manuel, para seu serviço: nos arquivos portugueses não há uma palavra, em cronista algum, sobre este personagem, citado apenas pelos seus patrícios, a quem ele dizia, naturalmente, o que podia fazer para fora, sem responsabilidade. Nas suas cartas suprime os companheiros e comandantes e dá-se por autor de tudo. É natural que a Espanha o acreditasse — se todo o mundo viria a ser iludido — nomeando-o piloto-mor, cuidando privar o competidor português de tão grande piloto. Apesar disso, para Castela não fez também nada. Mas o que, antes, dissera, foi acreditado. O essencial, para o mundo, não é fazer, é dizer ou dizerem que se fez...

Portanto, antes de Pedro Álvares Cabral, não teve o Brasil nem portugueses nem estrangeiros, visitantes ou descobridores. Não podia haver certeza, mas, disse o Épico, “havia sospeita...“ (Lus., V, 4).(23)


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REI DE PORTUGAL

Dom Manuel (1495-1521).

PRIMEIRAS VIAGENS ÀS ÍNDIAS

Vasco da Gama, 3 navios, partida 7 julho 1497.
Pedro Álvares Cabral, 13 navios — partida 9 março 1500.

ARMADA DE PEDRO ALVARES CABRAL

Navios Comandos

1. Capitânia: Pedro Álvares Cabral
2. “S. Pedro”: Pedro de Ataíde
3. “Anunciada”: Nuno Leitão da Cunha
4. .............: Nicolau Coelho
5. .............: Simão de Miranda

(estes cinco partiram, foram à Índia e tornaram a Lisboa).

6. .............: Bartolomeu Dias
7. .............: Vasco de Ataíde
8. .............: Aires Gomes da Silva
9..............: Simão da Pina

(estes quatro naufragaram antes do Cabo das Tormentas).

10. Sota-Capitânia “El-Rei”(?): Sancho de Tovar

(este chegou à Índia e, de torna-viagem, naufragou na costa oriental da África).

11. .............: Pero Dias

(este, depois da tormenta no Cabo, desgarrou, indo até o Mar Vermelho, donde volveu a Lisboa).

12. ............. Gaspar de Lemos

(este, navio de mantimentos, esvaziado em Porto Seguro, tornou daí a Lisboa, a levar a nova do descobrimento).

(estes 12 navios foram os que descobriram o Brasil).

13. ............. Luís Pires (Castanheda, Barros, Piloto anônimo, Ferreira Paes; ou Vasco de Ataíde (Pero Vaz Caminha).

(este perdeu-se na vinda, alturas de Cabo Verde).

OUTROS TRIPULANTES DA ARMADA DOS DESCOBRIDORES

Duarte Pacheco Pereira (Castanheda, Góis, Gaspar Corrêa, etc.)
Mestre Johanes Artium et Medicine Bachalaurius.

sarcerdotes pregadores:

Fr. Henrique Soares, de Coimbra,
Fr. Francisco da Cruz,
Fr. Simão de Guimarãis,
Fr. Luiz Salvador,
Fr. Gaspar.........

Fr. Maffeu, sacerdote organista.
Fr. Pedro Neto, corista com ordens sacras.
Fr. João da Vitória, frade leigo.
Aires Correia, feitor para a feitoria de Calicut.
Pedro Escolar, piloto da Capitânia.
Afonso Lopes, piloto.
João de Sá (que fora escrivão de Paulo da Gama).
Gonçalo Gil Barbosa, de Santarém, escrivão.
Pero Vaz Caminha, escrivão para a feitoria de Calicut.
Gaspar Gama, mouro intérprete, que trouxe Vasco da Gama e tornava.
Afonso Ribeiro, degredado que foi a terra em exploração.
Mais um degredado e dois grumetes, que ficam em terra.
“E foram feitos para esta armada mil & quinhentos homēs” (Castanheda, Hist. do Descobrimento da Índia, L. I, c. XXX, p. 63).

OS PRIMEIROS DIAS DO BRASIL

3.ª feira, 21 de abril — Sinais de terra: algas (botelho, rabo de asno); aves (fura buchos).
4.ª feira, 22 de abril — Avista-se o Monte Pascoal e a Terra de Vera Cruz.
5.ª feira, 23 de abril — A armada fundeia, a meia légua da foz de um rio (rio Cahy). Nicolau Coelho, mandado à terra, não desembarca mas entra em relações com os selvagens na praia.
6.º feira, 24 de abril — A armada levanta ferros pela manhã e à tarde fundeia dez léguas ao norte, numa angra onde há um ilhéu. O piloto Afonso Lopes conduz à Capitânia dois índios que aí dormem.
Sábado 25 de abril — A armada penetra na baía de Santa Cruz, que chamaram Porto Seguro, fundeando na enseada. Vão à terra Nicolau Coelho, Bartolomeu Dias e Vaz Caminha. É mandado também Afonso Ribeiro, degredado.
Domingo 26 de abril — Primeira Missa, no ilhéu (recife da Coroa Vermelha), sem índios.
2.ª feira, 27 de abril — Visitas e presentes aos índios.
3.ª feira, 28 de abril — Exploração da terra. Construção da cruz, junto ao rio Mutarí.
4.ª feira, 29 de abril — Descarga do navio de mantimentos, para tornar a Lisboa com a notícia. Na Sota-Capitânia dormem dois índios em lençóis.
5.ª feira, 30 de abril — Comem índios com os Navegantes.
6.ª feira, 1 de maio — Hasteada a Cruz e rezada segunda missa, no continente, à margem do rio Mutarí (Itacumarim) orando Frei Henrique.
Sábado 2 de maio — Partida da Armada (11 navios), rumo do Oriente, deixando 2 degredados, 2 grumetes, partindo, rumo norte, Gaspar de Lemos, no navio de mantimentos, esvaziado.


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III
Primeiro Século (I)
Homens e fazendas. — Brasil, sem proveito e aproveitado. — Primeiras Navegações. — Capitanias, Governo geral. — Os Jesuítas. — O Brasil não “esquecido”.

HOMENS E FAZENDAS
É a expressão de Couto, no Soldado: “este Reyno está tão desfeito de homens e fazendas” (c. XXIV, p. 99), como se diria, em vulgar, pouca gente e tão poucos recursos... Por esse tempo era Portugal escassamente habitado. As pestes, em terra, e os desastres, no mar, foram sempre desbarato de homens. Quando as navegações começaram, o mar disputou à terra ser-lhes o túmulo: João de Barros chegou a dizer fora o “Oceano a principal sepultura dos Portugueses, depois que começaram seus descobrimentos” (Décadas, II, 1. VII, cap. I). Em casa, ficava pouca gente. Em 1527 um censo dá 280.528 fogos, o que a quatro habitantes por lar, daria, ao país, 1.122.112 almas. Se calcularmos que metade eram mulheres, (deviam ser, mas não eram: sempre sobraram em Portugal, dada a emigração: além disto, 20% daqueles lares eram de viúvas...) metade da outra metade menores até quinze anos e maiores de sessenta, ficam apenas 280 mil homens válidos. Estes ficavam presos ao reino, a maior parte agricultores, homens de jorna, marítimos, pescadores, soldados, funcionários, clero, nobreza, enfermos e inúteis ou parasitas, que sobram em todas as sociedades. Só as ordens monásticas ocupariam perto de 10.000 homens, feita a proporção de Espanha, que não era mais piedosa, de 1 homem, para cada 30, ocupado no serviço divino. Deduzido tudo, que ficaria para as Navegações? Elas obrigavam, além dos marinheiros que as faziam, às guarnições, que mantinham entrepostos e conquistas. Sá de Miranda lamentava: ...“ao cheiro desta canella, o Reyno nos despovoa” (As obras, ed. 1614, Carta II, pág. 107). Isso os que partiam: os que chegavam, se chegavam à aventura, era metade e às vezes metade da metade...

Em 1436 o Infante Dom Pedro, em sessão do Conselho, que deliberava a expedição contra Tânger, dizia: “Posto que passassees e tomassees Tanger, Alcácer, Arzila, quereria, senhor, sabeis que lhes faziees; porque povoarde las com Regno tam despovoado e tam minguado de gente, como he este vosso, he impossivel”. (Ruy de Pina, Crônica de El-Rei Dom Duarte, cap. XIX). Daí valerem-se, para soldados e navegantes, até de criminosos e homiziados, a quem perdoavam as culpas: Paulo da Gama, irmão de Vasco da Gama, assim foi(1). El-Rei não podia remir pecados, como o Pontífice fizera aos Cruzados, mas agraciava aos que embarcassem. Se havia necessidade de gente e mais gente para as armadas, as fortificações, as feitorias... E os que iam, atraídos pela ambição ou pela aventura, deixavam claros sensíveis ao trabalho de mantença da comunidade.

Os escravos foram, pois, bem-vindos. Desde o tempo de Dom Henrique que fora achada a justificativa: ficava-se com o trabalho servil deles, mas salvava-se-lhes a alma(2). E, depois, civilizava-se o bárbaro, como, outrora, o alarve. Mas a Espanha também precisava deles e Portugal fornecia-lhos, negócio imediatamente mais rendoso, embora os campos, insupridos, ficassem sem braços. Na Lisboa de 1552 um décimo da população, de cem mil almas, era de escravos: a impressão de Clenardo exagerou, em 35: parecia que eram mais numerosos que os forros. Esse comércio de escravos, que às vezes apenas transitavam pelo reino, foi anterior e geral, e veio do Oriente a Inglaterra: os ingleses chegaram a vender compatriotas... Portugal não inventou a escravidão e foi humano com ela, obrigado a sofrê-la.

Inaugurara um sistema original de colonização que nem os povos antigos, nem os contemporâneos, ou os sucessores, imitaram: o povoamento. Fenícios e Romanos tiveram núcleos coloniais insulados, nas populações autóctonas; Ingleses e Holandeses têm colônias fechadas, e limitadas, nos países dominados: as gentes aborígenes trabalham, enquadradas pelos colonizadores, que as exploram, e vivem, entretanto, à parte. A Espanha mesma não se parece: foi antes conquistadora, e, às vezes, exterminadora: o México, ainda hoje, tem apenas um décimo de hispano-americanos, para noventa por cento de índios e mestiços. Varnhagen que, à germânica, é pela exterminação dos outros bárbaros, diz que ao norte os nossos selvagens não desapareceram, porque foram assimilados. Portugal colonizou, povoando. Para o grande mundo que descobriu, como bastar? Povoar, explorar o solo e a floresta, plantar canaviais na Madeira, dissiminar por toda parte espécies e frutas exóticas, misturando a flora e a fauna, (os Portugueses foram os uniformizadores mais eficazes da terra, promovendo a troca das utilidades), soltar ovelhas nos Açores desocupados, encher de proveitos todo o mundo ainda traficar, pelejar, manter o adquirido, como fazê-lo, sem gente para tanto?

A Índia, finalmente achada, realizava longínquo ideal. Ideal custoso. Gente aguerrida, industriosa, pugnaz e de outra fé. Para chegar lá, um sorvedouro de dinheiro e de homens. As naus, que começaram modestas, chegaram a “hũa grande vila”(3), comparou o Padre João de Lucena: “represente cada hum a si mesmo & pese bē consigo que cousa he hua nao de India posta a vela com seis centas, oito centas & ás vezes mais de mil pessoas dentro em si, homēs, molheres, mininos, livres, escravos, nobres, povo, mercadores, soldados, gente do mar... A viagem, quando muyto boa, nem pede menos de cinco meses: em os quais nam ha necessidade nem trabalho, nem perigo, que se nam corra, & padeça; na desigualdade dos tempos, nas calmarias de Guiné, nas tormentas do Cabo, na corrupçam dos mantimentos na linha, no aperto contino dos gasalhados, nas postemas, nas febres, nas modorras, na perpetua sombra e presença da mesma morte”. (História da Vida do B. Francisco de Xavier, 1600, 1. I, c. XI, p. 41-2). Só o que custava em dinheiro, — uma tal nau andava por 20 mil cruzados ou 4 mil contos nossos! Muitas não agüentavam duas viagens inteiras; dez era vantagem. Estas naus carregavam mercância de 50 mil cruzados ou 10 mil contos atuais. E como se perdiam naus carregadas ou imprestáveis! Figueiredo Falcão (Livro... da fazenda e real patrimônio... de Portugal, Lisboa, 1859, p. 194 e seg.) diz que, de 1497 a 1612, foram do reino às Índias 806 embarcações: volveram 425; arribaram 10, perderam-se 66, tomadas por inimigos 4, queimaram-se 6, ficaram na Índia 285(4). O Estado admitia particulares nas Armadas, que negociavam por conta própria, apenas em Lisboa sob a intervenção da Casa da Índia. Por isso tudo, disse Diogo do Couto: “escassamente podia armar quatro naus para a carreira de Índia” (Décadas, IV, 1. IX, cap. VIII).

O dinheiro era também escasso, como a gente. A monarquia sob os de Aviz era de príncipes endividados, desde Dom João I: quando vieram os descobrimentos para obter os resgates era preciso mercadoria e, para esta, dinheiro. O que se apurava era pouco e ia-se ao estrangeiro para compras indispensáveis. Das coisas necessárias para a Índia, dizia o Soldado Prático, “o principal he levar dinheiro e tres vezes, dinheiro”, (cap. VII, p. 34) e entretanto Afonso de Albuquerque escrevia a Dom Manuel: “he necessario que o trato comercial de cá se comece com cabedal e mercadorias de lá e eu não vejo as mercadorias; as feitorias estão varridas... Vossa Alteza não tem mercadorias” (Alguns documentos, cit. 242). Nem mercância, nem dinheiro: nem troca, nem compra. Isto a Índia, cujo comércio era rendoso e fora a riqueza de Venezianos: que fazer com o Brasil que não produzia nada ou pouco mais de nada?

BRASIL, SEM PROVEITO
O Brasil, de permeio, não tinha gentes industriosas, nem produzia nada. Os próprios Padres Jesuítas que haveriam de dizer, como o Padre Nóbrega: “esta terra he nossa empresa”, discutiam preferência no reino, e cuidavam, como refere um deles, Rúi Pereira, “que vir ao Brasil era perder tempo”. (C. Avulsas, p. 263). A Índia é que era. Aonde os hereges endurecidos a confundir? Nenhum interesse, nem temporal nem espiritual. Contudo, Pero Vaz de Caminha achou a primeira utilidade, além da terra a aproveitar e a gente a fazer cristã: é “que hy non ouvesse mais ca teer aquy esta pousada pera este navegaçon de Calecut abastaria” (op. cit., in fine), o que Dom Manuel ratifica, na comunicação aos Reis de Espanha: “la qual (terra) parece que nuestro Senor milagrosamente quiso se halasse, porque es muy conveniente y necessaria para la navigacion de la India, porque alli reparo sus navios é tomo água” (op. cit.). O tempo ensinaria outros proveitos.

Gaspar de Lemos, que tornou a Portugal, de Santa Cruz, a noticiar o descobrimento, foi o primeiro explorador da terra. Seguiu ao longo da costa, para o Norte, até ponto indeterminado do avanço oriental da terra sobre o mar. É o que explica a notícia citada, de Cretico-Pisani, em julho de 1501, à Senhoria de Veneza, dando notícia do descobrimento: “indichino questa terra esser terra ferma, perché corseno per costa duo mila piu ne mais trovorno fin” (Racolta Colombiana, p. III, v. I, p. 44). Se, na ocasião, Cabral já estava de regresso em Lisboa, a exploração, embora exagerada, só podia ter sido feita por Gaspar de Lemos.

Antes, porém, do retorno de Cabral, Dom Manuel mandava terceira armada à Índia, apenas de intuito comercial, comandando João da Nova quatro navios, sendo uma nau por conta de Dom Álvaro de Bragança e outra armada por Bartolomeu Marchioni, o mercador florentino. Partiu a 1.º ou 5 de março de 1501 e tornou a 11 de setembro de 1502. Fez escala pelo Brasil, percorrendo cento e vinte léguas da costa, diz o Cardeal Saraiva(5) e Duarte Leite(6) atribui a informações dessa armada o planisfério de Cantino, de 1502, feito por cartógrafo português e levado ao duque de Ferrara: aí já vem uma nomenclatura de terras brasileiras: a 29 de Abril de 1501 nomeou-se o Cabo de Sam Jorge. Nesse mapa de Cantino já vem descoberta e batizada a Baía de Todos os Santos.

[imagem]
Megatherium americanum de Jacobina (Bahia)
Col. do Museu Nacional — Rio

[imagem]
Cerâmica da Ilha do Marajó
Col. do Museu Nacional — Rio

Teria sido visitada pela armada de 1501, da qual fez parte Américo Vespúcio e comandante ignorado, (Fernão de Loronha, para Duarte Leite, op. cit., p. 173, Gonçalo Coelho, para Fortunato de Almeida, Hist. de Port., Coimbra, 1924, t. II, p. 255) que, antes da chegada de Cabral, mandara Dom Manuel a explorar a terra descoberta.

Valentim Fernandes de Moravia, em documento público, de 20 de maio de 1503, diz: “Passados dois anos (de 1500) uma outra armada do mesmo cristianíssimo rei, destinada a esse fim, tendo seguido o litoral daquela terra por quase 760 léguas encontrou nos povos uma só língua, batizou a muitos e avançando para o sul chegou até a altura do pólo antártico, a 53° e tendo encontrado grandes frios no mar voltou à pátria”. Esta viagem de 1502-3 teria sido a em que fora Américo Vespúcio(7), comandada por Gonçalo Coelho (F. de Almeida) ou por Fernão de Loronha (Duarte Leite). Fernandes atesta que o colegiu “mediante a narração de dois homens da terra acima referida e abaixo assinado que durante 20 meses lá moravam e afirmo que tudo isto é verdadeiro pelo que vi e me relataram”. Teriam sido estes dois homens dos quatro que no Brasil ficaram da armada de Cabral (dois degredados e dois grumetes). (Cf. A. Fontoura da Costa — Cartas das Ilhas de Cabo Verde de Valentim Fernandes, 1506-1508, Lisboa, 1939, p. 93.

As coisas teriam passado de outra maneira. Aqui, em 1501 ou 1502, teria estado Fernão de Loronha, que descobrira, a 23 de junho desse ano, uma ilha perto de Santa Cruz, também explorada. Dom Manuel arrendava-lhe as terras exploradas, associado a outros, cristãos novos e ricos, obrigados a mandar todos os anos seis caravelas descobrir 300 léguas de costa anualmente, fazer uma fortaleza mantida nos três anos do contrato: no primeiro ano nada pagariam, no segundo um sexto, no terceiro um quarto; contam trazer brasil e escravos e outras coisas de proveito que achassem. (Carta de Piero Rondinelli, de Sevilha, a 3 de outubro de 1502, in Racolta Colombiana, III p., vol. II, p. 120-1). No mapa de Cantino vem no cotovelo da costa brasileira uma ilha com a inscrição Quaresma, posta por colaborador anônimo. Seria a ilha descoberta por Fernão de Loronha em 1501 ou 1502, da qual fala um diploma de Dom Manuel, doando-lhe a ilha de Sam Joham “que ele hora novamente achou e descobryo cincoenta leguas alla mar de nossa terra de Santa Cruz que lhe temos arrendada”. Essa ilha, chamada Quaresma no planisfério de Cantino, por Loronha S. João, por tê-la descoberto no dia deste santo, foi também chamada S. Lourenço, e, por fim, Fernando Noronha, por corruptela do nome do descobridor.

De passagem para a Índia, uma armada sob o comando de Afonso de Albuquerque, quatro navios, Sant’Iago, São Cristóvão, Espírito Santo e Catarina Dias, toca no Brasil, segundo depõe em carta Giovanni da Empoli, que descreve os selvagens e a escassez de produtos da terra (Racolta Colombiana, Roma, 1893, parte III, vol. II, carta de 16 de setembro 1504: “La nostra partida de Lisbona...” 6 de abril de 1503).

[imagem]
Carta Quinhentista da Baía de Todos os Santos

[imagem]
Carta Quinhentista da Baía do Rio de Janeiro

O contrato com Fernão de Loronha estipulava a remessa anual de seis caravelas o que, diz Damião de Góes, “ocorreu no primeiro ano, 1503, despachando Dom Manuel a Gonçalo Coelho com seis naus à terra de Santa Cruz, com que partiu do porto de Lisboa aos dez dias do mês de junho, das quais por terem pouca notícia da terra, perdeu quatro e as outras duas trouxe ao reino com mercadorias da terra, que então não eram outras que o pau vermelho a que chamavam brasil, bugios e papagaios”. (Crôn. de El-Rei D. Manuel, p. 1, cap. LXV, fl. 65). Vespúcio teria volvido nesta armada. Para exploração e tráfico dividir-se-ia em dois grupos, e Vespúcio, feitor de Marchioni, diz Duarte Leite, teria ficado ao norte, nada nos podendo informar dos descobrimentos de Gonçalo Coelho, a que não assistiu. Vespúcio teria rumado à baía de Todos os Santos descoberta na sua precedente viagem, teria construído um fortim em Porto Seguro, não passara porém de Cabo Frio e, carregado, tornara a Lisboa, crendo que seu comandante Gonçalo Coelho se perdera, vítima de “sua muita soberba”.

Foi Gonçalo Coelho, para Duarte Leite, que, “calendário na mão”, foi dando os nomes que Varnhagen atribuirá a Vespúcio, na viagem anterior: “perfeita concordância cronológica e topográfica que falta a análoga de Varnhagen e liberta de outros vícios.” (op. cit., 182). A saber:

Angra de São Roque — 16 de agosto.
Santa Maria da Arrábida.
Cabo de Santo Agostinho — 28 de agosto.
Rio das Onze Mil Virgens — 21 de outubro.
Rio de São João (de Tiba) — 14 de novembro.
Ilha de Santa Bárbara — 4 de dezembro.
Rio de S. Luzia — 13 de dezembro.
Serra de S. Tomé — 21 dezembro.
Cabo Frio —
Angra dos Reis — 6 de janeiro.
Rio Jordão — 13 de janeiro.
Rio de S. Antão — 17 de janeiro.
Porto de S. Sebastião — 20 de janeiro.
Porto de S. Vicente — 22 de fevereiro.
Pináculo da Tentação — 25 de fevereiro.
Rio da Cananea — 29 de fevereiro.

“Varnhagen quere — diz Duarte Leite — que o Rio de Janeiro fosse descoberto a 1 de janeiro de 1501, mas engana-se no ano e talvez no dia, pois na hipótese era natural escolher-se o nome de rio de ano bom”. “Joaquim Caetano da Silva e Varnhagen ignorando (como nós) quando Coelho regressou a Portugal, imaginaram-no estacionado durante anos no Rio de Janeiro, onde fez arraial: fundavam-se principalmente em que o mapa Kunstmann II, nas vizinhanças da Guanabara, inscreve Piñachullo detetio, onde leram Coelho detentio. É fantasia pura: a verdadeira lição, transtornada pelo cartógrafo italiano, é Pináculo da tentação (assim no Mapa anônimo de Turim, de 1523), nome imposto a um alto monte a 25 de fevereiro de 1504, pois a este dia se refere o evangelho de S. Mateus à tentação de Cristo no cume de uma elevada eminência. Dos evangelhos saíram também os nomes dos rios de Jordão e de Cananéa, o primeiro imposto em 13 de janeiro, quando se celebra o batismo de Cristo no rio Jordão; e o segundo em 29 de fevereiro, dia de 1504 em que se comemorou o encontro de Cristo com a mulher de Cananéa, cuja filha milagrosamente sarou” (op. cit. p. 183). (Também Wieser [op. cit.] e o Barão do Rio Branco [Esquisse de l’histoire du Brésil] por motivos, paleográfico um, outro lingüístico, discordam de Varnhagen neste ponto). Deve-se dizer que o sistema de identificar os descobrimentos portugueses pela folhinha, desde Frei Gaspar da Madre de Deus (Memórias para a história da Capitania de S. Vicente, S. Paulo-Rio, 1920, p. 116-19) é às vezes precário: por ele Gaspar Corrêa errou a data do descobrimento do Brasil... Hümmerich afirma, por ele ainda, que a 18 de maio de 1502 foi descoberta, — pela armada de D. Estêvão de Gama, (cinco navios atrasados da esquadra de Vasco da Gama, na sua 2.ª viagem) em trânsito para a Índia, — a Ilha da Trindade.

A 22 de Setembro de 1502(8) chegara a Lisboa o primeiro carregamento de pau-brasil, a que se deu o preço de dois cruzados ou 400$000 nossos, por arroba. Também peles de animais, bugios, papagaios, algodão, pimenta da terra, começaram a ser apreciados. Talvez já alguma especiaria. O P.e Antônio Vieira, em carta de 1675, escreveu: “em tempo de el-rei D. Manuel e logo no princípio dos descobrimentos do Brasil, transportaram os Portugueses para lá algumas plantas da Índia e entre elas a da pimenta, as quais muito prosperaram; mas que julgando el-Rei, que esta cultura viria a prejudicar os interesses do comércio oriental, mandara arrancar as novas plantas, e proibira, sob graves penas, a sua cultura, que assim se executou, escapando tão somente a este mal pensado extermínio o “gengive”, que, por ser raiz, se meteu por debaixo da terra, e não pôde ser extinto”. (Cartas, ed. J. Lúcio de Azevedo, Coimbra, 1928, t. III, p. 147).

Com os Portugueses de Fernão de Noronha começaram, antes de 1504, a concorrer navegantes Franceses; estes entraram em entendimento com os Índios, que lhes chamavam “Mairs” para os distinguir dos Lusitanos, a quem chamavam “Peirós”. O brasil era o interesse da terra, além das curiosidades dos mesmos índios, que não custavam a embarcar, supondo ir, com eles, ao céu(9). Para estes Franceses a nova terra era designada pelo seu produto, terre du brésil, donde, por menor esforço, le brésil ou le Brésil, como vieram a chamar-lhe. Os Portugueses, diz Varnhagen, chamavam “brasileiros” aos que tiravam e se ocupavam com o brasil, como baleeiros se diz dos que pescam baleias, negreiros dos que fazem o tráfico dos negros: o gentílico substituir-se-ia ao epíteto profissional (o mesmo dar-se-ia com os “mineiros”). Estaria assim, desde aí, antes de 1504, admitido o Brasil e os Brasileiros, que depois viriam à escrita e à geral admissão. No seu Esmeraldo, começado a escrever em 1505, Duarte Pacheco já escrevia “as gentes que habitam na terra do Brasil”. .. (op. cit., cap. II, 2.º 1.).

Portugal soube logo dessas incursões francesas. Binot Paulmier de Gonneville, em 1505, depôs perante o Almirantado de Normandia ter estado no Brasil, região que os navegantes de Dieppe e St. Malo freqüentavam. Anchieta escreveu: “Na era de 1504 vieram os Franceses ao Brasil a primeira vez ao porto da Baía e entraram em Paraguassú” (Cartas, cit. p. 310). D’Avezac publicou documentos relativos ao navio “Espoir”, de Honfleur, comandado por Binot Paulmier de Gonneville, que aqui esteve em 1504 (Annales de voyages, Paris, 1869). Em 1509 foram levados a Ruão sete índios do Brasil. Dom Manuel protestou, junto à Corte de França, contra armadores e corsários, que escapavam à mesma jurisdição do seu país, e foi levado, ao cabo de transigências e reclamações vãs, à vindita armada contra esses intrusos.

Em 1508 coloca-se a aventura de João Ramalho, o aventureiro de S. Paulo que veremos adiante. Dele disse Tomé de Sousa a el-Rei D. João III, que Martim Afonso aqui o achara: Varnhagen (op. cit., t. I, p. 115-6) apura que era o homem que há 60 anos aí estivera em 1568, segundo depôs em carta o P.e Baltasar Fernandes, escrita por comissão de Anchieta: (1568 −60=1508).

Em 1509 ou 1511 será a de Diogo Álvares, de Viana, o “Caramurú” dos índios, náufrago nas costas da Baía, a quem a lenda emprestou uma espingarda, com que assombrou os íncolas: depois a lingüística interveiu e o “caramurú” foi assimilado à moreia grande, peixe entocado nas pedras, comparado ao náufrago encontrado entre os rochedos do Rio Vermelho. (Um neto, descobridor das minas de Itabaiana, traduzira no próprio nome a alcunha avoenga, Belchior Dias Moreia). D. Rodrigo de Acuña achou na Baía, em 1526, um cristão que havia 15 anos aí estava, de uma nau perdida (Navarrete, Collecion de los Viages y descubrimientos, Madrid, 1837, t. V, p. 170, nota 231: deve ter sido o Caramurú, diz-nos Rodolfo Garcia; portanto 1526−15=1511. Mas, no Roteiro de Pero Lopes [cf. Hist. de Colon. Port., cit. t. III, p. 143] se diz de “hũ homem portuguez q avia xxij (22) anos q estava nesta terra” e seria o Caramurú, dissera Varnhagen. Portanto 1531−22=1509. Portanto ainda, 1509 ou 1511). Diogo Álvares conseguiu boas relações com os Índios, casando com a filha dum cacique, chamada Paraguassú. A tradição deu-lhe o nome de Catarina, mas Frei Vicente do Salvador, que ainda a alcançou “viúva, mui honrada, amiga de fazer esmola aos pobres e outras obras de piedade”, dá-lhe o nome de Luíza (Hist. do Brasil, l. III, cap. I). Diogo Álvares e os seus habitavam onde é hoje o bairro da Graça e seria próximo da Barra, ou arraial do Pereira (nome do donatário Francisco Pereira Coutinho) a “Vila Velha”, substituída, em 1549, pela cidade nova, a Baía de Tomé de Sousa, fundada no interior da baía de Todos os Santos. (Diogo Álvares inspirou o poema de Santa Rita Durão “O Caramurú”, onde vem a lenda de Moema, balbucio do romantismo nacional).

Publicou Varnhagen o “Llyuro da naao bertoa que vay para a terra do brazyll... que partio deste porto de Lixª (Lisboa) a 22 de fevº (fevereiro) de 1511”. Essa nau Bretoa (houve mais de uma com tal nome em Portugal, o que presume ter sido construída na Bretanha, terra de marítimos), foi armada por Bertolomeu Merchioni (de Bertô-lomeu não se faria Bertoa?), Benedito Moselli, Fernão de Loronha e Francisco Martins, e mandada a Cabo Frio: partiu do Tejo a 22 de fevereiro, fundeou a 12 de maio na baía de Todos os Santos, a 26 chegou a Cabo Frio, carregou e a 28 de julho tornou para Portugal, conduzindo cinco mil toros de brasil, vinte e dois tuins, dezasseis sagüins, dezasseis gatos, quinze papagaios, três macacos, tudo avaliado em 4$220 (ou 2:110$000 de hoje), e 40 peças de escravos, mulheres na maioria, avaliados ao preço médio de 4$000 (2 contos de hoje). Crê Varnhagen que os Índios foram “resgatados” legitimamente, isto é, trocados por facas, machados, espelhos, cascavéis e avelórios, artigos de resgate, como se chamava e se praticava em África. Dessa viagem fizera parte João Lopes de Carvalho, que demorara quatro anos no Rio, havendo um filho de uma índia e tornando ao Brasil, como um dos pilotos de Fernão de Magalhães.

Em 1512, será a viagem da caravela de Cristóvão de Haro que em requerimento de 1519 lembrava “puede haber seis años poco más ó menos”, armou a embarcação em Lisboa para resgate no Brasil: Estêvão Fróes, que a comandava, foi levado do Brasil a Porto Rico, pelos ventos, onde foi preso pelos Espanhóis e daí pediu proteção a el-Rei. (“As datas concordam”, diz J. F. de Almeida Prado, Primeiros Povoadores do Brasil 1500-1530, São Paulo, 1935, p. 53, as da viagem de Fróes e a dos dizeres do requerimento).

Refere-se Damião de Góes (Crônica del-Rei Dom Manuel, p. I, cap. LVII, fl. 56, verso) a Jorge Lopes Bixorda que, em 1513, tinha o trato do “pau-brasil” e viera falar a el-Rei trazendo três índios frecheiros, cujas habilidades o cronista viu.

Será de 1514 a viagem de Dom Nuno Manuel e Cristóvão de Haro, mercador de Burgos e Antuérpia, então ao serviço de Portugal, os quais armaram um navio, levando por piloto a João de Lisboa, o outro da Coroa, pois dela será notícia a Gazeta Alemã, datada desse ano, segundo o manuscrito achado por Haebler nos arquivos do Príncipe Fugger, em Augsburgo. A Zeitung aus Presilig Landt é um fólio escrito da Madeira para Antuérpia, por feitor de alguma casa importante, com as notícias da terra do Brasil. O “Nono”, do documento, foi, por Capistrano, identificado a D. Nuno Manuel. (Cf. Clemente Brandenburger, A nova gazeta da terra do Brasil, S. Paulo, Rio, 1922).

Em 1515 João Dias de Solis, dito Bofes de Bagaço, piloto português (cf. Varnhagen, nota de Garcia, op. cit., t. I, p. 122), criminoso e refugiado em Castela, a primeira vez pelo roubo de uma caravela, a segunda porque matara a mulher no reino, tendo a Espanha aproveitado os seus serviços, vai descobrir o Rio da Prata, tocando no Brasil entre os Cabos de São Roque e Santo Agostinho, que avista, buscando Cabo Frio; e, pelo Rio de Janeiro e Cananéa, tocando para diante, descobre o estuário do grande rio do sul. Aí mataram-no os índios em que se fiara e os companheiros rumaram ao norte, carregando brasil e tomando onze portugueses de uma feitoria de Pernambuco. Ao protesto de Portugal, Castela troca esses prisioneiros por sete espanhóis, presos na baía dos Inocentes, ao norte de Cananéa.

Varnhagen cita, em 1516, a solicitude de Portugal pelo Brasil, mandando, por alvará ao feitor e oficiais de Casa da Índia, que dessem “machados e enchadas e toda a mais ferramenta às pessoas que fossem a povoar o Brasil”. Por outro alvará, ordem ao mesmo feitor e oficiais que “procurassem e elegessem um homem prático e capaz de ir ao Brasil dar princípio a um engenho de açúcar; e que lhe desse sua ajuda de custo e também todo o cobre e ferro e mais cousas necessárias” (op. cit. p. 106). Também o espiritual não era descurado: a bula do Pontífice Leão X, de 1514, tornava as novas terras sufragâneas do bispado de Funchal, na Madeira. O bispado do Funchal foi o primeiro de que, depois da vigararia de Tomar, sede do Mestrado de Cristo a que pertenciam as novas terras, e consideraram espiritualmente dependentes os primeiros colonos e índios cristãos do Brasil(10).

Em 1516, diz ainda Varnhagen, haviam chegado tais notícias das suas navegações (dos Franceses) no Brasil, que el-Rei Dom Manuel mandava por agentes seus representar contra elas à Corte de França. A primeira viagem de Cristóvão Jacques, neste ano, de reconhecimento à costa do Brasil, prende-se à necessidade de conhecer os meios de vencer os corsários franceses, que infestavam o litoral, e punham em perigo a própria soberania de Portugal(11). Nessa viagem Cristóvão Jacques gastou os dias que vão de 21 de junho de 1516 a 9 de maio de 1519, dois anos, dez meses e dezoito dias, fundando uma feitoria em Pernambuco, explorando o sul de Santa Catarina ao Rio da Prata. (Cf. Esteves Pereira, História da Colonização Portugueza do Brasil, cit. t. II, p. 361-4). Esse Capitão virá a ser enviado em expedição decisiva mais tarde, a dar caça aos intrusos.

O fato mais importante de que em seguida temos notícia é a viagem de circunavegação de Fernão de Magalhães, que tocou no Brasil, de rota para o Sul, entrando no Rio de Janeiro(12) a 13 de dezembro de 1519, dia de Santa Luzia, donde o dar à baía essa invocação. Diz Gaspar Corrêa (op. cit. II, 628): “Partiu-se das Canárias de Tenerife e foi demandar o Cabo Verde, donde atravessou a Costa do Brasil e foi entrar em um rio que se chama Janeiro. Ia por piloto-mor um português chamado João Lopes Carvalhinho, o qual neste rio já estivera e levou um filho que aí fizera em uma mulher da terra e daí foram navegando até chegarem ao Cabo de Santa Maria.” Pigafetta, o escrivão do périplo, diz que João Lopes de Carvalho, “nosso piloto”, passara quatro anos no Brasil; referiu-lhe os costumes de antropofagia dos aborígenes, e, certamente, as palavras regionais, os 12 primeiros americanismos apontados: rei, cacique; bom, tum; casa, boi; cama (rede), hamac; pente, chipag; foca, tarsi; chocalho, itanimaracá; tesouras, pirame; anzol, pindá; milho, maiz; farinha, auí (13). (Francisco António Pigafetta, Viagem ao redor do mundo, ed. de Carlos Amoretti, trad. em francês do manuscrito que possui a Ambrosiana, de Milão).

Às reclamações de Dom Manuel, em 1516, a Francisco I, por seu embaixador Jácome Monteiro, sucederam as de Dom João III por João da Silveira, relativas às tomadas de naus por Franceses, em 1521; em 26 Silveira comunicava que uma armada de dez navios se aprestava para outra agressão. Foi então nomeado o “Governador das partes do Brasil”, sucessor de Pero Capico, “Capitão de uma das Capitanias do dito Brasil” (prova de que havia mais de uma, diz muito bem Varnhagen), cujo tempo terminara e que queria recolher-se ao reino. Assim, diz Fr. Luiz de Sousa: “No mesmo (ano de 26) despachou El-Rey (D. João III) a primeira armada que foy em seu tempo ao Brasil; Capitão-mor Cristóvão Jacques. Foy correr aquela costa e alimpalla de cossarios, que com teyma a continuavão pollo proveito que tinhão do pau brasil. E erão os mais dos portos de França do Mar Oceano” (Anais de El-Rei D. João Terceiro, Lisboa, 1844, p. 178).

No fim do ano estava Jacques na costa do Brasil, fundeado no canal que separa a ilha de Itamaracá do continente, onde fundou uma feitoria, a de Pernambuco, bem necessária à defesa da região, por muito freqüentada pelos Franceses, que chegaram a chamar, ao brasil, bois de Pernambouc. Desse pau carregou a nau, enviada ao reino e, com cinco caravelas, endireitou rumo do sul, a percorrer a costa. Na baía de Todos os Santos, diz a tradição que, na ilha dos Franceses, à foz do Paraguassú, encontrou três navios bretões, que faziam carregamentos, e com eles travou peleja, vencendo-os, e fazendo trezentos prisioneiros, que levou à feitoria de Pernambuco. Recolhido ao reino, além dos prisioneiros e carga, levou Cristóvão Jacques noções da terra explorada, propondo-se a colonizador, e oferecendo-se para tornar ao Brasil com mil colonos. Francisco I reclamaria, contra o dano sofrido, indenizações e, não atendido, assinava carta de corso, contra Portugal, a João Angô.

As idéias de colonização de Cristóvão Jacques tiveram o apoio de Diogo de Gouveia, sábio teólogo, reitor do Colégio de Sainte Barbe em Paris e, depois, da Universidade de Bordéus, que escreveu a el-Rei, em reforço desse povoamento por capitanias. Mas a idéia não amadurecera no ânimo de D. João III.

Em 1530 parte uma expedição comandada por Martim Afonso de Sousa, para reconhecimento do Brasil, exploração e defesa da costa, e primeiro estabelecimento de sesmarias, a quem as pedisse. Seria evolução para as capitanias hereditárias, que não eram novidade, já existentes na Madeira e nos Açores. Com Martim Afonso veio seu irmão Pero Lopes de Sousa, a quem se deve a obra memorável de um Roteiro da Costa do Brasil.

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Capitão de nau portuguesa do século XVI, segundo uma escultura do British Museum, Londres.]

A 31 de Janeiro de 1531 estavam diante do Cabo de Santo Agostinho e já na costa de Pernambuco; encontrando navios franceses deram-lhes caça, tomando três, um queimado, outro enviado ao reino carregado de brasil, o terceiro encorporado à armada, que ia a caminho do Rio da Prata. Na Bahia foram acolhidos por Diogo Álvares, o Caramurú, e Pero Lopes achou, das baianas, que “eram mui fermosas e não haviam nenhuma inveja às da rua Nova, de Lisboa”. (Diário de Navegação, ed. de E. de Castro, Rio, 1927, p. 154). Depois no Rio de Janeiro, (p. 174) onde se demoraram, fizeram desembarque(14) e exploração, terra a dentro: “a gente deste rio é como a da Baía de Todos os Santos, senão quanto é mais gentil gente”, diz ainda Pero Lopes. Do Rio foram a Cananéa; em terra encontraram um bacharel português, (p. 205), que “havia trinta anos que estava degredado” e por aí vivia. Tocando para o Sul, foram vítimas de pampeiro e tempestade, à foz do Chui, destacando Martim Afonso a Pero Lopes e outros destemidos para explorarem o Rio da Prata, subindo o Paraná e Uruguai.

Martim Afonso tornara do sul a S. Vicente, onde fundou a colônia, que tão famosa veio a ser, núcleo de povoação dessas partes e ponto de penetração do litoral ao sertão. Aí encontraram o português João Ramalho, o Caramurú de S. Paulo, há longos anos domiciliado na terra, aliado com o gentio e genro do cacique Tibiriçá. Na colônia interior de Piratininga, João Ramalho assumiria mando e governo. As colônias prosperaram, as sementes trazidas do Reino vingaram, a cana de açúcar foi plantada e daria para o primeiro engenho. Pero Lopes que, tornado, assistira e colaborara na fundação das duas vilas, relata a civilização pegava de galho nestas regiões do sul do Brasil: “repartiu (o Capitão-mor) a gente nestas duas vilas e fez nelas oficiaes; e poz tudo em boa ordem de justiça; do que a gente toda tomou muito consolaçom com verem povoar vilas e ter leis e sacrificios, e celebrar matrimonios e viverem em comunicaçam das artes; a ser cada um senhor do seu; e vestir as injurias particulares; e ter todos outros bens de vida segura e conservavel.“ (Op. cit., p. 342).

CAPITANIAS
Esta experiência, corroborando as opiniões manifestadas anteriormente, sobretudo a tenacidade e amplitude que os Franceses estavam dando a suas empresas de corso no litoral brasileiro, provocaram nova insistência de Diogo de Gouvêa, e el-Rei decidiu-se a criar as capitanias do Brasil. Vimos que algumas já existiam sem sistema, e já aludimos ao sistema, que vingara na Madeira. Desde 1433 que Dom Duarte ratificara ao irmão, a doação de D. João I ao Príncipe Dom Henrique. Este dividira a dádiva em duas capitanias, a de Funchal e a de Machico. A doação é válida pela vida do soberano: Afonso V corrobora na doação, ao tio. O mesmo acontecerá à sucessão do Infante Navegador. Dom Manuel doou a Fernão de Loronha a capitania da ilha de S. João, que ele descobrira. Falou-se em sistema feudal: Alexandre Herculano combateu tal idéia; Portugal, que não conheceu o feudalismo, na sua época, não iria reinventá-lo tardiamente. Como tudo é pretexto a controvérsia, discute-se... O rei guarda a jurisdição, o cunho de moeda, e a prestação do serviço militar; apenas a capitania vem a ser hereditária, para justificar e promover o zelo e o emprego de capitais, de outra maneira sem compensação. No Brasil a Coroa reservou o monopólio do pau-brasil, das especiarias, drogas e escravos, o quinto dos metais preciosos e o dízimo de todos os produtos da terra. Os donatários não batem moeda, não têm soldados, nem julgam os criminosos.

Entretanto Diogo de Gouvêa alvitrara em 1529 ao irmão do Capitão de São Miguel, João de Melo da Câmara e a Cristóvão Jacques, que se propunham a povoar o Brasil com dois mil moradores, um, e mil, o outro. Em 32, insiste, dizendo a el-Rei: “E se vos estorvaram, senhor, por dizerem que enriqueciam muito. Quando vossos vassalos forem ricos, os reinos não se perdem por isso, mas se ganham...” (Essa razão não procede só no Brasil colonial, mas continua no independente: o ganho possivel de alguns ativos é impedido pela passividade ciumenta de todos: capitanias, ferro, petróleo. ..).

Martim Afonso, ainda em Pernambuco, recebia a notícia de divisão do Brasil em grandes capitanias, demarcadas, de muito ao norte de Pernambuco ao Rio da Prata, cinqüenta léguas de costa a cada capitania, apartadas logo cem léguas para o Capitão-mor e cinqüenta para o irmão Pero Lopes, que depois teve três quinhões. A resolução foi de 32, as primeiras doações a 33, os diplomas a partir de 34. El-rei confessa a Martim Afonso que não o esperou, para a deliberação, não só porque ”algumas pessoas me requeriam capitanias”, como “algumas partes faziam fundamento de povoar a terra do dito Brasil e seria grande trabalho lançar fora a gente que a povoasse depois de estar assentada na terra e ter nela feitas algumas forças, como já em Pernambuco começava a fazer”... Não foi deliberação, senão homologação. Pelo menos, faze, antes que façam. E foi feito. A colonização fazia-se, sem sistema: tinha agora um sistema. Os primeiros donatários foram:

Martim Afonso de Sousa, dois quinhões, de doze léguas abaixo de Cananéa, até pouco acima de Cabo Frio. Só a parte de S. Vicente foi colonizada, servindo de núcleo as duas vilas fundadas anteriormente, de S. Vicente e Piratininga. A cana de açúcar trazida para aí, da Madeira (Gabriel Soares diz que viera primeiro de Cabo Verde para os Ilhéus) deu o primeiro engenho de açúcar, que chegou a ser próspero, sob o nome engenho dos “Erasmos”, de uma firma de ricos homens de Flandres, Erasmo Schetz, a cujos feitores se refere Anchieta. Na futura vila de Santos, junto a S. Vicente, Braz Cubas estabeleceu o primeiro monjolo, ou engenhoca, de pilar cereais.

Pero Lopes de Sousa teve três quinhões separados: Sant’Ana, de Paranaguá a Laguna, não colonizado; Santo Amaro, da barra de Santos à ponta do norte do canal da ilha de S. Sebastião; Itamaracá que ia do rio Igarassú a Paraíba: ao todo somavam 80 léguas de costa. Tanto este, como o irmão, geriram por delegados.

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Demarcação das Capitanias

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Carta Quinhentista de São Vicente e Santos


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Pero de Góes da Silveira, parente do escritor Damião de Góes, companheiro de Pero Lopes na exploração do Rio da Prata, sob Martinho Afonso, teve S. Tomé ou Paraíba do Sul, de Macahé às divisas do Espírito Santo. Veio à sua capitania, plantou cana que trouxera de S. Vicente, montou engenhocas, mas sofreu vicissitudes com os índios, matanças de colonos, abandonando, por fim, suas terras, recolhido ao Reino.

Vasco Fernandes Coitinho teve o Espírito Santo, do Itapemerim ao Mucuri. Desfrutava seu ócio de fidalgo rico, que estivera na Índia, quando, à doação, vendeu tudo e saiu da pátria, sem idéia de retorno; fundou Vitória, plantou cana, fez engenho, mas demandou-se em maus hábitos e declinou perdendo tudo, chegando a esmolar.

Pedro de Campos Tourinho teve Porto Seguro, que ia do Mucuri até o Jequitinhonha. A princípio pacífica e ordeira, a colônia progrediu com a pesca e o açúcar; sob os herdeiros decaiu, vendida ao Duque de Aveiro.

Jorge de Figueiredo Corrêa teve os Ilhéus, do Jequitinhonha ao Jaguaripe. Não veio o donatário ao Brasil: seu nome foi dado, como invocação, à vila de S. Jorge dos Ilhéus. Foi das prósperas capitanias até que, rebeldia e revoltas, invasões de índios, a fizeram declinar.

Francisco Pereira Coitinho, do Jaguaripe, no extremo sul da baía de Todos os Santos, ao rio de S. Francisco. Pereira fundou ao lado da Graça, onde morava Diogo Álvares, a Barra, muito tempo chamada “Arraial do Pereira” e, depois da cidade nova de Tomé de Sousa, a “Vila Velha”. Os colonos espalharam-se pelo recôncavo e desmandaram-se. Os índios levantaram-se e o donatário teve de fugir em navios, que naufragaram na costa de Itaparica, onde os selvagens comeram o velho donatário... A família, refugiada em Ilhéus, sofreu penúria.

Duarte Coelho, filho de Gonçalo Coelho, dos primeiros exploradores, teve Pernambuco, do S. Francisco a Itamaracá. Fundou Olinda e, aliado aos índios, a “Nova Lusitânia”, nome da colônia, que prosperou com a cana de açúcar. Seu filho Jorge de Albuquerque Coelho, continuou o prestígio e a riqueza. Foram ambos inspiradores do poema “Prosopopéa”, e da “Narração” de um naufrágio, o pai e o filho, aquele morto em África, com D. Sebastião, este escapado do mar, numa travessia do Atlântico, que conta e canta Bento Teixeira, português originário do Porto, que assim inaugurou a literatura brasileira.

A João de Barros, o historiador, e Aires da Cunha, foram dadas cem léguas, da baía da Traição à barra do Mossoró, Rio Grande do Norte, ou do Jaguaribe, no Ceará. A Fernão Álvares de Andrade coube a terra que ia do rio da Cruz, no Ceará, ate a Ponta dos Mangues Verdes, no Maranhão. Da Ponta dos Mangues à divisa entre Maranhão e Pará, era inda de Barros e de Cunha. Como João de Barros e Álvares de Andrade não pudessem vir, associaram-se a Aires da Cunha. A expedição naufraga e dispersa-se no mar; os colonos sofrem fome e, em embarcações improvisadas, alguns vão ter ao Haiti, donde não puderam sequer tornar à pátria. Apenas João de Barros logroí reaver dois filhos. Partidos em festa e fausto de Lisboa, vieram encontrar a ruína e a catástrofe.

Antônio Cardoso de Barros, finalmente, teve terras entre o Jaguaribe e Mundaú, além de Fortaleza, que veio a ser a capital do Ceará: deste nem se sabe se tentou colonizar sua capitania.

O “drama e a tragédia” das capitanias, pôde dizer um historiador (João Ribeiro)... Apenas duas prosperam, Pernambuco e S. Vicente. As outras tiveram contra si o naufrágio, no mar, e, em terra, a rebeldia dos índios e a desordem dos colonos. A penúria do donatário do Espírito Santo dá tristeza, e o destino inclemente do da Bahia, horror. Felizes os que não se meteram na aventura. Mas, ainda assim, sistematicamente, a costa do Brasil ficou conhecida e as suas possibilidades manifestas. O inimigo externo que as promovera, os Franceses, ainda não estavam longe. Em 12 de Maio de 48, de S. Vicente, Luiz de Góes(15) fazia a Dom João III exortação patética: “Se com tempo e brevidade V. A. não socorre estas capitanias e costa do Brasil... ainda que nós percamos as vidas e fazendas, V. A. perderá a terra”. “E que nisto perca pouco, aventura-se a perder muito... queira Deus não se vão (os Franceses) a dobrar o Cabo de Boa Esperança...” (Hist. de Colonização Port., t. III, p. 334).

Sem abolir o sistema das capitanias, o remédio seria o governo geral, provendo ao Brasil, abandonado, com elas, aos interesses regionais. Alguns donatários se agravariam, mas, providencialmente, fora um deles, Pero de Góes, presente à Corte, dos mais persuasivos: viria com o governador geral, por capitão-mor da costa.

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Carta Quinhentista de Olinda, Pernambuco

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Expansão dos Jesuítas, no Século XVI segundo o P.e Serafim Leite S. J.

GOVERNO GERAL
A escolha recaiu em Tomé de Sousa, fidalgo já provado em África e na Índia, a quem se deu regimento datado de Almeirim, a 17 de dezembro de 1548, que foi a primeira constituição política do Brasil. O novo governador geral partiu a 1.º de fevereiro de 1549 e chegou à baía de Todos os Santos, para fundar a Cidade do Salvador, a 28 de março do mesmo ano.

Escolheu o sítio dentro da baía, (deixando a “Graça” de Diogo Álvares, a “Barra” de Francisco Pereira Coutinho, que ficou sendo a Vila Velha), na encosta norte, depois da entrada da barra, no lugar hoje compreendido entre o Terreiro de Jesus e a Barroquinha ou largo do Teatro, agora Praça Castro Alves; S. Bento e Carmo já seriam portas da cidade. Começou-se a edificar a 1.º de maio (Rodolfo Garcia, Documentos Históricos, Rio 1937), a princípio cerca de pau a pique, para a proteger contra invasões dos Índios, arruando e levantando casas cobertas de palma, paredes de taipa, dois baluartes do lado do mar e quatro da banda de terra, providos de artilharia. Estava constituído o Estado do Brasil, com fundação de sua capital e o seu primeiro núcleo administrativo. Trouxera Tomé de Sousa consigo os primeiros jesuítas, que viriam servir à educação do novo Estado.

Ultra equinoxialem non peccatur, além da linha tudo era permitido, era máxima que traziam todos os aventureiros ao deixarem a Europa. Largados de Deus e do mundo, nesse mato-grosso da América, ainda os mais puros se desmandavam: (o caso do donatário do Espírito Santo depõe...) Ainda agora a Europa permite certas “facilidades” aos tratos coloniais: como os anzóis, os negócios exóticos têm direito de ser tortos. Pois bem, desde meado do século XVI, os Jesuítas aqui pugnaram, sem um minuto de trégua, e em prol da terra que ajudaram a fazer moralmente, pelos três princípios que estabeleceram: boa imigração européia, liberdade dos naturais, identidade moral de todos.

O Padre Manuel da Nóbrega, o maior deles, e o chefe da primeira hora, dirá: “esta terra é nossa empresa” (Cartas, p. 82). Os reinóis viviam em pecado mortal: “o costume da terra é terem muitas mulheres” (p. 79); “mal empregada esta terra em degredados que cá fazem muito mal” (p. 85). “Parece-me coisa mui conveniente mandar S. A. algumas mulheres que lá têm pouco remédio de casamento a estas partes, ainda que fossem erradas, porque casarão todas muito bem” (p. 80). “Cá há clérigos, mas é a escória que de lá vem”. “Dos sacerdotes ouço cousas feas” (p. 75). “Os clérigos desta terra têm mais ofícios de demônios que de clérigos... Querem-nos mal porque lhes somos contrários a seus maus costumes” (p. 116). “De quantos lá vieram nenhum tem amor a esta terra, todos querem fazer em seu proveito, ainda que seja à custa da terra, porque esperam de se ir” (p. 131).

Os Índios eram boçais, preguiçosos, indomáveis, resistentes à servilidade e ao trabalho regular, intemperantes, viciosos, antropófagos, mas eram “papel branco para neles escrever à vontade” (p. 125). Havia mister educá-los e defendê-los para que se educassem. Os Brancos preavam-nos, ferravam as “peças”, vendiam-nos, usando e abusando deles, como se fossem animais. Para os proteger, chegavam os Padres a fechar os olhos à escravidão negra. Obedeciam a breve de Paulo III, de 1537, que declarava os Índios “entes humanos como os demais homens não podiam ser reduzidos ao cativeiro (ao Cardeal Arcebispo de Toledo, em 28 de maio). Urbano VIII faz a doutrina extensiva ao Brasil. Mas, ainda assim, entrariam em constante conflito com os reinóis predadores até a expulsão dos Jesuítas de S. Paulo em 1640 e de Vieira e Companheiros, no Maranhão, em 1661. Finalmente a extinção da Companhia, mais tarde, prêmio de martírio concedido aos Jesuítas protetores da raça aborígene. Em vinte anos porém, de apostolado, a moral está mudada na terra. Os Índios têm sua mulher, sua família, sua casa, sua roça e já não são antropófagos e têm hábitos civilizados. Os reinóis começam a entrar na regra. Clérigos e leigos sofrem a influência contagiante da moral jesuíta, feita de pureza e tolerância. Amanhece o Brasil.

A identidade moral de todos foi feita pela educação. Desde 49, na Bahia, que o P.e Vicente Rodrigues tem aula para reinóis e índios. O P.e Azpilcoeta Navarro traduz, em tupi, orações e catecismo, para a conversão. O irmão José de Anchieta institui uma gramática da língua da terra, que todos aprendem, para a catequese. Aulas de latim e de casos aos irmãos: o irmão Luiz Carvalho ensina Virgílio, o 2.º livro da “Eneida”, na Bahia dos meados século XVI. Os batismos são sem conta, como os casamentos. Às vezes tornam à barbárie, mas não se esmorece: mais catequese, mais exemplos. O P.e Antônio Rodrigues penetra no sertão e vem, rasgado dos espinhos dos matos, pés chagados das pedras do caminho, à frente de centenas de índios, a entoar a ladainha. A educação dos filhos traz a educação dos pais. À rainha Dona Catarina quererão escrever esses pais para que lhes mande santas mulheres, que lhes façam, às filhas, o que os padres fazem aos filhos.

Esses Jesuítas foram edificadores de casas, igrejas, colégios, até cidades: Bahia, S. Paulo, Rio são fundações deles, em grande parte. Em vinte anos, vemos as palhas que eram a igreja e o colégio da Bahia reconstruídas em taipa, chegarem à pedra e cal, antes da cantaria da Catedral, no Terreiro de Jesus; Piratininga saiu de onde era, para se tornar São Paulo, em torno do Colégio dos Padres, que das alturas de um oiteiro dominava as várzeas do Tietê e do Anhangabaú. Foram médicos, e a medicina, ou o remédio; enfermeiros, assistiam aos abandonados e enterravam os mortos. As epidemias e andaços coloniais eram calamitosos, em raça de corpo aberto, nova aos contágios civilizados. Há trechos de cartas que fazem horror, descrevendo as pestes de 59 a 63. “Contaminou a mor parte da terra” e apenas “escassamente deixou viva a quarta parte dela”, diz o cronista P.e Simão de Vasconcelos, desta pestilência de bexigas. A tudo, a tratar, a preparar para morrer, a ajudar na morte, a enterrar, ocorriam os Padres. E não só contra as doenças e pestes contra a fome e a míngua, “porque esta pobre gente é tão miserável e coitada, diz o P.e Baltasar Fernandes, que espera lhe demos do nosso”, que não tinham muitas vezes, pois, no princípio, viviam de esmolas. Chegavam “a tanta miséria, esse Gentio, que, de fracos e magros, morriam por esses matos.” “Acontecia, diz ainda o P.e Leonardo do Vale, de lançar-se um para beber água e ficar ali, sem mais se poder levantar, e assim morrer.” “A causa desta pobreza, disse o P.e Jorge Rodrigues, é por a terra em si ser pobre.” Mas apelavam para os Padres, que a tudo acudiam.

Eram a “poçanga” da colônia, dizia o gentio, como quem dissesse: a mezinha, o remédio, a salvação. Os Jesuítas Portugueses foram a nossa Providência, ao nascer o Brasil. A epopéia dos “Lusíadas” tem o reverso da “História Trágico-Marítima”, em que se conta o martírio das Navegações, e tem o das “Cartas Jesuíticas”, que são os anais, sofridos, da Colonização. Quem podia testemunhar, testemunhou. Tomé de Sousa, tornando a Portugal, confessou: “o Brasil não era senão os Padres” “que se lá estivessem seria a melhor cousa que el-Rei teria, e senão que nada teria no Brasil...” (Cartas avulsas, p. 19).

O “BRASIL ESQUECIDO”(16)
Depois disso, desse meio século contínuo de preocupações, quase ano a ano, para exploração, reconhecimento, caça aos invasores, feitorias fundadas, tentame das capitanias, governo geral e padres jesuítas provendo ao Brasil, educando a gente para servi-lo... é profundamente injusto e doloroso ouvir, e ler, de um ingrato nativismo, — que vive, ainda hoje, como que a fazer sempre a independência do Brasil — ouvir, e ler, que o Brasil foi esquecido.

A evidência foi outra, documentalmente. Nenhuma nação colonizadora fez mais ou melhor com as suas colônias. A Espanha, a Holanda, a Inglaterra, ainda hoje, não se podem comparar a Portugal. Nenhuma assimilou o indígena. Nenhuma deu identidade moral ao aborígene e ao colonizador, em nação uma e a mesma, idêntica à mãe Pátria, como Portugal. Vimos que não podia fazer muito e não poderia fazer mais: fez tudo o que pôde. Sem gente, sem dinheiro, cercado de invejosos e inimigos. A terra era escassa e quase nada produzia. Apenas pau-brasil, mercadoria pobre. Simonsen dá exemplo de uma nau, do valor aquisitivo de hoje, valendo mais de 1.500 contos, que carregava apenas 1.000 contos de brasil: de especiarias da Índia seriam 10.000 contos. Vir ao Brasil negociar era perder dinheiro e tempo: mas vinham. O mesmo, diz aquele P.e Rui Pereira aludido, quanto ao moral, mas os Jesuítas vieram. E havia Franceses: Dom João III alegou, em 1530, que os prejuízos dados por eles andavam por mais de 100.000 contos, de hoje. Aquele citado historiador calcula que, de 1500 e 1532, o valor do trato do pau-brasil orçaria por 120.000 contos, dos quais a Coroa tinha 30.000. Para Portugal, o Brasil foi deficitário nas primeiras décadas. Simonsen, que descobriu secretas ignorâncias de história no Brasil, com a decifração da economia, diz, cheio de razões e números, que sequer “o lucro da Coroa não cobria as despesas com a defesa do domínio.” (Op. cit., t. I, p. 98).

E não havia só defender, porém explorar e constituir, fundar e produzir. Povoar, sobretudo. Para as Índias era defeso irem mulheres portuguesas(17): mas vieram para aqui, vieram ricos-homens e fidalgos e a arraia miúda misturou-se com os portadores dos nomes mais nobres do reino. E isto sem proveito, como os pais, dignos desse nome, que criam os filhos, sem sequer pensarem no que vão dar, cuidando apenas em fazê-los o melhor possível. Como cumprindo um dever.

Portugal, comparado a qualquer das nações colonizadoras de ontem ou de hoje, foi benemérito; julgado em si, teve a abnegação que só tem, na linguagem humana, um epíteto: foi materno... Como essas criaturas divinas que morrem, ou ficam perpetuamente enfermas, esvaídas de fadiga e fraqueza, por terem a glória de haver criado um filho muito grande... Filho às vezes ingrato: também é da natureza.


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REIS DE PORTUGAL

(PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XVI)

Dom Manuel (1495-1521)
Dom João III (1521-1557).

VIAGENS AO BRASIL

1500 — Pedro Álvares Cabral, 2.ª Armada para as Índias.
1501 — João da Nova, 3.ª Armada para as Índias.
1501 — Fernão de Loronha, contratador de pau-brasil, de 1502 a 1505.
1502 — Estêvão da Gama, de passagem para as Índias, da 2.ª Armada de Vasco da Gama, 4.ª na ordem geral.
1503 — Afonso d’Albuquerque, de passagem para as Índias (Carta de Empoli, em Ramusio, parte I, p. 158; Racolta Colombiana, p. III, v. II, p. 180).
1503 — Gonçalo Coelho, com o qual teria vindo Américo Vespúcio.
1503 — Binot Paulmier de Gonneville.
150. — João Coelho, descobre terras entre o Cabo de S. Roque e Maranhão (Almeida Prado — Primeiros Povoadores, S. Paulo, 1935, p. 60).
1511 — Cristóvão Pires, comandante na Nau “Bertoa” na qual viera pela primeira vez João Lopes de Carvalho.
1512 — Estêvão Fróes (Varnhagen, Capistrano, A. Prado).
1513 — A nau que levou os 3 índios de Jorge Lopes Bixorda, confratador do pau-brasil (Damião de Góes — Crôn. de D. Manuel, cit. I. p. cap. LVII, fl. 56 verso).
1514 — D. Nuno Manuel e Cristóvão de Haro: relativa à “Gazeta Alemã”.
1515 — João Dias de Solis, de passagem, indo ao Rio da Prata.
1516 — 19 — Cristóvão Jacques.
1519 — D. Luiz de Gusman, desertor de uma armada para as Índias (Varnhagen).
1519 — Fernão de Magalhães, do qual era um dos pilotos João Lopes de Carvalho.
1521 — Hugues Roger (Varnhagen).
1521 — Dois navios espanhóis em Santa Catarina.
1525 — Jean Parmentier (Almeida Prado).
1525 — Navios Normandos no Rio de Janeiro (Almeida Prado).
1525 — Garcia Jofre de Loaysa, de passagem para as Molucas, armada espanhola da qual ficou aqui, abandonado, e depois preso D. Rodrigo de Acuña.
1526 — As naus encontradas por D. Rodrigo de Acuña no Brasil.
1526 — Cristóvão Jacques.
1526 — |Sebastião Caboto.
ou
1527 —|Diogo Garcia
1530 — Martim Afonso de Sousa.

CAPITANIAS

Antes de 1534

1504 — Dom Manuel dá a Fernão de Loronha a “ilha de Sam Joam que de ora novamente achou e descobrio cincoenta leguoas a la mar de nosa terra de Santa Cruz lhe darmos e fazermos merçeo da capitania dela”, o que D. João III confirma, a 3 de março de 1522 (Alguns documentos... p. 459-6).
1526 — Cristóvão Jaques é nomeado Governador das partes do Brasil por sucessor a Pedro Capico, capitão de uma das Capitanias do dito Brasil (provado que havia mais de uma, diz Varnhagen, op. cit., t. I, p. 127).

Depois de 1534

Doação
Capitanias
Donatários
Reversão
à Coroa em

1534
S. Vicente
Martim Afonso de Sousa
1791

1534
Espírito Santo
Vasco Fernandes Coutinho
1718

1534
Porto Seguro
Pero de Campos Tourinho
1759

1534
Bahia
Francisco Pereira Coutinho
1548

1534
Pernambuco
Duarte Coelho Pereira
1654

1534
Santo Amaro
Pero Lopes de Sousa
1709

1534
Itamaracá
Pero Lopes de Sousa
1743

1534
Rio Grande do Norte
João Barros e Aires da




Cunha
1540

1534
Ceará
Antônio Cardoso de Barros
1556

1534
Juruemará
Álvares de Andrade
1540

1534
Maranhão
João de Barros & Aires da




Cunha
1540

1535
Ilhéus
Jorge de Figueiredo Corrêa 1761

1557
Paraguaçu
D. Álvaro da Costa


1567
Rio de Janeiro
da Coroa


1590
Sergipe
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1592
Paraíba do Norte
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1603
Rio Grande do Norte
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1612
Seara
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1615
Grão-Pará
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1615
Cabo-Frio
da Coroa


1620
S. Pedro de El-Rei
" "


1620
Cumá
F. de Albuquerque
1630

1633
Cametá
F. de Albuquerque Coelho de Carvalho
1752

1634
Caité
Álvaro de Sousa
1753

1637
Labo do Norte
Domingos Maciel Parente
1642

1665
Marajó
A. de Sousa de Macedo
1754

1654
Santa Catarina



1764
Paraíba do Sul
Visconde d’Asseca


1709
S. Paulo
da Coroa


1720
Minas Gerais
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1744
Goiaz
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1748
Mato-Grosso
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1755
São José do Rio Negro
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1807
Rio Grande do Sul



1817
Alagoas



1820
Sergipe del-Rei.







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IV
Primeiro Século (II)
Os primeiros governadores. — Os Jesuítas. — Franceses no Rio de Janeiro. — Entradas e bandeiras: cativeiros, resgates, descimentos. — O Brasil no primeiro século colonial. — A situação de Portugal nesse tempo, de criação do Brasil.

OS PRIMEIROS GOVERNADORES
Chegara o Governador-geral Tomé de Sousa (1549-53) e depois de oscilar entre a “Graça”, de Diogo Álvares, próxima da Barra, “a povoação do Pereira”, num extremo, e o Bomfim, no outro extremo da enseada, resolveu-se por um sítio ao meio e eqüidistante aos dois, onde havia porto, elevação e planalto, para edificação. A cidade nova foi chamada “do Salvador”. Na bula de criação do bispado, dois anos depois, é chamada “São Salvador”, não com a idéia de um santo desse nome, senão como epíteto do Salvador, como ainda hoje se diz “Santo Cristo”: do Sanctus Salvator se fez São Salvador, mais freqüente ou popular, ainda hoje, que o nome primitivo, “Cidade do Salvador”. O menor esforço resolveu-se por Bahia, que ficou o nome comum na cidade, e da província, ou Estado.

Com o Governador vieram, na esquadra que o trouxe, as naus Conceição, Salvador e Ajuda e mais três caravelas, 600 homens de armas, 400 degredados, e o funcionalismo necessário a uma capital. Por ouvidor-mor, Pero Borges; por pró-curador, Antônio Cardoso de Barros; por capitão-mor da costa, Pero Góes da Silveira, como se diria hoje, ministério ou secretariado. Os jesuítas eram os Padres Manuel da Nóbrega, superior, Azpilcoeta Navarro, Antônio Pires e Leonardo Nunes, os irmãos Diogo Jácome e Vicente Rodrigues. “Tão grande parte, — diz um autor independente, por estrangeiro e protestante, Roberto Southey, — tomaram os Jesuítas na história da América do Sul, que estes primeiros nomes se tornam dignos de memória.” (R. Southey, Hist. do Brasil, Rio, 1862, t. I, p. 303).

Estes e outros. Logo começa o apostolado: Vicente Rodrigues, primeiro mestre, tem escola de ensinar a ler, escrever e contar. Leonardo Nunes e Diogo Jácome vão aos Ilhéus e Porto Seguro. Azpilcoeta Navarro e Antônio Pires ficam nas aldeias da Bahia. Logo, porém, Nóbrega sai em visita, recolhendo Jácome doente em Ilhéus, seguindo os dois para Porto Seguro, e, daí, para S. Vicente, Leonardo Nunes, acompanhado de dez ou doze meninos e alguns Guaranis, injustamente escravizados, a pedido de Nóbrega libertos por Tomé de Sousa, e restituídos à sua gente. “Parece-nos que não podemos deixar de dar a roupa que trouxemos a estes que querem ser cristãos, repartindo-lh’a, até ficarmos todos iguais com eles“. (Cartas, 74). Em 50, na armada de Simão da Gama de Andrade, chegam mais os Padres Afonso Braz, Manuel de Paiva, Francisco Pires e Salvador Rodrigues. O Pe. Navarro traduziu em idioma da terra orações e sermões, para a catequese. Paiva vai para Ilhéus e Braz para Espírito Santo. Aí se adquire o irmão Mateus Nogueira; em S. Vicente são recebidos os irmãos-línguas Pero Corrêa e João de Sousa, que serão os primeiros mártires do Brasil, e Manuel de Chaves. Na Bahia entraram João Gonsalves e Domingos Picorella.

Na armada desse ano vêm suprimentos de toda a ordem, armamentos e utilidades, no valor de 300 mil cruzados. No terceiro ano, a Rainha enviava muitas órfãs de famílias nobres, que deviam casar com oficiais. Também os Jesuítas receberam meninos órfãos, a educar. Como a falta de gado era urgente, o Governador mandou, em serviço de transporte direto, a Cabo Verde, a caravela Galga, que trocava o gado por madeira, muito necessário àquelas ilhas.

Nóbrega, com Antônio Pires, vão a Pernambuco, em 51. Leonardo Nunes, de S. Vicente, organiza a catequese no sertão, com Diogo Jácome e os irmãos línguas, Pero Corrêa, Manuel de Chaves, João de Sousa, Fernão Luiz e outros.

A 22 de junho de 52 chega à Baía o 1.º Bispo do Brasil, — agora independente do bispado de Funchal, — Dom Pedro Fernandes (Sardinha), bacharel pela Universidade de Paris, antigo vigário geral de Gôa, clérigo, de Évora, cuja experiente virtude deu esperança a el-Rei fosse a Igreja bem servida. “Nos primeiros tempos muitas cousas se hão-de dissimular que castigar, maiormente em terra tão nova“, dizia, já daqui, para Dom João III, o experiente prelado.

Entra o P.e Azpilcoeta Navarro, com doze homens, e entre eles um língua experimentado, Francisco Bruza de Espinhosa, ou Espinhoso, de Porto Seguro ao Sertão, alcançando as cabeceiras do rio Jequetinhonha e o vale do Rio de S. Francisco, descendo, de torna viagem, ao litoral, pelo rio Pardo, 350 léguas entre índios ferozes.

Não somente fez Tomé de Sousa viajar os seus auxiliares de governo, o ouvidor e o provedor-mor, como ele mesmo empreendeu, ao sul, viagem de inspeção e providências. E pelourinhos, cadeias, artilharia para fortins, medidas de segurança, foi distribuindo em seu caminho; nos Ilhéus demitiu o capitão, nomeando outro; sobre o Rio, embevecido, escreveu a el-Rei, desejando para o sítio uma povoação “honrada e boa“, como merecia; de S. Vicente aprovou a fundação da Vila de Todos os Santos, que, ao depois, ficou apenas Santos; a criação da Vila de Itanhaem, levantando, para defesa contra os Tamoios, a fortaleza da Bertioga. Subiu a serra do Cubatão, e elevou a vila a povoação de João Ramalho, Santo André da Borda do Campo. Do patriarca, diz a el-rei: “tem tantos filhos e netos bisnetos e descendentes delle ho nom ouso dizer a V. A. não tem cãa na cabeça nem no rosto e anda nove legoas a pe antes de jantar“. (Hist. da Colonização Port. cit., t. III p. 365).

Tornou à Bahia, à espera do seu sucessor. Foi em tudo muito prudente e avisado, e, dizia Nóbrega, só ter um defeito: ser zeloso de mais em tudo que importava à real fazenda. O castigo severo que infligiu a índios rebeldes que mataram alguns reinóis — prendendo-os e atando-os à boca de peças que fez disparar, — aproveitou, por impressionante. A maneira forte é a mais suasória, com os povos fracos...

A esse tempo de Tomé de Sousa prende-se a viagem de Hans Staden, náufrago de nau espanhola de passagem, que aceitou do governador geral o posto de artilheiro da Bertioga; depois, prisioneiro dos selvagens, que o queriam matar, e dos quais escapou, tornou à Europa num navio francês, escrevendo um livro célebre: Descrição verdadeira de um país de selvagens nus, ferozes, canibais, situado no novo mundo, América... publicado em Francfort-do-Meno em 56, reimpresso em 57 em Marburgo, e inúmeras vezes mais.

Também Ulrico Schmidl, outro alemão, que assistiu à fundação de Buenos Aires, esteve no Paraguai e, daí, por terra, pelo sertão, veio ter a Piratininga e S. Vicente, em 53. Publicou mais tarde a História verdadeira de uma viagem curiosa na América ou Novo mundo pelo Brasil e Rio da Prata, desde o ano de 1534 até 1554, tirada em Francfort-do-Meno, em 1567.

Com o 2.º governador geral, Duarte da Costa (53-58), vieram, a 13 de Julho, os Padres Jesuítas Luiz da Grã, Braz Lourenço e Ambrósio Pires, e os irmãos Gregório Serrão, Antônio Blásquez, João Gonsalves e José de Anchieta, todos também de celebrada memória. A Companhia de Jesus cria a sua nova província do Brasil, nomeando provincial o Padre Manuel da Nóbrega. Morre, nesse ano, o primeiro jesuíta no Brasil, o Pe. Salvador Rodrigues, mas ingressa na Companhia, grande língua, o irmão Antônio Rodrigues, dos melhores conhecedores do idioma indígena e dos mais infatigáveis missionários. O Pe. Leonardo Nunes, agora com Vicente Rodrigues, José de Anchieta, Gregório Serrão, Afonso Braz, acode à catequese no sul, com tanta eficácia, indo e vindo, que os catecúmenos o chamam Abaré-Bebé, o padre voador.

Entre S. Vicente e Santo André deliberou Nóbrega a fundação definitiva do Colégio. E no lugar, entendendo-se com João Ramalho, chefes índios Tibiriçá e Caiubi, escolheu um sítio junto do Tietê, perto da confluência do Tamanduateí, entre este e o Anhangabaú, posição de defesa e boa vista, para onde trouxe os filhos dos índios do Campo, reunindo três aldeias numa, “onde se ajuntam novamente e a apartam os que se convertem e onde pus irmãos para os doutrinar e fiz solenemente uns 50 catecúmenos“, diz Nóbrega, em carta que publica o Dr. Serafim Leite (Os Jesuítas na Vila de S. Paulo, “Rev. do Arquivo Municipal”, n. XXI, S. Paulo, 1936, p. 9): “e esta carta de Nóbrega é a certidão de idade de S. Paulo de Piratininga”, no dia da degolação de S. João Batista, de 53. Faz-se a casa. Estabelecem-se os índios. Tibiriçá e Caiubi já aí estão.

No janeiro seguinte, já preparada a casa, é a inauguração do Colégio de Piratininga — “alguns doze irmãos”, diz Anchieta — (mas não diz os que já estavam)—, que vieram de véspera, de S. Vicente, e, a 24 de Janeiro de 54, sob a invocação de S. Paulo, inaugura-se, com missa, o colégio, núcleo da povoação. Distribuídos por S. Vicente, Maniçoba, Gerebatiba, acorreriam a Piratininga, nesse ato solene, o provincial e os 13 jesuítas que, certamente, aí estariam a 24 de Janeiro, e foram: Padres Manuel da Nóbrega, provincial, Leonardo Nunes, pioneiro de S. Vicente, Vicente Rodrigues, Afonso Braz, Francisco Pires e Manuel de Paiva, que ficaria por superior; irmãos José de Anchieta, Gregório Serrão, Antônio Rodrigues, Manuel de Chaves, Pero Corrêa, Diogo Jácome, João de Sousa e Mateus Nogueira(1). Se um ou dois pode aí estar demais, porque ficara a guardar outra casa, não é justo que se lhes omita o nome ao reconhecimento de uma ação de jesuítas, que ia ter imenso significado no tempo adiante. Esse colégio de Piratininga é, descreve Anchieta, “paupérrima e estreitíssima casinha”. “Permanecemos algumas vezes mais de vinte, em uma pobre casinha feita de barro e paus, coberta de palhas, tendo quatorze passos de comprimento e apenas dez de largura, onde estão ao mesmo tempo a escola, a enfermaria, o dormitório, o refeitório, a cozinha, a dispensa; todavia não invejamos as espaçosas habitações...” (Anchieta, Cartas, cit., p. 43). É a célula inicial de São Paulo...

A 8 de Junho morrem, mártires dos Carijós, os irmãos Pero Corrêa e João de Sousa, admitidos no Brasil, e primeiros santos, aqui, da Companhia. Também mártir, naufraga, indo a Roma por procurador da Província, o Pe. Leonardo Nunes, de tantos serviços em S. Vicente. Igualmente santificado pela fama, morre na Bahia o irmão Domingos Pecorella. Ao cabo do ano havia na Província 26 jesuítas: 4 na Baía, 2 em Porto Seguro, 2 no Espírito Santo, 5 em S. Vicente e 13 em São Paulo.

Duarte da Costa pouco fez, porque pouco pôde; reclamou, não obteve. Contudo conseguiu a conquista de todo o Recôncavo, donde expeliu os selvagens. Por um filho estroina brigou com o Bispo que reclamou del-Rei: queixas recíprocas. Mas houve reconciliações, segundo depõe uma carta de jesuíta (Cartas avulsas, cit. p. 142). Contudo, no ano seguinte seguiu para o reino o Bispo, na companhia de Antônio Cardoso de Barros, a bordo da nau Nossa Senhora da Ajuda, que naufragou nos Baixios de D. Rodrigo (assim chamados do nome de D. Rodrigo de Acunha, navegante espanhol, deixado por compatriotas na costa do Brasil e que aí, à foz do Cururipe, aportara, em 25) e prisioneiros dos Caetés foram por eles devorados, a 16 de junho de 56. A tribo desses índios, excomungada, foi votada ao extermínio.

Duas revoltas de índios acentuaram-se: uma na Bahia, que nas terras de Garcia de Ávila, além de Itapuan, para o norte da cidade, aprisionaram cristãos, destruíram fazendas e gados: D. Álvaro da Costa, o filho escandaloso do governador, remiu os seus pecados, salvando a cidade, investindo contra os bárbaros, a quem incendiou as tabas e pôs em fuga. Outra represália de índios contra S. Paulo nascente, defendido por índios mansos e reinóis, grupados em torno do Colégio, que era o núcleo da nova capital do sul. Na Bahia morre o Caramurú, deixando vasta parentela. De Cabo Frio a S. Vicente havia gentio inimigo dos Portugueses, sobressaindo um, o terrível Cuñabebe, de Hans Staden, que se cevava em sangue português. Acaba-se o tempo de Duarte da Costa, que não deixa de reservar para si, ou para a família, boas sesmarias. A capitania de Paraguaçu, de 57, é de D. Álvaro da Costa.

O terceiro governador geral, chegado a 28 de dezembro de 57, é Mem de Sá (1558-72), irmão do poeta Sá de Miranda, e é verdadeiramente benemérito: letrado em leis, ajuizado, amigo de Nóbrega, realiza um grande programa: expelir os Franceses que se haviam estabelecido no Rio de Janeiro e destruir a aliança que construíram com o gentio, de Cabo Frio à Bertioga.

OS FRANCESES
A 10 de Novembro de 1555 chega à baia do Rio de Janeiro Nicolau Durand de Villegaignon, cavaleiro de Malta, Vice-almirante da Bretanha, provado em guerras, e a quem o poeta Ronsard chama “douto”. Talvez já conhecedor da costa do Brasil por viagem anterior, propusera-se trazer, ao novo-mundo, huguenotes perseguidos na Europa, para fundarem aqui uma “França Antártica”: dois navios partidos do Havre, com 600 pessoas, aventureiros e colonos, a 12 de Julho, andaram por tormenta às costas de Inglaterra, para tornarem a Dieppe, e, refeitos repartirem em começos de Agosto. Desembarcaram no ilhéu da Laje, que chamam Ratier e depois em Serigipe, ilha que virá a ser chamada dos Franceses e, mais tarde, de Villegaignon, onde constróem o forte Colligny. As cartas são datadas de Ganabara na França Antártica. (Guana-pará, enseada, rio-grande, ou lagamar, era o nome selvagem, que os Franceses escrevem dessa maneira por não terem necessidade de acentuar o último a, todos longos na sua língua: lido por Portugueses, sem acento, fez “Guanabara”, que é, assim, um galicismo grafo-prosódico...)

Villegaignon, cavaleiro de Malta, era católico e ainda aqui se confessava ao franciscano André Thevet, sábio autor de obras dignas de menção; dois terços dos colonos eram também católicos, embora gente de maus costumes, apanhados na ralé. Desejando mais gente, e melhor, dirigiu:se Villegaignon aos Calvinistas em Genebra, tendo sido mesmo correspondente de Calvino. Partiram, pois, de Genebra, a 16 de setembro de 56, 14 protestantes, teólogos, pastores e artistas, para a conversão moral e religiosa dos colonos americanos; com eles, 290 pessoas mais, soldados, marítimos, artífices, a bordo de três navios, que, de Honfleur, veio comandando Bois-le-Comte, sobrinho de Villegaignon, e chegaram ao Rio a 7 de março de 57. Veio então João Cointa, senhor de Bolés, muito falado nas crônicas e cartas do tempo, como relapso e traidor aos seus.

As disputas, católicas e reformistas, agitaram a vida da jovem colônia, oscilante Villegaignon entre os dois credos. Daí, vieram a injuriá-lo, Caim da América. Retiraram-se os Genebreses em 58, depois de algum tempo estabelecidos no continente, na Briqueterie, ou Olaria, e, por fim, o mesmo Villegaignon, em 64, para a França. Se falhou com os compatriotas, teve, ou tiveram, os Franceses, êxito com os selvagens. Mem de Sá o depõe, escrevendo à Rainha D. Catarina: “Ele (Villegaignon) leva muito diferente ordem com o gentio do que nós levamos; é liberal em extremo com eles, e faz-lhes muita justiça; enforca os franceses por culpas sem processos; com isto é muito dos seus e amado do gentio: manda-os ensinar todo o gênero de ofícios e de armas; ajuda-os nas suas guerras: o gentio é muito e dos mais valentes da costa; em pouco tempo se pode fazer muito forte.” in Balthasar da Silva Lisboa, Anais do Rio Janeiro, ed. de 1934, p. 199).

De André Thevet publicam-se em Paris, em 57 e 58, as Singularitez de la France Antarctique, que teve numerosas edições e traduções, precedida por uma “Cosmografia Universal”. João de Lery, seu êmulo e a quem precedera na viagem ao Brasil, não perde ocasião de o ridicularizar, oficial do ofício. Além de plagiado, foi mesmo roubado, pois na Europa, pelo menos em França, é dele a introdução do tabaco: Colombo descrevera índios fumando; Hans Staden reproduzira a cena, em gravura do seu livro; foi Thevet que o levou a França em 57, chamada “erva de Angoulême” (de onde ele era originário), e “catherinaire”, em honra de sua rainha, Catharina de Médicis. Entretanto é a Jean Nicot, embaixador de França em Portugal, que a levou depois, também, a Paris, que cabe a honra de dar o nome à planta, Nicotiana tabacum e ao princípio ativo, “nicotina”. Diz Damião de Góes (Crôn. del-Rei D. Manuel, Lisboa, 1566-67, p. I, cap. 56, fl. 32) que foi Luiz de Góes, de Santos, ao depois jesuíta, o que deu o brado de alarme contra os Franceses a D. João III, em 48 (Varnhagen, op. cit. t. I, p. 287) quem “trouxe primeiramente a Portugal” a erva do tabaco; Luiz de Góes viera do Brasil, com o irmão Pero de Góes, um dos donatários de capitania, a da Paraíba do Sul.

Mem de Sá, de acordo com o Padre Nóbrega, começara a pôr ordem no gentio da Bahia, promovendo a concentração em grandes aldeias, fusão de menores convizinhas, estabelecendo-se cerca da Bahia as quatro, a de S. Paulo, onde hoje é Brotas; a do Espírito Santo, a três léguas do Rio de Joane, depois Abrantes; a de Sant’Iago fundida com S. Sebastião, a três léguas, perto de Pirajá e a de S. João, no interior da Bahia, onde hoje é Plataforma. Um índio grande, principal, meirinho, tinha poderes de polícia e governo; residentes jesuítas tinham direção temporal e espiritual. A quando da insurreição dos índios nos Ilhéus e Espírito Santo, o Governador deu o encargo de os reduzir à obediência a seu filho Fernão de Sá, flechado e morto por eles no rio Cricaré, em Porto Seguro: é cumprida, depois a missão de os destroçar.

Em 59 chegam o 2.º Bispo, D. Pedro Leitão e a IV Missão Jesuíta, com os padres João de Mello e João Dício e os irmãos Rui Pereira, José Crasto e Vicente Mestre: os religiosos da província, cujo provincial agora é o Padre Luiz da Grã, passam de 40, padres e irmãos.

Em Novembro de 59 chega na armada do Capitão-mor Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha, reforço e ordem para o Governador empreender a expulsão dos intrusos, no Rio de Janeiro. O cuidado do Brasil não está nele, senão em Lisboa. A 1 6 de Janeiro de 1560, parte o Governador geral contra os Franceses do Rio, a cuja barra chega a 21 de fevereiro: vinha com ele o P.e Nóbrega, doente; no dia da chegada tomam uma nau inimiga, que carregava. Esperam reforços que vinham de S. Vicente e, estes recebidos, a 15 de Março é dado o ataque aos Franceses, expulsos de suas posições e refugiados no continente, arrasado o forte Coligny, defendido por 74 franceses e alguns escravos. Obtida a vitória, Mem de Sá rumou a São Vicente, onde deu várias providências. Nova estrada para o planalto; expedição pelo Tietê, de Braz Cubas e Luiz Martins, em busca de ouro; mudança da vila de Santo André da Borda do Campo para São Paulo, pedida pelo povo de São Vicente e Santos, pelos Jesuítas e pela mesma gente de Santo André, por motivos de mantença e de melhor defesa. O pelourinho foi transportado em 60; já tinha foral, que vinha de 58; em 62 João Ramalho juraria o cargo de capitão-mor de São Paulo, designado “por vozes e eleição”.

Volvera Mem de Sá à Bahia, onde chegou a 29 de Agosto de 1560, trazendo o P.e Luiz da Grã. No Espírito Santo, recebendo o ato de renúncia de Vasco Fernandes Coutinho à capitania, providenciou para a sucessão, aceitando a indicação do povo, de Belchior de Azeredo, para o governo. Daí mandou, como exploradores ao sertão, Antônio Dias Adorno, Vasco Rodrigues Caldas e Antônio Ribeiro; expediu contra os índios de Porto Seguro Braz Fragoso e escreveu para o reino sobre a colonização do Rio de Janeiro.

Em 62, índios confederados reuniram-se para o ataque a São Paulo, defendido pelos Jesuítas, cujos fiéis amigos, Tibiriçá à frente, obraram proezas contra os canibais. Esse Tibiriça que, com as suas mãos, levantou o colégio de São Paulo, expondo a vida, defenderá dos seus parentes a vila em torno construída pelos seus amigos: vindo a falecer de um andaço, no natal de 62, foi enterrado na igreja do Colégio e está hoje na Catedral de São Paulo, honrado na vida e na morte pelos seus parciais, os Padres. A dissenção dos índios esmoreceu e acalmou, com a ida de Nóbrega e Anchieta a Iperoigue, entre os Tamoios. Na igreja de Itanhaem, Tupis e Tamoios abraçaram-se. A Piratininga vieram, para as pazes, 300 Tamoios do Paraíba. Tanto e tão bem que, dois anos depois, já os Tupis de Piratininga iam, a pedido dos Padres, bater-se contra os Franceses no Rio de Janeiro (Serafim Leite, op. cit., p. 30). Neste ano de 65 grande peste de bexiga na Bahia, andaço para o norte e o sul, “escassamente deixou viva a quarta parte dos moradores; orçou-se o número dos mortos a passante de trinta mil almas.” (S. de Vasconcelos, Crônica, liv. III, I).

A Coroa não aprovara o ato de Mem de Sá, vencedor dos Franceses em 60, no Rio de Janeiro, de logo deixar a terra, dando ocasião a que tornassem, com os índios fiéis, a tomar conta das posições abandonadas. A Rainha Regente confiou a Estácio de Sá a incumbência de os erradicar definitivamente em 64, como Capitão-mor de frota e milícias, recebendo recursos do Governador Geral seu tio, do Espírito Santo e de S. Vicente. Acometeu o Rio em 6 de fevereiro e, depois de porfiar por dois meses, foi a São Vicente. Nóbrega, chamado, acorre com Anchieta. Em Villegaignon (ilha) celebra-se missa do domingo de Páscoa. Tornam a São Vicente, a preparar o acometimento contra Franceses e índios do continente.

No norte, depois da peste de 63, foi em 64 a fome. Acossados por ela, desertam os índios de suas aldeias, aconselhados por seus feiticeiros. Assim em N. S. da Assunção (Camamú), São Miguel (perto de Illhéus), Santa Cruz de Jaguaripe, perto de Itaparica: os padres residentes vêem-se arriscados a perder a vida. Fome também no sul, “até todo o ano de 66”, dizem as Informações, de Anchieta.

Em 65 está preparado Estácio de Sá, reforçado de índios e mamelucos, mandados com ele dois jesuítas, Anchieta e Gonçalo de Oliveira. A 1.º de Março, na entrada da baía do Rio de Janeiro onde desembarcaram, funda a cidade de São Sebastião (nome del-Rei de Portugal), entre o Morro Cara de Cão (onde está a fortaleza de São João) e o penedo do Pão de Açúcar. Será a “Vila Velha” mais tarde, “na ilha da Carioca”, diz o P.e Antônio de Matos, pois entre a pedra da Babilônia e a da Urca, pela Praia Vermelha, entrava o mar. O resto do ano passa-se na consolidação das posições e cautelosa penetração no interior da baía. Nóbrega, sobrevindo do sul, envia Anchieta à Bahia a ordenar-se e pedir auxílio ao Governador. À chegada de tropas da Metrópole, Mem de Sá, acompanhado do Bispo e do Visitador Inácio de Azevedo, rumo para o sul e, a 18 de janeiro, apresenta-se na baía do Rio de Janeiro. O ataque é dirigido contra o forte dos Franceses no Uruçu-mirim, à foz do rio da Carioca, perto do Morro da Glória, onde o Capitão Estácio de Sá é ferido no rosto por uma flecha. Batidos os Franceses, a perseguição continua no interior da baía, até Paranapecú, a ilha depois chamada do Governador.

Depois de 20 de janeiro data da vitória da Glória, e da morte de Estácio de Sá, um mês depois, Mem de Sá muda o sítio da cidade para o morro depois, ou daí, chamado do Castelo, “lugar mais forte e acomodado”, continuando o nome, agora sob a invocação do santo daquele dia que era o do nome del-Rei. Como Estácio de Sá morrera do ferimento recebido, o outro sabrinho, Salvador Corrêa de Sá, é o capitão-mor da nova povoação. Southey escreve: “Jamais guerra, de tão pequenos esforços, e tão poucas forças, de parte a parte, foi tão fértil de conseqüências... Tivesse Mem de Sá sido menos enérgico no cumprimento dos seus deveres ou Nóbrega menos incansável, esta cidade, que é hoje a capital do Brasil, seria agora francesa.” (Op. cit., t. I, p. 424).

Os Franceses que escaparam, com quatro navios que tinham no porto, fugiram, tentando desembarcar no Recife, onde foram rechaçados. Diz Rocha Pitta (Hist. do Brasil, II, 63) que um deles deixou escrita, numa pedra, esta melancólica confidência: Le monde va de pis ampi, de mal a pior. Doze anos durara a aventura. No Rio cuida-se logo de fortificar, para defesa, os dois lados da barra. “Todas estas obras foram feitas pelos índios, sob a direção dos Jesuítas, sem que o Estado nada despendesse. No meio da cidade assinou-se à Companhia terreno para um colégio, dotado, em nome do rei, com bens suficientes para sustentação de cinqüenta irmãos, dotação que bem haviam merecido e que, no ano imediato, seria confirmada em Lisboa” (Southey, op. cit., p. 424). Foi o destino de Nóbrega ajudar a fundação da Bahia e do Rio, fundar São Paulo, e nelas instalar os três primeiros colégios da Companhia no Brasil (São Paulo e Bahia em 63, Rio de Janeiro em 67). Esses colégios educam reinóis e índios nas aulas de ler, escrever e contar; em humanidades, os irmãos, órfãos vindos de Portugal e jovens brasileiros, em estudos teológicos superiores aqueles que vão ser jesuítas. Neles, desde 60, pela artinha de Anchieta, todos são obrigados a estudar o “grego”, como chamam à língua difícil do país, livro ainda inédito, e que só em 1595 será impresso.

Ararigbóia, chefe temiminó, acolheu-se a Guanabara, fundando a aldeia de São Lourenço, na Praia Grande, depois Niterói, “água escondida”, outro nome índio da baía do Rio de Janeiro, ajudando Salvador de Sá a expulsar os últimos franceses de Cabo-Frio. Livre de intrusos, o Rio de Janeiro iria edificar-se e crescer no seu oiteiro, a derramar-se nas encostas. A cidade de Estácio de Sá ficou, daí, a “Vila Velha”. Cristóvão de Barros, — filho de Antônio Cardoso de Barros, companheiro do 1.º bispo no seu naufrágio, — depois dos cinco anos de Salvador de Sá, sucedeu-lhe no governo, em 1571.

ENTRADAS E BANDEIRAS; CATIVEIROS, RESGATES, DESCIMENTOS
São freqüentes os termos, na história do Brasil: convém desde logo defini-los. “As entradas eram expedições feitas pelos colonos à cata de índios, para escravizá-los, ou ainda a busca de metais e pedras preciosas”. (João Ribeiro). A “bandeira” era a “entrada oficiosa e até aparatosa, apesar das proibições pontificais e reais, autoridades distantes e só regionalmente admitidas. Bandeirantes eram partidos de homens empregados para prender e escravizar o gentio indigente. O nome provém talvez do costume tupiniquim, referido por Anchieta, de levantar-se uma bandeira em sinal de guerra”. (Capistrano de Abreu). Esse nome, pelo prestígio moderno das bandeiras ou símbolos nacionais, misticamente, vai fazendo esquecer o objeto dos bandos e bandidos que eram caçadores de índios a escravizar: tais “bandeirantes” eram apenas o mesmo que os nefandos “negreiros”, que operavam contra africanos, enquanto os “bandeirantes” contra os primeiros e nativos brasileiros, vergonha e não benemerência. A falsificação se vai fazendo aos nossos dias, havendo quem pretenda a exclusividade de tais “bandeiras”... “Eram cativos os indígenas colhidos em justa guerra, isto é, defensiva, ou para castigo de malefícios praticados; resgatavam-se a troco de ferramentas e dixes vários, os que já se achavam presos e amarrados, para serem comidos por seus inimigos; desciam-se os outros que deixando-se convencer pelos missionários, abandonavam o sertão, vindo estabelecer-se na vizinhança dos povoados, de onde os moradores iam buscá-los para o serviço”. (J. Lúcio de Azevedo). É de Pero de Magalhães (Gandavo) este depoimento: “A primeira cousa que pretendem acquerir (os colonos) são escravos para nellas (terras) lhes fazerem suas fazendas e se uma pessoa chega na terra a alcançar dous pares ou meia duzia delles (ainda que outra não tenha de seu) logo tem remedio para poder honradamente sustentar sua familia: porque hum lhe pesca e outro lhe caça e desta maneira nom fazem os homens despeza em mantimentos com seus escravos nem com suas pessoas. Pois daqui se pode aferir quanto mais serão acrecentadas as fazendas daquelles que tiverem duzentos, trezentos escravos, como ha muitos moradores na terra que nom tem menos desta contia e dahi para cima”. (Hist. cit., cap. IV, p. 93).

Desde o princípio era natural apelar para o serviço do índio, indócil, porém, e pouco prestadio: se as índias buscavam relações com os brancos, os machos, esses, preferiam morrer de andaços, alcoolismo, preguiça, do que se prestarem ao serviço forçado. Só os Jesuítas, principalmente nas Missões do Norte, tiraram deles, e para o próprio proveito deles, serviço regular. Por isso, desde 1549, começaram sendo importados de África os negros, que foram os principais trabalhadores rurais, a desfazer o mato-grosso do Brasil. Os Jesuítas, protetores dos índios, fechavam os olhos à escravidão negra, de que não tinham cuidado. Mas, porque era cara, estavam os reinóis, precisados de braços, sempre em entradas e bandeiras, a descerem índios para o litoral: dessas empresas em nada diferentes das dos “negreiros” de africanos, viria um recente complexo de inferioridade política a fazer a “gloriosa beatificação” do bandeirante e das bandeiras. O imperativo da necessidade não é justificativa e menos ainda orgulho e ufania. No tempo (e em todos os tempos) era crime punido por lei.

A Mem de Sá escrevera el-Rei: “sou informado que geralmente nessas partes se fazem cativeiros injustos e correm os resgates com título de extrema necessidade, fazendo-se os vendedores pais dos que vendem, que são as causas com que as tais vendas podiam ser lícitas, conforme ao assento que se tomou. Não havendo as mais das vezes as ditas causas, antes pelo contrário intercedendo força, manhas, enganos, com que os induzem facilmente a se venderem, por ser gente bárbara e ignorante, e por este negócio, dos resgates e cativeiros injustos” etc, “encomendo que com o bispo, o provincial, o visitador, Nóbrega, e o ouvidor, consulteis e pratiqueis este caso, para tais injustos cativeiros se evitarem”. Em conseqüência, acordou-se em exigir prova da legitimidade da posse ou da escravidão; correção do ouvidor pelas missões e aldeias; curador nomeado dos índios — o primeiro foi o alcaide-mor da Baía, Diogo Zorilha; resgates apenas consentidos pelas autoridades; restituição, pelos Jesuítas, dos cativos confessos ou dos que preferissem servir a este ou àquele colono; liberdade concedida ao índio escravo, tomado à força, de onde estivesse. A lei derivada desse acordo produziu tais clamores, entre os colonos, que foi sustada. As coisas continuam como dantes, mas vão agravar. Assim, desde 1570, começara a Coroa a preocupar-se com a escravização dos índios e não cessará por tres séculos: João Francisco Lisboa contou 61 atos-leis, cartas régias, provisões, alvarás, éditos, decretos, regimentos, diretórios... paradeiros inúteis à cobiça e à necessidade criminosa...

FIM DE NÓBREGA, MEM DE SÁ, D. PEDRO LEITÃO
Carregado de trabalhos, depois de um santo ministério, o 1.º santo do Brasil, morreu o Padre Nóbrega, em 1570. Mem de Sá, que tanto pedira dispensa do cargo onde tantos, e tão beneméritos serviços prestara, quando foi finalmente atendido, mais apressada a morte veio, em 72. Dom Pedro Leitão, o 2.º bispo, seguiu-o de perto, em 1573. Dom Luiz Fernandes de Vasconcelos vem por governador e traz consigo o P.e Inácio de Azevedo com 39 padres, e muita gente e carga, em seis naus e uma caravela. Afasta-se a nau dos padres, a Sant’Iago, para passar pela Ilha da Palma, e é agredida por uma esquadra da Rochela de comando do calvinista Jacques Sória, que faz sofrer o martírio a todos os padres (15 de julho de 1570). Luiz de Vasconcelos não chegou também a bom porto, errou por Nova Espanha, pelos Açores e aquém da Madeira foi vítima de uma esquadrilha anglo-francesa, do comando de João Capdeville, pirata huguenote: mais 12 padres são vítimas dos hereges. Martírio pelo Brasil.

Em 72 Dom Sebastião divide o Brasil em dois governos: o do norte, sede na Bahia, confiado ao Conselheiro Luiz de Brito de Almeida; o do sul, sede no Rio de Janeiro, ao Dr. Antônio Salema. A este manda escorraçar os Franceses, traficantes em Cabo Frio, marchando contra eles à frente de 400 portugueses e 700 índios. Desta vez é definitivo. A experiência mostrou que não provavam bem os dois governos e o mesmo Dom Sebastião reuniu-os, sob o mando único de Lourenço da Veiga, em 78.

Sobrevém o desastre de Alcácer-Quibir e a sucessão de Dom Sebastião, batido e morto nos areais africanos, nesse 78. O velho e valetudinário Cardeal Dom Henrique, que já precisa, de novo, de amas de leite, é rei efêmero de Portugal. Os pretendentes põem-se em campo: ao duque de Bragança oferece Filipe II, em 79, o reinado do Brasil e das colônias portuguesas, se a duquesa D. Catarina desistir dos seus direitos à Coroa de Portugal. O Brasil virá, por fim, a manifestar-se contra Dom Antônio, Prior do Crato. A todos se adianta, sob a ameaça da invasão, corrompendo a dinheiro e intimidando à força, aquele Filipe II (1580).

Manuel Telles Barreto (82-87) conclui a conquista da Paraíba do Norte. Cristóvão de Barros conquista Sergipe, contra os índios e defende a Bahia. O fanático Filipe II é inimigo de Inglaterra e dos hereges: em 85 embarga nos seus portos todos os navios ingleses, holandeses, zeelandeses, alemães e hanseáticos: Lisboa não será mais empório de especiaria. A Inglaterra responde, embargando nos seus portos os navios espanhóis e portugueses. Francis Drake pirateia Cabo Verde, os Açores, finalmente Faro. Será a vez das colônias. Irão às Índias buscar as especiarias diretamente e tomarão o gosto de conquistar estas colônias: o fanatismo levou-os até aí, pela mão. Entretanto, o Brasil sofre o assalto dos Ingleses: Edward Fenton veio, em 82, a S. Vicente; Robert Withrington à Bahia; Thomas Cavendish escolheu Santos, em 91; James Lancaster, em 95, Pernambuco: desembarcam, pilham, escarnecem, e dão à vela, com algumas perdas. Ainda em vida de Filipe II aparecem naus flamengas nas Índias. Em 98, Olivier van Hood tenta o Rio e São Vicente; em 99 é a esquadra de Leynssen; em 604 é Paul van Carden, depois Spilbergen: é agora o sobressalto contínuo... Virá mais. Ganhamos os inimigos de Espanha e sofremos conseqüências do fanatismo dos Filipes. Com a sorte da “Invencível Armada”, destruída nos mares do norte, em 1588, acaba-se o respeito a Espanha e, o que pior, a Portugal, além disto conquistado e delapidado.

Dom Francisco de Sousa foi governador de 591 a 602; chamam-no “Dom Francisco das Manhas”, pela muita prudência com que executou o seu programa, que foi ocupar o Rio Grande do Norte, fortificar a costa contra os corsários e descobrir as jazidas de ouro.

Este século XVI não terá sido estudado, ainda a grandes passadas, sem referência a três livros de grande valor, para compreender o Brasil quinhentista. São eles: de Pero de Magalhães (Gandavo), latino, gramático, amigo de Camões, que lhe reconhece “claro estilo, engenho curioso” e esteve no Brasil (como auditor de fazenda na Bahia), de onde levou dois estudos — Tratado da Terra do Brasil, escrito antes de 73, provavelmente em 70, impresso em Lisboa em 1826 e a História da Província Santa Cruz, impressa em 1576, em Lisboa: são tratados informativos da terra e da gente.

De João de Léry, que veio com Bois-le-Comte, o sobrinho de Villegaignon, em 57, tornado em 58, há, escrita em 63, a Histoire d’un voyage fait à la terre du Brésil, impressa em 78, que teve numerosas edições, traduzida em latim em 86. Aí já há ênfase brasileira, na boca de um índio: “Exultemos das gentes que nos procuram. O mundo é o nosso bem: ele é que nos dá os seus bens”. “Nada devemos aos nossos antepassados. Botei fora tudo o que meu avô me deixou. Tenho-me por feliz dos bens que o mundo nos traz. Troca melhor que os nossos avós, nos sobreveio”. O selvagem de Lery já é nacionalista (“ufanista”, diríamos agora...).

Livro admirável, documentos inapreciáveis de história do Brasil, são as Cartas Jesuíticas do 1.º século: de Nóbrega, que vão até 60; de vinte e tantos apóstolos como ele, nas “Cartas avulsas”, que vão até 68; de Anchieta, que dispensa qualificativo, que vão até 87; nas quais se vê amanhecer o Brasil, que eles, os Jesuítas, ajudaram a nascer e a crescer. Publicadas no século XX por Capistrano de Abreu e discípulos seus — Vale Cabral, Rodolfo Garcia, Afrânio Peixoto, Alcântara Machado, são como que a aurora do grande livro que se esperava, a História da Companhia de Jesus no Brasil, que ora publica o Dr. Serafim Leite.

Ainda, de Gabriel Soares de Sousa, vindo ao Brasil em 67, aqui estabelecido, senhor de engenho na Bahia, devassador curioso da terra e das minas, levando à Metrópole amostras de ouro, prata, pedras preciosas e um roteiro, que é o Tratado descritivo do Brasil em 1578. De 84 a 90 esperou despacho em Madrid, finalmente nomeado “capitão-mor e governador da conquista e descobrimento do Rio de S. Francisco”. Tornou ao Brasil, naufragou, internou-se no sertão, sofreu dificuldades e rebeliões com serviçais e, abandonado dos índios que levava, pereceu perto de Mucugê, na Chapada Diamantina da Baía. O seu livro é um tesouro de informações brasileiras, um inventário do Brasil em 1587: publicado em 1825 pela Academia das Ciências de Lisboa, deu-lhe Varnhagen, em 1879, 2.ª edição, correta e acrescentada, rematando na atual, de Pirajá da Silva, Notícia do Brasil, enriquecida de sábias e imprescindíveis notas.

Os “tratados” do P.e Fernão Cardim, “da terra e da gente do Brasil”, dos quais Rodolfo Garcia fez edição próxima (1925), são digno livro dos precedentes: memórias da infância do Brasil. “Este Brasil é já outro Portugal”, não lhe falta nada, tem tudo, “porém está já Portugal... pelas muitas comodidades que de lá lhe vêm”. Se os primeiros engenhos de São Vicente ficam em 6, os engenhos da Baía já são 36, (confirmando Gabriel Soares), os de Pernambuco 66, (confirmando Anchieta) nesse fim de século XVI “e cada um — disse o jesuíta na informação — é uma grande povoação e para o serviço deles e das mais fazendas terá até 10.000 escravos de Guiné e Angola e de índios da terra até 2.000.” Vêm cada ano 40 navios ou mais a Pernambuco e “não podem levar todo o açúcar”, diz Cardim. “A gente da terra é honrada: há homens muito grossos de 40, 50 e 80 mil cruzados de seu: alguns devem muito pelas grandes perdas que têm com escravaria de Guiné, que lhe morrem muito, e pelas demasias e gastos grandes que têm em seu tratamento. Vestem-se, e as mulheres e filhos de toda a sorte de veludos, damascos e outras sedas e nisto têm grandes excessos. As mulheres são muito senhoras, e não muito devotas, nem freqüentam as missas, pregações, confissões, etc.: os homens são tão briosos que compram ginetes de 200 e 300 cruzados, e alguns têm três, quatro cavalos de preço. São mui dados a festas. Casando uma moça honrada com um viannez, que são os principais da terra, os parentes e amigos se vestiram uns de veludo carmesim, outros de verde e outros de damasco e outras sedas de várias cores e os guiões e selas dos cavalos eram das mesmas sedas de que iam vestidos. Aquele dia correram touros, jogaram canas, pato, argolinha, e vieram dar vista ao colégio para os ver o padre visitador: e por esta festa se pode julgar o que farão nas mais, que são comuns e ordinárias. São sobretudo dados a banquetes em que de ordinário andam comendo um dia dez ou doze senhores de engenho juntos, e revezando-se desta maneira gastam quanto têm, e de Ordinário bebem cada ano 50 mil cruzados de vinho de Portugal: e alguns anos beberam oitenta mil cruzados dados em rol. Enfim em Pernambuco, se acha mais vaidades que em Lisboa”. Em 1587 haveria 60 engenhos em Pernambuco(2).

A SITUAÇÃO DE PORTUGAL
Neste pouco mais de século, que vai de 1497, com Vasco da Gama na Índia, a 1612, com o termo do império comercial português no Oriente, tem relações muito interessantes ao Brasil.

Dom João II, com o Cabo de Boa Esperança dobrado, se morre onerado de dívidas, cujo pagamento pediu ao sucessor, antevê a fortuna próxima das Índias. No testamento pedia a Dom Manuel apartasse das rendas do Estado quatro milhões de reais, anualmente, para amortização de débitos, alguns que vinham do pai, Afonso V.

Dom Manuel embriaga-se com o Oriente e crê no otimismo de Afonso de Albuquerque: as especiarias das Índias, deduzidos os soldos pagos, as perdas do mar e de mercadoria, valiam um milhão de cruzados. “Veja Voss Alteza, se ha arvore que este fruyto daa cad ano, se merece sser bem ortado e bem rregado e bem favorecido”. (Carta de I de Abril 1512, in Alguns documentos, p. 242). “Nam creo que na cristimdade avera rey tam rico como Voss Alteza”. (Id. ib., p. 237). Contudo, as despesas excediam as rendas, tomava-se emprestado, não havia nem dinheiro, nem mercadoria, vinha a queixar-se o próprio Albuquerque, e Dom Manuel morre também endividado. Por testamento instava ao filho vendesse ou empenhasse, faltando outros meios, jóias, pratas, móveis, o necessário para resgate do crédito.

Com Dom João III, desde 1528, pelo menos, Portugal vende padrões de juros, que são como títulos de empréstimo, apólices ou obrigações da dívida pública, diríamos hoje, para pagar, em 30, a Carlos V, o direito — “possível” — às Molucas; para o dote da infanta D. Isabel, raínha de Espanha; para acudir aos gastos das armadas e das colônias. Em vinte anos de reinado, confessa el-Rei: para Espanha, consórcios dinásticos, 1.400.000 cruzados; para despesas extraordinárias nas Índias, inclusive Maluco, 1.150.000 cruzados; para África, Mina e Brasil, 560.000 cruzados.

Total: a quebra ou falência inevitável deu-se em 1560, cessando os credores estrangeiros de ser pagos... Invocou-se, então, a doutrina da Igreja contra a usura: servia para não pagar os juros vencidos, porém não impedia os novos empréstimos a juros, prometidos, e depois condenados. Em 1549 acabara-se com a feitoria de Flandres, há muito onerosa; em 1570 Dom Sebastião acaba com o privilégio do comércio das Índias, por não dar já resultado... O Estado faz contratos, e os contratantes, estrangeiros ricos, quebram, os Rott, Rovelasco, Welsers, Höchstellers, Affaitatis...

Dom João III que “viveu sempre em aflições de dinheiro” (A. Pimenta, D. João III, cit., p. 312), morre na falência... Dona Catarina continua, na pobreza, como, depois, Dom Henrique, sem remédio. Entretanto, sobrevém o sonho heróico e dispendioso de Dom Sebastião, acabado em ruína e dívidas. Os Filipes são concordes, sem jeito. Em 1585 o porto de Lisboa é fechado aos hereges inimigos de Espanha: os Ingleses e Flamengos irão às Índias tomar as colônias de Portugal, que Espanha, entretanto, não saberá proteger. Prepara-se o custoso desastre da “Invencível Armada”, (1588), com toda a frota portuguesa, contra a Inglaterra...

É nessa disposição de falência e ruína, que Portugal empreende a colonização do Brasil, tendo de vencer a ambição belicosa de Franceses, a inclemência dos reinóis escravizando os índios que os Jesuítas protegem, tentando uma obra de missões organizadas, moral e economicamente, que só no século XVIII e ao Norte dará resultados sensíveis. Ao tempo das premências de D. João III, diz uma folha feita pelo Conde da Castanheira, segundo refere Frei Luiz de Sousa, (op. cit., p. 504), do ano de 42: — “No Brasil tem Vossa Alteza gastado muyto dinheiro, e começou a gastar no anno de 1530. Mysterio foy grande fazer-se a primeira despesa afim de cousa que o não merecia (isto é, sem lucro imediato) e seguir-se della desarreigarem-se daquella terra os franceses, que já nella se começavão a prantar e lançar raízes (sc. e mais ainda se gastou para botar fora os franceses, já estabelecidos)”. Gastava para povoar e defender, o que não rendia...

É nessa disposição de espírito, agoniado pela falência, repito, que Portugal “a quarta parte nova os campos ara”... (Lus., VII, 14). “Por não sei que descuido esteve esta terra por povoar”, dirá na frase tão citada Frei Vicente do Salvador; entretanto ele mesmo reconhece que há pouco “que se começou a povoar, já se hão despovoado alguns lugares”, (op cit., p. 15): não foi descuido senão falta de gente. Depois, o mesmo historiador nacionalista acusa o Português de viver no litoral, a arranhar as praias, como caranguejos... Não é bem assim: começa a transpor as baixadas e a penetrar no sertão, indo a Piratininga, descendo pelo Tietê, indo ao vale do São Francisco, entradas e bandeiras incipientes. E nas praias, em 1548, já há 16 vilas e povoados, fortificados e defendidos contra os intrusos. Não há dinheiro, mas, para fundar a Bahia, Tomé de Sousa gasta 300.000 cruzados ou mais de 60 mil contos de hoje.

Em 1583 já se calculam 25.000 brancos, 18.000 índios civilizados, 14.000 negros cativos. Esse povoamento do Brasil pelos Portugueses tem mesmo um aspecto tocante, porque é feito até a contragosto, às vezes, de Portugal e do Brasil. Simbólico será, no primeiro dia, isto que narrou Pero Vaz de Caminha: “além destes dous degredados, que aquy ficam, ficam mais dous grometes, que esta noute se sairam d esta naao no esquife em terra fogidos, os quaes nom vieram mais, e cremos que ficaram aquy, porque de manhãa, prasendo a Deos, fazemos d aquy nosa partida”. (In Alguns documentos, cit. p. 121). Nas instruções à nau Bretoa, de 511, cit., já se previne contra a deserção de marujos.

Provisão régia de 6 de Março de 1565 impediu que as naus destinadas à Índia, que lá não pudessem chegar, de modo algum arribassem ao Brasil, mas tornassem a Portugal, além de outros motivos porque, dessas freqüentes arribadas, resultava fugir a gente de bordo para terra: marca a preferência dos Portugueses pelo Brasil, à Índia ou ao Reino. Prefiro crer no gosto da aventura, do que apenas no medo ao enjôo. Passados três séculos e mais, não é a mesma coisa? Contra o interesse de Portugal, que os preferiria nas suas colônias, eles aqui vêm, vencendo obstáculos. Contra disposições legais do Brasil — quem o diria?! eles aqui vêm, sem cartas de chamada, seja como for. É uma cegueira: só amor, que não tem explicação, o explica.

A princípio era só a exportação de pau-brasil, bichos raros, alguns índios escravos; depois o pau-brasil continua — e vai até o fim do período colonial — e já Gandavo, nesse século XVI, fala da grande quantidade de açúcares e do infinito algodão: “Alem das plantas que produzem de si estas fruitas, e mantimentos que na terra se comem, ha outras de que os moradores fazem suas fazendas, convem a saber, muitas canas de açucre, e algodoaes, que he a principal fazenda que ha nestas partes, de que todos se ajudam e fazem muito proveito em cada uma destas Capitanias, especialmente na de Pernambuco que sam feitos perto de trinta ingenhos e na Bahia do Salvador quasi outros tantos, donde se tira cada um anno, grande quantidade de açucares, e se dá infinito algodam, e mais sem comparação, que em nenhuma das outras” (História da Província Santa Cruz, cit., cap. V, p. 20). — O tabaco prosperou, exportado para a Europa e principalmente para a África. O Rio de Janeiro exporta farinha de mandioca para Angola.

[imagem]
Soldado português do século XVI, segundo uma escultura do British Museum, Londres.

Dominou a todos o açúcar: em 1580 já o exportado orça por dois milhões e oitocentos mil arrobas. (P. de Almeida, Hist. de Port., t. III, p. 556). Simonsen insiste sobre “o papel decisivo que desempenhou o açúcar na fixação do europeu no Brasil e na formação de nossos primeiros capitais. Foi ele quem gerou os grandes problemas da mão de obra, cuja solução imprimiu feição característica ao desbravamento das terras brasileiras com as variadas conseqüências...” (Op. cit., t. I, p. 178). A pecuária, mostra este historiador, o gado é função do açúcar: o sertão ao serviço do litoral ou o litoral obrigando à ocupação do sertão: o Brasil intercomunicante.

Ora esse país que se viria a dizer “essencialmente agrícola”, arou-o Portugal, e por engenhos fê-lo produtivo, povoando-o, defendendo-o, moralizando-o, civilizando-o, quando não tinha recursos para si. O sonho da Índia passara, mas o trabalho no Brasil continuou... Esse Brasil foi uma criação, contínua, de Portugal. No romance simbólico de Alencar, o filho de Iracema é “filho da dor”... O Brasil esquece, às vezes, o que custou: o pai andava pelos expedientes da miséria, mas ao filho nada faltou para se defender, crescer e prosperar.


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REIS DE PORTUGAL

(2.ª METADE DO SÉCULO XVI)

Dom João III (1521-1557).
Regência da Rainha viúva D. Catarina (1557-1562).
Regência do Cardeal D. Henrique (1562-1568).
Dom Sebastião (1568-1578).
Cardeal D. Henrique (1578-1580).
Filipe II (1580-1598).
Filipe III (1598-1621).

GOVERNADORES GERAIS

Tomé de Sousa (1549-1553).
D. Duarte da Costa (1553-1557).
Mem de Sá (1557-1572).
Luiz de Brito e Almeida (1572-1577), na Bahia.
Dr. Antônio Salema (1572-1577), no Rio.
Luiz de Brito e Almeida (1577-1578).
Lourenço da Veiga (1578-1581).
Primeira junta (1581-1582).
Manuel Telles Barreto (1582-1587).
Segunda Junta (1587-1591).
D. Francisco de Sousa (1591-1602).

1500 — Descobrimento do Brasil por Cabral.
1501 — Armada de 1501 (Antônio Galvão, Tratado do Descobrimento, cit. p....
1502 — Mapa de Cantino onde vários pontos do Brasil são marcados e já a Baía de Todos os Santos. Descobrimento da Baía do Rio de Janeiro.
1507 — Mapa de Waldseemüller (Hilacomillus) no qual aparece, pela primeira vez, o nome “America” dado à região nordeste do Brasil.
1508 — João Ramalho, em S. Paulo.
1511 — Diogo Álvares, o Caramurú, na Baía.
1512 — Mapa de Marini, onde aparece o nome “Brasil”; carta de Afonso de Albuquerque a El-Rei D. Manuel, onde se escreve esse nome, dado à terra.
1519 — Fernão de Magalhães, toca no Rio de Janeiro.
1522 — O navio “Vitória”, da armada de Magalhães, torna a Espanha, depois de ter circunavegado o mundo.
1530 — Viagem de Martim Afonso e seu irmão Pero Lopes de Sousa. Entrada no Rio de Janeiro. Fundação de S. Vicente e Piratininga.
1531 — Bandeira de Pêro Lobo às margens do Paraná. Introdução da cana de açúcar, vinda de Cabo Verde e da Madeira.
1534 — Divisão do Brasil em Capitanias.
1537 — Bula de Paulo III, de 2 de Junho, declarando criaturas humanas e livres anuladas as presas feitas quid quid secus fieri contigerit, irritum et inane... auctoritate apostolica decernimus et declaramus...
1541 — Conhecimento do curso do Amazonas por Francisco Orellana.
1542 — Fundação da Santa Misericórdia, em Santos, por Braz Cubas.
1546 — Todos os Santos, ou simplesmente Santos.
1549 — Fundação da Baía. Tomé de Sousa, 1.º governador geral. Chegada dos Jesuítas.
1550 — Festa dos selvagens brasileiros em Ruão (França). Calculam-se em 3.000 os colonos no Brasil.
1551 — Primeiro bispado do Brasil, na Baía.
1553 — Entrada ou bandeira do Pe. Navarro e Espinhoso até o vale de S. Francisco.
1554 — Fundação de S. Paulo, pelos Jesuítas.
1555 — Villegaignon no Rio de Janeiro.
1556 — Naufrágio e morte do bispo D. Pedro Fernandes (Sardinha) e seus companheiros devorados pelos índios.
1557 — “Viagem ao Brasil”, de Hans Staden.
1558 — “Les singularitez de la France Antarctique”, de André Thevet.
1560 — Os Aimorés ou Botocudos sublevados. Mem de Sá expulsa os Franceses do Rio de Janeiro. Entrada de Braz Cubas e Luiz Martins, pelo Tietê, em busca de ouro.
1562 — Fundação de Itanhaem.
1564 — Peste de bexigas, que dizima os índios.
1565 — Fundação do Rio de Janeiro, de Estácio de Sá. Expedição de Manuel Pires do Rio Negro (65-7).
1567 — Fundação do Rio de Janeiro, de Mem de Sá.
1569 — A frota que trazia o 4.º governador Luiz de Vasconcelos cai em poder dos corsários calvinistas Jacques Sores e João Capdeville, que trucidam tripulantes e 40 Padres Jesuítas.
1570 — Decreta-se, terminantemente, não podem os índios ser reduzidos a cativeiro.
1572 — O Governo do Brasil cindido em dois, Bahia e Rio.
1576 — “História da Província Santa Cruz”, de Pero Magalhães Gandavo.
1579 — Filipe II oferece ao Duque de Bragança as colônias portuguesas com o título de rei, desistindo a duquesa D. Catarina dos seus direitos ao trono de Portugal.
1580 — Filipe II no trono de Portugal.
1581 — Cavalos são levados de Cabo Verde à Bahia.
1584 — Conquista da Paraíba.
1585 — “Narrativa epistolar”, do Pe. Fernão Cardim.
1586 — Conquista da Paraíba.
1587 — Lei restritiva de liberdade dos índios. Fundação de Cananéia.
1590 — Colonização de Sergipe.
1591 — Cavendish e Cook, piratas ingleses, pilham Santos e incendeiam S. Vicente.
1594 — Os Franceses, no Maranhão.
1595 — Proíbem-se todas as guerras aos índios sem provisão régia (bandeiras) e declaram-se ilegítimos os cativeiros de tais guerras. Lencaster, pirata inglês, pilha Pernambuco. “Arte de gramática” (tupi), do Pe. José de Anchieta.
1598 — Conquista do Rio Grande do Norte.


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V
SEGUNDO SÉCULO
Franceses no Maranhão. — Holandeses na Bahia e Pernambuco. — Entradas e Bandeiras. — Escravidão negra. — Restauração do Brasil. — Monopólio e Rebeldia.

OS FRANCESES NO MARANHÃO
A primeira conseqüência do domínio espanhol no Brasil foi dar-lhe os inimigos de Espanha por próprios. Não perdeu, por isso, os antigos. E agora, a França que fora por D. Antônio, Prior do Crato, contra Filipe II, tinha a mais, ser contra Espanha, no mesmo Brasil. Rechaçados ao sul, em 1555, na “França Antárctica”, ia começar, no Maranhão, a “França Equinocial”.

Desde o fim do século anterior, 1594, que se haviam estabelecido, na ilha do Maranhão, Jacques Riffault e Charles des Vaux, armadores de Dieppe, em comunicação com o gentio, com o qual traficavam. Trataram de interessar a Coroa no estabelecimento, de onde, já em 1612, nova expedição, sob o comando de Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, que funda a cidade de S. Luiz, nome dado em honra do Delfim, que seria depois Luiz XIII. Vieram fidalgos e homens de guerra, católicos e protestantes, entre os colonos, e o capuchinho Fr. Claude d’Abbeville, que escreveu um livro de história da empresa e de suas observações na terra ocupada. Um dos chefes, Francisco de Rassily, tornou à França a promover novos recursos e, com ele, Claude d’Abbeville e alguns índios, levados por amostra.

O livro do capuchinho, impresso em Paris, em 1614, a História da Missão dos Padres Capuchinhos na ilha do Maranhão, é um dos nossos clássicos sobre etnografia indígena. Seguiu-se-lhe, em 1615, a publicação da obra do superior da Missão, o Padre Yves d’Evreux, continuando a de d’Abbeville, informação dos Tupinambás do norte: a edição foi completamente destruída por interesses domésticos das Cortes ora parentas, de França e Espanha e, só no século XIX, tirou Ferdinand Denis, de um raríssimo exemplar achado na Biblioteca de Paris, edição de 1864.(1)

A colônia, que prosperava, tinha os seus dias contados. Jerônimo de Albuquerque fundara, próximo, o forte de Camocim. Martim Soares Moreno havia fundado Fortaleza, núcleo de colonização no Ceará. Albuquerque, que tornara a Pernambuco, preparou expedição e desembarcou 500 homens em Guaxenduba, derrotando os Franceses, com os quais tratou pedir-se, sobre o litígio, a decisão pelas cortes de França e Espanha. Ocorreu porém Alexandre de Moura com reforços e maior patente, que não respeitou o trato e, dando combate, venceu de novo os Franceses, que tiveram de retirar, sem maior perseguição, deixando apenas a artilharia. (Os nossos eram Portugueses e nada tinham com tais Cortes, de França e Espanha).

Em 1615, estava o porto de S. Luiz adquirido e em 1616 Caldeira Castelo Branco, mandado a colonizar o Pará, com 150 homens e artilharia para forte, fundou Belém. O primeiro governador do novo Estado do Maranhão (Ceará, Piauí, Maranhão e Pará) criado em 1521, foi Francisco Coelho de Carvalho, despachado em 24 e mandado tocar em Pernambuco, com socorro e tropas e munições para Matias de Albuquerque, capitão-mor de Pernambuco, receoso de invasão holandesa. Funcionários para o novo estado, famílias para núcleo de povoamento e missão de capuchos sob ordens de Fr. Cristóvão de Lisboa, foram ter ao Ceará e, depois, ao Maranhão. Em 1616 o Brasil atingia o seu limite norte ocupado até o Pará. Os Franceses teriam de consolar-se, e foi o que fizeram, indo estabelecer-se além, na Guiana Francesa. Também Holandeses e Ingleses: mas isso é lá com a Espanha. (Nós, apesar de tudo, continuávamos Portugal).

OS HOLANDESES NO BRASIL
Os inimigos de Espanha, porém, continuavam. Em 1604 sete navios holandeses entram na Bahia, aprisionam um navio ricamente carregado e põem fogo a outro. A guerra de corso foi constante, neste período: em 1616 vinte e oito navios nossos, em 1623 setenta outros, foram presa de Holanda. Além do confisco mandado fazer, por Filipe II, dos navios ingleses, flamengos e alemães em Lisboa, que moveu a represália, leis de 1600 e 1627, fechando os portos do Brasil aos estrangeiros, viriam acirrar a situação. Quando o mundo in­ter­co­mu­ni­can­te dava expansão ao comércio e à indústria internacionais, a Espanha, atrasada e intransigente, invocava o privilégio e o monopólio, procurando, como alcançou, a ruína. Portugal, e colônias, foram arrastados por ela. Uma trégua de 12 anos tinha sido concertada, em 1609, entre Espanha e a Holanda. Ao termo, em 21, os Flamengos fundaram a poderosa Companhia das Índias Ocidentais, que, com a que já possuíam, das Índias Orientais, ia acabando com o poder português no Oriente. De 26 a 36 os 800 navios que conseguiu armar aprisionaram 500 navios alheios, dando imenso dividendo.

Uma destas armadas rapineiras, de 26 navios, 1.700 soldados, 1.600 marinheiros, quinhentas bocas de fogo, sob o comando de Jacob Willekens e Pieter Pieterzoon Heyn por vice-almirante, saiu de Holanda em fins de Dezembro e começo de Janeiro seguinte, reuniu, em Março de 24, em Cabo Verde, rumando direta à Bahia. A colônia fora prevenida e preparou-se, como pôde, até com defensores descalços (sem uniforme nem sapatos) e esperou a sua sorte. A 8 de Maio apresenta-se a frota inimiga defronte do porto, a 9 entra e começa o fogo. Mas a luta era desigual: pouca e má artilharia tínhamos nós, e pouco mais de mil e cem homens, dos quais apenas oitenta eram soldados de tropas regulares. Era a cidade de então formada por mil e quatrocentas casas, duas igrejas, três conventos e três fortalezas, Santo Antônio, S. Filipe e Itapagipe. O forte de S. Marcelo era um ilhéu armado com uma bateria. A peleja durou todo o dia, com grande confusão e desânimo progressivo, buscando os inimigos o desembarque e sítio das fortalezas. À noite, veio a calma. E, com o silêncio e as trevas, o pânico. O Padre Antônio Vieira, então incipiente irmão jesuíta, descreve como testemunha presencial: “Era já nesse tempo alta noite quando, de improviso se ouviu por toda a cidade (sem se saber donde teve princípio) uma voz: já entraram os inimigos, já entraram, os inimigos já entram; e, como no meio deste sobressalto viessem outros dizendo que já vinha por tal e tal porta e acaso pela mesma se recolhesse neste tempo uma bandeira nossa com mechas caladas, como o medo é mui crédulo, verificou-se esta temeridade; e assim pelejando a noite pela parte contrária, ninguém se conhecia, fugiam uns dos outros, e quantos cada um via tantos holandeses se lhe representavam.” (Carta anua ao Geral da C. de Jesus, in Cartas do Padre Antônio Vieira, ed. de J. Lúcio de Azevedo, Coimbra, 1925, t. I, pág. 17). Começou a fuga e a debandada. O governador Diogo de Mendonça mantém-se no seu posto, quer atear fogo a um barril de pólvora, quando o inimigo penetra em palácio, e impedido, investe-o à espada, sendo preso, e ficando prisioneiro.

Não soubera defender, o governo de Filipe III, a capital da sua colônia, mas providenciou, ferido o orgulho, para a restauração. As armadas de Portugal e Castela deviam, passar-se ao Brasil: os povos deviam concorrer: a Câmara de Lisboa deu 120.000 cruzados em vez de cem, que lhe pediram, nobres e ricos porfiam em dar muito. A 22 de Novembro partem 26 navios, com cerca de 4.000 homens, de tropas e tripulação. Como almirante D. Francisco de Almeida, general D. Manuel de Menezes. Em Cabo Verde junta-se a armada castelhana, de 37 navios, mais de 7.000 homens, sob o mando do Almirante D. João Fajardo de Guevara. O comando geral foi dado a Dom Fradique de Toledo Osório.

Da Bahia, saqueada, os despojos reunidos foram mandados para a Holanda. Entretanto, o bispo D. Marcos Teixeira, refugiado com muitas outras pessoas, na aldeia do Espírito Santo, depois vila de Abrantes, redução dos Jesuítas, encabeçou e deu corpo à resistência para a restauração, reunindo dois mil homens, entre eles bastantes índios frecheiros e começou a pôr cerco à cidade. O governador flamengo João Van Dorth, foi morto, quando inspecionava as fortificações de Monserrate, por uma emboscada. De Pernambuco chegaram socorros mandados por Matias de Albuquerque, sob o comando do seu lugar-tenente Francisco Nunes Marinho, a quem D. Marcos Teixeira, o bispo animador, passou o governo. De vários pontos chegavam reforços para apertar o cerco. Já o inimigo não se aventurava a sair de suas fortificações, embora tivesse munições e mantimentos fartos e dois mil e oitocentos homens de armas. D. Francisco de Moura, brasileiro, chegou da Europa para comandar as tropas do Recôncavo, substituindo a Nunes Marinho.

A 29 de Março de 25 fundeou a esquadra, ao nordeste da baía. Combinado o plano de ataque com os de terra, começou o combate, aceso pelos dois lados. A 30 de abril os Flamengos assinaram a capitulação. A cidade era restituída “com toda a artilharia, armas, munições, navios, dinheiro e preciosidades e o mais que houvesse naquela e nestes, com a garantia da volta deles a Holanda, com as suas tropas, em navios para esse fim concedidos, havendo mútua restituição de prisioneiros”. A 1.º de Maio de 1625, aniversário da cidade que fundara Tomé de Sousa, esta era de novo nossa. Três semanas depois uma esquadra de 34 navios holandeses, sob o mando de Bondewiyn Hendrikszoon, retardada por tempestades e que viera em socorro dos seus, não se animou a recomeçar a luta, e passou adiante. Contudo, em 27, nova esquadra comandada por Piet Heyn entrou na baía, e apesar de dois navios encalhados e um incendiado, pilhou porto e recôncavo, tomando embarcações, zombando das fortalezas e retirando-se em seguida.

Para a restauração concorreram, com serviços inestimáveis, Dom Marcos Teixeira, os Padres Jesuítas recolhidos a Abrantes, Jerônimo de Albuquerque Maranhão e o Sargento-mor San Felice, mais tarde Conde de Bagnuolo. D. Francisco de Moura assumiu o governo, sendo, um ano mais tarde, substituído pelo Conde de Miranda, Diogo Luiz de Oliveira. A armada restauradora quase não chega à Europa: incêndios, naufrágios, piratas a dizimaram, e tanto que, dos 26 navios portugueses só um tornou ao Tejo. Portugal sempre deu, sem contar, ao Brasil e o Brasil ficava restaurado.

Por pouco tempo, porque, em 1629, começaram os Flamengos a concentrar forças no porto africano de S. Vicente: mais de 50 navios, 1.200 bocas de fogo e 7.200 homens, comandados pelo Almirante Loncq; a empresa, agora, era dirigida contra Pernambuco, cuja riqueza em açúcar cobiçavam. Olinda era povoada e opulenta, com quatro mosteiros, casas grandes e ricas; além dela, perto, o porto de Recife, já abastado; Igarassú, Muribeca, Santo Antônio do Cabo, S. Miguel de Ipojuca, Serinhaem, S. Gonçalo de Una, Porto Calvo, Alagoas do Norte, Alagoas do Sul, eram vizinhanças prósperas. Mais de 30.000 habitantes, afora os índios mansos, as habitavam. Dezenas de engenhos produtivos enchiam de mercadorias os armazéns do Recife e as armadas de tráfico. Portanto, preferência justificada para o assalto.

Soube do projeto o governo de Filipe III, mas deu apenas a Matias de Albuquerque, então na Europa, o auxílio de 3 caravelas e 27 soldados. Contudo a resistência, como se pôde, preparou-se. O porto do Recife foi obstruído por velhos navios afundados. A armada desembarca, na enseada de Pau Amarelo, 3.000 homens de tropa, sob o mando de Weerdenburgh e investe contra Olinda, que entra em pânico. A luta, começada a 15 de Fevereiro, continua, renhida, impossível de ser sustentada, dada a desproporção das forças, caindo sucessivamente as posições fortificadas e o Recife, onde se refugiara, com os últimos dos seus, Matias de Albuquerque, não sem incendiar, na retirada, os trapiches, para não irem parar às mãos dos invasores 4 milhões de cruzados.

É a guerra de guerrilhas, arraiais de emboscada, como esse do Bom Jesus, entre Olinda e Recife, onde guerrilheiros como Lourenço Cavalcanti, Luiz Barbalho e outros importunam o inimigo. Os recursos espanhóis, sempre atrasados, vieram na armada do Almirante D. Antônio de Oquendo, que chegou à Bahia em Janeiro de 1613 e levou tropas de desembarque para Pernambuco. A 12 de Setembro a armada de Oquendo, de 53 velas, encontra-se ainda em águas da Bahia com uma frota flamenga, de 16, sob o comando de Adrião Pater. O ataque à capitania deu lugar a proeza de cinco naus, dos dois partidos, se atracarem, sem se poderem desenvencilhar, incendiadas. A vitória, porém, ficou indecisa. Contudo o flamengo, dizem, não quis aceitar a possibilidade de prisioneiro, e uma lenda, de origem portuguesa (damos aos outros quando lhes falta...), fá-lo enrolar na sua bandeira e atirar-se ao mar, declarando: “O oceano é o único túmulo digno de um almirante batavo”. Afogou-se, por acidente, disse Laet, um dos seus. A de Dom Francisco Manuel, o nosso clássico, comentando o sucesso, essa é autêntica: “Perdeu antes a vida que a vitória”. Em 32 tomam os Holandeses Igarassú. Nesse mesmo ano o mestiço Calabar deserta, passando-se ao inimigo: a eloqüência literária tem procurado justificar a traição: deixava “espanhóis” por “flamengos”, não era grande a diferença; contudo, esse “patriota” não era brasileiro, pois que optava pelos intrusos. Em 34, com Segismundo von Schkoppe à frente, tomaram a Paraíba. A 8 de Junho de 1635 é assinada a capitulação. Pernambuco, do Rio Grande do Norte ao rio de S. Francisco será holandês por 23 anos. Durara cinco anos, de 30 a 35, a conquista; até 53 irá a porfia para a recuperação.

Matias de Albuquerque, vencido, retirou-se com os seus últimos fiéis para o sul sem se render: de caminho, tiveram ainda ocasião de proeza, vencendo, numa emboscada, o chefe flamengo Picard que entregou para cima de trezentos e oitenta soldados, mais de metade brasileiros... Entre eles, Calabar. Todos tiveram liberdade: apenas este “devia ficar à mercê d’el-Rei”. Foi enforcado e esquartejado imediatamente(2).

Uma esquadra espanhola, nesse ano, desembarca em Alagoas 1.700 soldados, a mando de Dom Luiz de Rojas e Borja, que vinha render Matias de Albuquerque. Foram imediatamente derrotados, na Mata Redonda, por Artichofski. Morto o comandante espanhol, o Conde de Bagnuolo assumiu a direção das tropas que restaram, e recomeçaram as guerrilhas: nelas operaram feitos de valor o índio Felipe Camarão, o negro Henrique Dias, o branco Vidal de Negreiros, simbólicos heróis das três raças do país que já defendiam, com os Portugueses, o Brasil. Ainda outros guerrilheiros audazes não devem ser esquecidos: Dias de Andrade, Sebastião Souto, Francisco Rebelo. Isso era, porém, a guerrilha, a reação da impotência...

Os Flamengos, traficantes, viram-se na contingência de organizar a pirataria em conquista, e a conquista em exploração. Para isso, era preciso uma organização de estado. Fizeram vir um príncipe da casa de Orange, o Conde João Maurício de Nassau, senhor esclarecido, soldado experimentado, humanista tolerante, que veio dar, à Colônia, organização, liberdade e justiça. Os portugueses e brasileiros têm o gozo de seus bens, livremente; os negros e índios, escravos, são livres; os católicos exercem o seu culto, ao lado dos protestantes; os judeus, que Portugal expulsara e se refugiaram na Holanda, tornaram à pátria, no Brasil. Entretanto, a cidade, o Recife, tornado em “Mauritzstadt”, aformoseava-se com palácios, pontes, bairros novos, palmeiras, laranjeiras, árvores preciosas plantadas, e artistas, naturalistas, astrônomos, etnógrafos, historiadores, foram importados e deram, à Nova Holanda, apreciada aura intelectual. Realizam-se as primeiras eleições livres dos municípios: são os escabinos ou cabinos, à moda de Holanda. Tanto e tão bem vai tudo, instalação, produção, civilização, nesse país, que o príncipe considerava “dos mais belos do mundo”, que os Flamengos traficantes suspeitaram estar ele preparando um estado independente para si. Retiraram-no, (1637-44) não lhe satisfazendo as exigências, e os sucessores, incapazes, começaram a obra de demolição do Brasil holandês, aliás a regra de Holanda, das colônias e coloniais de exploração, de que Nassau foi rara exceção.

A pacificação que Nassau realizou não excluiu a conquista sistemática. Chegou até o rio S. Francisco, onde construiu, em Penedo, o forte Maurício. O almirante Huygens atacou a Bahia e o Recôncavo, tendo batido, na Paraíba, uma armada espanhola de oitenta navios, sob o mando de D. Fernando de Mascarenhas, conde da Torre, que, destroçado, chegou à Bahia, numa pequena caravela. Com 30 navios Nassau acometeu a Bahia; tomou alguns fortes, mas, no assalto à terra, foi batido, recuando e reembarcando, ante a defesa improvisada pelo governador Pedro da Silva, o Conde de Bagnuolo e Duarte de Albuquerque.

Nassau tornou a Pernambuco a consolidar o adquirido e a bem governar. Aos Flamengos, o que mais interessava, era o açúcar e não o domínio. Empregavam a força, para manter a exploração. Isto explica como foram justos e equitativos com os portugueses e brasileiros, dentro das terras conquistadas, adquirindo-lhes a produção. Queriam comércio e não guerra. A luta era com a Espanha.

Em 1640, com a Restauração em Portugal, as coisas mudam. Sobrevém um armistício, para regular a situação definitiva. O Marquês de Montalvão, que governava o Brasil, envia a Lisboa seu filho e os Padres Simão de Vasconcelos, o cronista da Companhia de Jesus, e Antônio Vieira, o grande orador, admirado por onde andou, na Europa.

No armistício, enquanto a Holanda se estendia para arredondar a conquista, ao norte até o Maranhão, ao sul até Sergipe, Portugal reorganizava a resistência e a restauração. Antônio Moniz Barreto inicia a luta no Maranhão, com recursos do Pará e outros pontos, e o Flamengo, depois de renhida luta, abandona S. Luiz, em 44.

André Vidal de Negreiros, a pretexto de ver parentes na Paraíba, entra, em 42, por Pernambuco, e vai aliciando senhores de engenho, já desgostosos com a declinante administração de Maurício de Nassau, prometendo recompensas, quando viesse a restauração. A maior conquista é a do prestigioso e rico fazendeiro português, João Fernandes Vieira, que passa a ser eixo da rebelião, na colônia flamenga. Tudo se faz, porém, não descobrindo a responsabilidade do Governo Português, que trata com a Holanda, para impedir a Holanda, em represália, de tratar com a Espanha, que luta em Portugal contra a restauração: André Vidal de Negreiros envia Camarão, Henrique Dias e a sua gente contra os Flamengos e vem queixar-se, oficialmente, ao governador, de que desertaram... Contudo, a quando da derrota dos navios de Jerônimo Serrão de Paiva, em 45, pela esquadra de Lichthardt, os Flamengos encontraram papéis comprometedores não só do Governador da Bahia, como do próprio Rei, que os Holandeses traduziram e publicaram, em Amsterdão, em 47.

O movimento começou a 13 de junho de 45. Foram nove anos de luta. Reconstituiu-se o Novo Arraial do Bom Jesus, para emboscadas e escaramuças. O general Francisco Barreto de Menezes organiza tropas, com armas e munições tomadas ao inimigo. Põe-se cerco ao Recife. Em 19 de Abril de 48, numa sortida, os Flamengos encontram-se, na colina de Guararapes, com os nossos: 4.000 holandeses foram batidos por metade dos nossos. Fora de combate ficaram quase todos os oficiais superiores, e, entre mortos e feridos graves, mais de mil soldados. À calada da noite recolheram ao Recife, em retirada. Dos nossos escreveram eles “se haviam afeito de tal modo à guerra que se achavam no caso de poder medir-se com os mais exercitados soldados”, podendo suportar fadigas e privações ao passo que “os seus apenas serviam vendo perto de si a bolacha”(3).

Do Rio de Janeiro, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, com recursos locais e donativos de comerciantes e proprietários, 15 navios e 900 homens, tenta uma expedição a Angola, também na posse do inimigo, obrigando-o a capitular, em Luanda, a 15 de Agosto de 48.

A retirada de Itaparica, à pressão do Conde de Vila Pouca de Aguiar e a vitória de Guararapes com os socorros recebidos da Europa, provocaram entusiasmo para remessa do terço, ou regimento das ilhas, sob o comando de Francisco de Figueirôa, que já servira em Pernambuco. Se em terra ficaram tontos os Flamengos, no mar operavam escaramuças e piratarias, ousando depredações no Recôncavo da Bahia. Por fim, numa outra sortida, empenhou-se batalha, com mais destroços e confusão que a primeira batalha de Guararapes.

Criou-se em Portugal a Companhia Geral de Comércio para o Brasil, iniciativa e propaganda de Vieira, que viria concorrer para a reconquista dos portos, com a primeira frota que equipou e saiu de Lisboa a 4 de Novembro de 49. Daqui os Holandeses pediam recursos, que não vinham: já desanimavam, desejando a paz, e se a guerra devia continuar, ponderava Van Schkoppe, “seria necessário tomar a Bahia, sem o que nunca teriam finca-pé no Brasil”(4). Os ruídos da compra de Pernambuco, abatiam mais os Flamengos, do que aos Portugueses irritavam os inversos, de cessão de Pernambuco: el-Rei escrevera a João Fernandes Vieira repondo as coisas no que eram. A ruína das capitanias, que a guerra invalidara e a seca ultimava na penúria, fazia sem dúvida aos Holandeses esta lástima, publicada: “Melhor houvera sido tivéssemos aberto mão desta conquista desde muito, do que nos pretendermos manter na ruína que nos espera”... A guerra de Inglaterra com a Holanda seria o golpe de misericórdia, se a prudência dos nossos não fizesse perdurar o equívoco... Em 52, confessa Segismundo Von Schkoppe: “Deus nos tem protegido até agora de um modo evidente, tirando ao inimigo o valor, ou dando-lhe o excesso de prudência, para não empreender o ataque: pois, se tal ocorre, é mais que provável esse ataque nos será funesto”. No Brasil, ignorava ele, o tempo é arma mais usada que as de combate: quem desanima primeiro é o vencido.

Por fim, veio de Portugal, pela Armada de Pedro Jacques de Magalhães, a ordem de ataque ao Recife: a 20 de Dezembro de 53 está à mostra de terra e, concertada a ação com os sitiantes, começa a peleja, para acabar logo, tomados os primeiros fortes das obras avançadas... Desabou o castelo de cartas... O inimigo envia emissários pedindo suspensão de hostilidade e negociações para a paz. A capitulação, da Campina do Taborda, foi assinada a 26 de Janeiro de 54. Ficou estabelecido o esquecimento do passado; a segurança de propriedade aos vencidos; três meses para ultimarem os negócios; por quatro meses respeitados os navios flamengos que fossem chegando; que os países, das duas partes, tratassem das indenizações; a religião dos que ficassem no Brasil seria respeitada; e mais, munições de boca e transporte para a Europa dos que quisessem ir: os vencidos entregariam praças, artilharia, munições de guerra.

Francisco Barreto de Menezes recebeu as chaves da cidade de Segismundo Von Schkoppe, e as tropas vitoriosas ocuparam o Recife. Estava findo o Brasil Holandês. A vitória fora conseguida com o esforço pertinaz da Metrópole, algumas vezes tardia Espanha, sempre meia, porém, nessa responsabilidade, toda ela dos Portugueses e dos neo-Portugueses, até 1640, e, daí em diante, com a diplomacia, a aquiescência, os socorros constantes, de Portugal. Nos neo-portugueses está o esforço conjugado dos Portugueses do Brasil, dos Brasileiros já possuidores de um patriotismo “nacional”, com a colaboração dos índios e dos negros. O símbolo dessa conjugação de esforços são os nomes associados na vitória, de Francisco Barreto de Menezes, João Fernandes Vieira, André Vidal de Negreiros, Henrique Dias e Felipe Camarão.

A RESTAURAÇÃO DE PORTUGAL E A DE PERNAMBUCO
Como represália aos Espanhóis, aparecem, nas Índias, os Holandeses. Navios de tráfico foram sendo apresados em Moçambique, Coulão, Malaca, China e Molucas. Como se não bastasse, os Ingleses fortificaram-se em Surate e nas ilhas de Sunda, dominando o estreito de Singapura. No Mar Vermelho, Quixome, cercada, capitulou aos Persas e Ormuz não tardou em cair. Acaba-se o domínio português no Oriente.

Entretanto, essas humilhações não chegaram à aflição da queda da Bahia, em 25. Filipe IV promete ajudar, mas confia ao Povo Português a restauração: são precisos 234.000 cruzados, para a armada e tropas. Toda a gente em Portugal concorre: só a cidade de Lisboa dá 120.000; os homens de negócio de Lisboa 34.000; os de Coimbra 4.000... e vai por aí 2.000, 1.500, 1.000, até 234.300 cruzados, gasto da armada, além dos gastos da Coroa... Assim Dom Teodósio, duque de Bragança, 20.000; o Duque de Caminha, 16.500; o arcebispo de Braga, 10.000; Tristão de Mendonça Furtado 9.500; o metropolita de Évora, 4.000 e assim, nobreza, clero, povo, todos os Portugueses, que não pensam mais nas Índias, porém não querem perder o Brasil. E não dão apenas dinheiro porém sangue e vida: só em tempos idos para prevenir o primeiro cerco da fortaleza de Dio ou para defender Mazagão se viu emulação comparável entre a nobreza e os ricos homens de Portugal e isto para um objetivo de 4.500 léguas distante: poder-se-ia temer despovoar-se o reino de morgados e fidalgos tantos a viva força, quiseram e vieram defender a Bahia. A Bahia é socorrida e recuperada, principalmente por Portugal. Espanha dá também navios que chegam atrasados, dá o comando e trata a rendição.

Mas isso é Portugal manietado por Espanha, ou apenas alguns Portugueses. Desde, porém, o dia da Restauração, que Portugal reclama de Holanda as praças ocupadas pelos Flamengos no Brasil, que eram da Coroa, que nunca tivera hostilidade com eles, senão com Espanha, inimiga de ambos. Grandes oferecimentos foram feitos para isso, ao elaborar-se o tratado de 1641: a cláusula não foi entretanto admitida, pois que a independência de Portugal era ainda muito mal segura e o bem adquirido muito valioso. Não esquecer que os Estados Gerais não eram os donos do Brasil, senão a Companhia das Índias Ocidentais, e Portugal devia pactuar com aqueles, para proveito de suas relações com esta. A Guerra da Restauração durou 28 anos, depois de 1640, e Portugal não temia só a Espanha invasora, senão temia que seus inimigos, França, Holanda, Nápoles viessem a fazer pazes com ela e, então, todos os recursos de Espanha se volvessem contra ele. Portugal transigia ou fingia transigir com inimigos, que auferira, devidos à maldita união ibérica, e que lhe podiam aumentar as aflições.

Um episódio dessa atitude, esclarecedor da situação de Portugal, vista da Europa, e não apenas do Brasil, é este, que vale o pormenor. Embora vencedores na escaramuça de Itaparica, em Agosto de 47, os Flamengos mandam a Holanda Hendrik Haecx, a apressar socorros. Portugal envia por governador o Conde de Vila Pouca de Aguiar, com reforços para a Bahia, e é o medo destes que vai expelir em Janeiro de 48, de Itaparica, o Flamengo. O socorro de Holanda será para salvar Pernambuco, também por nós ameaçado. É então que sobrevém a diplomacia de Francisco de Sousa Coutinho, embaixador de Portugal em Holanda, de concerto com Dom João IV, dilatando, por discussão, que cederia Pernambuco, por compra da paz. (A proposta é de 16 de agosto de 47). Seriam doze navios de guerra, seis mil soldados, que obteria a Companhia das Índias, confiados a João Maurício de Nassau, convidado a tornar a Pernambuco. Em Portugal discutia-se a cessão de Pernambuco, por compra, segundo conselho de Gaspar Dias Ferreira, influente português da Haia, para o qual o Padre Vieira escrevia um primeiro papel de 14 de março de 47, opinando favoravelmente e propondo por 500.000 florins a aquisição do Brasil, Angola e S. Tomé. Sousa Coutinho, quando falha a transação da compra, vai adiante: “dá” Pernambuco, sem ônus, e mostra até nomeação del-Rei para, como governador geral, ir ao Brasil cumprir o estipulado. Entretanto, conferenciava à noite, sob chuva, num bosque da Haia, com Nassau, a quem prometia um milhão de florins, se negociasse um acordo de trégua larga, a Portugal. Nassau, diante das ofertas, não se recusou aos apelos da Companhia das Índias, mas fez tais exigências, que se compreendeu a escusa: queria o governo soberano pela vida, 500 mil florins para pagar dívidas e preparar-se, 9 mil soldados dos Estados Gerais e 3 mil da Companhia, com a gente de mar necessária, e contínuos subseqüentes socorros. Conseguiu-se a dilação, embora com a promessa de ceder o Recife. A el-Rei escrevia Sousa Coutinho pedindo fizesse escrever a Nassau agradecendo e “segurando-lhe as promessas “feitas” e que terão cumprimento pelo embaixador que se me seguir, e digo pelo embaixador que se me seguir, porque se V. M. não julgar o negócio por bom, e houver de faltar ao essencial dele, pouco vay que se falte aos accessorios. Senhor, os Reys não estão obrigados a ratificar tudo o que os embaixadores fazem... senão pera que era falar em ratificações’?” (Correspondência diplomática de Francisco de Sousa Coutinho, durante a sua embaixada em Holanda, publicada por Edgar Prestage e Pedro de Azevedo, 2 vols. Coimbra, 1926, t. II, p. 192).

Tudo isto para dar a Pernambuco tempo de libertar-se e não dar à Holanda pretexto de unir-se à Espanha, contra Portugal, que mal podia com um, quanto mais dois inimigos. Por fim, a esquadra flamenga do almirante With segue, mas antes já seguiu a portuguesa, de Francisco de Figueirôa. Sousa Coutinho ganhara com a contemporização (aqui bem cabe o termo de gíria “tapeação”) ter detido “aquele mar tempestuoso”, diz, em estilo nobre, de 8 de julho a 12 de dezembro de 47. (Id. p. 266).(5)

A moral pode falar em duplicidade e no escrúpulo de corromper por compra: não é isso só política, é do tempo, e de todos os tempos... e, depois, há um matiz que faz distinção entre Sousa Coutinho que pretendeu ou comprou, e Nassau que foi tentado, ou mesmo comprado. Só a correspondência do embaixador, hoje publicada, permite compreender essas negociações, para as quais, na mesma ordem de idéias, em Lisboa, se invocava a coragem alarmada do Padre Vieira, para um “Papel-forte”, em Outubro ou Novembro de 48, contudo “sem lábia”, para não fazer, certamente desconfiar(6). Este papel, submetido aos conselheiros del-Rei, foi geralmente repelido, e, totalmente, pela opinião pública.

Entretanto, os Espanhóis, tratando com os Flamengos em Munster, em 48, garantiam-lhes “todos os lugares do Brasil tomados aos Estados Gerais pelos Portugueses, desde 1641”.

É nesta situação de expoliado por Espanha, sistematicamente empobrecido de gente, dos melhores oficiais e tropas, que ela fazia gastar na Catalunha e Flandres, e de bens, levados a Castela, que Portugal, o invasor ainda no solo, e vendo os tratos que fazia ou tentava fazer por toda a parte, com a Holanda, França, Inglaterra, Países Nórdicos, até com a Santa Sé, complacente com os Castelhanos, ou temerosa da sorte dos Portugueses, que a guerra contra os Holandeses no Brasil deve ser considerada.

Na arrancada definitiva de 42 a 54, a atuação da política de Portugal revela os mesmos sentimentos dos Portugueses, desde 25, pelo Brasil(7). O movimento libertador do Maranhão em 42 tem a aquiescência da Coroa. Com André Vidal de Negreiros, que vai a Lisboa expor as condições de Pernambuco, e torna com promessas de comendas e mercês a distribuir, vem António Telles da Silva, capitão geral de mar e terra, acorde com os insurrectos. No fim, a forte armada de Pedro Jacques de Magalhãis, chegada à vista do Recife, é que dá coragem e determinação aos sitiantes e apressa os sitiados do Recife à suspensão das hostilidades e à capitulação do Taborda.

Quando a paz se realiza definitivamente nas Cortes, é preciso poupá-lo, ao inimigo, porque a Espanha ainda aí está no território, e não convém ter mais desafeto lá fora. Portugal e Holanda concordam na indenização de 4.000.000 de cruzados, em dinheiro, açúcar, tabaco, sal, outros gêneros: o Brasil, para sua libertação, concorreria com menos de metade, 1.920.000 cruzados, pagos em 16 anos, a 120.000 cruzados de prestação por ano. Negócio de pai para filho.

Do mesmo modo que certos historiadores esquecem a situação de Portugal, invadido e armas nas mãos, a defender-se de Espanha, não podendo, declaradamente, fazer outros inimigos mais acirrados, também esquecem outro fator da vitória, que foi o abandono relativo que os traficantes Flamengos deram a posses que já lhes não valiam tanto. O sítio, as escaramuças, os engenhos arruinados, os canaviais incendiados, a seca persistente, os lucros cessantes, a causa que é “interesseira”, de negociantes, e não “nacional”, de patriotas, colaboraram em facilitar a nossa vitória. A guerra de Holanda e Inglaterra (1653) favoreceu-nos muitíssimo, distraindo o inimigo, do mais fraco para o mais forte.(8) Então, seria também injustiça acusar os Estados Gerais de se interessarem mais pela posse de negociantes, com negócios na América... Só recentemente as grandes Nações expansivas consideram o comércio, e até as missões religiosas, como interessados no prestígio do pavilhão que os protege. Não se pode julgar, em história, se não ao tempo e nas condições da ocasião. O que não padece dúvida é que Portugal manteve pelo Brasil os mesmos sentimentos de sempre, diante da ocupação holandesa, que ajudou a vencer, com os reinóis e os neo-portugueses.

ENTRADAS E BANDEIRAS. ESCRAVIDÃO VERMELHA(9)
As entradas para prear os Índios e as bandeiras que, além deste fito, devassavam o sertão em busca das minas, vieram do 1.º século.

A 1.ª será mandada por Cabral para explorar a terra. “Fomos todos nos batees armados e a bandeira comnosco... fomos ataa hüa lagoa grande de agoa doce”... diz Vaz Caminha. Vespúcio também disse que uma expedição mandada por ele penetrara no interior umas quarenta léguas. Martim Afonso, no Rio, penetra no interior, durante dias e, de S. Vicente, vai a Piratininga. A 4.ª será a de Pero Lobo, em 31, às margens do Paraná. Foram precursões. Agora vai Francisco Bruza de Espinosa, com o Padre Azpilcoeta Navarro, em 1553, de Porto Seguro ao Jequitinhonha, ao vale do São Francisco, ao rio Pardo, 350 léguas entre índios selvagens. Em 60, Mem de Sá manda do Espírito Santo ao sertão Antônio Dias Adorno, Vasco Rodrigues Caldas, Antônio Ribeiro. A de 1567, de Martins de Carvalho, também de Porto Seguro, e de Sebastião Tourinho, em 1572, ainda de Porto Seguro, a de Antônio Dias Adorno, em 1575, por Caravelas e Mucuri... contam-se nos quinhentos. Nos seiscentos um certo Marcos Azeredo sobe o Rio Doce e dizem traz prata e esmeraldas, pelo que é preso e, não querendo revelar o segredo, morre na prisão. Barbalho Bezerra tenta reconstituir-lhe o roteiro, mas falece antes da aventura.

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Caçada humana por Bandeirantes
(Desenho de Debret)

Capistrano de Abreu pôde pois resumir num esquema as “bandeiras” em (a) bandeiras paulistas; (b) bandeiras baianas; (c) bandeiras pernambucanas; (d) bandeiras maranhenses; (e) bandeiras amazônicas (cf. Paulo Prado, Retrato do Brasil, S. Paulo, 1928, p. 67-8, nota l.ª ). Propaganda política regional, depois de enaltecer o bandeirante tende a fazê-lo apenas de S. Paulo.

António Raposo Tavares, natural de Beja, parte, em 1629, com mil paulistas e dois mil índios, entram na direção do Paraguai e caem nas missões de Santo Antônio, exigindo a entrega de um prisioneiro índio que fugira e aí se asilara. O padre jesuíta defende o índio e recusa-se a entregá-lo. A carnificina e o incêndio foram a conseqüência. Outras missões, S. Miguel, Jesus Maria, S. Paulo, São Francisco Xavier, todas as do vale do Paraná são devastadas.(10)

As bulas pontificais e os éditos reais contra a escravização dos índios produziram irritação e rebeldia entre os escravagistas de São Paulo e até do Rio. Quando veio a restauração, em 1640, chegaram, em São Paulo, a proclamar Amador Bueno, “nosso rei”. Este ajuizado lavrador, embora aclamado, deixou correr as coisas, — o tempo resolve por nós, — e todos acabaram aceitando Dom João IV. No Rio, o lealismo foi imediato, o que promoveu equiparação de títulos e de honras, como os de Lisboa e Porto.

Entre 1650-60 há as bandeiras de Domingos Barbosa, Calheiros, Luiz Pedroso de Barros e Antônio Pedroso de Barros que repetem, em menor, as façanhas de Antônio Raposo. João Correia de Sá, na direção do Rio Doce, parte em busca das esmeraldas. De 53 é a bandeira de Álvaro Rodrigues do Prado em busca de Sabaraboçu ou a “serra resplandecente”. Bartolomeu Bueno, Luiz Castanho, Soares Bicudo, de São Paulo, atingem Goiaz, entre 70 e 80. Fernão Dias Pais Leme é de 72, e parte com o título de capitão-mor das minas de esmeraldas: vai às cabeceiras do rio Doce, do rio de São Francisco e, tendo como centro o Serro, faz excursões por quatro anos. Depois de incontáveis tormentos, rebeliões, morticínios, expira o aventureiro, às margens do rio das Velhas. Do genro Manuel Borba Gato e do filho Garcia Rodrigues Pais, fia a continuação do sonho, a descoberta do ouro e das esmeraldas. As jazidas de Sabará aparecem. Antônio Rodrigues Arzão, de Taubaté, vai, em 93, ao Rio Doce descendo até Vitória, no Espírito Santo; seu cunhado Bartholomeu Bueno de Cerqueira, que em 70 estivera no sertão de Goiaz, vai, em 94, à região de Vila Rica, ou de Ouro Preto.

O sonho do século XVI, com Gabriel Soares, Roberio Dias, das minas de prata, realiza-se, passando das esmeraldas ao ouro. Fora a previsão dessas minas que separara o Brasil em dois governos. O Governador do Sul, Dom Francisco de Sousa, já trazia o título de Governador e intendente das Minas. Um Código Mineiro elaborado em 1603, ficou nas Chancelarias do reino até 1619, quando foi expedido, e publicado no Brasil, em 1652. Essas entradas e bandeiras, para descer índios escravos e devassar o sertão em busca de minas, dão endereços ao Brasil colonial predador, agrário, criador e mineiro. Os objetivos saíram uns dos outros e misturaram-se. Eles trouxeram a conseqüência da integração do país, além do litoral possuído.

Entravam as bandeiras para prear e descer índios escravizados, devassavam o sertão, encontravam minas e recuavam a fronteira sem dificuldades pois que a posse era comum hispano-portuguesa... diz o povo. O único benefício que nos trouxe a ocupação espanhola foi “abolir” a demarcação de Tordesilhas, podendo o colono ir aos limites do Brasil atual, pois que tudo era da mesma coroa... Com a Restauração, o fato consumado do uti possidetis tornou portuguesa e brasileira a posse, graças às entradas e bandeiras, responsabilidade entretanto contestada.(11)

As entradas despovoadoras, captando o índio, deixavam estradas no deserto, para a civilização: evidentemente o manso processo colonizador dos Jesuítas, de José Bonifácio, do General Rondon, seria preferível: mas a violência dos bandeirantes tem justificações de Varnhagen, de von Ihering de todos os coloniais europeus, que não são amáveis com os povos bárbaros. Aliás nem sempre eles, selvagens, têm a docilidade resignada. O mundo é dos capazes; é a lei de ferro da natureza e da civilização. O mesmo santo e doce Anchieta chegava à exasperação, para catequizar o índio: “para este gênero de gente não há melhor pregação do que espada e vara de ferro”. (Cartas, p. 186).

Esses caminhos internos são ainda hoje os nervos e vasos comunicantes do sertão brasileiro. Simonsen estabeleceu que a pecuária foi a segunda linha dos engenhos litorâneos. As entradas, para prear índios e descobrir minas, fizeram a extensão da fronteira aos limites mais ocidentais. O Brasil foi andando, em extensão e contiguidade, isto é ocupação. Não esquecer que chamamos “Paulistas” aos Portugueses e neo-Portugueses de S. Paulo. A insistência tem razão.

ESCRAVIDÃO NEGRA
A escravidão vermelha tinha os impedimentos canônicos e reais, de que os Padres Jesuítas eram os acérrimos intérpretes na Colônia: a expulsão dos Padres Jesuítas de São Paulo em 1640 e do Padre Antônio Vieira e seus companheiros, em 1661, do Maranhão, é a maior finta do duelo que se veio realizando entre os reinóis é os padres. Por isso mesmo, e por tudo, a escravidão negra ocorreu. Quando Gil Eanes aprisionou alguns negros nas Canárias, o Infante Dom Henrique, verberando o procedimento, mandara restituí-los à liberdade, na terra de origem. Depois, quisera de Afonso Baldaia e de Antão Gonçalves que “filhassem alguü” para lhes saber a língua e tomar informações. Finalmente, com a consciência coletiva, a consciência individual condescendeu. Salvava-se a alma, aos negros escravos... Como na antigüidade, a escravidão continuava, e lícita, portanto. Portugal e D. Henrique pactuaram: já não recusa os seus 45, vintena dos que trouxe Lançarote de Lagos... O Infante chegou a negociante de escravos, como seu sobrinho Afonso V.

À América vieram os negros, desde 1501, à reclamação de Nicolau Ovando, de Hispaníola. Las Casas que defende o índio, esse mesmo, aconselha a escravidão negra. Os nossos Jesuítas fecham os olhos à escravidão africana, apenas defendendo dela os americanos. Supõe-se que são de 35 os primeiros, introduzidos em São Vicente: a permissão, contudo, à importação, é de 1549. Angola torna-se mercado fornecedor e, de tais interesses, dirá Vieira: “sem negros não há Pernambuco e sem Angola não há negros.” (Cartas, ed. J. Lúcio de Azevedo, t. I, 243). Com efeito, assim o entendem também os flamengos, que, tomando Pernambuco, vão logo tomar Angola. E quando os nossos retomaram Pernambuco, do Rio já tinham ido retomar Angola. E quando vimos à Independência, Angola quis vir conosco. Contudo a Bahia preferia os negros da Mina, Sudaneses, mais fortes, robustos, ativos, aceados e belos do que os Bantus angoleses, menos rebeldes e mais dóceis à servidão, revendidos para o norte (Pernambuco, Maranhão, Pará) e para o sul (Rio, São Paulo). Esta preferência baiana é documentada por Silva Corrêa, na História de Angola e pelos nossos Nina Rodrigues e Wanderley Pinho. Talvez, daí, a beleza das negras baianas a ponto de, no Sul, chamar-se a uma bonita negra uma “Baiana”. Os mestiços delas derivados são tão formosos que Spix e Martius dizem ter ouvido trova popular que isso denuncia: “uma mulata bonita, não precisa mais rezar, abasta os mimos que tem, para sua alma se salvar”.

A escravidão seria um rio negro, de África ao Brasil, por mais de três séculos. Calcula Simonsen (op. cit., t. I, p. 205) que muito se exagerou a importação deles em número, e que apenas 3.300.000 Africanos foram os importados entre 1530 e 1850.(12) Esses negros, a fração que chegava... trabalhadores dóceis, deram um contingente à família, pela mestiçagem com brancos e índios, pelas negras domésticas, as mucamas e as amas de leite e, principalmente, foram a mão de obra do Brasil colonial. Nem sempre dóceis, esses negros. Com as guerras holandesas, enquanto os brancos brigavam, iam eles fugindo dos engenhos e forrando-se no mato, em colônias ou quilombos ou mocambos, dos quais o mais notório foi o de Palmares. Faziam depredações em torno, roubavam gado e utilidades e abrigados em cercas de pau a pique, sob as ordens de um chefe ou Zumbi, recomeçavam uma civilização africana na América. Já pelas ameaças convizinhas, já pela necessidade do braço escravo, os Pernambucanos, cessada a Guerra, deram combate a estes quilombos. Apelaram para os Paulistas, caçadores de índios e com Domingos Jorge Velho e os seus empreenderam a destruição dos mocambos, desde 1687. O mais famoso, de Palmares, foi vencido em 1695. Por anos adiante iriam aqui e ali, em Alagoas e Pernambuco, terminando os derradeiros.

A economia do século XVI funda-se nessa escravidão. Por essa economia o autor dos Diálogos das Grandezas do Brasil já tem ênfase brasileira, para declarar: o Brasil “é mais rico e dá mais rendimento para a fazenda de Sua Magestade do que todas as Índias Orientais”. O principal da riqueza seria o açúcar. Simonsen informa (Op. cit., p. 169, etc.) que o preço dele caíra em 1506 a 300 réis por arroba (isto é, 150$000 de hoje). Alcançou no fim do século XVI preço seis vezes maior, e sete vezes no começo do século XVII, o do apogeu. As ilhas portuguesas chegaram a produzir 500.000 arrobas; quando o Brasil entrou no mercado, aquela produção declinou e o açúcar, imigrante, aqui ficou. Em 1628 havia 235 engenhos (Fr. Luiz de Souza, Anais de D. João III, cit.). Nas vésperas da Invasão Holandesa já a produção devia orçar por 2.000.000 de arrobas. Esse açúcar iria em tal progresso, que Simonsen assegura: “o ciclo do açúcar produziu em valores, para o Brasil, mais do que o da mineração, que está avaliado em menos de 200 milhões de libras”.

Esse açúcar, do qual dissera o Pe. Fernão Cardim: “bem cheio de pecados vai este doce”, tanto o sangue e o suor dos negros se a juntavam à sensualidade e aos desmandos dos brancos, “teve o papel decisivo na fixação do europeu no Brasil e na formação de nossos primeiros capitais. Foi ele quem gerou os grandes problemas de mão de obra cuja solução imprimiu feição característica ao desbravamento das terras brasileiras”. (Simonsen, Op. cit., I, 178).

A ocupação holandesa foi um ônus de 20.000.000 de libras desviadas do comércio português (15 milhões de açúcar e 5 milhões de outros gêneros: Simonsen, op. cit., t. I, 187). Daí a explicação da gana flamenga e da nossa tenacidade, à recuperação.

MONOPÓLIO E REBELDIA
A Companhia Geral de Comércio, de 1649, a Companhia de Comércio do Maranhão, de 1682, teriam privilégios e fariam exações. A experiência anti-flamenga dera-nos ousio, uma idéia de autonomia animava os rebeldes: as Companhias de Comércio locupletavam a estrangeiros, pois são Ingleses que as financiam e inglesas as suas frotas. O comércio outrora livre é agora privilégio de estrangeiros. A revolta de Manuel Beckman no Maranhão, em 1684, inspira-se nesses postulados: “A duas cousas devemos pôr termo, aos Jesuítas e ao Monopólio”. Os Jesuítas foram, de fato, expulsos, sem maiores violências, mas compelidos a embarcar, Vieira à frente, para Portugal, onde chega a notícia da rebelião. Gomes Freire de Andrade (sobrinho de Jacinto Freire de Andrade, o autor da Vida de D. João de Castro), é mandado contra eles e, sem grande esforço, acomoda, julga e só os cabeças, refugiados, têm os bens confiscados, embora depois restituídos às famílias. Ausentando para o Sul, Minas de Paranaguá, o Governador Salvador Corrêa de Sá, deixando no posto Tomé Corrêa de Alvarenga, foi este deposto por Jorge Ferreira de Bulhão, Diogo Lobo Pereira e Lucas da Silva, sediciosos que proclamaram chefe a Agostinho Barbalho. Foram presos os cabeças e mandados a Lisboa, falecendo o primeiro no cárcere onde esqueceram o segundo, solto o terceiro por fiança. Barbalho extranho à conjura teve a doação da ilha de Santa Catarina por capitania e o governo de Paranaguá. Também na Bahia, em 1682, houve tumulto e assassínio de um militar, o alcaide-mor Francisco Teles de Menezes, despótico e abusivo, protegido pelo Governador Antônio de Souza Menezes, que desatinou e, ante o Povo amotinado em favor do assassino, acusou a Companhia de Jesus do homicídio, prendeu padres e homens grados, enchendo as prisões de inocentes. Pela frota desse ano foram a el-Rei mais queixas que caixas (de açúcar), foi o desabafo popular que, sempre, no Brasil, consola a pena com o “humour”. Já a cidade ia levantar-se em revolução, quando chegou, por novo Governador, o Marquês das Minas. Ao acabar o Século em 1698 eram 528 os engenhos; 246 em Pernambuco; 146 na Bahia; 136 no Rio de Janeiro (Taunay, Sabsídios etc, etc, p. 102).

REMATE
Em um século amadurecia quase o Brasil: na agricultura próspera; nos caminhos das boiadas; nos caminhos das entradas e das bandeiras; nos limites recuados para o ocidente; na posse da terra, que tomam, à cata das minas nas povoações sertanejas; na rebeldia que já conta consigo, contra estrangeiros, reinóis, padres, privilégios, monopólios, abusos de força. Em 1600 éramos 100.000 habitantes, um terço de brancos; em fins do século teríamos o dobro ou 200.000 homens. Dada a produção dessa gente exígua, diz Simonsen, nunca o país teve tão grande produção e exportação por cabeça! (Op. cit., t. II, p. 182).

O Brasil, ao meado do século XVII, já é tão importante para Portugal, que Dom João IV dá ao herdeiro, Dom Teodósio, (“e aos mais Primogênitos, desta Coroa”) o título de “Príncipe do Brasil” (Príncipes do Brasil e Duques de Bragança serão os primogênitos de uma dinastia “de Bragança”, que assim, como título, passava a segundo plano). Tanto, que el-Rei e depois a Rainha-regente, Dona Luiza de Gusmão, pensam em abrigar-se aqui, caso a isso obrigue a Guerra da Restauração.(13)


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REIS DE PORTUGAL

(Século XVII)

Filipe III (1598-1621).
Filipe IV (1621-1640).
D. João IV (1640-1656).
Regência da Rainha Viúva D. Luíza de Gusmão (1656-1662).
D. Afonso VI (1662-1667).
Regência do Infante D. Pedro (1667-1683), depois rei.
D. Pedro II (1683-1706).

GOVERNADORES GERAIS DO BRASIL

D. Francisco de Sousa (1591-1602).
Diogo Botelho (1602-1608).
D. Diogo de Meneses (1608-1612).
D. Francisco de Sousa — Separação das Capitanias do Sul — (1609-1611).
D. Luiz de Sousa Henriques (1611-1612).
Gaspar de Sousa — Capitanias reunidas — (1612-1617).
D. Luiz de Sousa (de Beringel) (1617-1621).
Diogo de Mendonça Furtado (1621-1624).
Matias de Albuquerque — Em Pernambuco — (1624-1626).
D. Francisco de Moura — Capitão-mor — (1624-1627).
Diogo Luiz de Oliveira (1627-1635).
Pedro da Silva (1635-1639).
D. Fernando de Mascarenhas, Conde da Torre (1639).
D. Vasco de Mascarenhas — Na ausência do Conde da Torre — (1639-1640).
D. Jorge de Mascarenhas, Marquês de Montalvão, 1.º vice-rei (1640-1641).
Antônio Teles da Silva (1642-1647).
Conde de Vila Pouca de Aguiar (1647-1650).
Conde de Castelo Melhor (1650-1654).
D. Jerônimo de Ataíde, Conde de Atouguia (1654-1657).
Francisco Barreto de Meneses (1657-1663).
D. Vasco de Mascarenhas, Conde de Óbidos: 2.º vice-rei (1663-1667).
Alexandre de Sousa Freire (1667-1671).
D. Afonso Furtado de Mendonça, Visconde de Barbacena (1671-1675).
Triunvirato (1675-1678).
Roque da Costa Barreto (1678-1682).
Antônio de Sousa Meneses (1682-1684).
D. Luiz Antônio de Sousa Teles, Marquês das Minas (1684-1687).
Matias da Cunha (1687-1688).
Arcebispo da Bahia interinamente (1688-1690).
Antônio Luiz Gonçalves de Câmara Coutinho (1690-1694).
D. João de Lencastre (1694-1702).


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1600 — Filipe III proíbe a agricultura, o trabalho privado aos estrangeiros, repatriados e exilados muitos deles, impedindo o acesso de outros ao Brasil: leis renovadas em 1627.
1601 — “Prosopopéa”, de Bento Teixeira, do Porto, primeiro poema épico escrito no Brasil. Os Holandeses em Malaca. Bandeirantes Paulistas vão às cabeceiras do rio de S. Francisco.
1602 — Funda-se a Companhia das Índias Orientais.
1603 — Pedro Coelho é mandado em expedição ao Ceará, onde funda a efêmera Nova Lisboa.
1605-8 — Os índios são proclamados livres.
1607 — Cinde-se, de novo, o Governo Geral em dois, Bahia e Rio.
1608 — Tentativa frustrada de ocupação do Ceará.
1609 — A condição dos índios, mesmo selvagens, equiparada à dos colonos: os Jesuítas curadores dos índios.
1610 — Conquista do Ceará por Martim Soares Moreno.
1612 — Nova expedição francesa ao Maranhão: fundação de S. Luiz.
1613 — Fundação de Fortaleza, no Ceará.
1614 — “Histoire de la Mission de Péres Capucins en l’isle de Maragnon”, de Claude d’Abbeville.
1615 — Conquista do Maranhão. Fundação de Belém do Pará. Fundação de Cabo Frio. “Histoire des choses plus memorables advenues en Maragnon”, de Yves D’Evreux.
1618 — “Diálogo das grandezas do Brasil”, publicado de 1887 e 1930.
1621 — O Estado do Maranhão independente do Brasil. Funda-se em Holanda a Companhia das Índias Ocidentais.
1623 — Exploração do Amazonas; reconhecimento do delta, por Vasconcelos, Maciel e Teixeira, batendo índios e feitorias holandesas e francesas que aí estavam estabelecidas. Paulistas bandeirantes vão até Aquidauana, destroçando missões Jesuítas espanholas do Paraguai.
1624 — A Bahia cai em poder dos Holandeses. Alvará pondo limites à escravidão dos índios, no Pará e Maranhão. Francisco Coelho de Carvalho, 1.º governador do Estado do Maranhão (Pará e Maranhão separados do Estado do Brasil).
1625 — Restauração da Bahia, dos Holandeses.
1627 — Nova invasão da Bahia pelos Holandeses. Queda de Olinda em poder dos Flamengos. “História do Brasil”, de Fr. Vicente do Salvador, publicada em 1889.
1628 — Antônio Raposo Tavares, com 900 mamalucos e 2.000 índios, destroça as missões de Guairá.
1631 — Batalha naval entre as esquadras de Oquendo e Pater. O bandeirante Frederico de Melo, com 800 mamalucos e 3.000 índios, torna a atacar as reduções dos jesuítas do Paraguai em Guairá.
1632 — Deserção de Calabar.
1635 — Retirada de Matias de Albuquerque.
1636 — Batalha de Mata Redonda, morte de D. Luiz de Rojas y Borja.
1637 — Pedro Teixeira, com 70 soldados e 1.000 índios, sobe o Amazonas, funda uma colônia à foz do Agaripe, vai até Quito, donde torna ao Pará. Chega João Maurício de Nassau a Pernambuco. Batalha da Barra Grande.
1638 — Nassau tenta contra a Bahia, sendo batido.
1639 — Carta-régia que delimita a jurisdição territorial das ordens religiosas no Amazonas: Jesuítas, margem; Franciscanos, regiões do Cabo Norte, até o Rio Urubu; Carmelitas, o Rio Negro.
1640 — Derrota do Conde da Torre, depois de quatro batalhas navais. Retirada de Barbalho. Nova invasão da Bahia, pelos Flamengos. Restauração de Portugal e Brasil, do poder de Espanha. Primeira assembléia legislativa eleita (Cabinos), reunida por Nassau, no Brasil.
1641 — Ocupação do Maranhão, pelos Holandeses. “Nuevo descubrimento del gran rio de las Amazonas”, do Pe. Christobal de Acuña.
1644 — Os Holandeses repelidos do Maranhão. Nassau deixa o Governo do Brasil Holandês.
1645 — Insurreição de Pernambuco contra os Holandeses. Batalha do Monte das Tabocas. Tomada da Casa Forte. Derrota da armada de Serrão de Paiva. Principado do Brasil.
1646 — Ordens severas do Rei D. João IV.
1647 — Ocupação de Itaparica. “Rerum per octennium in Brasilia”, de Gaspar Barlaeus.
1648 — l.ª Batalha dos Guararapes (19 de Abril). “Historia Naturalis Brasiliae”, de G. Piso e G. Marcgrav. O “Valeroso Lucideno”, de Fr. Manuel Calado. Morre, no Arraial Novo, Antônio Filipe Camarão, chefe índio que pelejou, com os seus, por nossa causa.
1649 — 2.ª Batalha dos Guararapes (17 de Fevereiro). Fundação da Companhia Geral de Comércio.
1651 — Os Holandeses tomam o Cabo de Boa Esperança.
1652 — Segundo Tribunal de Relação, na Bahia.
1654 — Capitulação dos Holandeses na Campina do Taborda: vitória final, 26 de Janeiro.
1655 — Os Franceses estabelecem-se na ilha de S. Lourenço ou Madagascar. Os Jesuítas na Serra de Ibiapaba.
1661 — Paz de Portugal com Holanda. Expulsão dos Jesuítas do Maranhão.
1662 — Morre, no Recife, Henrique Dias, chefe negro que pelejou, com os seus, por nossa causa.
1663 — “Crônica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil”, do Pe. Simão de Vasconcelos.
1664 — Bandeiras paulistas de Antônio Rodrigues, Arzão e Baião Parente, à Bahia.
1668 — Missão de Fr. Teodósio, no Rio Negro. Pelo Tratado de Lisboa, Filipe IV reconhece a autonomia de Portugal, sem restituir Ceuta.
1673 — Bandeira de Domingos Afonso, do São Francisco aos Sertões do Piauí. Bandeira de Fernão Dias Pais Leme, de São Paulo aos Rios Doce e São Francisco.
1676 — Arcebispado da Bahia; Bispado do Maranhão, de Pernambuco e de Rio de Janeiro.
1678 — Fundação da Colônia do Sacramento.
1679 — “Castrioto Lusitano ou História da Guerra entre o Brasil e a Holanda”, de Fr. Rafael de Jesus.
1680 — Lei protetora da liberdade dos índios: os Jesuítas, administradores temporais e espirituais deles.
1682 — Companhia de Comércio do Maranhão. Anhanguera em Goiaz.
1684 — Revolta de Bekmann, no Maranhão.
1687 — Guerra contra os Quilombos de negros fugidos.
1689 — O poema “Descobrimento de Esmeraldas”, de Diogo Grassão Tinoco.
1693 — Bandeira de Antônio Rodrigues Arzão, de Taubaté ao Rio Doce e Vitória do Espírito Santo.
1694 — Primeira fundição de ouro em Taubaté. Bandeira de Bartolomeu Bueno de Cerqueira, de São Paulo a Vila Rica.
1695 — Destruição do quilombo dos Palmares.


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VI
Terceiro Século
Emboabas. — Mascates. — Os Franceses no Rio de Janeiro — “Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas”. — As minas gerais — Limites com Espanha. — Os Jesuítas expulsos. — Pombal. — Sintomas de rebeldia.

EMBOABAS
A intrusão dos Filipes, príncipes estrangeiros, no sistema dinástico português; a experiência holandesa, sobretudo no período de Nassau (1637-44); os protestos contra a autoridade dos Jesuítas, protetores dos índios, culminando na prisão e expulsão de Vieira (1661); a rebeldia aos privilégios e monopólios, começada com Bekemão, os próprios negros servis rebeldes em Palmares... fizeram, no século XVII, um tirocínio de vacilação do lealismo, de enfraquecimento da autoridade, de vantagens da autonomia, da necessidade de justiça e equidade, que se prolongaria em mal-estar, rebeliões e graves conseqüências políticas posteriores.

As bandeiras devassadoras do Sertão, se despovoavam a floresta, escravizando os índios descidos ao litoral, iam abrindo caminhos, fundando roças e povoados no percurso, pequenas explorações felizes, conflitos mortíferos de interesses, sacrifício de bens, comodidades, saúde, até da vida, em busca da compensação das minas. Em 1700, precisamente, Manuel de Borba Gato, genro de Fernão Dias Pais Leme, divulga a notícia do achado das minas de Sabará, terras altas e centrais ao norte da Capitania de São Paulo. De toda a parte afluem os ambiciosos e aproveitadores, adventícios que chegam e levam o melhor partido. Tais aventureiros estranhos e sem escrúpulo, povo atraído pelas minas, chamados desprezivelmente “Emboabas” pelos Paulistas e seus parciais, descobridores das minas, disputam-lhes a posse destas. É a guerra dos “Emboabas”. Entre estes estão colonos de toda a parte e reinóis. No primeiro conflito os Emboabas, comandados por Manuel Nunes Viana, vencem e escorraçam os Paulistas, da bandeira de Domingos da Silva Monteiro. No recontro do rio das Mortes, nome que celebra a chacina de Bento do Amaral Gurgel, chefe emboaba, este antecipa o ataque aos Paulistas, que tornaram, depois de reforços, e passa os sitiados e vencidos à espada, coberto o campo de mortos e feridos.

Daí também o nome de Capão da Traição. Com esse êxitos, proclamam os Emboabas governador das minas a Nunes Viana, que, confiado, arrosta ao próprio capitão-mor Dom Fernando de Lencastre, o qual se retira a buscar contigentes para o castigo. O governador do Rio, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, sobrevém e consegue a submissão de Nunes Viana, com promessas de paz. Os Paulistas volvem, doidos da injustiça, aos seus lares, mas, recebidos com desprezo pelas próprias esposas, resolvem tornar atrás, reorganizados, sob o mando de Amador Bueno da Veiga. Não consegue detê-los o Governador, em Taubaté, e manda prevenir os Emboabas do perigo próximo. Com efeito, a situação vai ficando desesperada, quando se anuncia que socorros numerosos chegam para os sitiados. Durante a noite os Paulistas levantam o acampamento e os Emboabas são salvos. Novos empreendimentos. Mas o governo acorreu com providências, pondo o governo na Capitania: foi desligada a Capitania de São Paulo e Minas da do Rio de Janeiro, e nomeado Capitão-mor o mesmo Antônio de Albuquerque.

Os Paulistas bandeirantes ficam sem as minas que descobriram, mas é o Brasil quem vence; afinal, com as minas achadas e exploradas e as cidades do interior que se fundam, em torno das catas. É a posse do sertão realizada. Esses Paulistas, não se esqueça, são Portugueses e neo-Portugueses, de S. Paulo.

MASCATES
Em 1710 é uma reação sedentária, mas parecida, que se pronuncia ao Norte: são os “Mascates” e a sua guerra. Os proprietários de bens e engenhos em Olinda não viam com bons olhos o progresso do Recife, onde negociantes, reinóis a maior parte, enriqueciam e prosperavam pelo trabalho. Ao ser o Recife elevado à categoria de vila e ao proceder-se à delimitação do termo, o procedimento leviano do governador Sebastião de Castro Caldas provocou censuras, correm boatos de deposição, alvejam-no mesmo com um tiro, onde prisões e perseguições. Subleva-se o povo e o governador foge para a Bahia; os rebeldes ocupam as fortalezas do Recife e fazem desordem. O Bispo, Dom Manuel Álvarez da Costa, assume o governo, propondo o perdão das ofensas, que chega com o novo governador Filipe José Machado, o qual ordena aos do Recife entreguem as fortalezas e, aos de Olinda, suspendam o cerco, no que foi obedecido. Mas novo levante começa, com atentado contra o governador Machado, novas prisões, nova devassa, principalmente da facção “nobre”, de Olinda. Por fim foi restaurada a vila do Recife, reerguido o seu pelourinho: o que tem de ser traz força. Olinda continuou sua decadência... merecida.

OS FRANCESES NO RIO DE JANEIRO
Em todos os séculos da história do Brasil temos uma questão com a França. Repelidos no Maranhão, haviam-se estabelecido na Guiana e pretendiam agora que o seu limite, o Oiapoc, ia até o Amazonas. Com o erro de geografia coincidiu alerta dos nossos, na fronteira e vizinhanças, de modo que em 1700 o Embaixador Rouillé assinou em Lisboa um tratado provisório e suspensivo, que adiava a solução do litígio. Obrigada a isso por outras ambições políticas, limitou-se a França ao Oiapoc e deixou em paz o Amazonas. Esta questão só no século XX será decidida por arbitragem.

Decorridos alguns anos, tentaria outra fortuna pelas armas. Em 1695 Des Gennes tenta alguma coisa no Rio e em 1708 Duclerc saqueia povoações em Pernambuco, aprisionando navios. Em 1710 vem esse Charles Duclerc ao Rio de Janeiro, entrando a barra com seis navios e, temendo resistência, retira-se, desembarcando fora da baía, em Guaratiba, mil homens de combate. Toda uma semana gastaram por matas e banhados para se aproximarem da cidade, acampando no Engenho Velho. Daí marcharam, sem grande resistência, até o centro da cidade, até o porto. A resistência organizou-se com estudantes e populares, a mando de Gregório de Morais, mestre de campo e irmão do Governador Francisco de Castro, que, fraco e incapaz, se ausentara. Metidos num trapiche, à ameaça de se atirar fogo a barris de pólvora, não vendo chegar por mar o recurso da esquadra, renderam-se os Franceses. A fácil vitória amotinou a população, que se entregou ao covarde morticínio de vencidos ou rendidos. Duclerc, prisioneiro, teve a cidade por menagem e travou relações de boa amizade: seis meses depois amanheceu, no leito, assassinado.

Em França, onde chegaram tais notícias, preparou-se empresa de represália e vindita. René Du Guay Trouin, reunindo elementos de mercadores e do Estado, armou 16 navios da marinha real, quatro de particulares, com tripulação e soldados para desembarque, ao todo mais de cinco mil homens, e a 12 de Setembro de 1711 apresentou-se, oculto pelo nevoeiro, já dentro da baía de Guanabara. A cidade teve notificação do assalto pela artilharia. Apesar de prevenidos, as disposições tomadas foram insuficientes e nas fortalezas e navios tínhamos apenas dois mil e oitocentos homens mal armados. A fortaleza de Villegaignon, tendo-se ateado fogo num paiol de pólvora, explodiu. A ilha das Cobras, abandonada, foi ocupada contra nós. O governador inoperante, como o capitão de frota descuidado, pouco puderam fazer. Desembarcados os Franceses, em três brigadas, atacaram a cidade pelos lados e centro. Du Guay Trouin, ao som do tambor, intimou à rendição, exigindo punição para os assassinos de Duclerc e trucidação dos prisioneiros. O governador Francisco de Castro Morais declarou que defenderia a cidade até “a última gota de seu sangue” e, com efeito, fugiu para Iguaçú, a 10 léguas da povoação. Então, foi o bombardeio à cidade e o pânico, a deserção, o tumulto, a confusão, o Rio abandonado à sua sorte, a 22 de Setembro. No saque colaboraram uns 200 ou 300 prisioneiros de Duclerc, que se libertaram e chamaram os seus. Du Guay Trouin teve de passar pelas armas alguns dos mais ferozes depredadores, para manter a disciplina. O resgate da cidade foi conseguido por 600.000 cruzados em dinheiro, 100 caixas de açúcar, 200 bois, além de gêneros, pratas, jóias, alfaias, tudo o que saquearam: calculado em 30 milhões, do Estado, e 12, dos particulares, o esbulho. Retiraram-se os assaltantes a seus navios, apenas em terra os que negociavam a paz e esperaram o pagamento. Confraternizavam e mostravam-se corteses.

Os recursos esperados de Minas, sob o mando de Antônio de Albuquerque, chegaram uns vinte dias antes da partida dos Franceses: eram 6.000 homens, mas desprovidos de munições. Acamparam a quatro léguas da cidade, observando a retirada do inimigo, que, confiado, comerciava com a população, comprando o que podia e vendendo até dois mil e oitenta barris de pólvora... A partida foi a 13 de Novembro. “Tão namorados foram da terra, diz um correspondente do tempo, que é de temer voltem para o ano”. Com efeito pensaram nisso. (Southey, Hist. of Brazil, cit. 3, 131). Apesar da perda de três navios carregados de opimos despojos e dinheiro, a empresa produziu 25 a 30 milhões de cruzados: tiveram os sócios um lucro de 92 por cento. Por ironia, o pirata francês elogia o governador: encarecia sua proeza. Tem sua estátua no Castelo de Versalhes, logo à entrada. A França vingara, de uma vez, todas as mal sucedidas empresas anteriores. Castro Morais teve os bens confiscados e desterro para a Índia. O povo deu-lhe o apelido de “Vaca”.

“CULTURA E OPULÊNCIA DO BRASIL POR SUAS DROGAS E MINAS”
De 1711 é este livro, inventário documentado do país no começo do século XVIII. Escreveu-o o Padre Jesuíta João Antônio Andreoni, identificado, por Capistrano de Abreu, como André João Antonil, que o subscreve, usando de criptograma, só esclarecido em 1886. Impresso com todas as licenças do tempo, chegando o revisor do Santo Ofício a escrever que se poderá estampá-lo com letras de ouro, foi tão bem seqüestrado e supresso, que caiu sobre ele o silêncio, e só ressurgiu, pelos raríssimos exemplares escapados, mais de século depois. É que o livro é repositório de informações sobre o Brasil, a causar cobiça e fazer iniciativas malfazejas... Antonil descreve por miúdo a lavoura da cana e a indústria do açúcar... “Do que padece o açúcar desde o seu nascimento na cana, até sair do Brasil!” E vêm as mais pertinentes informações sobre o senhor de engenho, a escravatura, os feitores, o produto obtido, seu trato, acondicionamento, tipos, o que custa e o que produz. Havia então, em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro 528 engenhos que produziam 37.020 caixas de 35 arrobas cada uma (mais de meia tonelada). Mas não fica aí. Antonil trata de minerações, cujo defeito reconhece, (são “as melhores minas do Brasil os canaviais e malhadas em que se planta o tabaco”); o quinto, que justifica, história das entradas e bandeiras, o modo de tirar o ouro e a prata, não esquecendo a moral, “os danos que tem causado ao Brasil a cobiça, depois do descobrimento do ouro nas minas”. “Nem há pessoa prudente que não confesse haver Deus permitido que se descubra nas minas tanto ouro para castigar com ele ao Brasil, assim como está castigando no mesmo tempo tão abundantemente de guerras, aos europeus com o ferro”. (Antonil é historiador moderno e clarividente). Não falta o tabaco. Hábito indígena, levado à Europa, apesar dos protestos dos moralistas (o bispo Sardinha excomungou o donatário Vasco Fernandes Coutinho por fumar...). Já em 1693 é tão urgente, que na América, diriam a um piedoso, com desejos de fundar universidade para salvação de almas: “Damn your immortal soul. Grow tobacco!” O fumo era a volúpia universal um século mais e Antonil já estuda a planta, como se semeia, se limpa, tiram e curam as folhas, as cordas, os modos de uso, etc. (Fumar era então “beber fumo”, tragar a fumaça, como ainda se diz. O cachimbo, o rapé, os usos médicos do tabaco, os abusos...)

O seu melhor editor, Afonso de Taunay, conclui sabiamente: “encerrando o seu trabalho, faz Antonil o resumo — de tudo o que vai ordinariamente cada ano do Brasil para Portugal e do seu valor, discriminando a valia das diversas grandes verbas, açúcar, tabaco, ouro, couros e pau-brasil, num total de 3.743:992$800, quase nove e meio milhões de cruzados. Guardadas as proporções e levando-se em conta a capacidade de aquisição da moeda, então e agora, e computando-se a população do país num milhão de civilizados, talvez, era a exportação brasileira, per capita, muito mais elevada que hoje”. (Afonso de E. Taunay, prefácio, in André João Antonil — Cultura e Opulência do Brasil, S. Paulo, 1923, p. 19). “Não deixará (isso) de causar a maior admiração”, diz Antonil, o que é verificação e profecia.

AS MINAS GERAIS
A América espanhola havia logo dado à metrópole o Eldorado que as navegações procuravam, em ouro e prata. Portugal foi menos feliz. Os índios, parece, indicavam aos primeiros navegantes haver o precioso metal em terra (Carta de Pero Vaz, in Alguns documentos... do Tombo, cit. p. II). Andou-se, depois, à procura. Na divisão em dois governos, o do sul visava as minas. As bandeiras, por fim, acharam-nas: a princípio escassas, chegou-se finalmente à abundância, e tantas que foram as “Minas Gerais”; dois séculos se levaria para isso. A primeira fundição faz-se em 1694 em Taubaté. Em 1698 é o triunfo. A fundição reduz o ouro a barras, amoeda-o e cobra o quinto real, imposto da Coroa. O ouro del-Rei vai na nau dos “quintos” e o dos particulares gasta-se nas aquisições, no reino e na colônia, dos produtos estrangeiros que usa o país. O ouro não faz senão transitar. O beneficiário é a Inglaterra, cujas indústrias, excedentes ao consumo interno, vêm para Portugal e Brasil. Pelo Tratado de Methwen, negociado sob Pedro II em 1702, há tarifa preferencial para os vinhos portugueses em Inglaterra e importação franca de panos ingleses do outro lado.

O ouro da Coroa gastou-se nas obras suntuárias de Dom João V, das quais basta citar as do colossal e inútil convento de Mafra; as da riquíssima capela de São João Batista em S. Roque, feita em Roma, de lápis-lazúli e ouro, cujos paramentos, da maior riqueza, fazem um museu de indumentária religiosa incomparável. Gastou-se em embaixadas suntuosas, em presentes magníficos, remunerações quantiosas, um fausto que o Museu dos Coches em Lisboa ainda atesta, que atesta a talha doirada desse relicário, que é a Biblioteca da Universidade de Coimbra. Dom João V não foge à imitação ou à moda do tempo — teve amantes mesmo nos conventos (Odivelas foi retiro galante) e bastardos, colecionados até num paço — donde os meninos de Palhavã — e Luiz XIV e Versalhes, e as concubinas (aquelas que Frederico da Prússia chamaria Cotillon I, II, III, etc.) e seus filhos, — não deixariam de estar presentes à Corte de Portugal...

Nesse escândalo de Dom João V esquece-se a proteção dispensada às artes e às ciências, as escolas, as academias, os aquedutos e os hospitais, e o que o fausto produz de animação à sociedade. Esse fausto, porém, tem de ser medido em dinheiro. O exagero é sempre bem-vindo. Rocha Pita disse: “A cópia de ouro que as minas lançam das suas veias é infinita, e o número das arrobas que delas se tiram quase impossível saber-se...” (Hist. da América Portuguesa, 1. VIII, §§ 58 a 63). “Ilusão da desordem”, diz um economista historiador. .. “achamo-nos em face de quantias quase modestas: 269 milhões de cruzados em trinta e três anos; 8 milhões e pouco ao todo, cada ano, para particulares e para o rei. E como, teoricamente, pertencia a este o quinto do ouro e diamantes, tocar-lhe-iam menos de 54 milhões, um ano por outro cerca de 655 contos.” (J. Lúcio Azevedo — op. cit., p. 382).

Esses dados vêm de extrato de publicações oficiais feitas pelo Visconde de Santarém (Quadro elementar das relações diplomáticas, t. 5.º, Introdução, p. 248-9 e 262-5). “Da relação como está organizada, constam, desprezando as frações, 51 milhões para a coroa, 79 para os particulares e 137 sem designação. É provável acharem-se incluídas na última parcela, somas pertencentes ao Estado, mas há pouca aparência de exceder muito o total, os 55 milhões, em que o quinto podia importar” (J. Lúcio, op. cit., p. 382). Ora, somando as três parcelas, 51 milhões da Coroa; 79, dos particulares; 137, sem designação: tem-se 267, de que 51 é pouco menos do quinto; além desse quinto teria vindo para particulares, no Reino 79; no Brasil teriam ficado 137 milhões, que viriam, com demora relativa, ao reino, para pagamentos. O contrabando, que escapava ao fisco, aumentava a quota que ficava na terra(1). Parece óbvio: a estatística oficial feita em Portugal refere-se ao dinheiro ou ouro recebido diretamente. O ouro do Brasil, portanto, mais de metade, serviria ao próprio Brasil.

Mais perto, e com as responsabilidades de ministro, dobrando a parada, disse Pombal: “as minas de ouro no Brasil produzião anualmente vinte e quatro milhões de cruzados”. “Depois do descobrimento das minas, isto é, ha sessenta anos sahirão do Brasil quasi mil milhões de cruzados. Isto he fato verdadeiro, os manifestos de cada frota, que trouxerão ouro para a Europa, desde o reinado do Sr. D. Pedro II, andão em Portugal entre as mãos de todos”. (Cartas e outras obras do Marquez de Pombal, Lisboa, 1832, t. IV, p. 112, 127).

Esse ouro, na época, diz Simonsen, exerceu influência sobre as trocas comerciais do mundo e a Inglaterra, principalmente, o recolheu às suas reservas, depois de transitar apenas por Portugal. O desenvolvimento capitalista e industrial da Europa no fim do século XVIII, disse Werner Sombart, teria sido impossivel sem a penetração impetuosa e estimulante do ouro brasileiro. De um cálculo global João Lúcio de Azevedo (op. cit., p. 383) diz: “perfaz tudo (renda dos quintos) 107 milhões de cruzados nos quarenta e quatro anos de reinado (de Dom João V), quantia de vulto para o tempo, mas de nenhum modo de proporções fabulosas, como nos habituaram a imaginá-los, os historiógrafos, fundados na tradição”. Ora, 107 é quinto de 535, portanto 428 milhões de cruzados renderiam as minas do Brasil, para os Brasileiros e Portugueses no Brasil: mais de metade ficaria na terra de origem: todo entretanto com relativa demora se iria ao estrangeiro, para a aquisição das utilidades da vida. Mais dia, menos dia, à Inglaterra. O próprio citado Pombal (op. cit., p. 112,123-4, etc.) diz que os 24 milhões de cruzados anuais serviam para pagar 28 de importações inglesas. “À mesma medida que o ouro do Brasil se vasou na Gran-Bretanha produziu ahi a terra mais”. “Os progressos das artes tiveram a mesma causa. O metal do Brasil pôs em movimento a indústria desta nação, que antes falecia”. Assegura, finalmente, Pombal, que a moeda circulante em Inglaterra era menos comum com a efígie de seu rei, do que com a de D. João V... Já a bolsa de Desdêmona, no “Otelo”, de Shakespeare, publicado em 1622, está cheia de cruzados, my purse full of cruzadoes (Act. III c. IV) mas esse não seria do Brasil... Já de antes o ouro português (os guinéus, moeda de ouro, aludem à Guiné) ia à Inglaterra.

LIMITES COM ESPANHA
“Tratado de Madrid” (1750). Os Portugueses tinham ido ao Rio da Prata, antes de Solis: Vespúcio, a mando de Dom Manuel, segundo disse ou dizem intérpretes por ele, e outros navegadores da costa do Brasil.

O Tratado de Tordesilhas pusera lealmente Portugal no respeito à posse de Castela. Dom Pedro II manda fundar uma colônia limite, entre os dois domínios vizinhos, margem esquerda e direita do Prata. É o que faz Dom Manuel Lobo, governador do Rio de Janeiro, lançando as fundações, a 1.º de Janeiro de 1680, da fortaleza e da Colônia do Sacramento. Mas, na Guerra-de-Sucessão de Espanha, Portugal, ao lado de Inglaterra, forma contra a França, e Castela promove um ataque do governador de Buenos Aires em 1704, sendo os Portugueses, depois de um sítio de seis meses, obrigados a incendiar suas posições e a refugiarem-se no interior (1705). Pelo Tratado de Utrecht (1715), feitas as pazes, Castela obrigou-se a restituir a Colônia, mas entrega apenas o sítio ocupado, fundando junto Montevidéu (1724), onde se fortificou. Nova guerra de limites, entre Espanhóis de Montevidéu e Portugueses do Sacramento, terminada em 37 com o Tratado de Paris. Finalmente, em 1750, último ano do reinado de Dom João V, firma-se o Tratado de Madrid, definidor dos limites das duas potências. Os Espanhóis conseguem a posse da Colônia do Sacramento, em troco dos Sete Povos das Missões do Uruguai. Do lado português, fora um dos diplomatas mais capazes o brasileiro Alexandre de Gusmão. Parece ter sido boa, ou pelo menos equitativa a barganha, porque ambos os países, depois, se pretenderam logrados. A invocação de Tordesilhas já não prevalecia, pois que os Espanhóis a violaram nas Filipinas, e os Portugueses ao Norte e Noroeste do Brasil; a ocupação prevaleceu do lado espanhol, mas não do nosso, e vai dar lugar a conflito, como veremos. Em todo o caso, Madrid revoga Tordesilhas.

Sobrevindo no trono Dom José I, seu Ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo, depois Marquês de Pombal, trata de executar o Tratado de Madrid, para evitar futuras pendências. Para o Norte vem nomeado governador do Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Ministro, que não traz propósitos agressivos contra ninguém, nas determinações do governo da colônia: os limites são a primeira preocupação.

JESUÍTAS
Ora, ao sul da Colônia, e no Reino, fator novo vem complicar tudo e dar aspecto trágico à situação. O comissionário português enviado para demarcação e posse, Gomes Freire de Andrade, nada conseguindo, retira-se, em 59, para o Rio. É que os Sete Povos das Missões do Uruguai, dirigidos por Jesuítas espanhóis, não podiam ver com bons olhos uma dominação portuguesa, num sítio, tão cruel e barbaramente devastado pelos Paulistas de Antônio Raposo, desde o século anterior (1629) e consecutivamente. O confessor de Fernando VI na carta ao Cardeal Porto Carrero, embaixador da Espanha junto à Santa Sé, informava que os Portugueses (para a atual glorificação dos “bandeirantes” são agora “Paulistas”) saíam todos os anos à caça de índios para escravos supondo que no espaço de cem anos tinha morrido mais de 300.000 e autores havia que os calculavam em 500.000. Daí a justa oposição que fizeram esses “povos” e com eles os Padres seus imediatos missionários. Oposição, pois, dos índios e dos Jesuítas espanhóis de Guaírá, e, na sombra, oposição de Espanha. Para Portugal, a oposição era, complexivamente “dos Jesuítas”, o que foi monstruosa injustiça. Ao norte o velho conflito dos reinóis contra os padres, protetores dos índios, sempre reaberto pela contínua escravização deles, ia novamente acender agora, aí também, a oposição a esses Jesuítas, “culpados” de tudo.

Esta Companhia de Jesus, milícia do Papa, instituída para fortalecê-lo e como reação anti-herética ao Protestantismo, adquirira imenso prestígio, fora e dentro da Igreja. Um voto especial ao Pontífice; confessores dos reis e das cortes; mestres dos sábios e da nobreza, e de quantos contavam no mundo, — aos próprios religiosos de outras ordens monásticas eles faziam sombra. Donde inimigos por toda a parte, os raios que as eminências desafiam. Os tempos de liberalismo, Aufklärung ou iluminismo, de falência da autoridade, iam indispor esses Jesuítas com o mundo moderno. A luta, latente na Europa, acende-se no Brasil.

Em 55 Pombal anula a jurisdição dos Jesuítas sobre os índios, acusados os padres de impossibilitarem a execução do tratado de limites, tanto no Maranhão, como no Paraguai e Uruguai. Obtém da Santa Sé um breve, de 1.º de Abril, encarregando o Cardeal Saldanha de visitador e reformador da Companhia de Jesus em Portugal. A 15 de Maio este Cardeal ordena que os padres não possam fazer comércio(2). Era canônica a regra, mas o comércio era das colônias de índios, elementos vitais a produção e a troca, e isso dava-lhes invejável prosperidade: é o golpe de morte nas missões jesuíticas do norte do Brasil. Não eram apenas Jesuítas: eram 60 as aldeias do Pará e Maranhão: 5 administradas pelos religiosos das Mercês, 12 pelos Carmelitas, 15 pelos Capuchinhos e 28 pelos Padres da Companhia. (Essa acusação, de comércio, pesou no tempo, apenas julgadas as colônias jesuítas “religiosamente”: como fazer prosperar um agrupamento humano, organizado e crescente, sem produção e portanto sem indústria, comércio, troca e aquisição de bens? É infantil a acusação. Esse escambo não era para os Jesuítas, senão para os colonos: é toda a defesa deles). Em Lisboa, é retirada aos Jesuítas a faculdade de confessar e pregar no Patriarcado. Em 20 de Abril de 59 Dom José escrevera ao Papa, acusando os Jesuítas “de persuadirem com as suas doutrinas e de promoverem com os seus conselhos e promessas o horroroso insulto do atentado contra a vida de El-Rei, ocorrido a 3 de Setembro de 58, pelo que resolve mandar sair, sem maior dilação, os sobreditos Religiosos destes Reynos, Congregação que tantas e tão custosas e decisivas experiências tem mostrado incompatível com a paz e a tranqüilidade pública”... É consumada a expulsão dos Jesuítas. Os do reino e colônia são presos, maltratados, guardados à força antes de embarcados para Itália; os do Brasil vão por aí: do Pará e Maranhão, 115; 119 de Pernambuco; da Bahia 117 ou 177; do Rio e S. Paulo, 199; somam os números de Varnhagen (op. cit. IV, p. 178) 550 a 610. Que imenso prejuízo, esses mais de seiscentos professores e administradores, ao Brasil, deles sempre escasso!

E Portugal, Dom José, Pombal, os Portugueses, seus colonos, continuavam nas práticas católicas, servidos pelas outras ordens monásticas e com um clero secular obediente e, às vezes, exultante. Mas não só em Portugal a tempestade: em 61 a França, e em 67 a Espanha e Nápoles, expulsam os Jesuítas. Finalmente, o Pontífice Clemente XIV, em 73, extingue a Companhia de Jesus... Pombal não seria o autor disso tudo.

Não se podendo cumprir o Tratado de Madrid ao sul, a posse nominal da Colônia do Sacramento fica portuguesa, pelo acordo de 61. Ao norte os limites não são mais felizes, mas Francisco Xavier de Mendonça Furtado empreende, sem proveito, por leigos, refazer as colônias florescentes dos Jesuítas: o norte, que teve efêmero prestígio econômico outrora, pára, em breve decadente. Os Jesuítas foram os educadores do Brasil infante. “Durante duzentos e dez anos (1549-1759) — diz Capistrano de Abreu — a sua atividade em nossa terra deve ter sido considerável. Deve ter sido, porque no atual estado de nossos conhecimentos, é impossível determiná-la com precisão. Uma história dos Jesuítas é obra urgente(3); enquanto não a possuirmos, será presunçoso quem quiser escrever a do Brasil. Pouca, muito pouca inteligência revelam os ataques dirigidos contra ela, a Companhia de Jesus. Instintivamente a simpatia volta-se para os discípulos e companheiros de Nóbrega, Anchieta, Cardim, Vieira, Andreoni, os educadores da mocidade, os fundadores da lingüística americana”. Muito mais: a moral da colônia nos primeiros dias, a fundação das cidades, da Bahia, São Paulo, Rio, com o conselho e o auxílio dados a Tomé de Sousa e a Mem de Sá; a defesa contra os Franceses; a prosperidade das Missões no Maranhão e no Pará; a penetração no vale e na selva do Amazonas; sempre, e por toda a parte, a cultura, o ensino primário, o de humanidades, o superior. “Em Minas até 1776, diz Pedro Calmon, não havia uma escola, porque lá não foram os Jesuítas”. Vergílio já no século XVI era ensinado no Brasil e com o que, no começo do século XVII, aqui aprendeu Vieira, daria para ofuscar os púlpitos da Europa. Os Jesuítas foram vítimas da inveja universal, bem humana, a que não escaparam — quem o diria!? — os mesmos leigos católicos, o mesmo clero regular e secular da Igreja... Um exemplo só e simbólico dessas injustiças: quem queima vivo o pobre P.e Malagrida, velhinho místico, sem importância política, é o Santo Ofício da Inquisição. O protestante Southey na sua História do Brasil não poupa elogios a esses Jesuítas...

O introdutor à tradução brasileira dessa obra, o Cônego Fernandes Pinheiro, não perde ocasião de os achincalhar e acusar, nas suas notas (cf. História do Brasil, trad. do inglês de Roberto Southey pelo Dr. Luiz Joaquim de Oliveira Castro, Rio, 1862, t. VI, págs. 25, 27, 34, 51, 83, 88, 120, etc). A penitência não deve ser apenas leiga.

Mas, demos seguimento às pendências hispano-portuguesas. Em 54 na confluência do Jaurú e do Paraguai, latitude 16º24’, um marco limitante é plantado entre posses portuguesa e espanhola, mas não acabou. Durante quinze anos é a guerra (61-77) e é a ocupação do Sul pelas forças de Cebalos, que chegam ao Rio Grande (62) e Santa Catarina (77). Enfim, nesse ano, o Tratado de Santo Ildefonso arruma as coisas: restituem os Espanhóis Santa Catarina e Rio Grande, mas conservam a Colônia do Sacramento. Não é a última palavra, mas, ao cabo, será a definitiva.

POMBAL
Pombal aboliu a Inquisição e a distinção funesta de cristãos velhos e novos, que havia arruinado o comércio e a indústria de Portugal, não somente no reino, senão também nas Índias. Inglaterra e Holanda, que se substituíram a nós em prestígio econômico, devem a eles, os Judeus, parte dos seus capitais e sua competência financeira. Nesse mundo, é principalmente de pão que vive o homem. Felizmente o Brasil foi poupado à intolerância religiosa: a última vítima da Inquisição, mas em Portugal, foi Antônio José, o comediógrafo brasileiro, acusado de sangue judeu, o que não impediu Southey de havê-lo como o teatrólogo lusitano que segue a Gil Vicente.

O estadista prestou numerosos benefícios ao Brasil. Foram extintos os direitos subsistentes dos antigos capitães-mores, compradas as capitanias que perduravam. Porto Seguro e Ilhéus foram anexados à Bahia. Os governadores passam ao Rio, — agora capital do Vice-Reino, o Conde da Cunha o 1.º Vice-rei — centro do extenso país; Bahia e Pernambuco têm governos especiais. A liberdade dos índios, tão insistida, e de tanto tempo, pelas leis de 1570, 95,1605, 8, 9, 24, 80, é uma vez, e pela última, proclamada. A falta de braços, precária com a solução dos índios, onerosa com a escravidão africana, teve outro recurso, a imigração do reino, das ilhas, fomentada para o Brasil: só dos Açores se diz que vieram mais de 20 mil ilhéus. O comércio teve o incentivo das Companhias do Grão-Pará, de Pernambuco e Paraíba, cujas frotas, não de comércio apenas, protegeram a troca de produtos das colônias, a ponto, o fomento, que, em 1777, havia mais gêneros que meios de transporte. Bancos serviam à indústria e comércio colonial. Em pouco tempo mais de 200.000 Africanos introduzidos foram a mão de obra do Norte. As minas foram melhor ou tecnicamente exploradas. O subsídio literário, imposto sobre carne verde, 1 real por arrátel ou 459 grs.; bebidas, (1 real por canada, 2,60 l. de vinho português, 4 réis por canada de aguardente do reino e 10 de aguardente da terra); vinagre, (160 réis a pipa ou 480 l.), etc. (Carta Régia de 10 de nov. de 1772), cobrado no Brasil, para instrução pública, deu grande animação às escolas régias, substitutivas dos colégios jesuítas. Antes da Convenção Francesa, o dever da instrução popular foi assumido pelo Estado. Organizou Portugal como nação moderna, com exército, marinha, fortalezas, artilharia, dando à colônia bem-estar, que facilitou as boas relações, estremecidas entre os reinóis e os brasileiros, já preocupados com a rebeldia autonomista. A justiça, de que tínhamos fome e sede, chegou aos sertões brasileiros. Procurou reagir contra a absorção “inglesa” de Portugal, que começara depois da Guerra de Sucessão-de-Espanha, quando Portugal formava com Inglaterra, contra França e Castela: o Tratado de Methwen foi o proveito logo tirado. Para isso fomentara novas indústrias, para a independência e, com os orçamentos equilibrados, a fuga do ouro do Brasil, para suprir os deficits e o desnivelamento de importação e exportação. À Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, substitutiva das Missões Jesuíticas, infundiu braços e capitais. Não destruiu só Pombal, reconstruiu. A partida regular das frotas e, finalmente, a liberdade de navegação entre Portugal e Brasil facilitou o comércio, desenvolvendo-o como nunca. Mil pequenas e úteis providências econômicas mostram o cuidado assíduo com o Brasil. O erário régio não nos desamparou. “Teve uma preocupação dominante durante o seu longo governo: defender a todo o transe a colônia da cobiça estrangeira e assegurar a posse e o alargamento de suas fronteiras”, conclui uma página apologética de Simonsen (Op. cit., 2.º vol., p. 216). A cegueira de Portugal por Inglaterra, desde antes de el-Rei Dom Pedro II e que viria até o Brasil, teve interrupção. (Aliás é a ameaça constante da Espanha que obriga a isso, contrariando Portugal e Gibraltar o integralismo peninsular...).

SINTOMAS DE REBELDIA
Os monopólios e as vexações fiscais, desde o século anterior, promoveram os primeiros sinais de um ânimo, rebelde a Portugal, no Brasil. O Padre Antônio Vieira fora a grande voz dos púlpitos, ouvida e atendida, dessa rebeldia. No “Sermão pelo bom sucesso das armas portuguesas contra as de Holanda”, pela restauração de Pernambuco, como no “Sermão da Visitação” pela defesa econômica da Bahia, como no “Sermão de Santo Antônio”, pelo Maranhão contra Portugal, esquece-se que é português, tanto é brasileiro: há lugar no rol das vaidades para o mestre de navios “de Portugal” que, com uns trapos fora da moda, isca os pobres moradores “de nossa terra”... Chega a revolucionário, “nessa tromba que chupa na Bahia, e vai chover em Lisboa”, o fisco, e no protesto: “tudo o que se tirar do Brasil, com o Brasil se há-de gastar !” Vieira é o precursor do “nacionalismo” brasileiro, antes da hora. Portugal tudo nos deu, até isso.

Pelas vexações à esquivança no pagamento do quinto do ouro, devido à Coroa, várias sublevações, das quais a menos mortífera foi a de mais renome.

A primeira foi em Pitanguí, em 1719, chefiada por Domingos Rodrigues Prado, paulista de Taubaté, assassinado o juiz ordinário da vila e, no encontro dos rebeldes com a tropa legal, mortos vários combatentes dos dois lados. Por anônimos não são menos mártires.

Outra, em 1720, ocorreu em Vila Rica, submetido o governador Conde de Assumar pelos Confederados, cujos principais eram o Mestre de Campo Pascoal da Silva, Sebastião da Veiga Cabral, Dr. Manoel Musqueira Rosa e Filipe dos Santos, que padeceu o martírio. Foi a rebelião a 2 de julho, por um momento vitoriosa, presos os membros da Câmara, impostas condições ao governo. Mais, destribuiram, entre si, os conjurados, os cargos públicos. Uma reação do governador, doze dias após, prendeu os cabecilhas. Filipe dos Santos foi preso em Cachoeira, quando pregava essas idéias revolucionárias, enforcado e esquartejado. Por não ser brasileiro-nato não teve a nomeada de outros rebeldes, mártires revolucionários de nossa preferência. Direta ou indireta conseqüência dessa intentona foi a separação da Capitania de Minas Gerais a 2 de Dezembro de 1720, independente da Capitania de São Paulo.

A terceira rebelião, embora sem começo de qualquer execução, é, entretanto, a mais famosa das três, devido aos homens de letras que nela tomaram parte. Ela é do fim do século e obedece também à sugestão de exemplo, que viria do estrangeiro. Com efeito, é de 1776, na América do Norte, a independência de 13 colônias inglesas, que vão fazer os Estados Unidos. Estudantes brasileiros, em 86, em Monpilhér, na França, pensam em obter de Jefferson, então ministro em Paris, auxílio para uma revolução libertadora no Brasil; a conferência, realizada em Nimes, acaba em propósitos vagos. Eram Domingos Vidal Barbosa, José Mariano Leal e José Joaquim da Maia. Barbosa, volvendo ao Brasil, acha aqui, em Minas, ânimos preparados. A ele se junta o Dr. José Alves Maciel, formado em Coimbra. Conspiravam alguns patriotas, o poeta e advogado Cláudio Manuel da Costa, o poeta e magistrado Inácio José de Alvarenga Peixoto, o coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, os Padres José Carlos Corrêa de Toledo, José de Oliveira Rolim, e Manuel Rodrigues da Costa, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o “Tiradentes”, entusiasta e indiscreto, que entre os outros operava a conexão. Dizia-se que o ouvidor de Vila Rica, já nomeado desembargador da Bahia, o poeta Tomás Antônio Gonzaga, assentira e preparava as leis da futura república, para a qual Tiradentes tinha já pensado em bandeira, um gênio a quebrar grilhões, com dístico vergiliano Libertas quae soera tamen, a liberdade ainda mesmo tardia. A revolta, que irromperia por ocasião da cobrança dos quintos atrasados de ouro, além de propalada, como é a sorte das conjurações no Brasil, e em que por isso mesmo não crêem os governos, teve delatores, Joaquim Silvério dos Reis, Basílio de Brito Malheiro e Inácio Corrêa Pamplona, portugueses lealistas que de tudo informaram o Visconde de Barbacena, Luiz Antônio Furtado de Mendonça (1789-1797), governador de Minas. Não se dirá o mesmo Francisco de Paula Freire de Andrade, Francisco Antônio de Oliveira Lopes e Domingos de Abreu Vieira, conjurados e, entretanto, denunciantes.

Foi suspensa a ordem de cobrança e foram encarcerados os conspiradores. No Rio foi preso o Tiradentes. Todos submetidos a processo, foram condenados a desterro (Cláudio Manuel da Costa suicidara-se na prisão em Vila Rica) em África, e o Tiradentes à forca e ao esquartejamento. Antes, para exemplo, porque por quatro anos se arrastou o processo, sem nenhuma veemência, a criar mártires e heróis. Capistrano de Abreu reagiu contra a necessidade “republicana” de mitos heróicos e escreve uma história do Brasil “Capítulos de História Colonial”, em que omite o alferes Xavier e a Inconfidência Mineira(4). A 21 de Abril de 1789 foi supliciado, no Rio, o Tiradentes, pela forca, depois feito em pedaços que foram espalhados pelos caminhos de Minas Gerais, “para terrível escarmento dos povos”. Se imprudente na conspiração, procedeu, na prisão, no processo, no martírio, com grande e heróica dignidade. Os outros faleceram no degredo, exceto José de Rezende da Costa Filho, que chegou a empregado do Tesouro Régio em Lisboa, em 1803, deputado às Cortes, e, mais tarde, à Constituinte do Brasil (1822). Dos eclesiásticos metidos em fortaleza, depois em convento, só dois tornaram ao Brasil. Juiz desses feitos em relação, com outros juízes, foi o poeta Antônio Diniz da Cruz e Silva, autor de Hissope, de cuja intervenção, como juiz, há prova de benignidade, na intentona consecutiva, propondo, “sem hesitação”, se relaxassem os presos, o que foi mandado fazer, aproveitando ao poeta Manuel da Silva Alvarenga. Portugueses e Brasileiros (Teófilo Braga, Joaquim Norberto, etc.) o julgaram, entretanto, levianamente.

Mais grave foi a Conspiração Bahiana, de 1798. A “Mineira” não teve começo de execução, arrastou-se o processo por quatro anos, houve indulto, algumas condenações para a África e só a execução de Tiradentes. Seu relevo na historia vem dos homens de letras que nela tomaram parte. O Tiradentes foi símbolo republicano contra a monarquia; mais política que reconhecimento. A Conspiração Bahiana bem mais importante inspirava-se em princípios da Revolução Francesa, igualdade dos homens, com abolição do cativeiro, liberdade contra os abusos religiosos, forma republicana de governo. Um dos conjurados depôs que 676 pessoas conspiraram, sendo 34 oficiais de linha, 54 de milícias, 11 funcionários, 13 graduados em leis, 48 clérigos, 44 frades, 8 familiares do Santo Ofício, inferiores, soldados, negociantes, escravos, até um professor e poeta, autor do hino, Francisco Moniz Barreto de Aragão, que lecionava em Minas do Rio de Contas. Um começo de ação por boletins sediciosos afixados em público, prisões, devassas, ordens da Metrópole para severidade. Quatro condenados à morte, sendo a 8 de Novembro de 1799 supliciados e esquartejados e expostos os membros mutilados o alfaiate João do Nascimento (que deixou 8 filhos menores), o soldado Luis Dantas de Amorim Torres e o menino, de 16 anos, Manoel Faustino dos Santos Lira, na praça da Piedade, da cidade do Salvador. Também morreu Luis Gonzaga das Virgens. Muitos sentenciados para Angola, Benguela, Fernando de Noronha e para a Costa da Mina “logares de África não sujeitos à Real Coroa afim de que o veneno dos seus falsos principios não fosse jamais contaminar a liais vassalos”. Portanto, maior número de mártires teve a Inconfidência Bahiana de 1798 do que a Inconfidência Mineira de 1789: apenas esta teve mais homens de letras e, além deste prestígio, a execução do único mártir, no Rio de Janeiro, capital do Brasil. Deve confessar-se que a Conspiração Mineira era de primeira classe, brancos, burgueses, letrados e funcionários; a Conspiração Bahiana era de segunda classe, de pardos, artífices e soldados, sem poesia, embora maior martírio...

O século findava, quase madura a colônia, para maioridade ou liberdade, começada com a dos Estados Unidos em 1776 e que se iria alastrar pelas três Américas, norte, centro e sul. O Brasil tomaria outro rumo, graças a Portugal. Mas a maioridade seria um fato e, pelo exemplo, um imperativo. Já são mais de 3.000.000 os habitantes do Brasil. A neutralidade que tomou Portugal na Guerra entre Inglaterra e suas Colônias americanas, deu favor à agricultura e à exportação do Brasil, concorrentes ocupados em se debaterem, e nós com os nossos negócios. A maioridade se apressa pela prosperidade.

Simonsen (op. cit. t. II, p. 222) calcula que em açúcar, mineração, couros, pau-brasil, tabaco, algodão, arroz, café, cacau e especiarias teria produzido 530 milhões de libras em três séculos: é maturidade quase, dado o roteamento, adubo, bom clima e bom trato. A exportação total do Brasil independente não alcançou ainda 3.500 milhões e o café entra nisso com mais de 2.000 milhões. A exportação por homem ano, do Brasil colonial, orça por £ 2,5; no Brasil independente por £ 1,2 (Id. id. nota). O índice econômico é a mais simples expressão sociológica e a que permite a dedução de todos os outros complicados índices de cultura. Portugal, com a boa natureza da terra e a boa gente que aí pusera, criara uma cultura vivaz. Mas era planta de semente ou de galho: no começo de século próximo será o transplante da árvore, não apenas Portugueses, senão Portugal, estabelecido na América: é o Brasil de Dom João VI.


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REIS DE PORTUGAL

(SÉCULO XVIII)

D. Pedro II (1668-1706).
D. João V (1706-1750).
D. José I (1750-1777).
D. Maria I (1777-1816).

GOVERNADORES GERAIS DO BRASIL

D. João de Lencastre (1694-1702).
D. Rodrigo da Costa (1702-1705).
Luiz César de Meneses (1705-1710).
D. Lourenço de Almada (1710-1711).
Pedro de Vasconcelos e Sousa, Conde de Castelo Melhor (1711-1714).
D. Pedro Antônio de Noronha, 3.º Vice-rei (1714-1718).
D. Sancho de Faro e Sousa, Conde de Vimieiro (1718-1719).
Governo interino (1719-1720).
Vasco Fernandes César de Meneses, Conde de Sabugosa, 4.º Vice-rei (1720-1735).
André de Melo e Castro, Conde das Galvêas; 5.º Vice-rei (1735-1749).
D. Luiz de Ataíde, Conde de Atouguia; 6.º Více-rei (1749-1754).
D. Marcos de Noronha; 7.º Vice-rei, Conde dos Arcos (1754-1760).
D. Antônio de Almeida Portugal, Conde de Lavradio, 8.º Vice-rei (1760).
Governo interino (1760-1766).

VICE-REIS (na Bahia)

1.º — D. Jorge de Mascarenhas, Marquês de Montalvão (1640-1641).
2.º — D. Vasco de Mascarenhas, Conde de Óbidos (1663-1667).
3.º — D. Pedro Antônio de Noronha (1714-1718).
4.º — Conde de Sabugosa (1720-1735).
5.º — André de Melo e Castro, Conde das Galvêas (1735-1740).
6.º — D. Luiz Pedro Peregrino de Carvalho Menezes de Ataíde, Conde de Atouguia (1749-1755).
7.º — D. Marcos de Noronha, Conde dos Arcos (1755-1760).
8.º — D. Antônio de Almeida Soares Portugal, Conde de Lavradio (1.º) (1760: faleceu no governo a 4 de junho).

VICE-REIS (no Rio)

9.º — D. Antônio Alvares da Cunha, Conde da Cunha (1763-1767).
10.º — D. Antônio Rolim de Moura Tavares, Conde de Azambuja (1767-1769).
11.º — D. Luís de Almeida Portugal, Marquês do Lavradio (2.º) (1769-1779).
12.º — Luiz de Vasconcelos e Sousa (1779-1790).
13.º — D. José de Castro, Conde de Resende (1790-1801).

1705 — “Música do Parnaso”, de Botelho de Oliveira, primeira expressão literária de brasileiro.
1706 — Sobe ao trono D. João V.
1708 — Paulistas e Emboabas, no Rio das Mortes.
1709 — Separação da Capitania de São Paulo e Minas, da do Rio de Janeiro. A “passarola” de Bartolomeu de Gusmão, precursora dos balões.
1710 — Duclerc no Rio. “Guerra dos Mascates” em Pernambuco.
1711 — Du Guay-Trouin, no Rio. São Paulo cidade, pela Carta-Régia de 24 de Julho. “Cultura e opulência do Brasil”, de André João Antonil.
1714 — Extermínio do Quilombo de Palmares, pelo Paulista Domingos Jorge Velho.
1715 — Tratado de Utrecht, entre Luiz XIV e D. João V (11 de Abril) pelo qual a França renunciava a pretensões sobre o território do Cabo do Norte e margens do Amazonas, limitando as Guianas Francesa e Portuguesa pelo Rio Oiapoc: o nome Vicente Pinzon dado também a este rio é futura questão.
1719 — Pascoal Moreira Cabral em Cuiabá. Começo da exploração das minas de Mato-Grosso.
1720 — Separação da Capitania de São Paulo, da de Minas: Capitania de Minas Gerais. Condenação de Filipe dos Santos, português de Vila-Rica, na rebelião contra a Casa de Fundição e o quinto do ouro.
1722 — Anhanguera, o filho, em Goiás. Descobrimento de Goiás. A Bandeira de Francisco de Melo Palheta, pelo Mamoré, vai a Mato-Grosso.
1723 — O cafeeiro é importado de Guiana (ou 27, segundo outros autores).
1725 — Sebastião Leme do Prado encontra diamantes em Minas.
1728 — “O Peregrino da América”, de Nuno Marques Pereira.
1729 — Descobrem-se diamantes no Tejuco, hoje Diamantina, em Minas.
1730 — “História da América Portuguesa”, de Sebastião da Rocha Pita.
1737 — Fundação do Rio Grande do Sul.
1739 — O brasileiro Antônio José, comediógrafo, queimado pela Inquisição, como judeu.
1740 — Separação de Goiás, da Capitania de Minas: criação da Capitania (44).
1742 — De Mato-Grosso, acha caminho para o Amazonas e Pará, Manuel Félix de Lima, que desce pelo Guaporé a Belém.
1745 — “Voyage dans l’interieur de l’Amérique Meridionale”, de La Condamine.
1748 — Separação de Mato-Grosso, da Capitania de S. Paulo: criação da Capitania.
1750 — Tratado de Madrid (13 jan.) sobre limites de Espanha e Portugal na América (Sete Povos e Colônia do Sacramento). No Pará há 63 aldeias de índios, 28 dirigidas por Jesuítas, 15 por Franciscanos, 12 por Carmelitas e 5 por Merceístas, calculados em mais de 50 mil almas.
1755 — Terremoto de Lisboa.
1755-8 — Leis de Pombal dando liberdade aos índios, supostos escravizados pelos Jesuítas. Companhia de Comércio do Grão-Pará e do Maranhão. Por Carta-Régia de 4 de Abril aprovam-se os casamentos de brancos e índios.
1756 — Abolição do regime das frotas de comboio, declarada livre a navegação para os portos não monopolizados, por Pombal.
1759 — Expulsão dos Jesuítas: o Brasil perde 600 professores-missionários.
1763 — O Rio de Janeiro, capital do Brasil.
1769 — “O Uraguai”, de José Basílio da Gama.
1772 — Imposto do “subsídio literário”, sobre carne-verde, aguardente, vinagre, etc. para subvencionar a instrução pública.
1776 — A estimativa do Pe. Corrêa da Serra dá ao Brasil 1.900.000 habitantes.
1777 — Tratado de Santo Ildefonso, sobre limites ao sul do Brasil.
1781 — “Caramuru”, de Santa Rita Durão.
1786 — Os Condes de Aranda e Florida Branca formam projeto de constituir, para a Casa de Bragança, uma monarquia, com o Brasil, Peru, Chile, unindo Portugal a Espanha, sob os reis de Espanha.
1789 — “Dicionário da Língua Portuguesa”, pelo brasileiro Antônio de Morais e Silva. Conjuração dos Inconfidentes, em Minas Gerais. Já se calculam 2.300.000 habitantes, dos quais 1.500.000 escravos.
1792 — Execução de Tiradentes, mártir da Conjuração Mineira.
1795 — “Dicionário português e brasiliano”, de Frei Conceição Veloso.
1798 — Execução de João de Deus do Nascimento, Luis Dantas de Amorim Torres, Manoel Faustino dos Santos Lira e Luis Gonzaga das Virgens, mártires da Conjuração Bahiana.


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VII
Quarto Século
(I: até à abdicação do 1.º Imperador)

A Família Real e a Corte acolhem-se no Brasil, tornado metrópole do Reino Unido. Desenvolvimento correlato. Torna D. João VI a Portugal. D. Pedro e a Independência.

O sismo da Revolução Francesa (1789-93) abalara trono e altar. Sobre os escombros da sociedade antiga aparece o aproveitador, Napoleão, que explora e organiza a catástrofe, em proveito próprio. O adventício leva a França contra a Europa, distraindo-a de si, e só a Inglaterra, bloquedada pelo continente, escapa: Portugal está sentenciado, pela amizade inglesa. Às injunções tergiversa o príncipe Dom João, regente, que, em nome da mãe, a rainha louca D. Maria I, governa, e entre Franceses invasores e Ingleses no Tejo, tem de decidir. O número do Monitor, de 13 de Novembro, o jornal francês declara, oficialmente, a queda da casa de Bragança: “O Príncipe Regente de Portugal perde o seu trono: perde-o por causa das intrigas dos ingleses”. Tê-lo-ia visto? É improvável dada a pequena distância de tempo, mas não importa para a decisão.

A idéia era antiga. Já D. João III dissera a Martim Afonso de Sousa, “passemo-nos para o Brasil”, “entre sizo e galantaria”. Mais, seriamente, Dom João IV, em 1647, considerou o alvitre de se retirar para o Brasil e o aconselhou à rainha Dona Luíza de Gusmão, se preciso fosse, em carta achada em gaveta secreta, marcada com três cruzes, como imperativo conselho, testemunha Vieira(1). D. Luís da Cunha diz que o bisavô D. Pedro da Cunha dera a D. Antônio Prior do Crato, na incapacidade de disputar o reino a Filipe II passasse a ser Rei de Portugal no Brasil “cuja vastidão e riquezas erão as que naquele tempo se sabião”(2) e ele próprio sugeriu-o a Dom João V: “S. M. se acha em idade de ver florentíssimo e bem povoado aquele imenso continente do Brasil; se nele, tomando o título de Imperador do Ocidente, quisesse estabelecer a sua Corte, levando consigo...” Quando Espanha invade Portugal, sob Dom José, por causa do “Pacto de Família”, Pombal prepara armada para a Família Real e a Corte virem ter ao Brasil. É o que realiza Dom João VI, combinado por acordo com Inglaterra, em 22 de Outubro de 1807, ratificado em Lisboa a 8 de Novembro do mesmo ano(3). O rei de Portugal não seria prisioneiro, e à discrição, como Fernando VII, de Espanha. A emigração não foi fuga, senão estratégia política, assim o entendiam todos, e até o reino abandonado. Em 28 de novembro de 1807, dia anterior à partida, Mousinho da Silveira escrevia a amigo: “Deus queira que os últimos cuidados do nosso soberano influam até que ele volte, sempre do mesmo modo; e Deus queira que ele seja feliz para nosso bem”. (Vd. Instituto, de Coimbra, quarta série, n.º 3).

Resolve o Príncipe deixar Portugal, partindo com a Família, a Corte, 15.000 pessoas, o imenso recheio de seus paços, o que pode salvar em dinheiro, jóias, valores, para o Brasil, a 29 de Novembro de 1807. Mais um dia, e Junot, em Lisboa, teria impedido a partida. Os Ingleses comboiam até certa altura os viajantes, e, até o Brasil vêm ainda quatro naus inglesas. A esquadra portuguesa separa-se no mar, navios vêm diretamente ao Rio de Janeiro, mas o Príncipe aporta à Bahia, a 21 de Janeiro de 1808. É bem recebido, desembarca, um mês de festas, tendo inúmeros pedidos para ficar, a que não acede, devendo partir para o Rio de Janeiro, melhor abrigado. O Conde da Ponte, governador, apresenta-lhe José da Silva Lisboa, que estudara em Coimbra, versara economia política e direito marítimo, que lhe sugere abrisse os portos do Brasil ao comércio das nações amigas: seria ato liberal, a dar, à jovem metrópole, progresso e grandeza dignos da nova situação. Sem ministros, que haviam seguido em outras naus para o Rio, e poderiam, na regra, estorvá-lo, convence-se Dom João e, a 28 de Janeiro, assinou a carta régia da abertura dos portos. Silva Lisboa, depois Visconde de Caírú, virá a dizer: “O Snr. Dom João resolveu fazer tanto bem sem esperar pelos conselheiros de Estado, que se tinham desvairarado em rumo, pela dispersão da tempestade na costa de Portugal. É pois inteiramente obra sua a carta régia, foral novo do Brasil”(4). A 26 de Fevereiro parte da Bahia para chegar ao Rio a 7 de Março, desembarcando no dia imediato, com salvas, repiques, vivas ao “Imperador do Brasil”, indo, antes do Paço, dar graças na Igreja do Rosário. São nomeados os ministros: Dom Fernando José de Portugal e Castro, depois Conde e Marquês de Aguiar, que era vice-rei, para os negócios do Reino; D. Rodrigo de Sousa Coutinho, depois Conde de Linhares, para os Negócios Estrangeiros e Guerra; o Visconde, depois Conde de Anadia, para a Marinha. (Esses Ministros, viria dizer o jornalista brasileiro Hipólito da Costa, bem se poderiam comparar a três relógios: o Linhares sempre adiantado; o Aguiar, cada vez mais atrasado; o Anadia, irremediavelmente parado: se estes contentavam aos conservadores, aquele punha o governo à frente da revolução, assim uma evolução apressada). Pouco depois chegava o Embaixador inglês, Lord Strangford, e era assim que a Corte e Governo se compunham.

Novas instituições se criam: Supremo Conselho Militar e de Justiça, Mesa de Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e Ordens, a Casa de Suplicação em que se transforma a Relação, a Intendência geral da Polícia, o Arquivo Militar, a Impressão régia, uma fábrica de pólvora, contadoria da marinha, uma ordem honorífica renovada, a da Torre e Espada, e a declaração de guerra a Napoleão...

Os portos foram abertos às nações amigas, isto é, à Inglaterra. Foi permitida a indústria fabril e manufatureira. Reduções de impostos às mercadorias carregadas em navios nacionais, a 16%; diminuíram de um terço de direito de entrada os gêneros molhados. Criou-se o Erário Régio, o Conselho da Fazenda, o Tribunal de Junta de Comércio, criaram-se casas de permuta do ouro em pó por moeda ou bilhetes. Fundou-se o Banco do Brasil, com o capital de 3.000.000 de cruzados e 1.200 ações de um conto de réis cada uma, com faculdade de emitir bilhetes de curso forçado e garantido pelo Estado. Abriram-se estradas para o interior e mandaram-se investidas contra índios ferozes, para conquista e civilização do Rio Doce. Fez-se melhor: uma formal declaração de guerra a esses Botocudos. Hipólito da Costa, em Londres, no Correio Brasiliense, prometia publicar a resposta de S. Ex.ª o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, que teria ido aprender a ler e escrever, para isso...

Em 9 recomeça a correr água no chafariz do largo da Carioca, trazida do Corcovado, por Santa Teresa, pelos Arcos; em oito dias desapareceram todas as rótulas e gelosias das casas do Rio, mudadas em janelas francas; os agricultores não podem ser executados na propriedade de engenhos e lavouras, mas apenas em parte dos rendimentos; o Conde da Ponte, falecido na Bahia, é substituído pelo liberal Conde dos Arcos. Uma expedição, partida do Pará, toma Caiena, possessão francesa, sem combate, retirando o general Victor Hughes, com a sua guarnição, para a França (14 de Janeiro de 1810). Chegam do Oriente sementes e plantas de especiaria, a moscadeira, a mangueira, o abacate, o cravo-da-Índia, a toranjeira (grape-fruit ou pomelo), que foram hospedados no jardim da Lagoa Rodrigo de Freitas, logo Jardim Botânico, e na Quinta de São Cristóvão, doação do particular Elias Antônio Lopes. Chegam notícias da retirada dos Franceses em Portugal. Imposto acrescido sobre açúcar, tabaco, couros, algodão. Criação, no Hospital Militar, de uma escola anatômica e médica, nomeados os professores; nomeação de um provedor-mor de saúde da Corte, do Estado do Brasil. Como as moedas de ouro fogem para Inglaterra, cunham-se patacas que valem 960 réis, ou três patacas brasileiras. Vilas, estradas, disposições administrativas.

Em 1810 é o tratado de comércio de 19 de Fevereiro, proveitoso à Inglaterra e até com reduções de soberania: o Brasil nada lucra e Portugal é sacrificado. Prometeu-se que a Inquisição não seria estabelecida no Brasil e os Protestantes conseguiram templos sem sinos. Isenção de décima urbana por vinte anos, aos construtores de casas nobres e, de dez, aos de casas de um andar, no Rio. Mandou-se explorar o Tapajós, o Madeira, o Xingu, o Arinos, e facilitou-se a navegação dos rios centrais e afluentes do Amazonas. Com os livros de el-Rei, a livraria da Ajuda, funda-se a Biblioteca Real, ainda hoje a que temos, a Nacional.

Uma cláusula do tratado de comércio obrigava à abolição gradual do tráfico de escravos africanos. Em 12, os Ingleses aprisionam grande número de barcos negreiros. Na Bahia há protesto, acusando os favorecidos ingleses de pretenderem a ruína da Colônia: só em 15, virão 300.000 libras de indenização, do Gabinete britânico, às depredações de Marinha inglesa. Em 13 o Governo acoroçoa a vinda de imigração, de ilhéus dos Açores. Estradas, correios regulares, navegação interior, concessões aos mineradores de ouro, providências humanitárias sobre o tráfico negreíro.

Em 14, é a vitória dos aliados contra Napoleão. Luiz XVIII é rei amigo: os Franceses aprendem de novo o caminho do Brasil, agora negociantes, capelistas, (as modistas e confecções de então), hoteleiros, livreiros, impressores. Em 15, no Congresso de Viena, Portugal tem de restituir Caiena, com os limites do tratado de Utrecht. Os Ingleses, que já não precisam de Portugal, revogam o tratado de aliança, e aplicam-se, humanitariamente, a impedir o tráfico e a arruinar o Brasil; tudo, porém, se recompõe em Viena. Obras e logradouros públicos no Rio, Bahia, Recife, Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves: meia independência...

Contrato de Missão Artística Francesa em 16, para fundação da Escola de Belas Artes. Morre a rainha louca D. Maria I; o príncipe regente é então Dom João VI, rei do Reino-Unido. Nesse ano há novo ato da guerra do sul. Com a guerra entre Espanha e Portugal, em 1801, os Portugueses no sul do Brasil repeliram os Espanhóis da fronteira e conquistaram os Sete Povos das Missões, pondo os adversários para além do Uruguai. Tinham capitulado em Serro Largo, mas, à morte do general brasileiro Veiga Cabral, tomaram de novo a ofensiva, recuperaram Serro Largo e iam apoderar-se do Rio Grande, quando ocorreu a notícia da paz de Badajós. Rapidamente progridem esses domínios, em vantagens materiais, e se alguns reconheciam o governo de Fernando VII, outros sonharam com a independência, antes que submeter-se às humilhações de Napoleão, em Espanha. Foi quando D. Carlota Joaquina, mulher do Príncipe Dom João, e filha mais velha de Carlos IV, pensou em formar uma nova monarquia, dos Estados do Prata, para si. O irmão, Fernando VII, estando prisioneiro em França, achou que era de seu direito intervir, dirigindo cartas e proclamações, a México, Rio da Prata, Chile. O príncipe, seu esposo, de quem vivia separada, era estranho a tudo isso, que aliás só serviu para apressar a agitação de independência das Colônias espanholas. No caso do Uruguai ajudou a Inglaterra, preferindo a independência, conseguindo o Embaixador inglês no Rio a retirada do Exército Português, da Banda Oriental do Uruguai, a 26 de Maio de 12. Começara a independência dos outros estados espanhóis do Vice-Reinado. Foi então que Dom João VI resolveu estender sua fronteira ao Rio da Prata. As tropas ao mando do Marquês de Alegrete, capitão-general do Rio Grande, do general Carlos Frederico Lecor, do tenente-general Curado, do tenente-coronel Abreu, venceram os neo-espanhóis em São Borja, São Gabriel, Carumbé, Catalão, invadiram Entrerios, entraram em Montevidéu, ocuparam a Colônia do Sacramento... Em 20, depois de Taquarembó, desfeito Artigas, será o convênio e, por acordo em 21, a Banda Oriental é incorporada ao Brasil, com o nome de “Província Cisplatina”. Não ficará nisso.

Em 17, é Pernambuco que se levanta: as rebeldias andam pela América do Sul. Uma ordem do dia de Caetano Pinto de Miranda Montenegro, depois Marquês da Praia Grande, capitão-general, mostra preferência por oficiais portugueses, e estes vêm a prender oficiais brasileiros; José de Barros Lima, o Leão Coroado, matara o brigadeiro Manuel Joaquim Barbosa de Castro; o povo, insurgido, solta os presos e obriga o capitão-general a retirar-se para o Rio, onde é detido na Ilha das Cobras. Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, aderem à sublevação, que se constitui em governo provisório. Tropas legais acorrem, do Rio e da Bahia, e, bloqueado o Recife, são derrotados os insurrectos. Domingos Teotónio Jorge, proclamado ditador, fugiu, mas as tropas entram no Recife, mandando o novo capitão-general, Luiz Barreto, executar sumariamente os cabecilhas. Dom João, para impedir a justiça sumária, ordena que se institua alçada para julgamento, e concede, finalmente, a anistia, a 6 de Fevereiro de 1818, data da sua coroação. Haviam perecido os chefes: Domingos Teotónio Jorge, José de Barros Lima, Antônio José Henrique e o Pe. Pedro de Sousa Tenório, enforcados, em Pernambuco; Domingos José Martins, José Luiz de Mendonça, o Pe. Miguel Joaquim de Almeida Castro e o Pe. José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, o Padre Roma, também supliciados, na Bahia.

Mortos os antigos ministros e por último o Conde da Barca, Antônio de Araújo de Azevedo, foram feitos novos: João Paulo Bezerra, para o Erário; o Conde dos Arcos, para a Marinha e Ultramar; e Tomaz Antônio de Vila Nova Portugal para os Negócios do Reino. Chega a Arquiduquesa D. Leopoldina, para consorte do Príncipe Dom Pedro, o herdeiro do Reino-Unido. Chegam sábios austríacos, Mikau, de Praga, botânico e entomólogo; Pohl, mineralogista; Natterer, zoólogo; Ender, pintor paisagista; Buchberger, pintor botânico; Schott, horticultor, principalmente os bávaros Von Spix, zoólogo e Von Martius, botânico, este também etnógrafo, lingüista, dos maiores que têm merecido nosso respeito e gratidão: a Flora Brasiliensis é um monumento científico. Uma convenção passada entre Portugal e Inglaterra limita o tráfico de escravos das possessões africanas à possessão americana. Descobriu-se um caminho novo para Minas, pela Bahia, perto de Canavieiras, Rio Pardo, Rio da Salsa, Jequitinhonha, Salto Grande, Minas, sendo a zona limpa dos Botocudos, que a infestavam. Funda-se a fábrica de ferro de Ipanema, devida ao tenente-coronel Frederico Luiz Guilherme Varnhagen, o pai do historiador.

Um censo imperfeito de 1818 atribui-nos 3.617.900 habitantes, dos quais 1.930.000 seriam escravos; os negros eram 1.887.500, os mestiços 628.000 e os índios domesticados 259.400.

Em 1820, é a revolução em Portugal contra a dominação inglesa e a permanência da Corte no Brasil. Depõe-se a regência e arranja-se uma Constituição, à moda da espanhola: do Porto os Constitucionais ganham Lisboa. Logo, no Brasil, repercussões: em Belém do Pará e na Bahia, juntas governativas que expulsam os representantes do governo. Dom João VI toma várias medidas paliativas e aprova, em 24 de Fevereiro de 21, a futura Constituição de Portugal e domínios, demitindo o ministério e nomeando outro mais popular. Os príncipes, inclusive D. Miguel, o futuro rei absolutista, juram essa Constituição, a redigir e votar em Portugal, pelas Cortes. A autoridade sai do paço... Afinal Dom João VI resolve partir, deixando Dom Pedro, o príncipe herdeiro, a governar o Brasil.

A 24 de Abril embarcou, com saudades, confessando ter aqui vivido os mais felizes anos de sua vida; a rainha D. Carlota Joaquina, no Cais do Faroux, tirava as sandálias dos pés e sacudia-as, para nem o pó levar; a 26 a Corte partiu, com o soberano, rumo a Portugal. Em pouco mais de treze anos tinha feito a maioridade do Brasil. Portugal, dominado pelo estrangeiro, passara a não contar quase para a monarquia, cuja metrópole era o Brasil. Depois, apenas contava com dinheiro, que de lá recebiam os fidalgos e as tropas. Para aqui transplantara uma corte, uma cultura, uma civilização, enxerto europeu, em terras da América. O ato da vinda foi executado com acerto: a Espanha impediu o soberano de partir para o México: seria aí recebido como Dom João? Isto permitiu começar, de Portugal, a restauração da Europa contra Napoleão. Na Europa tinha bastante prestígio para conseguir para o filho uma arquiduquesa de Áustria, irmã de Maria Luíza, a que cobiçara esse Napoleão. Aqui, fez a maioridade da colônia em nação, dotando-a de toda a complexa máquina administrativa de governo e de todos os órgãos culturais da civilização. Tomou posse do país e com as leis idôneas ao Brasil, aqui e não de lá, permitiu a fermentação apressada da vida, que faz suprir o tempo. Foi uma experiência de governo autônomo a que nos deu. Na realidade a nossa independência data de 1808. Quase tudo o que temos foi o que nos concedeu o seu governo, liberal, tolerante, adaptado ao grande território que lhe proporcionou a fortuna.

Isso fez, ou deixou fazer, e disso teve consciência; ao filho disse, à despedida: “O Brasil brevemente se separará de Portugal; se assim for, põe a coroa sobre tua cabeça, antes que algum aventureiro lance mão dela”. Com isto, esse conselho e este príncipe, permitiu que o imenso país continuasse unido como não aconteceu ao domínio espanhol, repartido em vinte e tantas nações das três Américas, norte, centro e sul. Calculou Oliveira Martins em 200 milhões de cruzados o valor dos bens que trouxe Dom João VI, poupando ao saque dos Franceses o que pôde, e que deixou no Brasil... Simbolicamente, basta, para atestá-lo, a Biblioteca Nacional. “Uma das causas do agravamento da crise econômica em que Portugal se debateu durante a estadia da Corte no Rio de Janeiro era a que derivava das constantes remessas de numerário, para o Rei e Fidalgos que o acompanharam ao Brasil, e ali gastavam o produto de suas rendas”. (Francisco Antônio Corrêa, Hist. Econômica de Portugal). “Entre o que trouxe e o que levou Dom João VI, o saldo é considerável, e foi a favor do Brasil”, conclui Simonsen (op. cit., t. II, p. 240). Isto, bens materiais, pessoais; o bem público, material e moral, que ficou, é incalculável. Achou uma colônia: deixou uma nação. Fez, repito, ou deixou fazer, ou não se opôs a que fizessem; os nossos atos são dos outros: os destes foram bons; é o seu mérito. É, assim, Portugal que nos prepara a autonomia.

INDEPENDÊNCIA
No Brasil, com Dom João VI, o governo antecipa os reclamos do tempo e da opinião; no Reino o governo que avançara muito, intenta retroceder e repor, no que eram, as coisas, antes de Dom João VI. Procede-se à eleição dos deputados brasileiros à Constituinte Portuguesa, mas as Cortes não os esperam, e promulgam uma Constituição, que devia ser observada no Brasil. A tropa portuguesa, sob o comando do general Jorge Avilez, sai ao Rossio e reclama o juramento dessa Constituição, deportado para o reino o ministro Conde dos Arcos. Dom Pedro anui, fazendo eleger uma junta consultiva de governo.

Mas as Cortes de Lisboa continuam: os governos das capitanias ficam independentes do Rio de Janeiro; são supressos a Relação e outros tribunais criados por Dom João VI; ordena-se ao Príncipe que recolha ao reino, para se educar e viajar. Em São Paulo, onde os nacionalistas eram mais numerosos e exaltados, José Bonifácio de Andrada e Silva, sábio de educação européia, reconhecido à metrópole que o honrara, mas convencido da “obrigação em que está todo Portugal, com sua filha emancipada, a que precisa pôr casa, repartindo com ela luzes, conselhos, instruções”, e informado da próxima retirada do Príncipe, convoca, às onze horas da noite, uma reunião da Junta Provincial, e consegue assinar uma representação a Sua Alteza: a sua partida seria o sinal de separação do Brasil. “Como agora esses Deputados de Portugal, sem esperarem pelos do Brasil, ousam já legislar sobre os interesses mais sagrados de cada Província e de um Reino inteiro? Como ousam roubar a V. A. R. a lugar-tenência que seu Augusto Pai, nosso Rei, lhe concebera? Como querem despojar o Brasil do Desembargo do Paço e Mesa da Consciência e Ordens, conselho de Fazenda, Junta do Comércio, Casa de Suplicação e de tantos outros estabelecimentos novos, que já prometiam futuras prosperidades? Para onde recorrerão os povos desgraçados a bem de seus interesses econômicos e judiciais? Irão agora, depois de acostumados por doze anos a recursos prontos, sofrer, outra vez, como vis colonos, as delongas e as trapaças dos tribunais de Lisboa, através de duas mil léguas do oceano, onde os suspiros dos vexados perdiam o alento e esperança? Quem o crerá, depois de tantas palavras meigas, mas dolosas, de recíproca igualdade e de felicidades futuras!!”

Enviada a mensagem, preparou-se José Bonifácio para seguir, reforçando pessoalmente os argumentos. Movimento semelhante se manifestara em Minas. “Conhecendo os habitantes do Rio de Janeiro o que se passava naquelas províncias, dirigiram-se a Câmara Municipal da Capital com o seu representante, e com mais de oito mil assinaturas requereram que se representasse a Dom Pedro, contra a execução dos decretos das Cortes.” (John Armitage — História do Brasil, — Rio de Janeiro, 1837). O manifesto fora escrito por Fr. Francisco de Sampaio e levado ao Príncipe por José Clemente Pereira, português de nascimento, a 9 de Janeiro de 22. O povo acorrera à Câmara Municipal. Dom Pedro ponderou e concluiu: “Como é para bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”. (Armitage, op., cit., p. 44).

A representação de São Paulo é de 24 de Dezembro; a do Rio de 29; o “fico”, apenas solenidade pública de resposta, foi a 9 de Janeiro de 22. Mas, já a 2 de Janeiro, escrevia o Príncipe ao Pai: “Ontem, pelas 8 horas da noite, chegou de São Paulo um próprio, com ordem de me entregar em mão própria o ofício que ora remeto incluso, para que V. M. conheça e faça conhecer ao Soberano Congresso quais são as firmes tenções dos Paulistas, e por elas conhecer quais são as gerais do Brasil. Ouço dizer que as representações desta Província (Rio de Janeiro) serão feitas no dia 9 do corrente; dizem mais que São Paulo escreveu para Minas: daqui sei que há quem tem escrito para todas as Províncias, e dizem que tudo se há-de fazer debaixo de ordem”. Em carta, datada de 9, o Príncipe conta que às 10 horas da manhã as Câmaras reunidas, nova e velha, lhe pediram audiência e as ouviu: “Veio o Senado (da Câmara)..., fez uma fala muito respeitosa... e em suma era, que logo desamparasse o Brasil, ele se tornaria independente: e ficando eu, ele persistiria unido a Portugal. Eu respondi o seguinte: “Como é para bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto: diga ao Povo que fico”.

Nomeou Dom Pedro a José Bonifácio ministro dos Negócios do Reino e Estrangeiros. “O seu grande saber, o seu gênio intrépido, o seu carácter pertinaz, que quase chegava a raiar em defeito, contribuíram a fixar a volubilidade do príncipe. E o conhecimento especial, que a estadia de tantos anos em Portugal lhe dera desse País, dos seus recursos, do forte e fraco dos seus habitantes e especialmente dos que dirigiram a política de 1821 e 1822, a este respeito pricipalmente, nenhum outro brasileiro de então lhe levava a palma” (Varnhagen — Hist. da Independência, “Rev. do Inst. Hist.”, 1. LXXIX, 1917, p. 139). Os atos do ministro seguiram a direção dos do patriota: foi restabelecida a centralização das províncias que as Cortes tentaram separar; convocado um conselho de seus representantes para instruir e representar ao Príncipe sobre todos os negócios de importância: Rio de Janeiro, Minas, São Paulo e Rio Grande uniram-se logo nesse desígnio, salvador da integridade nacional; a Bahia teria de ser defendida contra a reação portuguesa; Pernambuco também dividido por dissenções, viria a aderir ao movimento, graças à eficácia dos esforços de Vasconcelos de Drummond, amigo de José Bonifácio.

Nesse mesmo mês de Fevereiro, em que foram convocados os representantes das províncias, outro decreto submete, à aprovação do Príncipe Regente, as leis portuguesas referentes ao Brasil, início de soberania. Conformação tácita dessa conquista é a Convocação, a 3 de Junho, da Assembléia Geral Constituinte Legislativa, ato íntimo de independência ou autonomia, do qual o de 6 de Agosto, convidando as nações estrangeiras a entrarem em relações com o Brasil, é a proclamação internacional. José Bonifácio dá ordem aos nossos agentes diplomáticos no Prata para a tentativa, e tentava, com Rivadávia, a criação de uma liga ofensiva e defensiva, que opusesse “justa e firme repulsão contra as imperiosas pretensões da Europa”: é a “América dos Americanos”, antes de Monroe.“ O Príncipe, que em Minas havia escutado os votos do Brasil, parte para São Paulo a 14 de Agosto, e, diz Varnhagen: “...quase resolvido a declarar a independência, segundo se vê da seguinte circular passada por José Bonifácio, nesse dia, ao corpo diplomático, comunicando-lhe o manifesto: “Tendo o Brasil, que se considera tão livre como o Reino de Portugal, sacudido o julgo de sujeição e inferioridade com que o reino irmão o pretendia escravizar, e passando a proclamar solenemente a sua independência”... (Op. cit. p. 185).

Essa “resolução”, a que chegara o Príncipe, a despeito dos seus protestos e juras de fidelidade ao Pai e à Nação Portuguesa, foi movida e promovida por José Bonifácio, que encarnava o sentimento público: havia porém necessidade de um ato, a “proclamação solene” da Independência; foi o que se deu nas margens do Ipiranga. Dom Pedro estava pronto e preparado para ela, como se preparara para o “Fico”, mas a hora soou, às 4:30 da tarde de sábado, 7 de Setembro de 22, com a exclamação: — “Independência ou morte!”, depois de receber o seu correio, despachado com urgência do Rio de Janeiro, por José Bonifácio. Ao correio, Pedro Bregaro, dissera o ministro, segundo informa Drummond: “se não arrebentar uma dúzia de cavalos no caminho, nunca mais será correio”. “Não cremos — diz Varnhagen — que o conteúdo desta carta, (a que trouxe o correio), entrasse por parte na resolução do príncipe (de declarar a Independência) que já, independente dela, viria preparada do Rio de Janeiro” (Varnhagen, op. cit., p. 185). O correio trouxera as últimas notícias de Lisboa (até 3 de Julho), chegadas ao Rio a 28 de Agosto, nas quais o Governo Português tomara disposições, anulava atos do Príncipe, nomeadamente a convocação dos representantes das províncias a 16 de Fevereiro, responsabilizava o Ministério do Rio e os membros da Junta de São Paulo, signatários da representação de 24 de Dezembro, numa palavra, atingia a Dom Pedro, chamado depreciativamente lá “o rapazinho”, e principalmente, a José Bonifácio. Em vez da carta do Pai, uma de Antônio Carlos (irmão de José Bonifácio, então nas Cortes) na qual lhe dava conta: “não poupavam a real pessoa de V. A. R., de envolta com ataques ao Brasil. O horizonte nada promete. .. O augusto pai de V. A. R. é um perfeito escravo de um ministério vendido ao partido desorganizador das cortes...” Varnhagen pondera: “Provavelmente José Bonifácio escreveria alguma carta, insistindo acerca da necessidade de romper, de uma vez, o véu, e proclamar a independência. A verdade é que, antes de poderem chegar ao Rio as resoluções do Príncipe tomadas em São Paulo, já a proclamação da mesma independência se resolvia também no Rio de Janeiro, no Grande Oriente, de que José Bonifácio era Grã-mestre, em sessão de 9 de Setembro”. (Varnhagen, op. cit., p. 185).

Tornado ao Rio, ostenta o Príncipe, no teatro, o dístico no braço esquerdo: “Independência ou Morte”. O Senado da Câmara marcou o dia 12 de Outubro, aniversário do Príncipe, a data do descobrimento da América, para a aclamação do “Imperador Constitucional do Brasil”. A coroação será a 1.º de Dezembro. Na Bahia, resistia o general português Pinto Madeira. Sitiada a cidade, por mar, por Lord Cochrane, e por terra por tropas do mando do General Labatut, foram vários recontros favoráveis aos nossos. O Coronel José Joaquim de Lima e Silva, a quem a Junta Governativa de Cachoeira dera o comando, apertou o cerco e as tropas de Madeira embarcaram rumo de Lisboa, entrando os patriotas na cidade, a 2 de Julho de 23. Lord Cochrane, que deixara sair os Portugueses, perseguiu-os, fazendo algumas presas. Partiu para o Maranhão, onde, a 27 de Julho, tomou navios e fez embarcar tropas para Portugal. Seu lugar-tenente, o Capitão Pascoe Grenfell, foi a Belém do Pará, onde teve sucesso fácil, prendendo 256 pessoas no porão do brigue Palhaço, fechadas as escotilhas: dos presos apenas se salvaram 4, da horrorosa asfixia(5). Dom Álvaro de Sousa Macedo, que resistira em Montevidéu 17 meses, ao cerco do general Lecor, capitulou a essas notícias, e embarcou com as tropas fiéis para Portugal. A independência era um fato consumado.

A Assembléia Constituinte, convocada em junho de 22, reuniu solenemente a 3 de Maio de 23, aberta pelo Imperador, que lera a “fala do trono”. José Bonifácio abandonara o poder e, com partidários, fundara o Tamoio e a Sentinela, jornais de oposição. Diz Armitage: “quando revestidos do poder (os Andradas) foram arbitrários, e quando decaídos tornaram-se facciosos”. (Op. cit., p. 90). A Assembléia rejeitou projeto ultraliberal de um deles (Antônio Carlos). Com a agitação partidária, Dom Pedro mudou o Ministério, dissolveu a Constituinte (26 de Novembro), prometendo convocar outra e deportou para França os Andradas e alguns de seus amigos. Chegara de Portugal a fragata Voadora, com carta de Dom João VI para o filho: os portadores não foram recebidos, devolveu-se a carta, confiscou-se o navio. O Brasil era soberano. Dom Pedro deu-nos então, outorgada, uma Constituição, redigida por dez membros de uma comissão, e que foi proclamada, a 25 de Março de 24.

Em Pernambuco é a “Confederação do Equador” proclamada a 24 de Junho de 24: contra ela têm razão o Coronel Lima e Silva e Lord Cochrane, que põem sítios e os republicanos são batidos em Olinda, Couro de Anta, Agreste e Engenho do Juízo, fugindo o chefe insurrecto Pais de Andrade. As províncias que aderiram: Paraíba, Rio Grande, Ceará, foram logo pacificadas. Com isso os vencedores julgaram sumariamente os cabecilhas, ao todo 17 vítimas, à frente, no Rio, João Guilherme Radcliff, português de nascimento e Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, perdoados os outros, passíveis de clemência imperial. No Maranhão, Lord Cochrane, que ajudara no mar a luta da Independência, dando por finda sua missão, retirou-se à Europa, escrevendo suas memórias publicadas em 1859: Naval services in Chile, Peru and Brasil. Na Bahia, num levante do batalhão dos Periquitos, (assim chamados pelas cores verde e amarela que tinham nos canhões dos punhos) foi assassinado o coronel Felisberto Gomes Caldeira, comandante das armas. As rebeldias nunca são singulares.

Contudo, a Independência, embora as opiniões opostas de Espanha, França, Prússia e Rússia, que aconselhavam Portugal à resistência, — reconhecida pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, acabou por ser atendida por Portugal, que ouviu a Lord Canning: o Embaixador inglês que se achava em Lisboa, de partida para o Brasil, Sir Charles Stuart, teve poderes para negociar o reconhecimento do Império, pela antiga Metrópole. Resultou o Tratado de 29 de Agosto de 25, que isso conseguia, (todavia com dois imperadores, um efetivo, Dom Pedro I, e um titular(6), Dom João VI), comprometendo-se ao pagamento de um empréstimo que contraíra Portugal, em Londres, de dois milhões de libras esterlinas, sem quaisquer outras reclamações, exceto o transporte de tropas.

No sul, a 19 de Abril de 25, proclama-se a independência da Banda Oriental do Uruguai. Derrotados os nossos em Mercedes e Sarandi, declaram os vencedores a Banda Oriental incorporada às Províncias Unidas do Prata. A esquadra brasileira, sob o comando de Pinto Guedes, que bloqueava os portos argentinos, bateu a flotilha do capitão George Brown. A Colônia do Sacramento resiste a vários ataques. O Imperador, que acorrera ao sul, foi obrigado a tornar ao Rio, pela morte da Imperatriz D. Leopoldina. A 20 de Fevereiro de 27, em Passo do Rosário (Ituzaingo), trava-se batalha, entre Argentinos sob o mando de D. Carlos de Alvear, e Brasileiros, comandados por Felisberto Caldeira Brant, depois Marquês de Barbacena, perdida por ambos(7) porque um recua e o outro não persegue, “o campo sem vencedor” com as suas vantagens; depois, as duas partes se proclamaram tais, com os respectivos troféus, como é fácil(8). A conseqüência real do fato é que, disputada por dois pretendentes, a Banda Oriental do Uruguai é declarada independente pelo Tratado de 27 de Agosto de 28, constituindo a nova nação da República do Uruguai, tendo por capital Montevidéu, evacuada a 24 de Abril de 1830. Brasil independente, mas deminuído.

Em 26 morrera Dom João VI, que confirmara a sucessão portuguesa em seu filho preferido, Dom Pedro. Imperador do Brasil, (nota do Duque de Palmela a Canning, em 7 de Dezembro de 25). Resolveu este abdicar da Coroa de Portugal, na pessoa de sua filha D. Maria da Glória, portanto D. Maria II. Pensava em casá-la com o irmão, Dom Miguel, que, entretanto, dissolveu a Câmara dos Deputados, convocou as Cortes, que o proclamaram rei absoluto, em 28. D. Maria da Glória levada à Inglaterra, para daí ir à Áustria, confiada ao avô, Francisco I, tornou ao Brasil com D. Amélia de Leuchtemberg, que seria 2.ª imperatriz do Brasil, em 29. Foi criada a Ordem da Rosa, civil e militar para comemorar as núpcias imperiais.

Tratados de comércio, com as nações da Europa e América em 26, 27, 28. Lei de 23 revigorara as leis portuguesas em exercício no Brasil. Em 28 abole-se a Mesa da Consciência e o Desembargo do Paço, mas institui-se o Supremo Tribunal de Justiça. Tropas estrangeiras, irlandesas e alemãs sublevam-se e, depois de combate, rendem-se, sendo repatriadas e dispersas (28). O almirante Roussin entra no Rio, ameaçando bombardear a cidade, se lhe não dessem satisfação de navios aprisionados no bloqueio do Rio da Prata: foram entregues os navios e prometida a indenização (28). Tumultos na Bahia, assassínio do Presidente da Província, Visconde de Camamú, e revolta popular em Pernambuco, com arrombamento de prisões. Em 29 criaram-se os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda. Em 30 foi publicado o Código Criminal.

O Imperador não continuara o Príncipe Regente: desfizera-se dos patriotas brasileiros no governo, e cercara-se de camarilha sem responsabilidade, — como o “Chalaça”, um fuão Francisco Gomes da Silva, — desmandado em amores mais ou menos públicos. Como reação, acusaram-no de preferir os reinóis subsistentes, aos nacionais, que o aclamaram. A roupa nova do regime parlamentar não se acomodava bem, nem ao Imperador, que queria reinar, nem às Câmaras que pretendiam governar, sem respeito. Se as províncias recuadas conservavam o governo antiquado, os centros de eficiência, como Recife, Bahia, Rio, São Paulo, raiavam pela licença. Armitage condena à execração um Costa Barros, presidente do Maranhão, que “chegou até a abrir cartas particulares” e afirmava a impossibilidade de cumprir, na sua província, a Constituição (op. cit., p. 228). A imitação, do que sucedia em França a Carlos X, era propícia. Na noite das garrafadas, houve distúrbios, entre facções pró e contra o ministro Silva Maia, a ser reeleito, do agrado do Imperador e do partido português. A um Te-Deum, na igreja de São Francisco de Paula, pelo aniversário do juramento da Constituição, a 25 de Março, acorre Dom Pedro, sem ser esperado e sem convite, acolhido aos vivas, “enquanto constitucional”. “Fui, sou e serei sempre constitucional”. Aos “vivas a Dom Pedro II”, responde: “ainda é muito criança”. A 5 de Abril demite todo o Ministério, nomeando outro, escolhido fora da Assembléia, da facção áulica. O povo reúne-se no Campo da Aclamação, exaltado à resposta do pedido que fizera a S. M., para demitir o Ministério: “Estou pronto a fazer tudo para o povo, nada porém pelo povo”.

Os ânimos estão tensos e prevêem-se recontros sangrentos entre partidários do Príncipe e dos Políticos: estes (os chefes) já arrumam as malas, prontos à fuga para Minas, quando o Imperador, por seu lado(9), entrega ao major Miguel de Frias a declaração de que abdicara na pessoa do filho, nomeando José Bonifácio tutor dos príncipes, que deixava no Rio: foi isto a 7 de Abril de 31. Recolheu-se à nau inglesa Warspite acompanhado da Imperatriz, D. Maria II, parentes e fidalgos. O Povo pretendendo depor o Ministério, apeara o 1.º Imperador; ao 2.º vai acontecer o mesmo, e será a morte do regime.

Quanto ao julgamento de D. Pedro I, neto de uma louca, mal educado por mãe descomposta, num tempo de rebeldia, epiléptico e impulsivo, extremado e contraditório, será este de contemporâneo e estrangeiro: “Apesar de todos os erros do Imperador, o Brasil, durante os dez anos de sua administração, fez certamente mais progressos de inteligência de que nos três séculos decorridos desde a sua descoberta até a proclamação da Constituição Portuguesa em 1820” (Armitage, op. cit., p. 312).


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REIS DE PORTUGAL

(SÉCULO XIX)

D. Maria I (1777-1816).
D. João, príncipe regente (1799-1816).
D. João VI (1816-1825).
D. Miguel I (1828-1834).

VICE-REIS
(do começo do século à chegada da família real)

13.º — D. José de Castro, Conde de Resende (1790-1801).
14.º — D. Fernando José de Portugal e Castro (1801-1805).
15.º — D. Marcos de Noronha e Brito, Conde dos Arcos (1806-1807).

IMPERADORES DO BRASIL

D. João VI (titular) [1825-1826].
D. Pedro I (efetivo) [1822-1831].

1801 — Conquista do Rio Grande do Sul.
1804 — De braço a braço, de escravos, chega a vacina ao Brasil, mandada vir, de Lisboa, por negociantes portugueses da Bahia.
1807 — Partida da Família Real Portuguesa para o Brasil (29 nov.).
1808 — Abertura dos Portos do Brasil ao comércio das Nações Amigas (28 de Janeiro). Fundação da Imprensa Régia, no Rio. Publicação da “Gazeta do Rio de Janeiro”, primeiro jornal brasileiro. Em Londres, o “Correio Brasiliense”, de Hipólito da Costa (1808-1823). Liberdade das indústrias. Um censo atribui-nos 4.000.000 de habitantes.
1809 — Criação do Jardim Botânico. Tomada da Guiana Francesa.
1810 — Criação da Biblioteca Nacional. Fundação da Real Academia Militar, depois Escola Central, depois E. Politécnica. “History of Brazil”, de Robert Southey, em Londres. “Marilia de Dirceu”, de Tomás Antônio Gonzaga, primeiro livro literário impresso no Rio de Janeiro.
1811 — A “Idade de Ouro”, jornal da Bahia (11-13). Alvará que estabelece a grande navegação de cabotagem.
1813 — Fundação dos estudos de Medicina e Cirurgia no Rio e na Bahia.
1815 — Reino do Brasil.
1816 — Missão artística contratada em França.
1817 — Revolução em Pernambuco. Restituição da Guiana Francesa.
1818 — Criação do Museu Nacional. O Brasil, por censo imperfeito, tem 3.617.900 habitantes.
1819 — Os livros impressos são isentos de direitos. Veloso de Oliveira calcula os Brasileiros em 4.396.132.
1820 — Criação da Academia de Belas Artes. Revolução em Portugal.
1821 — Liberdade de imprensa. Volta Dom João VI a Portugal, com sua Família (26 de Abril). Incorporação da Cisplatina.
1822 — O “Fico” (9 de Janeiro). Dom Pedro recebe o título de “Defensor Perpétuo do Brasil” (13 de Maio). Proclamação da Independência (7 de Setembro). Decreto da bandeira (18 de Setembro). Aclamação do Imperador (12 de Outubro). Coroação de Dom Pedro I (1.º de Dezembro).
1823 — Abertura da Constituinte (3 de Maio). Reforma da instrução primária: introdução do sistema lencastriano, nas escolas públicas. A Bahia independente (2 de Julho). “Voyage dans l’interieur du Brésil”, de A. de Saint Hilaire.
1824 — Juramento da Constituição (25 de Março). Revolução de Pernambuco: “Confederação do Equador”. “Animalia nova...”, de J. B. Von Spix (23-29).
1825 — Tratado de Reconhecimento do Império (25 de Agosto): D. João VI é imperador titular, e D. Pedro I, efetivo, do Brasil, por bons ofícios de Sil Charles Stuart, embaixador inglês, a mando de Canning.
1826 — Lei que mandava abrir escolas públicas primárias nas principais vilas e cidades do Império. “Aurora Fluminense”, de Evaristo da Veiga.
1827 — Fundação dos Cursos Jurídicos de São Paulo e Olinda. Funda-se o “Jornal do Comércio”, do Rio.
1828 — Perda da Cisplatina. Instituição do Supremo Tribunal de Justiça.
1829 — “Flora Brasiliensis”, de C. F. P. Von Martius.
1830 — Código Criminal. Malte Brun calcula em 5.340.000 o total dos Brasileiros.
1831 — Abdicação de Dom Pedro I.


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VIII
QUARTO (II) E QUINTO SÉCULOS
(até os dias de hoje)

A Regência, ensaio republicano. — A Maioridade de Pedro II. — A guerra contra o Paraguai. — A abolição dos escravos. — A República. — Apreensões e esperanças.

A REGÊNCIA
Apesar do malogro das armas brasileiras no Prata, com a perda de Cisplatina, o Imperador sempre se apoiou no Exército, do qual fora criador. “A intervenção militar na revolução de 7 de Abril — diz Nabuco (Um estadista do Império, Rio, 1897, vol. I, p. 26) — fora sumamente injusta, porquanto o melhor amigo do Exército era o Imperador.” A imprensa, agitando a opinião, foi a causa maior da perturbação, no ânimo dos civis e dos militares: maior responsável, Evaristo da Veiga, no seu jornal a Aurora Fluminense. Como prêmio, honra lhe seja, “nunca fez parte do governo e morreu pobre”, disse dele Sílvio Romero: não chega para compensar o sofrimento coletivo. As revoluções são pecados contra a evolução: o Brasil sofria mais uma perturbação inútil e perigosa.

Ia seguir-se a anarquia, quando foi conjurada por 26 senadores e 36 deputados, reunidos no Senado, que nomearam regência provisória, composta dos Senadores Marquês de Caravelas, Nicolau de Campos Vergueiro e do brigadeiro Francisco de Lima e Silva. Procuraram restabelecer a ordem, com o ministério anterior a 5 de Abril. Mas a Assembléia Legislativa, com 35 senadores e 86 deputados, resolveu eleger a Regência Permanente Trina, na qual figuravam dois deputados, José da Costa Carvalho, depois Marquês de Montealegre, João Bráulio Moniz e o brigadeiro Francisco de Lima e Silva. O Padre Diogo Antônio Feijó, ministro da Justiça, reprimiu, logo a seguir, uma revolta de tropas e do povo.

Mas, nas províncias, a anarquia caminhava: na Bahia, uma sedição militar; em Pernambuco soldados rebeldes, e, logo depois, outra, que dura quatro anos; no Pará os rebeldes depõem o presidente antigo, matam o novo presidente nomeado e o novo comandante das armas, só subjugados depois de tropelias, em 37; é a Cabanagem no Maranhão, tropa e povo são reacionários, querem o poder absoluto, e são vencidos; no Ceará apareceu um partido “restaurador”, que o General Labatut reprimiu, sendo executado, em 34, o chefe, o coronel Joaquim Pinto Madeira; em Minas, em 33, sedição militar, sem maior importância; no Amazonas outro levante de soldados em 32, 33, com morticínio e crimes; em Mato-Grosso revolta de alguns meses. Foi um andaço: contágio vindo do Rio.

Foi criada a Guarda Nacional; extintos os corpos de milícia; instalou-se o Tesouro Nacional, cujas sucursais nas províncias seriam as Tesourarias Provinciais. Assembléias Provinciais sucedem aos Conselhos Gerais das Províncias. É sancionado o Código do Processo Criminal. Suprime-se a Casa de Suplicação e, imitação, a moda liberal do Júri. As Escolas Médico-Cirúrgicas transformam-se em Faculdades de Medicina e Cirurgia, da Bahia e do Rio de Janeiro. O Ato Adicional, de 34, corrige a apertada centralização constitucional e devolve, às províncias, a instrução primária, que a Constituição garantia a todos os brasileiros, condenando-os ao analfabetismo da maioria, até hoje; o Município Neutro é o da Capital ou Corte do Brasil, no Rio de Janeiro.

Os partidos incipientes ensaiam a luta pelo poder: o “Moderado” era o dos Regentes; o “Restaurador” ou “Caramurú”, sebastianista, queria a volta de Pedro I, que, morrendo em 34, desfaz vãs esperanças; o “Exaltado” já era republicano. José Bonifácio, agora culpado de reacionário, é suspenso da tutoria dos príncipes e preso em Paquetá. Em 7 de Abril de 35, como ordenara o Ato Adicional, procede-se, em todo o país, à eleição do regente, sendo eleito o candidato moderado, Padre Diogo Antônio Feijó. Em 37, o General Soares Andréa pacifica, enfim, o Pará. Mas há os Farrapos, revolução no Rio Grande, encabeçada pelo coronel Bento Gonçalves, que depõe as autoridades. Vencidos pelas tropas, que a Regência confia a José de Araújo Ribeiro, proclamam a República de Piratinim; são destroçados e de novo reagem, por muitos anos, com diverso sucesso. Giuseppe Garibaldi, casado com uma catarinense, Anita, inaugura sua vida de caudilho, nessa guerra Farroupilha. Organiza-se nas Câmaras o Partido Conservador, graças aos esforços e talentos de Bernardo Pereira de Vasconcelos, o fundador do Colégio, depois de Pedro II, em 37. A oposição é maioria e o Regente Feijó nomeia ministro do Império ao Senador Pedro de Araújo Lima, para entregar-lhe o poder, a que renuncia, a 17 de Setembro de 37. Araújo Lima, depois Marquês de Olinda, é regente eleito, no ano seguinte. Na Bahia há a repressão da Sabinada, rebelião republicana, que promovera o Dr. Sabino Álvares da Rocha Vieira; no Rio Grande do Norte é assassinado o Presidente; no Maranhão, começa a pacificação (38-41), operada pelo Coronel Luiz Alves de Lima e Silva, agora Barão de Caxias, que chegará a ser o maior titular do Império. Funda-se o Instituto Histórico, grande associação cultural (38). Os Farrapos continuam...

O cansaço da desordem e da rebeldia fez desejar Dom Pedro II, embora menor. O Exército que derribara Pedro I, fora dissolvido por Feijó. A paz organizou-se. A 13 de Maio de 40 uma lei declara Dom Pedro de Alcântara “maior”, antes de perfazer os dezoito anos constitucionais (nascera a 2 de dezembro de 25). Consultado, pronunciou o “quero já” e, no dia 23 de julho de 30, Câmara e Senado reunidos proclamam Imperador do Brasil a S. M. o Sr. Dom Pedro II, coroado a 18 de Julho de 41.

A Regência foi, num interregno, uma experiência. Não ousou a reação sebastianista da restauração de Dom Pedro I: aliás não seria possível, ocupado com as lutas liberais e o trono da filha, D. Maria II, em Portugal, e falecido em 34; não ousou também a inovação da República, sugestão coletiva da América, que adotara geralmente esse regime, lisonjeiro e convidativo aos políticos e militares, que nele mandam mais discricionariamente que os príncipes, nas monarquias. Mas Nabuco repete: “a regência fora uma experiência republicana”; aprendemos a dispensar, com êxito duvidoso embora, a tradição dinástica. Seria experimentada.

DOM PEDRO II
Constituído o ministério, de que faziam parte dois Andradas, Antônio Carlos e Martim Francisco, conspiradores pela maioridade (José Bonifácio, o ex-tutor, falecera em 38), o primeiro grande ato do monarca é a anistia geral, de 22 de agosto de 40. Motins em São Paulo e Minas em 42, contra os quais é mandado o Barão de Caxias, que consegue vitórias e pacificação. Mandado contra o Rio Grande, vence em Triunfo e Camaquan os rebeldes republicanos, que Bento Manuel desbarata em Ponche Verde, e Marques de Sousa, depois Conde de Porto Alegre, em Piratinim, e Pedro de Abreu, depois de Jacuí, também rechaça. Tratam então de paz com o Governo, e Canabarro, pelos insurrectos, e Caxias, pelo Governo Imperial, proclamam o fim da revolta: durara mais de nove anos (34-45). Em Pernambuco, em 48, sublevam-se rebeldes no Pau de Alho, sendo um dos chefes o Desembargador Joaquim Nunes Machado, prisioneiro na investida contra a capital da província, defendida pelo presidente Manuel Vieira Tosta, depois Barão de Muritiba, e General José Joaquim Coelho.

Com a Cisplatina não se acabaram nossas intervenções no Prata. Dois partidos ou facções, Colorados e Blancos, disputam o poder, no Uruguai. João Manuel Rosas, o tirano da Argentina, é contra os Colorados e os Brasileiros seus parciais, que lhe contrariam os planos de dominação. Em 51 o Governo Imperial intervém, associando-se a Rivera e Urquiza, contra Oribe e Rosas. Caxias, Porto Alegre e o Almirante Grenfell invadem o território do Uruguai, batem Oribe em Las Piedras e ocupam Montevidéu; com Urquiza forçam Toneleros, batendo completamente Rosas em Monte Caseros: o tirano foge num navio britânico para a Inglaterra (51). O nosso lucro foi apenas a demarcação da fronteira.

A questão Christie é de 62. No Rio Grande do Sul naufraga em 61 uma barca inglesa, Prince of Wales, cujos salvados, atirados à praia, são roubados; na Tijuca, três oficiais da fragata inglesa Fort, passeando à paisana, são presos: o Ministro britânico William Dougal Christie pede, a 5 de dezembro de 62, indenização e satisfação. Julgadas insuficientes, o Governo Inglês apreende cinco embarcações brasileiras, levadas para Las Palmas. O brio nacional despertado agita-se em publicações veementes: a Leopoldo I, rei dos Belgas, é devolvida a arbitragem, pela qual o Brasil paga 3.200 libras de indenização (63). Aos bons ofícios de Portugal, restabelecem-se as relações diplomáticas entre a Inglaterra e o Brasil.

GUERRA COM O PARAGUAI
O domínio jesuíta no Paraguai fora memorável experiência, de coesão obediente. Separado de Espanha em 1813, o ditador Francia governa com autoridade; morto em 40, Carlos Antônio Lopez é o novo ditador, até 62, preparado o filho, na Europa, para a sucessão. É Francisco Solano López, que tomou parte na guerra de Rosas, tem grandes bens e sonha uma glória “napoleônica”. Desde 50 o Brasil trata, com a república, livre navegação no Rio Paraguai (nosso acesso a Mato-Grosso), que Carlos Antônio López dificulta. No Uruguai, o Presidente Aguirre maltrata a Brasileiros do território neutro: o Governo Imperial protesta e depois da missão diplomática Saraiva, manda Mena Barreto, por terra, com 4.000 homens, e por mar, diante de Montevidéu, o vice-almirante Marques de Sousa, depois Marquês de Tamandaré, exigindo, por ultimatum, cessação dos vexames. Aguirre devolve o ultimatum e os imperiais violam a fronteira, enquanto a frota exercerá represália às violências. Aguirre invoca Solano López, que declara não assistirá impassível à invasão do Uruguai pelos Brasileiros.

Aguirre, exasperado, comete atos de violência contra o Brasil: os Brasileiros invasores, reunidos aos insurrectos Uruguaios, que comanda Venâncio Flores, conseguem as vitórias de Salto e Paisandú. Montevidéu é bloqueada, por terra e mar (65); Aguirre foge para Buenos Aires e outros dos seus parciais refugiam-se no Paraguai. Flores assume o poder, no Uruguai. O vapor brasileiro Marquês de Olinda, que levava para Mato-Grosso o presidente Carneiro de Campos, é aprisionado à passagem em Assunção, e ele encarcerado cruelmente (11 de novembro de 64), vindo a morrer, atormentado, em 67. É o começo da Guerra do Paraguai. Ao mando do General Barrios 6.000 homens tomam Nova Coimbra, Albuquerque, Corumbá, Miranda, Nioac e Dourados, ao sul de Mato-Grosso.

O Peru, a Bolívia e o Chile declaram-se neutros. Para atingir o Paraguai precisamos do Uruguai e da Argentina, no caminho. Tanto o Brasil como o Paraguai pedem licença à Argentina, para passagem de tropas no seu território, o que é recusado. Mas López invade Corrientes, captura dois navios argentinos e ocupa a margem esquerda do Paraná. Trata-se, então, em Buenos Aires, a Tríplice Aliança, (1 de Maio de 65) pela qual a Argentina, o Brasil, o Uruguai, unidos, marchariam contra o Paraguai: o general em chefe será o presidente da Confederação Argentina, enquanto as operações, de nosso lado, tivessem base nesse país; o almirante Tamandaré seria o comandante da esquadra; as depesas seriam dos três governos; a guerra não cessaria senão mudando o governo do inimigo. O Brasil daria o contingente de 45.000 homens; 25.000 os Argentinos, nunca realizados; os Uruguaios eram apenas 1.600. López tinha um exército aguerrido e municiado, de 80.000 homens. Por isso a guerra nos vem a custar cerca de 100.000 homens, durante cinco anos, e 500.000 contos. Os sucessos, até o termo, merecem relevo.

A 11 de junho de 65, na foz do Riachuelo, afluente do Rio Paraná, perto de Corrientes, oito navios paraguaios, rebocando seis baterias flutuantes, desceram a corrente a todo vapor, passaram pela esquadra brasileira, viraram de direção e romperam o fogo. Com oito navios, o chefe de divisão Francisco Manuel Barroso, depois Barão do Amazonas, nascido em Lisboa, enfrenta-os, e inaugura nova tática de ataque, acometendo com o esporão do seu navio, a fragata “Amazonas”, ao inimigo, ato de grande sucesso náutico, perdendo os Paraguaios quatro vapores, seis baterias flutuantes e mais de mil homens: nós apenas perdemos a corveta “Jequitinhonha”, encalhada no começo da refrega. São heróis nossos Pedro Afonso, Greenhalgh e Marcílio Dias.

Contra os Uruguaios entra López, com 12.000 homens, ao mando de Estigarribia e Duarte, que saqueiam São Borja, repelindo Mena Barreto. Flores e Paunero batem Duarte e cercam Estigarribia em Uruguaiana, cortando-lhe a retirada para o Paraguai. Estigarribia e suas tropas entregam-se ao Imperador do Brasil, que, com os genros Conde d’Eu e Duque de Saxe, haviam acorrido ao teatro da guerra (17 de Setembro de 65): é a rendição de Uruguaiana. Por solicitação dos Estados Unidos — a princípio simpáticos aos Paraguaios — o Peru, o Chile, a França e a Inglaterra propõem um termo à guerra, que o Brasil recusa.

Os aliados tomam Corrientes, onde estabelecem base de operações, hospitais, depósitos de munições. Atravessam o Paraná em Passo da Pátria, defronte do forte de Itapirú, que é tomado por forças de Osório e frota de Tamandaré, depois de duro combate, a 25 de Abril de 66. A 24 de Maio é o triunfo de Osório em Tuiuti. Porto Alegre toma, com 9 mil homens, Curuzú. Curupaiti é um completo revés. José Joaquim Inácio substitui Tamandaré, Caxias é o comandante dos Brasileiros, e, por ausência de Mitre, chamado a jugular a revolta de um dos Estados da Confederação, o chefe dos aliados. Contorna então as linhas fortes de Rojas e avança, por um rodeio de nove léguas, até a margem esquerda do rio Paraguai, impedindo as comunicações do inimigo com a sua capital. Caxias concentra-se em Tuiuti.

O presidente Couto de Magalhães consegue, com os próprios recursos, libertar a sua província de Mato-Grosso. A 15 de Agosto de 67 a esquadra subia até Humaitá, infranqueável. Os Paraguaios atacam com 9 mil homens, sendo rechaçados pelos nossos, em Tuiutí. Caxias é de novo chefe dos aliados, reclamado Mitre ao sul, onde assassinam Flores, em Montevidéu. Os navios brasileiros, comandados pelo capitão de mar e guerra Delfim Carlos de Carvalho, a 19 de Fevereiro de 68, conseguem, corajosamente, franquear a passagem de Humaitá; nesse ato distinguiram-se Jaceguay, Maurity e Custódio de Melo, tomando os nossos o forte do Timbó.

A 22 de Março desse ano, o general Argolo toma as linhas de Rojas. Ocupou-se Curupaiti e Osório ataca a fortaleza de Humaitá, retirando-se o inimigo pelo Chaco e entregando-se sem mercê. Caxias segue contra Assunção (26 de Agosto de 68), chega ao Tebiquari, sofrendo dos representantes de Inglaterra e dos Estados Unidos violação do bloqueio. Contorna Angostura, acomete os Paraguaios pela retaguarda, vence na Ponte de Itororó, toma Villeta. Mena Barreto toma Piquisiri e Caxias Lomas-Valentinas, fato que determina a rendição de Angostura (30 Dezembro de 68). Distinguem-se nesses sucessos Mena Barreto, Andrade Neves, Argolo Ferrão, Antunes Gurjão, Correia da Câmara, Tibúrcio de Sousa. A marcha termina em Assunção (3-5 Janeiro de 69), abandonada; Silva Paranhos instala um governo provisório na Capital do Paraguai, a 15 de Agosto de 69. Segue-se a perseguição a López, fugitivo.

Como a guerra se prolongasse e a impaciência pública fosse grande pela terminação dela, o Imperador nomeia general em chefe ao Príncipe Gastão de Orleans, conde d’Eu, que, estudado no terreno um novo plano de campanha, empreende a perseguição dos Paraguaios fiéis ao ditador. Vence em Peribebuí, em Caraguateí, em Campo Grande; López refugia-se nas montanhas. Mandado no seu encalço o General Correia da Câmara, depois Visconde de Pelotas, alcança-o em Cerro-Corá, na margem esquerda do Aquidaban, afluente do Paraguai, a 1.º de Março de 70: recusando entregar-se, é morto pelo soldado Chico “o Diabo”.

Dessa campanha, — em que fomos provocados e tivemos de suportar a aliança, topograficamente indispensável, de Argentinos e Uruguaios, operamos atos de bravura, sofremos privações e epidemias, gastamos meio milhão de contos, derramados no Prata, sem compensação econômica nacional, e sacrificamos uma centena de milhar de brasileiros, voluntários a maior parte, recrutados às vezes, — não há motivo de jactância, mas há a satisfação do benefício produzido: libertamos o Paraguai e a América do Sul de um tirano, que armara os seus Guaranis contra a civilização: pensavam, fanatizados, os que morriam em campanha, ressuscitar em Assunção.

ABOLIÇÃO DOS ESCRAVOS
A escravidão não fora inventada para o Brasil. Os negros de África foram a mão-de-obra na América, por três séculos. Só o Brasil recebeu 3.300.000 desses Africanos (Simonsen). Mas o Brasil foi o último país do mundo a ter escravos, quando, por toda parte, já existia o trabalho livre. Precursores da abolição foram Manuel Ribeiro da Rocha, advogado na Bahia, em 1758; o jornalista de São Paulo, Veloso de Oliveira, em 1810. No projeto de Constituição, em 1823, cuidara do assunto José Bonifácio. Ferreira França, em 38, dá cinqüenta anos para a extinção gradual: coincidiriam, com a data imposta pela imprevisão. César Burlamaque em 39, Caetano Alberto Soares em 45, Perdigão Malheiro em 63, o Visconde de Jequitinhonha e Silveira da Mota no Parlamento, foram precursores. Tavares Bastos, desde 63, principalmente Castro Alves, desde 65, agitam a opinião e os versos deste preparam a geração libertadora, da res sacra, res integra, diz Joaquim Nabuco, que era a escravidão no seu tempo, e que ele faz o crime odioso do Brasil. O “Brasil é o negro”, dizia, ainda muito depois, Silveira Martins.

A Inglaterra, desde o começo do século, empreendera a luta contra o tráfico de africanos. Navios faziam a polícia dos mares e apreendiam os barcos negreiros: no Congresso de Viena obtivemos a satisfação de 300.000 libras, indenização dos prejuízos sofridos por nós, com o infame negócio. Nesses cruzeiros, até às nossas águas territoriais, vinham as patrulhas britânicas. A opinião comoveu-se e, por Paulino de Sousa e Eusébio de Queiroz, o Parlamento votou a lei de 50, abolindo o tráfico, só em 54 realizado, dadas as sanções.

Estava estancada uma das fontes: havia, agora, os nascidos escravos. Dom Pedro II recebe da Junta Francesa de Emancipação um apelo pela liberdade e faz responder que a abolição da escravidão é questão apenas de tempo. Pimenta Bueno, depois Marquês de São Vicente, apresenta projetos sobre o elemento servil: era o nome usado então (66). Em 70, o deputado Teixeira Júnior provoca o debate e toma parte, com os abolicionistas João Alfredo e Pereira Franco, no Ministério Pimenta Bueno, ao qual sucede o do Visconde do Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos, que faz votar a lei do ventre livre (71), sancionada pela Princesa-Regente D. Isabel, condessa d’Eu. Em 1885, a libertação proposta dos escravos velhos, de Rodolfo Dantas, termina na lei Saraiva, da liberdade dos sexagenários, que é sancionada no Governo Cotegipe. Agitação abolicionista desencadeou-se no Parlamento, na Imprensa, nos comícios: Jaguaribe, Nabuco, Ferreira de Menezes, Gusmão Lobo, José do Patrocínio, Ferreira de Araújo, Rui Barbosa... são nomes a citar entre tantíssimos. Duas províncias, Amazonas e Ceará, não têm mais escravos, vendidos quase todos os do norte para a “mata do café”, ao sul. A agitação das ruas levou o Governo Imperial, no trono a Princesa Regente, a confiar o poder a João Alfredo Correia de Oliveira, que fez apresentar o projeto de abolição incondicional, sancionado a 13 de Maio de 88.

Moralmente, foi um sucesso: éramos o último povo da terra a ter, oficialmente, a escravidão (continua, sob o eufemismo de “trabalhos forçados”, de que se ocupa a Sociedade das Nações, nas colônias asiáticas e americanas, de puritanos países da Europa...) Materialmente, uma desgraça: não tínhamos senão em parte de S. Paulo o trabalho livre, ocorreu no começo da safra de café, por isso perdida, arruinada a lavoura da província do Rio, a mais importante no momento, com esse roubo, propriedade garantida pelo Estado, espoliada sem indenização e sem sequer assistir aos negros forros, que, abandonados, incapazes de ganharem a vida, invadiram as cidades e as capitais. Foi, menos pelos escravos, do que contra os senhores, a abolição. Depois de decretada, a grande preocupação, após as festas, foi a queima dos livros, para impedir a indenização. Arruinaram-se os lavradores e, sem trabalho livre organizado, a lavoira. Os conservadores expoliados uniram-se aos liberais na decepção e facilitaram aos republicanos(1). Custou o trono à Princesa Redentora, que pagou por todos. O Brasil pagou mais.

A monarquia deixava-nos um país de 14 milhões de habitantes, 195 mil contos de receita pública, o que era pouco, mas respeitado na América do Sul, com bom nome na Europa, tradição e crédito: cada brasileiro devia então 13$500; crescemos em população e orçamento; infelizmente perdemos a hegemonia no continente sul-americano e o crédito, por sucessivas suspensões de pagamento, não é grande, nem na América, nem na Europa. Com os empréstimos externos esbanjados e a emissão de apólices e papel moeda para cobrir os deficits, chegamos, 50 anos depois, a dever, cada brasileiro, 900$000. E não paramos. Do Império se disse que era o “dificit”: a República não mudou... É triste dizê-lo, mas história não é apologia e o patriotismo não exclui as verdades amargas, que podem ser tônicas.

A REPÚBLICA
O exemplo dos Estados Unidos da América do Norte em 1776, seguido, no começo do século imediato, por todas as nações do continente, seria imperativo. A Revolução Francesa, do fim do século XVIII, seria um adjuvante (1789-93). Contudo, a presença, aqui, de um príncipe liberal, no país feito metrópole, impediu pensar em autonomia, até 21. Dom Pedro e José Bonifácio, que fazem a Independência, fazem-na com a monarquia unitária.

Recordemos, porém, em 1640, o iletigimismo dos Paulistas, proclamando, se não é lendário, “Amador Bueno nosso rei”. Em 1710, na “Guerra dos Mascates”, fala-se em república. Em 89 e 98, bouvera as aventuras malogradas das Conjurações Mineira e Baiana e em 1817, em Pernambuco, já é uma revolução e outra a de 1824. Em 25, é a “república de Piratinim” no Rio Grande. Em 37, é a “Sabinada”, na Bahia. Castro Alves definira: “República, vôo ousado, do homem feito condor”... No Rio é publicado o manifesto de 70, onde aparecem os nomes de Saldanha Marinho, Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo. Funda-se o Clube Republicano, e começa a propaganda. Na Escola Militar professa Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Em 84, São Paulo elege deputados a Prudente de Morais e a Campos Sales; Minas, a Álvaro Botelho.

Em geral, os servidores do Império, na oposição ao partido no poder, trabalham pela república, depondo do Imperador e da dinastia. Também o Imperador, disse a malícia, teria caprichos pessoais, julgados severamente. Os preferidos que sobem ao poder, são os que difamam o Imperador: pode fazer-se uma antologia “republicana” das ironias e das maldades com que cobriram Pedro II, em épocas diversas, os Sales Torres Homem, Antônio Carlos, Holanda Cavalcanti, Alves Branco, Nabuco de Araújo, Paraná, Olinda, Paranhos, Cotegipe, Zacarias, Saraiva, Ferreira Viana, Ouro-Preto... Lafayette é recomendado pelo Manifesto de 70; será Presidente do Conselho Martinho Campos, que lembra a S. M. que ainda há a barra, por onde saiu o Pai, e por onde o Filho também pode ir... Profético. Todos falam do “poder pessoal”. Eusébio de Queiroz dissera que não se podia ser ministro segunda vez, com Pedro II. O “César caricato” esmaga os homens “como cabeças de papoila”.

Ninguém tem amor à instituição: nem mesmo Pedro II, cujo desprendimento do trono, como fora o de Pedro I, é manifesto e declarado: apenas “o país não estava preparado para a república”. É exato que não tem amigos — e José de Alencar, na Guerra dos Mascates, o seu romance, sob os traços do governador, profetizou, em 74, o seu fim: “Foi muito caluniado em seu tempo, acabando por lhe faltarem os amigos e defensores, em qualquer dos partidos, até mesmo naquele a quem por último se entregara. É a sorte dos caracteres dúbios e perplexos que dirigindo todo seu esforço a manter-se em equilíbrio entre as idéias e os homens, quando uma vez falseiam, não acham esteio e despenham-se”. Esse, o equilíbrio que procurava Pedro II, indiferente às pessoas, apenas preocupado com a imparcialidade de sua magistratura: “A honra do meu reinado, disse ele, só pode ser cumprir a Constituição que jurei”. Era um soberano condenado... Os seus políticos, que também não amavam a monarquia, são cruéis com a dinastia: todos difamam o seberano que a serve. A bonomia imperial, — aqui, de casaca e chapéu de chuva, em passeio em Paris, democraticamente no teto dos ônibus; aqui “já sei”, “já sei”, lá visitando sábios e suportando ironias de escritores; a “nobreza”, adventícia, que aliás vinha de pai e avô, sem compustura, recrutada entre os que dão dinheiro para obras imperiais e as gratificações político-eleitorais, (no fim do Império eram tantos os fidalgos por decreto, que se dizia, nas ruas: “Foge, cão, que te fazem barão!” — “Mas para onde, se me fazem visconde?”); os tempos novos, a “sugestão da América”, tudo nos conduz à República. A erosão e o esgotamento do vale do Paraíba vem trazendo a ruína da lavoira cafeeira da Província de Rio e do Norte da de S. Paulo. A esse mal ocorre-se com remédio con­tra­pro­du­cen­te. O grande impulso é a libertação dos escravos, imposta aos Conservadores, inopinada, sem indenização, que arruinou de todo a lavoura, de onde, agudíssima a crise econômica, mais eficiente porque atinge todas as classes da sociedade: 13 de Maio foi véspera de 15 de Novembro.

O pretexto imediato, causa ocasional que sempre aparece, foi uma “questão militar”, já em torno do general Deodoro da Fonseca. À ascenção do Visconde de Ouro Preto, dois deputados, Cesário Alvim e P.e João Manuel de Carvalho, declaram-se republicanos. Itinerante, Silva Jardim, propaga a república pelo Brasil, com as honras da perseguição policial. Um levante militar está próximo contra o Ministério, encabeçando a conspiração o general Deodoro, que, entretanto, “quisera acompanhar o enterro do Imperador”. Não lhe espera a morte, todavia, porque os republicanos o cercam, com Aristides Lobo, Quintino Bocaiúva, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que querem a deposição da monarquia. Contudo, Capistrano de Abreu pretendia que, em 15 de Novembro de 89 e em face da indecisão — apenas o ministério, como queria Deodoro, ou também o trono, como queriam os republicanos? — proclamara ele o novo regime, escrevendo no quadro negro, à porta da Gazeta de Notícias, o jornal onde colaborava, a informação: “Está proclamada a República”. Quem passava pela rua do Ouvidor, todo o mundo, lia e saía repetindo.

Estava proclamada a república, vieram a saber os conspiradores contra o governo. Disse Aristides Lobo: “O povo assistira a tudo bestializado”. Não foi assim: assistira, indiferente. Nas províncias é simbólico o que aconteceu ao inferior militar que, em Corumbá, recebeu a notícia da proclamação da república, no Rio, pelo telégrafo: julgaram-no doido, foi metido em prisão segura e, depois, confirmada a notícia inesperada, deram-lhe alvissaras...

Proclamou-se a 15 de Novembro de 1889, com um Governo Provisório, à frente do qual estava Deodoro, feito “generalíssimo”. (A América é superlativa: Lopez, fora “el Supremo”). Foi banida a Família Imperial. Só houve a efusão de algum sangue, o do barão de Ladário, ministro da Marinha, que virá anos depois a ser senador da República. No paquete “Alagoas” seguiram para a Europa o Imperador deposto — que recusa os cinco mil contos que lhe dão por compensação — e a sua Família. Faleceu o Soberano em Paris, a 5 de Dezembro de 891. Foi virtuoso, bem intencionado, mas sem poder ou capacidade para educar o país novo que lhe coube. Contudo, a monarquia no poder, pacificado o império, por quase meio século nos privou do caudilhismo, que imperava, ao tempo, na América Espanhola.

Iremos, na República, desforrar o tempo perdido.

A República, nascente, não teve começos tranqüilos. Deodoro, chefe do Governo Provisório, forçou a eleição a 1.º Presidente constitucional. À oposição, dissolveu o Parlamento. O vice-presidente que lhe deram, o general Floriano Peixoto que encabeça a reação legal, depõe-no, em 91. Sob a acusação de querer continuar no governo além do prazo constitucional, surge a Revolta da Armada em 93, sob a chefia dos almirantes Custódio José de Melo e Saldanha da Gama, vencidos finalmente. Floriano é o consolidador da República, mas deixa o poder no tempo legal. Restabelece-se assim a ordem civil, sendo eleito 2.º Presidente, Prudente de Morais. Daí para cá tem vivido em vicissitudes. Da mística abolicionista que esperava o milagre do Brasil regenerado, caímos, pela decepção, na mística republicana... a decepção desta onde nos levará?

É natural: não temos e não podemos ter, ineducados, uma democracia — que pressupõe governo instruído e livre, monárquico ou republicano, — sem educação preliminar do povo para exercer o direito de escolha dos seus representantes, para cumprir os deveres de disciplina e tolerância. Pela estatística “oficial”, os analfabetos do Brasil são, em 1872, 84%; em 1890, 85%; em 1900, 74%; em 1920, 75%. A minoria, se sabe ler e escrever, não tem, toda, a educação cívica indispensável. O que existe aqui, sob o nome de democracia, é apenas uma oligarquia político-militar, construída por políticos profissionais e militares que desdenham sua profisão, para a qual os nomes “monarquia” ou “república” são vestidos exteriores, desajeitados e sem medida. O Presidente Garfield dizia, dos Estados Unidos, em 77: “Um governo como o nosso, profetizou Macaulay, há-de necessariamente dar na anarquia e no separatismo; desmentir tal vaticínio só o poderá o mestre-escola. Se conseguirmos encher o espírito de nossos filhos, futuros eleitores, de conhecimentos que os habilitem a votar com acerto, e lhes incutirmos o espírito de liberdade, estará frustrado o sinistro presságio. Mas, se, pelo contrário, os deixarmos crescer na ignorância, então essa república se desmanchará em desastrosa decepção.” O mestre-escola americano respondeu. Com ele, o Povo e o Estado. Nós marchamos para o abismo. As leis liberais, as Constituições, não bastam. Já Condorcet, o filósofo e revolucionário francês, dissera: “uma constituição livre, que não corresponda à universal instrução dos cidadãos, destruir-se-á por si mesma, após algumas tormentas e degradação, em forma de governo inepta para manter a paz num povo ignorante e corrompido”. Nós, prestígio da ineducação, somos mais endurecidos ou impermeáveis que São Tomé: nem vendo, cremos.

O regime republicano, entretanto, piorou-nos a situação. A nossa Constituição do Império, de 24, inspirada nas idéias liberais francesas do século XIX, Benjamin Constant à frente, era mais liberal do que a Constituição Americana de 1787, provinda do absolutismo do século XVIII, Montesquieu por inspirador, constituição que bavia de sugerir a nossa, de 1891. Retrogradamos. Com efeito, o presidencialismo americano é uma monarquia absoluta a curto prazo, mitigada pelo revezamento e pela federação. O Parlamento monárquico — embora mal imitado e mal exercido — era uma escola de administração e de governo: os ministros e presidentes eram discutidos e a opinião fazia-se pelo debate; o parlamento não votava só: debatia entre si, era uma escola mútua; chefes de polícia e presidentes de província eram enviados a pontos diferentes do país e tinham assim experiência das necessidades do Brasil, não fixados nas suas pátrias regionais; contudo o Imperador preocupava-se demais com a Faculdade de Medicina e o Colégio D. Pedro II, teses de concurso e exames da humanidades e, embora justo e bom, não tinha educação, que não recebera, de soberano de país novo, que mais carece de utilidades imediatas da vida, do que das aquisições suntuárias da cultura — hebreu, astronomia, visitas a academias e convívio com sábios e letrados... — mas não era impermeável à experiência, e, ainda na sua última fala do trono, deseja a transferência do “poder pessoal”, o poder moderador, ao Supremo Tribunal... Esse “poder pessoal”(2) era nulo, comparado com o que conseguiram, no presidencialismo, os chefes da nação. Como quer que seja, monarquia ou república, são formas superficiais de governo, traduções e, portanto, traições nacionais a tais regimes, principalmente pela falta de educação popular. A Inglaterra monárquica e a América do Norte presidencialista, as mais livres nações do mundo, o atestam. Instrução, educação, não dão felicidade mas permitem saber melhor onde encontrar a felicidade. Ora, três quartas partes dos Brasileiros, diz a estatística oficial, não sabem sequer ler ou escrever, como saberem governar ou escolher os que nos governam?

A monarquia viveu e vivia a república, graças a uma condição psicológica, “supletiva”, bem compreensível. Com a “maromba” ou a “gangorra” dos dois partidos monárquicos, que se revezavam no poder, a necessidade, bem humana, de mudança, de alívio, vinha, a cada alteração de governo. Quando a tensão era ameaçadora, o partido Conservador caía e subia o Liberal (liberal e conservador apenas nos nomes), que ia acumular nova tensão, para cair, e tornar o outro. Assim viveu o Império equilibrista, manobrando o Imperador a válvula de segurança. Na República, sem partidos, dois grandes Estados substituíram a alternativa, e Minas e São Paulo disputavam o poder, atrás de cada um deles uns tantos Estados menores, caudatários. Quando, porém, os Presidentes pensavam em continuar (continuar para nomeações, demissões, promoções, emissões... pois não há mais...) por um dos seus amigos ou prepostos da mesma província, cismos políticos, que foram crescendo de importância e gravidade (considere-se: Prudente-Campos Sales: cisão do P. R. P, partido republicano federal; Rodrigues Alves-Bernardino de Campos: candidatura mineira imposta, presidente abandonado; Afonso Pena-Campista: condidatura militar, abalada a ordem civil; Washington Luis-Júlio Prestes: revolução do sul ao norte). Assim foi e será assim, pois que não tivemos a coragem da Convenção Francesa, nem da grande República Americana, de, geograficamente, fazer Estados ou departamentos mais ou menos iguais, para iguais direitos e deveres, na comunidade: então, inevitavelmente, uma família política, desunida, desavinda, José e seus irmãos, um mais forte ou mais rico, os outros espoliados e invejosos. Assim, como vai, é a separação, se não ocorrer desgraça maior à imprevidência e à ineducação: não conservaremos o grande legado de Portugal. A prevenção é patriótica. Quem me avisa...

Durante os quase 50 anos de República poucos fatos históricos memoráveis. Em 93, a Revolta da Armada, vencida. A ilha da Trindade, de que se apossara a Inglaterra, é restituída, por arbitragem de Portugal, representado pelo Marquês de Soveral, nosso advogado o Ministro Sousa Corrêa. Em 95, laudo do Presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland, dá ganho de causa ao Brasil, na questão das Missões com a Argentina, nosso advogado o Barão do Rio Branco. Em 97, rebelião de fanáticos no sertão da Bahia, vencidos, depois do sacrifício de Moreira César, Antônio Conselheiro e seus jagunços, pelas tropas do general Artur Oscar: valeu-nos, essa chacina da superstição, a obra vingadora de Euclides da Cunha: “Os Sertões”. Em 1900, decisão arbitral do Presidente da Suíça, Walter Hauser, da questão do Oiapoc-Amapá, a favor do Brasil, contra a França, nosso advogado o Barão do Rio Branco, o grande demarcador das nossas fronteiras. A restauração financeira com Campos Sales (98-02) e Joaquim Murtinho, é penitência memorável, que nos repõe no crédito. Sob Rodrigues Alves vem o saneamento contra a febre amarela, com Oswaldo Cruz; a urbanização do Rio, ora cidade moderna, com Pereira Passos; o porto, com Francisco Bicalho; obras que darão imitação a todo o Brasil, de prestígio econômico, além disso, pelos cais, docas, e edifícios, estradas. Rio Branco, ministro, elabora o Tratado de Petrópolis, pelo qual o Brasil, em 1903, por 2 milhões de libras, adquire à Bolívia a posse do Acre, povoado por Brasileiros, uti possidetis, território nacional acrescentado ao país. Em 1904 o rei da Itália resolve contra nós, dividindo ao meio o território litigioso que nos disputava a Inglaterra, próximo à Guiana Inglesa, nosso advogado Joaquim Nabuco. Rio Branco assina com o Colômbia (07), com o Peru (09), tratados de limites, e, pelo tratado de 09, restitui ao Uruguai o condomínio de navegação da Lagoa Mirim e Rio Jaguarão, ato raro de altruísmo internacional.

Miguel Calmon, ministro de 06-09, pela lei do povoamento do solo, proporciona a maior massa imigratória que jamais teve o país (quase um milhão de europeus, 927.802 imigrantes de 1906 a 1914, quando o total, de um século, de 1820 a 1920, foi de 3.461.615); pelo serviço de abastecimento de águas, do Xerém e Mantiqueira, dá ao Rio a boa água que teve, até um quartel de século depois; pela construção da Estrada de Ferro do Noroeste do Brasil liga Mato-Grosso à comunidade nacional, escusando o caminho comprido do Rio da Prata e Paraná-Paraguai, uma das causas da guerra e à nossa custa, enriquecimento de vizinhos pelos ônus da campanha contra o Paraguai: “Seria preciso esperar cem anos!” exclamava Euclides da Cunha, nas vésperas: mas fê-lo, sem alarde, um dos nossos raros homens de Estado. As explorações do General Rondon, para linhas telegráficas, dão o conhecimento da “Rondônia”, e o serviço de proteção dos índios, como o quisera José Bonifácio. A “Exposição de 1908”, que celebrou o Centenário da abertura dos portos (1808) foi um inventário industrial, e cultural, do Brasil.

Em 1917 o Brasil quebra a neutralidade na Grande-Guerra, ao lado dos Aliados: as escolas alemãs e italianas do sul são nacionalizadas. Com Arrojado Lisboa, o Presidente Pessoa começa as obras contra as secas do Nordeste, continuadas, depois, pelo ministro José Américo. A desastrosa valorização de café, iniciada pelo convênio de Taubaté (1906), expoliou por mais de trinta anos a lavoira, permitindo imenso parasitismo burocrático e conseguindo aumentar a concorrência dos produtores estrangeiros, protegidos à nossa custa. A safra que seguiu a tal convênio, 1906-7 atribuía-nos 82,5% da produção mundial; vinte anos depois, a de 1926-7 apenas nos concedeu 61,1%. Queimou-se café, — depois de produzido e transportado custosamente, 63 milhões de sacas, equivalentes a 2 ½ anos de consumo mundial... — e ainda importamos a “broca”. A borracha iria pelo mesmo caminho, se as plantações do Extremo-Oriente não tivessem aniquilado a nossa exploração, depredadora dos seringais.

“Um pânico de bolsa em Nova-York, em Outubro de 1929, bastou para suscitar uma crise internacional, cujo decurso era fatal, ineluctável, e que não poupou nenhuma atividade, nenhum país, em toda a extensão do globo” (Laffon-Montels, — Les étapes du capitalisme, Paris, Payot, 1938, p. 201). Na América foram revoluções políticas, por todo o continente necessariamente, em 29-30, causas ocasionais dissidências políticas que, em outra ocasião, nada produziriam. A cotação do café em 28 = 5 £, caiu, em 29, a 2 £ 15 sh. e, em 30, a 1 £ 18 e veio caindo, por aí abaixo, até 37.

A proteção excessiva à indústria distrai o Brasil de produtor de matérias primas, mantendo internamente, privilégios e monopólios abusivos, enquanto nos reduz à miséria cambial por escassez de exportação. De “essencialmente agrícola” vamos ficando “essencialmente industrial”(3): concorre para isso o envilecimento do meio circulante (Simonsen), três vezes multiplicado, câmbio a 1,5. O Brasil ficará em pouco apenas com a sua própria economia interna, “ensimesmado”, sem relações exteriores. Infelizmente não produzimos nem fabricamos tudo o que falta e não poderemos adquirir. Falta-nos educação popular; faltam-nos estadistas, que só podem trabalhar nela apoiados. O povo inculto espera o milagre e não compreende sequer que não há, no mundo terrestre, boa política sem boas finanças. O café, que nos proporcionou a prosperidade do século XIX, dando para tudo, entra em declínio. Como pairam ameaças estrangeiras sobre Santa Catarina e o Amazonas, recorremos a um paliativo, restringindo a imigração... A má... e a boa.

*

Portugal adivinhou, com Dom João II, o Brasil, em Tordesilhas. Descobriu-o, com Dom Manuel.

Colonizou-o e defendeu-o contra intrusos, com Dom João III. Os Jesuítas foram moral e educação. A dominação espanhola, que foi castigo no Reino, transformou-se, no Brasil, em comunidade, para nos estender fronteiras até os Andes e o Rio da Prata. Com Dom João IV, o Reino ainda ocupado pelo inimigo, não nos desamparou por isso contra o Flamengo. Pombal foi comércio e progresso. Com Dom João VI, é Portugal, uma cultura européia, que se instala na América. Pedro I, um príncipe português, dá-nos a Independência e Pedro II, seu filho, meio século de respeito. Independentes politicamente, é entretanto a mesma língua, raça, fé, sentimento e inteligência, que nos fazem idênticos. Possamos nós dizer, como o Épico: “de tal pai tal filho se esperava”. O trabalhador português colabora ainda aqui com o nosso e quando, um em cem, torna a Portugal, os bens aqui ficam, e o que vai são títulos brasileiros, a confiança fiel dos Portugueses.

Não quero, porém, que uma ternura suspeita, de português da América, remate este livro, que documenta, entretanto, tudo o que este epílogo resume. Dou a palavra a um insuspeito estrangeiro, que também documentou a sua, a Robert Southey(4), autor de uma História do Brasil: “Jamais houve nação que, na proporção dos seus meios, tanto fizesse como Portugal.” Para concluir, com a certeza da minha epígrafe: “Suceda o que suceder, sempre há-de ser o Brasil uma herança de Portugal”. E isto dá fé. De tal pai, tal filho se há-de esperar.

[imagem]
A Fronteira do Brasil em 1889 e sua Definitiva Fixação no Período Republicano
Cartografado por Cêurio de Oliveira


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Governos do Brasil desde a Abdicação do 1.º imperador

REGÊNCIA TRINA PROVISÓRIA (Abril a junho 1831)

Senador Marquês de Caravelas.
Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro.
Brigadeiro Francisco de Lima e Silva.

REGÊNCIA TRINA PERMANENTE (1831-1835)

Deputado José da Costa Carvalho.
Deputado João Bráulio Moniz.
Brigadeiro Francisco de Lima e Silva.

l.ª REGÊNCIA UNA (1835-1837)

Senador P.e Diogo Antônio Feijó.

2.ª REGÊNCIA UNA (1837-1840)

Senador Pedro de Araújo Lima.

IMPERADOR DO BRASIL

D. Pedro II (1840-18B9).
D. Isabel, Princesa Imperial regente (1871, 1876, 1888).

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (séculos XIX e XX)

Manuel Deodoro da Fonseca — Chefe do Governo Provisório e 1.º Presidente (1889-1891).
Floriano Peixoto, vice-presidente (1891-1894).
Prudente José de Morais Barros (1894-1898).
Manuel Ferraz de Campos Sales (1898-1902).
Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-1906).
Afonso Augusto Moreira Pena (1906-1909).
Nilo Peçanha, vice-presidente (1909-1910).
Hermes Rodrigues da Fonseca (1910-1914).
Wenceslau Braz Pereira Gomes (1914-1918).
Delfim Moreira,vice-presidente (1918-1919).
Epitácio da Silva Pessoa (1919-1922).
Artur da Silva Bernardes (1922-1926).
Washington Luis Pereira de Sousa (1926-1930).
Getúlio Dorneles Vargas (1930-.....).

1832 — Código do Processo. Instituição das Faculdades de Medicina e Cirurgia de Bahia e Rio de Janeiro.
1834 — Ato Adicional à Constituição, que atenua a centralização, retirada do Governo Geral, deixando às Províncias o ensino popular. Voyage pittoresque et historique du Brésil, de J. B. Debret (34-39).
1835 — Revolução federalista do Rio Grande. Escola Normal de Niterói. Regência do P.e Diogo Antônio Feijó, de 12 de Outubro, a 11 de Setembro de 37.
1836 — A navegação de cabotagem reservada aos navios nacionais. The History of Brazil, de John Armitage.
1837 — Fundação do Colégio de Pedro II.
1838 — Criação do Arquivo Público. Fundação do Instituto Histórico.
1839 — “Revista do Instituto Histórico”.
1840 — Declaração da Maioridade de Dom Pedro II (23 de Julho). Navegação a vapor na baía do Rio de Janeiro.
1841 — Correio: o Brasil adota os selos postais.
1842 — Rebelião em Minas e São Paulo. Hospício de Dom Pedro II (alienados).
1843 — Primeira linha de pequetes, entre França e Brasil.
1844 — Tarifa protecionista Alves Branco.
1845 — Pacificação do Rio Grande, que lutava desde 35. O “Bill” Aberdeen proibindo o tráfico negreiro. Primeiros cacaueiros plantados em Canavieiras, Bahia.
1848 — Revolução “praieira”, de Pernambuco. “Os Tymbiras”, de Gonçalves Dias.
1849 — Pacificação do Império, por Caxias. Invasão da febre amarela, no Rio.
1850 — Supressão do tráfico de Africanos. Receita pública, 31.500 contos.
1851 — Lei de viação férrea. Reforma dos Cursos médicos e cirúrgicos. Guerra contra Rosas, o tirano de Buenos Aires.
1852 — Calcula Roberto Simonsen o total dos Africanos introduzidos no Brasil, de 1535 a 1852, quando cessou o tráfico, em 3.300.000 escravos. Bandeira de Melo, de 1759 a 1852, calcula os escravos em 2.716.159.
1853 — Adoção oficial do “Método português de leitura repentina”, de Antônio Feliciano de Castilho.
1854 — Inauguração dos telégrafos. Iluminação do Rio de Janeiro a gás, por Mauá. Couto Ferraz calcula os habitantes do Brasil em 7.677.800. Instituto dos Cegos. “História Geral do Brasil”, de Francisco Adolfo Varnhagen.
1855 — Início da Estrada de Ferro Central. Invasão do cólera-morbus (55-61).
1856 — Instituto dos Surdos Mudos. “Confederação dos Tamoios”, de Gonçalves de Magalhães.
1857 — “O Guarany”, de José de Alencar.
1858 — Liceu de Artes e Ofícios, do Rio de Janeiro.
1859 — “Brasil pitoresco”, de Charles Ribeyrolles.
1860 — “Primeira missa no Brasil”, tela de Vítor Meireles.
1862 — Questão Christie. Intervenção na guerra civil do Uruguai. Código do Processo. “Diário Oficial”. Companhia Ferro Carril do Jardim Botânico, no Rio (inaug. em 68).
1863 — “Le Brésil Litteraire”, de Ferdinand Wolf.
1864 — Guerra contra o Paraguai (64-70). “Les côtes du Brésil”, de Ernest Mouchez (63-90).
1865 — Tratado da Tríplice Aliança, para a Guerra do Paraguai. Decisão por Leopoldo I, rei dos Belgas, da questão Christie. Batalha de Riachuelo (11 de Junho). “Iracema”, de José de Alencar, o romance das duas raças formadoras do Brasil.
1866 — Batalha de Tuiuti. Passagem do Paraná. “O Vale do Amazonas”, de Tavares Bastos.
1867 — Abertura do Amazonas ao comércio do mundo. Decreto sobre a criação e regime das colônias do Estado.
1868 — Batalha de Humaitá.
1869 — “Voyage au Brésil”, de M. e Mme. L. Agassiz. Entrada dos Aliados em Assunção. Tarifa Itaborahy, com prenúncios de protecionismo industrial.
1870 — Fim da Guerra do Paraguai. Receita pública: 95.000 contos. Manifesto republicano. “Rio City Improvements”, de águas servidas do Rio. “Geology and physical geography of Brazil”, de C. F. Hartt, em Boston. Morte do tirano Francisco Solano López. “Guarany”, ópera de Carlos Gomes.
1871 — Tratado de paz com o Paraguai: limites, comércio, navegação e amizade. Primeira viagem do Imperador à Europa: a Princesa Imperial, regente. O Clube Republicano. A “República”. “La retraite de Laguna”, de Alfredo d’Escragnolle Taunay. “Espumas Flutuantes”, de Castro Alves. Lei do Ventre Livre. Geographia und Stastistik des Kaiserreich Brasilien, de Wappäus, em Leipzig. Tribunais de Relação no Pará, Ceará, São Paulo, Rio Grande, Minas, Mato-Grosso e Goiaz.
1872 — Comunicação do Brasil e Rio da Prata com a Europa, pelo Cabo Submarino inaugurado em 74. Questão Religiosa (72-75). Primeiro recenseamento: 10.112.000 habitantes.
1873 — O Amazonas, a 15 de Janeiro, aberto efetivamente, até Santo Antônio do Madeira. Permissão de exames de preparatórios em todas as capitais das províncias. Começa-se a estudar, como disciplina autônoma, a “língua nacional”, eufemismo nativista que significa “língua portuguesa”.
1874 — Inauguração do telégrafo elétrico submarino, ligando as cidades do Norte do Império (1.º Janeiro). Inauguração do telégrafo submarino entre Portugal e Brasil. Começa, de 1.º jan., a vigorar o novo sistema de pesos e medidas, “sistema métrico decimal”. Revolta dos “Quebra-quilos”, no Rio Grande, Paraíba, Pernambuco, Alagoas.
1875 — Fundação da Escola de Minas de Ouro Preto. F. A. Varnhagen reclama e obtém, no Congresso de Viena, seja a língua portuguesa oficial. Tratado de limites com o Peru.
1876 — “A Cachoeira de Paulo Afonso”, de Castro Alves. “O Sertanejo”, de José de Alencar. Viagem do Imperador aos Estados Unidos e à Europa (2.ª ). “O Selvagem”, de Couto de Magalhães.
1877 — “Cartilha Maternal”, ou arte da leitura, por João de Deus, o mestre-poeta português.
1879 — Início dos telégrafos urbanos. Lei da liberdade do ensino.
1880 — População: 12 milhões de habitantes. Receita pública, 127.000 contos. “Faceira”, bronze de Rodolfo Bernardelli; estilização da “brasileira”. 1883 — “Parecer sobre o ensino primário”, de Rui Barbosa.
1885 — Libertação dos sexagenários escravos. Abolição do açoite aos escravos. As províncias do Ceará e do Amazonas declaram-se sem escravos.
1886 — Tarifa Francisco Belisario francamente protecionista.
1888 — Lei de 13 de Maio, abolindo a escravidão no Brasil, sem condições, sancionada pela Princesa Isabel, a Redentora: 434.419 escravos, ou cerca de 500 mil contos. Crise agrícola, financeira, social, devida à Abolição, que desorganizou o trabalho e a produção.
1889 — Proclamação da República. “Le Brésil”, de Levasseur e colaboradores. A febre amarela, litorânea, penetra em Campinas e interior de São Paulo. Fim da Monarquia a 15 de Novembro: papel moeda (meio circulante), 179,364 contos; câmbio a 29 3/8; libra esterlina ouro 9$075; dívida interna consolidada 445.000 contos; dívida externa 20.931.300 libras.
1890 — Código Penal. Congresso Constituinte. Recenseamento: 14.333.000 habitantes. Receita pública, 195.000 contos.
1891 — Constituição da República. Morte de Dom Pedro II, em Paris.
1893 — Revolta da Armada.
1894 — Solução da questão das “Missões”, entre o Brasil e a Argentina, a nosso favor, pelo árbitro americano, Presidente Grover Cleveland.
1895 — Decisão da questão de Trindade, com a Inglaterra, por arbitragem de Portugal, a nosso favor. “A Ilusão Americana”, de Eduardo Prado, confiscada pelo Governo.
1897 — Tarifa protecionista Bernardino de Campos. Academia Brasileira de Letras.
1898 — Papel moeda (meio circulante) em 21-VIII-98: 788.364 contos.
1899 — O brasileiro Santos Dumont faz, em dirigível, a volta da torre Efffel, em Paris.
1900 — Solução da questão do Amapá entre França e Brasil, a nosso favor, pelo laudo suíço do Presidente Walter Hauser. Recenseamento: 17.318.000 habitantes. Tarifa ultra-protecionista, Joaquim Murtinho. Receita pública de 49.000 contos ouro, 253.600 papel; papel moeda 599.631 contos; câmbio 9 32/64; libra esterlina 24$740.
1902 — “Os Sertões”, de Euclldes da Cunha.
1903 — Tratado de Petrópolis, com a Bolívia, que deu o Acre ao Brasil, mediante 2 milhões de libras esterlinas.
1904 — Solução do litígio da Guiana Inglesa, pelo rei da Itália, que deu mais de metade do território disputado à Inglaterra.
1905 — A Igreja cria um Cardinalato no Rio.
1906 — Iluminação elétrica no Rio. 2.ª Conferência Pan-Americana. Tratado definindo limites com a Guiana Holandesa. “Geologia do Brasil”, de John Casper Branner, de Stanford, Califórnia.
1907 — Lei Miguel Calmon, do Povoamento do Solo. Estrada de Ferro do Noroeste, prendendo Mato-Grosso ao resto do Brasil, por Miguel Calmon. Assistência pública municipal, no Rio. “Biblioteca Brasiliense”, de J. C. Rodrigues. “Capítulos de História Colonial”, de Capistrano de Abreu.
1908 — Início da rádio-telegrafia. Saneamento do Rio de Janeiro (Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz, Pereira Passos) “Dom João VI”, de Oliveira Lima.
1910 — Receita pública: 121.700 contos ouro, 352.000 contos papel; papel moeda 612.005 contos; cambio 15; libra esterlina 16$000. Primeira Exposição Nacional, inventário industrial e cultural que preparou Miguel Calmon.
1914 — Papel moeda (meio circulante) em 31-VII-14, 600.340 contos.
1916 — Código Civil.
1918 — Exames de humanidades por decreto.
1920 — Recenseamento: 30.635.000 habitantes. Receita pública 76.400 contos ouro, 510.600 papel, papel moeda 1.880.104 contos; câmbio 8 31/32; libra ouro 28$981. Viagem de Alberto I, rei dos Belgas, ao Brasil.
1922 — Visita do Presidente da República Portuguesa Dr. Antônio José de Almeida.
1926 — Reforma da Constituição de 1891.
1928 — Visita o Brasil o Presidente americano Herbert Hoover.
1930 — Recenseamento: 40 milhões de habitantes, calculados; receita pública, cerca de 2.000.000 de contos, papel moeda (meio circulante), 2.713.000; dívida externa consolidada 2.537.000 contos; libra esterlina ouro 43$992. Revolução, partida do Rio Grande.
1932 — Revolução constitucionalista de São Paulo.
1934 — Constituição, de 16 de julho.
1936 — Papel moeda (meio circulante) 4.051.000 contos. Dívida externa da União libs. 104.757.811; dos Estados e das Municipalidades (contraída depois de 1889) 157.435.630 libras. Libra papel 85$500.
1937 — Constituição, de 10 de Novembro.
1938 — Orçamento: receita 3.823.623 contos; despesa 3.875.226 contos; papel moeda 4.550.000 contos; libra 103$000.
1940 — Papel moeda (meio circulante) em 29-VI-40, 5.040.358 contos.
1941 — Extinção do Anopheles gambiæ, do Nordeste, para onde imigrara, da África: com a colaboração da “Rockefeller Foundation”.
1943 — Papel moeda (meio circulante) em 29-XI-43, 10.557.709.000


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Notas
(1) — Livro de Marinharia, ed. de Brito Rebelo, Lisboa, 1903, quer que a Madeira já fosse conhecida dos Portugueses, desde Dom Fernando (int. XXIII-IV).

(2) — Diz Duarte Leite: “O Preste mesmo antes de 1452 não passava de um pretexto atrás do qual o infante encobria outros planos; na realidade eram negócios que mais o detinham. Eram, o ouro, o malagueta, o cravo, o açafrão, e outros artigos que afluíam à feira de Tomboctu, donde os mouros os canalizavam para os mercados do Mediterrâneo. Este pretexto continuou a ser invocado pelos portugueses até que Dom João II dele não mais precisou”. (Revista Portuguesa, t. I, S. Paulo, 1930).

(3) Gonzalo de Raparaz — Historia de la Colonización, t. I, p. 19, acrescenta: “esta revolução na arte de navegar não foi menos transcendente que... a de transmissão de idéias por meio da imprensa”. De competente espanhol, não é pouco elogio.

Outros competentes, nacional e estrangeiros, ajuntam: “...os ilustres historiógrafos de marinha, Srs. La Roerie e Vivielle, em obra recente, dizem: — “A conquista do Atlântico, começou com o aperfeiçoamento do veleiro. Esperando que a nau chegasse ao tipo mais conveniente para as grandes derrotas, os Portugueses inventam a caravela de aparelho misto: velas quadrangulares, para a navegação com vento de popa, e velas latinas, para navegarem contra o vento. Sem esta combinação, é provável que o navegador não tivesse podido singrar, tanto a favor, como contra a eterna corrente dos ventos alizados, e os périplos Africanos, prelúdios das descobertas colombianas, teriam sido talvez irrealizáveis” — Querino da Fonseca — Os navios do Infante D. Henrique — Lisboa, 1933, p. 52.

(4) “Os Portugueses ousaram cometer o grande mar oceano. Entraram por ele sem nenhum receio. Descobriram novas ilhas, novas terras, novos mares, novos povos, e o que mais é, novo céu e novas estrelas. E perderam-lhe tanto o medo que nem a grande quentura da torrada zona, nem o descompassado frio da extrema parte do Sul, com os antigos escritores nos ameaçavam lhes pode estornar que, perdendo a estrela do Norte e tomando-a a cobrar, descobrindo e passando o temeroso cabo de Boa Esperança, o mar de Ethiopia, de Arábia, de Pérsia, poderam chegar a Índia. Passaram o Ganges tam nomeado a grande Trapoana e as ilhas mais orientais. Tirarãnos muitas ignorancias e amostrarã-nos... aver antipodas que até os Santos ouvidaram e que nam há região que nem quer quente nem quer fria se deixa de alertar. E que em um mesmo clima e igual distancia da equinoxial ha homens brancos e pretos e de mui deferentes calidades” (Pedro Nunes, Tratado em defensam da carta de marear, anexo ao Tratado da Sphera, Lisboa, 1537, folha B, r e v).

(5) — O entusiasmo pelo gosto da pimenta era tal, que, no Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, ed. Epifânio, Lisboa, 1905, cap. II, I. II, vem: “a malagueta que em latim se chama grana paradisy, grãos do Paraíso...”

(6) J. Lúcio de Azevedo — Épocas de Portugal Econômico, Lisboa, 1929, p. 84.

(7) Ângelo Politianus (1454-94), o célebre humanista italiano, propõe-se a glorificar D. João II, em carta a el-Rei, em que o louva “por trazer de trevas eternas e quase diria, do antigo caos, para a luz que nos ilumina, outras terras, outro mar, outros mundos e, finalmente outras estrelas”.

(8) — Mais perto dos acontecimentos se tinha perfeitamente clara esta noção. Veja-se, por exemplo em Diogo do Couto, Soldado Prático Português, Cap. XVIII, p. 80: “No nosso descobrimento da Índia e contratação e comércio nela de pimenta, duas nações de homens receberão perda convém a saber: os Venezianos, por cuja mão corria para os lugares que agora tem da nossa, com o qual contrato tinhão feito o seu senhorio poderoso e rico com tal ordem, e conselho que era de haver inveja desse que dos proveitos: os outros farão os Mouros e Malavares da costa da Índia que erão os que por mar lhes levavão a pimenta pelo Estreito de Meca: daqui nascerão duas causas de perda e inveja aos Venezianos dessa nossa Conquista e terem guerra os mouros para negociarem sua fazenda com mão armada...” Muito antes já Américo Vespúcio em sua Carta de 4 de junho de 1501 mostrava a ironia do destino trocado: “Credo que spezierie verrano di queste parti (de Portugal) in Alessandria e in Italia, secondo la quatità e pregi. Cosi va el mondo”.

(9) — Basta, para idéia de tudo isto, recordar o título de um clássico: “Tratado que compôs o nobre & notavel capitão Antonio Galvão, dos diversos & desvayrados caminhos, por onde nos tempos passados a pimenta & especearya veyo da India ás nossas partes, & assi de todos os descobrimentos antigos & modernos, que são feitos até a era de mil & quinhentos e cincoenta. Com os nomes particulares das pessoas que os fizeram: & em que tempos & as suas alturas, obra certo muy notavel & copiosa.” Lisboa. Impr. João Barreira, 1563.

(10) — “O Rei que fora o principal senhor agrário, era, agora também, o principal mercador.“ J. Lúcio de Azevedo, Op. cit. p. 124.

(11) — J. Lúcio de Azevedo, Op. cit. p. 86.

(12) — Consulta de 25 de março de 1648 — Bibl. Nac. Seção Ultramarina, liv. 2.º de consultas.

(13) — Jaime Cortesão, A expedição de Pedro Álvares Cabral, Lisboa, 1922, p. 117.

(14) — Castanheda, História do descobrimento e conquista da Índia, liv. 2.º, cap. 30.

(15) — J. Lúcio de Azevedo, Op. cit. p. 113.

(16) — Id. Ib. p. 112.

(17) — Diogo do Couto, Décadas, liv. 3.º, Cap. 8.

(18) — “Nam farês nenhum nojo, ante as salvarês, e lhe mostrarês todo boom rostro e synall de paz e booa vontade, dando de comer e beber e fazendo todo outro boom trauto a todos aqueles que as ditas nosas naaos vierem”, etc., etc. (Instruções a Pedro Álvares Cabral quando foi por capitão-mor de uma Armada à Índia), in “Alguns documentos“ (cit. p. 97). Tanta é, porém, a vontade de não ver senão a própria idéia que Joaquim Bensaúde, “As origens do plano das Índias”, Paris, 1930, pág. 7 escreve: “assim se chegou ao dia das claras instruções guerreiras dadas a Álvares Cabral... ” (!)

Joaquim Bensaúde numa série de publicações (Origine du plan des Indes, Paris, 1929; As origens do plano das Índias, Paris 1930; Origines du plan des Indes, Coimbra, 1930...) esforçou-se por demonstrar o caracter místico e religioso das Navegações. Diante da contradita de Duarte Leite (Talent de bien faire, Rev. Lusitana, S. Paulo, 1930), faz no segundo daqueles trabalhos citados, p. 6, algumas concessões apreciáveis: “a cruzada do Infante resolveu o grave problema: a ruína do poderio comercial do Islam no Oriente.“ Já é alguma coisa. É a tese liberal de Oliveira Martins: o Infiel atacado nas suas nascentes asiáticas e distraído da Europa. É o que Gabriel Hanotaux resumiu bem numa frase: prendre 1’Islam à revers.

(19) — Joaquim Bensaúde, místico no “Plano das Índias“, e patrioticamente objetivo numa série de publicações (L’Astronomie nautique au Portugal à l’époque des grandes découvertes, Bern., 1912; Regimento do astrolábio e do quadrante; Tratado da Sphera do mundo, Munich, 1914; Histoire de la Science Nautique portugaise, Genève, 1917; Les Legendes Allemandes sur l’histoire des découvertes portugaises, Lisboa, 1921, Les Legendes Allemandes, 2.ème part., Coimbra, 1927...) prova, documentalmente, que Portugal era, ao tempo, e por si, perfeitamente ciente da cosmografia, da geografia, da astronomia náutica, da marinharia, da cartografia, como nenhum país da Europa. Esta brilhante e justa demonstração servirá de comentário da frase lapidar de Pedro Nunes — um desses sábios lusitanos mestres do mundo: “descobriram (os Portugueses) novas ylhas; novas terras; novos Mares; novos povos; & o que mays he: novo ceo, novas estrelas.” É o Cruzeiro do Sul, a “estrela nova” do nosso Camões (Lus., V, 14.)

(20) — Sim, porque não é só para se abastecer mais folgadamente: seria pouco. Garcia de Orta (Colóquios das Drogas da Índia, edição do Conde de Ficalho, Lisboa, 1891, t. II, p. 241) refere-se aos “tantos trabalhos os Portugueses levam por aver toda a pimenta á sua mão, comendo a menos parte, e as partes de Alemanha e Frandes guastando a mor parte della”... “Toda”, é bom insistir, porque Dom Manuel queixava-se a Dom Francisco de Almeida que sempre alguma se escapava pelo levante, ao que o outro respondia “bem sey por onde passa, mas ainda não pude tolher” (Id. ib. t. II, 254).

(21) — Iria em aumento. Pedro Barreto de Rezende diz que no seu tempo (1629-35) do Cabo de Boa-Esperança à ponta de Nankin, na China, havia 48 fortalezas e cidades de que era senhor Portugal.

(22) — A história repete-se. Na Grande-Guerra, a Inglaterra intensifica o tráfico, por África, para as Índias, pois não basta o Mediterrâneo, perigoso com os submarinos inimigos nas costas de Espanha; às ameaças atuais, nesse Mediterrâneo, volta a Inglaterra, nos nossos dias, a insistir no périplo africano, “reafirmando” a amizade a Portugal, base naval no Atlântico...

(23) — Simonsen — História Econômica do Brasil, S. Paulo, 1937, t. I, p. 71. cf. Lavisse e Rambaud _ Hist. Générale, t. IV pags. 872-3, Paris, 1894: “nunca será demais o que se disser sobre a parte que os descobrimentos espanhóis e portugueses tiveram no grande movimento de emancipação da Renascença.” Espanhóis, isto é, Colombo, genro e aluno de portugueses; Solis, Magalhães... portugueses...

Cap. II
(1) — Entre irônico e convencido está no Soldado prático português, de Diogo do Couto: “Os Portugueses basta-lhes serem Fidalgos para prestarem para tudo” (C. XIX, p. 61). Era, e é, geral: a classe dominante tem todas as virtudes.

(2) — Pedr’Alvares nascera em Belmonte em 1467 ou 68, de Fernão Cabral e Isabel de Gouveia, segundo filho do casal. A Carta Régia de nomeação chama-o “Pedralvares de Gouveia”, a 15 de Fevereiro de 1500, mas o próprio Dom Manuel a 1.º de Março, na carta de crença ao Samorim, já lhe chama “Pedro Alvares Cabral.“

(3) — Recentemente Duarte Leite põe em dúvida esta viagem de Duarte Pacheco ao Brasil. Cf. Duarte Leite — Descobridores do Brasil, Porto, 1931, p. 7-27. Entretanto os cronistas não são omissos; basta o que resume Jaime Cortesão: “Todos os cronistas, incluindo Gaspar Correia lhe referem a presença na expedição. Além disto Castanheda e Góes, identificando com aquele herói que em 1504 defende do rei de Calecut a fortaleza de Cochim, eliminam a hipótese dum erro devido a homonímia. (Castanheda, op. cit., 1. I, cap. LV; Góes, op. cit., p. I, cap. LVIII). O probo e fiel Castanheda vai mais longe: identifica-o novamente por uma ligação mais íntima a fatos individuais ali passados. Refere com efeito esse cronista que o Rei de Cochim, quando em Janeiro de 1504 Francisco de Albuquerque lhe deixa, em apoio contra o Samorim, Duarte Pacheco com um irrisório número de soldados, não obstante se dá por satisfeito, pelo que conhecia deste capitão (op. cit., 1. I, cap. LXIII). Quer aludir, sem dúvida, às provas que ele dera na armada de Cabral”. (História da Colonização Portuguesa do Brasil, cit. II vol., p. 14).

(4) — De João de Barros, nas Décadas, I, I. V, cap. VI, sabe-se o nome de duas naus, a São Pedro e a Anunciada. Na Relação do Piloto Anônimo vem o nome da terceira, El-rei. Varnhagen encontrou documento na Torre do Tombo, de naus tornadas da Índia “que só podemos atribuir a esta expedição”; são elas: Espírito Santo, Santa Cruz, Fror de la Mar, São Pedro, Vitória e Espera e galeão Trindade (op. cit., nota III, p. 72, edição Garcia). Há que opor a Varnhagen, se estas naus “da Índia regressaram”, não são da expedição de Cabral, porque desta expedição apenas seis e não sete tornaram a Lisboa e uma delas, até a primeira a chegar foi o Anunciada, que não consta da lista...

(5) — “Assim, o primeiro trato com aquela gente se reduziu a algumas dádivas ou escambos feitos de parte a parte, e mediante as costumadas prevenções. Isto tinha lugar no dia 23 de abril, cujo aniversário (em virtude da correção gregoriana em 1582) se deve celebrar dez dias depois, isto é, a 3 de Maio, conforme entre nós efetivamente se admite” — Varnhagen, História Geral, 1. (4.ª edição), p. 73.

(6) — Duarte Leite (Descobridores do Brasil, Porto, 1931, p. 27) contesta entretanto uma coisa e outra, isto é, que Duarte Pacheco houvesse vindo ao Brasil antes de Cabral ou mesmo com Cabral.

Num portulano do Século XV, de Andrea Biancho, datado de Londres, 1448, que está na Ambrosiana de Milão, há no sítio do Brasil uma “ixola otenticha”, ilha autêntica, do lado do poente, a 1500 milhas: o Brasil está de fato a 1520 milhas ao sudoeste do Cabo Verde e do Cabo Roxo... (P. Batalha Reis, Brasilia, vol. II, Coimbra 1943, p. 199-225) Será precursão.

(7) — Cf. Alfredo Pimenta — Elementos de História de Portugal, Lisboa, 1934, p. 168, etc.

(8) — Pero Vaz da Cunha, por alcunha o “Bizagudo” foi capitão de uma armada mandada (1490) ao rio Çanagá (Senagal) Cf. Barros Décade I, C. VIII.

(9) — A tese do acaso parece “brasileira” e já vem no Brandonio dos “Diálogos das grandezas do Brasil” e em Fr. Vicente do Salvador: “não se descobriu de propósito e de principal intento, mas acaso”, cap. I da História do Brasil (1500-1627). (Esta data é a do termo de escrita da obra).

(10) — Frei Henrique fora, no século, desembargador da Casa de Suplicação, e fizera-se monge no Convento de Alenquer: de torna viagem foi confessor de el-Rei, bispo de Ceuta e inquisidor. Seus companheiros de religião e viagem foram Fr. Gaspar, Fr. Francisco da Cruz, Fr. Simão de Guimarãis, Fr. Luiz Salvador, sacerdotes pregadores; Fr. Maffeu, sacerdote organista, Fr. Pedro Neto corista com ordens sacras e Fr. João da Vitória frade leigo. Cf. nota de Garcia, à pág. 86 do t. I, da História Geral, de Varnhagen, citando Fr. Fernando da Soledade, História Seráfica Cronológica de São Francisco, Província de Portugal, 3-489-490.

(11) — Sensatamente diz Varnhagen (op. cit., I v., 4.ª ed., p. 76): “Comemorando, por este nome, a festa que ia celebrar a Igreja”. Capistrano, em nota, comenta: “Mais provavelmente a cruz da Ordem de Cristo que trazia na bandeira, entregue por el-rei Dom Manuel. O nome foi dado a 26 de abril”. Como o soube Capistrano? Não há disso alusão documental. Diz Rodolfo Garcia que deduzira a hipótese da Carta de Caminha, quando descreve a primeira missa em domingo de Páscoa (26 de abril) e a pregação de Fr. Henrique.

(12) — Posteriormente, no seu livro Descobridores do Brasil, Porto, 1931, págs. 201-2 alude à intercalação de Ramusio, deixando só a Capistrano na atribuição a Empoli do Brasil em 1504.

(13) — Valentim Fernandes de Morávia, alemão que foi notário e impressor em Lisboa, em documento oficial sobre a Terra de Santa Cruz, datado de 20 de maio de 1503, diz: Terra nemoribus spissis, flumnibus maximis de qua detulerunt nobis ligna Brasilii et Cassia lignea... a terra é cheia de bosques espessos, de rios muito grandes e dela nos trouxeram os paus do Brasil e os paus de Cássia... (Cf A. Fontoura da Costa — Cartas das ilhas de cabo Verde de Valentim Fernandes, Lisboa, 1939, p. 93.)

(14) — Cf. Aubrey F. G. Bell, A literatura portuguesa, trad. de Agostinho de Campos e Barros e Cunha, Coimbra, 1931, nota a pag. 146: “Auto da Fama (Lisboa). Foi-lhe atribuída a data de 1510, mas a evidência mostra que é mais recente, provavelmente de 1515 ou 1516. Talvez seja em todo caso anterior à notícia da morte de Albuquerque na Índia (16-XII-1515), pois tamanhos louvores às vitórias portuguesas seriam descabidos depois”.

(15) — Cf. Nota de Capistrano, in Varnhagen, Hist. Geral, t. I, 4.a ed., p. 11-2.

(16) — No mapa de Pareto, de 1455, reproduzido em Konrad Kretschmer, Die Entdeckung Amerika’s Atlas, 1892, tafel V, entre as muitas ilhas de São Brandão está a Insulla de brasil, bem defronte do Cabo de São Vicente, no Algarve.

(17) — Aqui há vários exemplos típicos: da “baía de Todos os Santos” faz-se “Baía” substituindo as três palavras: “Cidade do Salvador”; da vila de Todos os Santos faz-se apenas “Santos”. O Rio de Janeiro está ficando, simplesmente, “Rio”.

(18) — Descobri que “Iracema” é anagrama de “América”: teria intenção Alencar? O romance da terra virgem e do colono devassador na América tem aí o seu símbolo, a epopéia do povoamento. Rodolfo Garcia observa que não sendo o beijo elemento de erotismo dos índios, a significação que ao nome deu Alencar “virgem dos lábios de mel” é translata em idéia e forma. Confira piracema, peixe sair ou saída do peixe com irá-cema, abelha ou mel sair, saída da abelha ou do mel... Mas isso não altera a “intenção” de Alencar, nem nenhuma interpretação.

(19) — Vejam-se os livros de Gilbert Chinard: L’exotisme américain dans la litterature française au XVI Siècle, Paris, 1911; L’Amérique et le rêve exotique dans la litterature française au XVII et XVIII Siècles, Paris, 1913; L’exotisme americain dans l’oeuvre de Chateaubriand, Paris, 1918; e Afrânio Peixoto: Hist. da literatura brasileira. Rio, 1931, p. 157; Missangas, S. Paulo, 1931, p. 220; O exotismo literário, Revista de Filologia, Rio, 1932, p. 24; Entretiens de La Cooperation intelectuelle de Buenos Aires, Paris, 1937, p. 41, etc.

(20) — Diz Diogo do Couto no Soldado Prático Português, cap. I, p. 9: “Num fuzil que deu na volta do Cabo de Boa Esperança na armada de Pedro Álvares Cabral, que por não amainar logo, por não terem experiência delle, que tanto que dá naquella paragem, se ajunta hum tempo novo, e tormentoso, se perderão quatro Naos, humas á vista das outras e as que ficarão foi porque não levavão traquete de gavea e as mezenas dadas; e destarte nasceu o aviso que se dá por regimento, que naquella paragem não dêem as Naos as velas perigosas“.

(21) — “...tão grosso era então o ganho, que esta cinquo naos que tornarão a salvamento hinda dobrarão o gasto de toda a armada” (G. Corrêa. Lendas da Índia, Lisboa, 1858, t. I, cap. XV, p. 230). “... naquela armada de pedralvares q em muytas cousas, com hũ se fez de proveito no retorno, cinquo, dez, vinte & trinta até cincoenta...“ (Barros, Ásia”, Lisboa, 1552. Década Primeira, lib. VI, cap. I fl. 68).

(22) — O nome “America” foi posto por Waldseemüller à parte nordeste do Brasil, em 1507. Já em 1556 Hans Staden, no Cap. II do seu livro estende-o a todo o Brasil: “o país America ou Brasil”. Antes Mercator (1544) o havia estendido a todo o continente. Vai ficando exclusivo dos Estados Unidos, quando se diz só “América”. Se não são eles, determinação é necessária: do Sul, do Norte, Central, toda a América, etc.

(23) — Cf. Jordão de Freitas (O descobrimento pre-colombiano da América austral pelos Portugueses, “Lusitânia“, fasc. IX, 1926, p. 315-47), de documento judiciário da Torre do Tombo, alegações de contrariedade produzidas por quatro navegadores portugueses, conclui pelo descobrimento e ocupação de certa parte do território brasileiro (Pernambuco), anteriormente à primeira viagem de Colombo (3 de agosto 1492 — 6 de março 93) antes também da bula de Alexandre VI, o que deu a D. João II razão para exigir a linha de Tordesilhas. Conclui Jordão de Freitas que “quando, decorridos já 23 anos, em junho de 1514, Estêvão Frois escrevia de S. Domingos a D. Manuel, dizendo-lhe — “vosa alteza pusuhya estas terras a vinte anos e mays”, certamente que conhecia a existência de portugueses mais de vinte anos atrás no nordeste brasileiro, em Pernambuco”. Tão grande e longa era a costa brasileira, que não há surpresa tivesse Cabral descoberto uma terra ou ilha de Vera Cruz, sem saber que era um e o mesmo continente, onde, acima, ao N. já, andariam Portugueses, em Pernambuco... Muito depois, ainda se distingue o “Estado do Maranhão”... do “Brasil”...

Cap. III
(1) — “anda amorado por hum ferimento que se fez ao juiz de Setuvel em que lhe dão culpa.” Gaspar Corrêa, Op. cit., v. I, c. V, p. 13.

(2) — “Hora vee que gallardam deve de seer o do Iffante ante a presença do Senhor Deos por trazer assy a verdadeira salvaçom nom soimente aquestes mas outros muy muytos:” Zurara, Crônica da Guiné, Paris, 1854, p. 138-9.

(3) — E à mesma imagem de Barros: “Em cada huma da quaes (naos perdida) podemos affirmar que se perde huma mui nobre Villa deste Reyno em substancia de fazenda e em nobreza de gente.” (Décadas, II, I. VII, cap. I).

(4) — Estes números parecem exíguos. Uma rubrica não foi considerada: “navios soltos que andam a furtar os quaes cada anno nos tomão tres, quatro, cinco navios nossos...” Couto, Soldado, cap. XVIII, p. 81.

(5) — Fr. Francisco de S. Luiz, Cardeal Saraiva — Os Portugueses em África, t. II.

(6) — Duarte Leite, op. cit. p. 198-9.

(7) — Vespúcio diz que estando em Sevilha, e instado por Dom Manuel, viera servi-lo, a descobrir novas terras: fala como se fosse o comandante, mas adiante o capitão já é outra pessoa: nada, nada consta disso nos arquivos portugueses. A esquadrilha rumara ao sul e, “calendário em mão”, diz Varnhagen, foi Vespúcio nomeando os pontos da costa: colaboração de Varnhagen com Vespúcio. Tornando a Lisboa a 7 de Setembro de 1502; Capistrano retifica: 22 de julho de 1502. Tudo isto é interpretação de texto de Vespúcio, que outros intérpretes não crêem fidedigno. Depois de uma vaga de prestígio, com Varnhagen, Vignaud, Harrisse... Vespúcio reentra na penumbra, tudo lhe negando Markham, Duarte Leite, Ispizúa. Malheiro Dias (Descobrimento do Brasil, Porto, 1931, p. 107, cit., etc).

(8) — Cf. “Neste mesmo ano de 501 e mez de março partirão 3 navios da Cidade de Lisboa por mandado del-Rei Dom Manoel a descobrir a Costa do Brasil e foram a vista das Canarias e daí a Cabo Verde, tomarão refresco em Bezeguiche, passada a linha da parte do Sul foram tomar terra no Brasil em cinco graos daltura e forão por ella até trinta e dous pouco mais ou menos, segundo se conta, donde se tornaram no mez de abril por haver já frio e tormenta poserão neste descobrimento e viagem quinze meses por tornarem a Lisboa em setembro”. António Galvão — Tratado dos Descobrimentos, Lisboa, 1731, p. 36-7.

(9) — É o que refere o informante da “Gazeta Alemã”, adiante citada. Ainda hoje se pode dizer que não vamos a Europa: tornamos a Europa. E, readquirir o bem perdido, é talvez o céu...

(10) — Em 1534, declarada Metropolitana a Sé de Funchal, são sufragâneos os bispados de Angra, Cabo Verde, S. Tomé e Goa, e as terras do Brasil que a bula de 8 de junho de 1539, que reformou a anterior sobre o assunto, chama terras de brasil e terrarum de Brasil em vez de “Brasiliae”. É a consagração oficial da Igreja, ao nome usado: Brasil.

(11) — Rodolfo Garcia (nota a Varnhagen, op. cit., t. I, p. 140) diz: “cujas instruções deviam ser contra os Castelhanos”. Almeida Prado, admite outras viagens de Cristóvão Jacques, em 12, 14, 16, ou 21. A de 14 seria a que se refere a “Gazeta Alemã” e D. Nuno Manuel, comandante ou armador, senão de antes de 1514, como depõe a carta do Embaixador Álvaro Mendes de Vasconcelos a el-Rei D. João III (Op. cit. p. 54).

(12) — O nome “Rio de Janeiro” viria dos primeiros tempos. Contudo não o conheço — nem até agora, os especialistas —, antes de 1523: nesta data achei-o na Carta de António de Brito a Dom João III, quando refere informações da viagem de Fernão de Magalhães: “e vieram ao longo da costa até o ryo que se chama de Yaneyro, onde estyveram xb (15) ou xby (16’) dias; e dahy partyram costeando a costa e vyeram ter a huum ryo, que se chama de Soly 2...“ A carta, datada de São João de Ternate, a 6 de Maio de 1523, está a p. 467; a citação, em “Alguns documentos...de Torre do Tombo, cit.” Ora, Magalhães tanto não sabia o nome, que pôs o de Santa Luzia; Pigafetta tão pouco o escreve, mas de um piloto português que traziam, teve informações sobre a terra e a gente: “Isto me contou nosso piloto João Carvajo que havia passado quatro anos no Brasil” (Pigafetta, Viagem cit., lib. prim.) As informações de Brito teriam procedência de um navegante. Portanto, muito antes de 1519, o Rio já era assim chamado “Rio de Janeiro”.

(13) — Destas palavras, diz-nos Rodolfo Garcia, apenas três, maracá, pindá, aui, são tupis; as outras são caraibas.

(14) — O desembarque devia ter sido na pequena angra entre o penedo do Pão de Açúcar e a Pedra do Leme, aberta para o mar, próxima da entrada da Guanabara, por isso chamada “Praia de Martim Afonso” e depois “Praia Vermelha”, pela cor da areia subjacente à areia branca atual, o que se pode ainda verificar, a qualquer pequena escavação aí praticada.

(15) — Damião de Góes (Crônica del-Rei D. Manuel, Lisboa, 1556) atribui a este Luiz de Góes a importação do tabaco na Europa, e já com o preconício de suas vantagens. “Esta herva trouxe primeiramente a Portugal Luis de Góes q depois sendo viuvo se fez na India dos da companhia do nome de Iesu” (fl. 52, cap. LVI, op. cit.). Era irmão de Pero de Góes, donatário da Capitania da Paraíba do Sul, e com ele viera ao Brasil. Daqui escrevia a D. João III em 48. A planta do tabaco que levou ao Reino seria depois disso. Antes de 56, data da publicação da “Crônica“ de Góes, André Thevet também levaria a erva do tabaco a França, em fevereiro de 56, propagando-a depois disso “erva Angoumoizine” (de Angoulème, donde ele era) ou “Catherinaire” (de Catherine de Médicis, a rainha, a quem fazia homenagem). Mas sic vos non vobis. Jean Nicot, ao tempo embaixador de França em Lisboa, será o Vespúcio do tabaco, dar-lhe-á o nome, “Nicotiana”, donde “nicotina”...

(16) — É de João Ribeiro, escritor nativista no seu livro, “História do Brasil”, ed. Alves, l.ª 1900 13.ª , 1935, p. 45). Entretanto, o próprio, escrevia no “O Jornal”, do Rio: “As explorações do primeiro decênio incrivelmente mais rápidas que as da África, revelaram quase todo o continente austral americano. O reconhecimento preliminar das terras... podia dar-se por acabado.” (O primeiro povoamento, n.º de 24 de Set. 1921).

(17) — “...porque se não defendera, como se defendeo, que não fossem molheres á India, e com tanto rigor que eu vi o Conde Almirante mandar açoutar em Goa publicamente doze molheres Portuguezas moças, e de bom parecer, por se embarcarem na sua armada contra sua defeza, sem lhes valer serem algumas casadas com os homens que as levarão...” Couto, Soldado prático português, cit. c. XXV, p. 190.

Cap. IV
(1) — Simão de Vasconcelos, Vida de Anchieta, Lisboa, 1672, p. 21, 40-46 dá 13 nomes, alguns diferentes dos nossos, que são os mesmos do Dr. Serafim Leite, Op. cit. p. 15, e pelas razões dele: Leonardo Nunes ainda não tinha partido e Fabiano de Lucena, Antônio Gonçalves e Gonçalo Antônio não é certo já estivessem em janeiro.

(2) — Segundo nota posta à margem do Tratado de Gandavo, na cópia existente na Biblioteca Municipal do Porto.

Cap. V
(1) — Na Histoire de la Marine Française, de Charles de La Roncière, t. III, p. 131, declara-se: “des armateurs de Saint-Pol-de-Léon révendiquent énergiquement, en 1528, leur titre de premiers occupants dans la partie nord du Brésil”. Cita o autor a fonte: “Lisbonne, Archives de la Torre do Tombo, Corpo cronológico, p. I, liasse 41 doc. 80.” O historiador português Sr. Alfredo Pimenta, familiar do Arquivo, correu à indicação e achou apenas instruções sobre a contribuição para pagamento à Espanha da compra das Molucas... (Alfredo Pimenta, Dom João III, Porto, 1936, p. 150). Assim se escreve a história. Felizmente ela reescreve-se. No tomo IV daquela obra há interessante resumo sobre a “França antárctica”, p. 10-22.

(2) — São do historiador Hermann Wätjen estes julgamentos: “Apresentou-se um transfuga, o mulato Domingos Fernandes Calabar... ganharam (os Flamengos) neste natural do país, um excelente conhecedor da região, o qual lhe veio a servir nas operações de guia ousado e ladino, iniciando-os também nos segredos das guerrilhas brasileiras” (O Domínio Colonial Holandez no Brasil, S. Paulo, 1938, trad. port. p. 119). Incompreensível sentimento — “nativista” — tem tentado mistificar de herói, a este traidor, que contribuiu para massacre de brasileiros, como no ataque de Iguassú. “A sagacidade de Calabar lhes prestou (aos holandeses) serviços inestimáveis. Ele ideiou planos contra aldeias, fazendas e plantações de canas e com incansável zelo instruiu oficiais e soldados na arte de guerrilhar.” Op. cit. p. 120. Estas agressões eram contra Brasileiros.

(3) — Varnhagen, op. cit., t. III, p. 63.

(4) — Varnhagen, op. cit., t. III, p. 63.

(5) — Este procedimento de Sousa Coutinho daria, na lenda, semelhança ao de Egas Moniz. Já Fr. Francisco de S. Luiz, o Cardeal Saraiva, diz: “Dom Francisco de Sousa depois de ter esgotado todos os recursos da diplomática, vendo que não podia obstar por outro modo á partida da esquadra prometteo emfim, em nome de el-Rei seu amo, que se lhe cederia aquella cidade, e com isto embaraçou a expedição de socorro. Mas ao mesmo passo escreveo a el-Rei dizendo-lhe: “Vossa Magestade, Senhor, salve a sua honra desaprovando o que eu fiz em seu nome; sacrifique a minha cabeça e não aquella praça”. (Obras completas do Cardeal Saraiva, publicadas por António Correia Caldeira, Lisboa, 1883, t. X, p. 364-5).

A lenda se aproveitaria destas tergiversações, para isto, que refere um historiador: “Conservava ele (Sousa Coutinho) consigo, algumas folhas em branco assinadas pelo próprio punho do Rei, em uma das quais animosamente escreveu a promessa de abandonar todo o estado de Pernambuco aos Holandeses, e, obtendo nova audiência daqueles ministros, pôs-lhes nas mãos aquela declaração, suspendendo a partida da armada...” (Fr. Giuseppe di S. Teresa — Historia delle guerre del regno del Brasile... Roma, 1698, Parte 2.ª, p. 127.

(6) — Cf. Vieira — Cartas, ed. J. Lúcio de Azevedo, t. III, p. 561. A psicologia do Pe. Antônio Vieira segundo, se depreende do mais profundo e informado de seus biógrafos (J. Lúcio de Azevedo, “História de Antônio Vieira”, Lisboa, 2 vols., 2.ª ed.) leva antes a suspeitar que não tenha sido cúmplice, senão de uma “sinceridade” fácil na defesa das opiniões que lhe davam, pela realeza de um talento que não sofre dificuldades. Desses homens como Erasmo, a quem o gênio dispensa a convicção própria, homens que os medíocres apodam de “para tudo”, porque são, os mais dos outros, “para nada”. Vieira “convencia-se”, aliás, das causas que lhe confiavam como aliás todos os bons advogados.

(7) — “Quem não pode, diz a sabedoria popular, trapaceia”. A política internacional não é senão isso. A atitude do Rei, seus ministros, governadores, embaixadores, capitães, só com essa “chave” ou decifração se compreende. A duplicidade era obrigada pela própria razão de viver. Os homens que tratam este assunto são dignos do momento. Os três embaixadores de Portugal em Holanda honram à política dos Machiavel e dos Richelieu: Sousa Coutinho, António de Sousa de Macedo, António Raposo, “huomo ancor egli de finissima intelligenza per il manegio di affari cotanto delicato”, diz Frei Giuseppe di S. Teresa (Historia delle guerre... tra la corona de Portogallo e la Republica di Olanda, Roma, 1698, p. II, lib. VII, p. 183). A inteligência, como devia, ajudou as armas.

(8) — As coisas passaram-se assim: em 1651 Cromwell, o protetor da Inglaterra, promulgou o Navigation Act, pelo qual qualquer navio estrangeiro só podia trazer às Ilhas Britânicas as mercadorias do seu próprio país. Era um ato de hostilidade à Holanda e proteção à marinha britânica, pois que Holanda não era mais que intermediária ou concessionária de centros produtores e centros consumidores. Daí a guerra de 1653 em que os Flamengos foram batidos, o que nos aproveitou. Na guerra de 65-67 a solução foi indecisa. Finalmente, em 68 os adversários reconciliaram-se, porque o Stathouder de Holanda, Guilherme de Orange, se tornou Guilherme III, rei da Inglaterra... é outra história, que não nos interessa. Apenas, para nós, a Holanda deixou de contar como rapineira inimiga.

(9) — Os eufemismos usados, neste caso, da escravidão dos índios, — “entradas”, “bandeiras”, “resgates”, “prear”, “justa guerra” etc. pretendem evitar o símile da escravidão negra: essa “vermelha” era tão cruel como a outra e o vermelho não será só da cor da raça escravizada, senão da crueldade sangrenta daquelas empresas de banditismo exaltados hoje a heroísmos pela perversão patriótica de sentimentos.

(10) — Capistrano descreve a chacina final: “Por três vezes tocaram-lhe fogo (à igreja, onde se refugiaram as vítimas), que foi apagado mas à quarta começou a palha a arder e os refugiados viram-se obrigados a sair. Abriram um postigo e saindo por ele a modo de rebanho de ovelha, que sai do corral para o pasto, com espadas, machetes, alfanges, lhes derribavam cabeças, trancavam braços, desjarreteavam pernas, atravessavam corpos. Provavam os aços de seus alfanges em rachar meninos em duas partes, abrir-lhes as cabeças e despedaçar-lhes os membros”. (Capítulos de história Colonial, IX O Sertão, p. 146, Rio 1928). E eram a índios mansos, já cristãos, das reduções jesuíticas... e civilizados cristãos os que isso faziam e disso hoje se vangloriam... “patrioticamente”. “Entre a escravidão do índio bravo das selvas, ainda não civilizado e o índio manso, das reduções jesuíticas já catequizado, já chamado a si pela civilização, os bandeirantes, evidentemente, preferem estes”. (Alfredo Ellis, Hist. da Civilização Bras., n.º 1, S. Paulo, 1939, p. 210).

(11) — “A invasão de terras castelhanas, a conquista de Guairá, a expansão geográfica paulista não teve lugar guiada por fins políticos, os paulistas não tiveram como objetivo aumentar as terras portuguesas. Unicamente eles tinham em mente o apresamento do gentio. Eles só pensavam em buscar remédio para suas necessidades econômicas”. (A. Ellis — op. cit. p. 211-2). Há desgraçados casos de fome que têm levado à antropofagia: não parece que tal horrível necessidade mereça glorificação. Atenuante é apenas menor castigo. Ou devemos glorificar também ao “negreiro” que será o autor da economia do açúcar e depois do café no Brasil? O martírio do índio e o do negro protestarão contra tais complexos de inferioridade patriótica, atual ou passageira. A. Ellis diz mais: “Os paulistas manifestaram a mais absoluta indiferença pelas agruras dos nortistas quando estes guerreavam os Holandeses. Os interesses econômicos dos paulistas não se afinavam pelos dos demais coloniais; pelo contrário, eles tinham interesse em que demorasse a ocupação batava no nordeste para que tivessem mercado mais amplo e mais valesse a sua mercadoria com a supressão do tráfico negreiro em virtude da supremacia naval flamenga.” (Op. cit., p. 212). Depois disto...

(12) — Afonso D’Escragnolle Taunay — Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil, S. Paulo, 1941, p. 305, assenta número aproximado 3.600.000, assim destribuídos: Século XVI, 100.000; século XVII, 600.000; século XVIII, 1.300.000; século XIX, 1.600.000. A tese de Simonsen tem assim ratificação.

(13) — A idéia, pelo menos, parece mais antiga. Um códice da Biblioteca da Ajuda, Mss. cotado 50-v-33, citado por Jordão de Freitas (Hist. da Colon. Port., t. III, p. 114-5) refere anedota de Martim Afonso de Sousa: “contasse delle que tratandosse em conversação diante del Rey D. João o 3.º da bondade e largueza da terra do Brasil, estando elle presente e disendolhe El-Rey: qũ vos parece Martim Affonso? passemonos para o Brasil? Respondeo elle, dizendo, entre sizo e galantaria: Por certo Sõr, que doudisse era ella, que pudera fazer hu Rey sezudo, e não viver dependente da vontade de seus visinhos podendo ser monarcha de outro maior mundo”.

Cap. VI
(1) — Todos os documentos publicados revelam que às casas de fundição escapava grande parte de ouro produzido que não pagava o “quinto” real. Vol. “Alguns subsídios para a história da cobrança do quinto na Capitania de Minas Gerais até 1735“, por M. de S. Soares Cardoso, Lisboa, 1938.

Em 1700 teria sido a produção de 2,75 toneladas por ano, atingindo em 1721-40 a 8,85 e em 1741-60 a 14,60, cimo da curva (Cf. L. de Launay — The world Gold, New York, 1908, p. 93, cit. por J. F. Normano — Evolução econômica do Brasil, trad. port., S. Paulo, 1939, p. 40). Normano resume (p. 41) a produção total de 1691 a 1875 em 1.037 toneladas, o que não é muito para tanto tempo havendo concorrentes mais felizes; contudo no século XVIII o ouro do Brasil pesou na economia do mundo.

(2) — Esta acusação não era do tempo, senão de muito antes. Já D. Luís da Cunha, ao tempo de D. João V, nas Instruções inéditas (1736) publ. pela Acad. das Ciências de Lisboa, em 1929, diz: “Os Jesuítas que fazem outra espécie de companhia (está falando das de comércio) porque perderiam a mayor parte do comercio que entretêm com pretexto de sustentarem as missões; e representarião que a Companhia atenderia somente ao seu interesse e não cuidaria em prover o Estado de homens apostólicos para se empregarem na propagação do Evangelho e na conservação daquela Christandade, que foi o primeiro objecto de tão gloriosa e tão santa conquista” (p. 160).

(3) — Fê-la, abertos os arquivos da Companhia, o Dr. Serafim Leite S. J. nos quatro tomos agora publicados: História da Companhia de Jesus no Brasil, Lisboa, 1938, e Rio, 1943, tal como se esperava: é o começo.

(4) — Em cem brasileiros cultos apenas um, se tanto, atinará com o sentido exato da palavra. Os mais estarão no caso de Mendes dos Remédios, sábio lusitano que na sua História de Literatura Portuguesa, 6.ª ed., Coimbra, 1930, p. 43, muda para “Conjuração dos Confidentes”... Tanto mudou, a semântica, o senso da expressão. Está no Dicionário de Morais (2.ª ed. 1813): “Inconfidência s. f. Falta de fé ou da fidelidade devida ao Príncipe. Tribunal da inconfidência, onde preside um juiz, para conhecer desse crime”.

Cap. VII
(1) — Pe. Antônio Vieira — Cartas, ed. João Lúcio d’Azevedo, Coimbra, 1928, t. III p. 610.

(2) — D. Luís da Cunha — Instruções inéditas... (1936) ed. da Acad. das Ciências de Lisboa, 1929, p. 208-9, 211.

(3) — Visconde de Santarém — Quadro elementar, Lisboa, 1860 t. XVIII, p. 443 etc.

(4) — Cf.: Tobias Monteiro — História do Império — Rio, Briguiet, 1927, p. 64-5. Num manuscrito da Biblioteca Nacional, de Tomás Antônio Vila Nova Portugal, está a confirmação da influência de Caírú na decisão do Príncipe. Cf. Pedro Calmon — O Rei do Brasil, Rio, 1935, p. 130.

Aliás a Convenção Secreta entre o Príncipe Regente e Jorge III, para a transferência da sede da Monarquia Portuguesa para o Brasil, de 22 de Outubro de 1807, artigos adicionais previam no caso de fechamento dos portos portugueses à bandeira inglesa, teria Inglaterra um porto na ilha de Santa Catarina ou outro lugar da costa para curso de suas mercadorias. (V. de Santarém, Quadro elementar cit. t. XVIII p. 448).

(5) — Macaulay no seu ensaio sobre Lord Clive indigna-se até o patético, porque os Indús de Nabad Surajah Dosad tivessem feito o mesmo a 146 ingleses, asfixiados durante uma noite, num exíguo calaboiço, em 1756. Os seus patrícios foram capazes de outro tanto, vítimas pobres portugueses, em 1823. Os homens são muito semelhantes.

(6) — “Art. l.º S. M. Fidelíssima reconhece o Brasil na categoria de Império independente e separado do Reino de Portugal e Algarves; e a seu sobre todos muito amado e prezado filho D. Pedro por Imperador... S. M. F. toma somente e reserva para sua pessoa o mesmo Título.

Art. 2.º S. M. Imperial em reconhecimento de respeito e amor a seu augusto Pai, o Senhor D. João VI, anui a que S. M. F. tome para a sua pessoa o Título de Imperador.”

Por alvará de 15 de Novembro de 25 D. João reconheceu formalmente a D. Pedro, seu primogênito por Príncipe Real de Portugal e Algarves e Imperador do Brasil. Diante disto, tratado e alvará, a causa da “legitimidade” de D. Miguel em Portugal não é legal.

(7) — É a confissão do Marquês de Barbacena em carta ao Imperador de 23 de Março de 27: “contra a minha expectativa o inimigo continua a retirar-se... perdendo eu o campo de batalha em Ituzaingo... qual não teria sido a sorte do inimigo, sem aqueles inconvenientes!”

Aliás em documento dirigido à Câmara da Vila de Cachoeira, no Rio Grande, de 20 de março de 1827, já publicado por vários historiadores, dá o Marquês de Barbacena a razão do seu fracasso: “A minha perda no campo de batalha não excedeu a duzentos e vinte homens entre mortos e prisioneiros, sendo a do inimigo incomparavelmente maior por sua própria confissão. O que porém não aconteceu ao inimigo nem se acha exemplo na história, foi desertarem do meu exército para cima de 1510 homens desta província no princípio da ação, sem darem um tiro, ou tirarem pela espada. .. etc. etc.”

(8) — O Barão von Mareschal. ministro austríaco no Rio, dizia, a 18 de Agosto de 28, para a Europa: “uma guerra em que as duas partes se cobrem de glórias sem se bater...” An. da Bibliot. Nacional, vol. LX, 19-38, Rio, 1940. p. 61.

(9) — Cf. Septe de Abril. Carta do Barão de Daiser, ministro da Áustria no Rio de Janeiro, em 1831. Revista do Instituto Histórico e Geográfico, t. 84 (1918), Rio 1919, p. 301: “Nunca vi, numa crise em que se tratava de uma coroa, repartir-se tão igualmente o medo como na que precedeu a abdicação de D. Pedro: enquanto tremiam em S. Christovam, na Cidade os fautores da bernarda arrumavam suas malas: a covardia prevaleceu na Quinta e a Coroa perdeu-se.”

(1) — Esses movimentos místicos (ímpetos de sentimentos sem acordo da razão) são-nos custosos e familiares: eles fizeram a Independência, o furor Constitucional, a maioridade de Pedro II, a Abolição, a República...

(2) — Mesmo sem comparação. O Imperador não podia condecorar sequer a um grande homem estrangeiro... banalidade de todos os governos. O maçon Visconde do Rio Branco opôs-se à condecoração do “materialista” (sic) Ernesto Renan... Desde aí (1872) tomou Pedro II a resolução de não propor ninguém a tais honras. (Cf. Heitor Lyra — Hist. de D. Pedro II, 1939, Vol. II, p. 176-7.) Prova do poder pessoal.

(3) — Chegamos ao delírio: indústrias que absolutamente não existem são protegidas por direitos proibitivos. Para que existam? O bom senso de Campos Sales é este, e não será atendido: “o que devemos fazer é exportar tudo quanto pudermos produzir em melhores condições que os outros países e importar tudo quanto eles possam produzir em melhores condições do que nós”. (Mensagem de 1899). O bom senso não é o comum.

(4) — “No nation has ever accomplished such great things in proportion to its means as the Portuguese... Brazil will always be the inheritance of a Portuguese people”. R. Southey — History of Brazil, t. 3.º, cap. XLIV, p. 697.

Mais. O historiador norte-americano Herbert E. Bolton (History of the Américas new ed. New York, 1941, p. 53) diz e repete: “Brazil is a monument to little Portugal”, o Brasil é um monumento ao pequeno Portugal...


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