quinta-feira, 12 de março de 2009
Gabriela Mistral (1889-1957)
Dá-me tua mão
Gabriela Mistral (1889-1957)
Dá-me tua mão e dançaremos;
dá-me tua mão e me amarás.
Uma flor única seremos,
uma só flor, e nada mais.
O mesmo verso cantaremos,
ao mesmo passo bailarás;
como uma espiga ondularemos,
como uma espiga, e nada mais.
Te chamas Rosa e eu Esperança,
porém teu nome esquecerás,
porque seremos uma dança
pela colina, e nada mais.
(Trad. Zemaria Pinto)
O pensador de Rodin
Apoiando na mão rugosa o queixo fino,
O Pensador reflete que é carne sem defesa:
Carne da cova, nua em face do destino,
Carne que odeia a morte e tremeu de beleza.
E tremeu de amor toda a primavera ardente,
E hoje, no outono, afoga-se em verdade e tristeza.
O "havemos de morrer" passa-lhe pela mente
Quando no bronze cai a noturna escureza.
E na angústia seus músculos se fendem sofredores.
Sua carne sulcada enche-se de terrores,
Fende-se, como a folha de outono, ao Senhor forte
Que o reclama nos bronzes. Não há árvore torcida
Pelo sol na planície, nem leão de anca ferida,
Crispados como este homem que medita na morte.
(Trad. Manuel Bandeira).
Eu não Sinto a Solidão
É a noite desamparo
das montanhas ao oceano.
Porém eu, a que te ama,
eu não sinto a solidão.
É todo o céu desamparo,
mergulha a lua nas ondas.
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.
É o mundo desamparo,
triste a carne em abandono
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.
Ceras Eternas
Ah! nunca mais conhecerá tua boca
a vergonha do beijo que espumava
concupiscência como espessa lava!
Voltam a ser duas pétalas nascentes
impregnadas de novo mel, os lábios
que sonhei inocentes.
Ah! nunca mais conhecerão teus braços
o mundo horrível que em meus dias pôs
escuro horror: o nó de um outro abraço.
Pelo sossego puro
sob a terra ficaram estendidos
já, Deus meu! Seguros.
Agora cegas, nunca mais tuas pupilas
terão um rosto impudente e rubro
de lascívia, nos seus espelhos refletidos!
Benditas ceras fortes,
ceras geladas, ceras eternais
e duras, da morte!
Bendito toque sábio
com que selaram olhos, com que amarraram braços,
com que juntaram lábios!
Benditas ceras!
já não brasa de beijos luxuriosos
que vos quebrem, desgastem ou derretam!
Canção das Meninas Mortas
E essas pobres meninas mortas,
escamoteadas em abril,
as que surgiram e afundaram-se
como nas ondas o delfim?
Onde é que foram e se encontram,
a custo contendo o riso,
ou escondidas esperando
voz de um amante que seguir?
Diluindo-se como desenhos
que deus deixou de colorir,
pouco a pouco afogadas como
em suas fontes um jardim?
À vezes procuram nas águas
ir recompondo seu perfil
e nas carnudas rosas róseas
quase começam a sorrir.
Nos campos elas acomodam
o talhe, o vulto quebradiço.
e quase logram que uma nuvem
lhes dê seu corpo num ardil.
Juntam-se quase as desmembradas,
quase chegam ao sol feliz.
quase desfazem seu trajeto
recordando que eram daqui.
Quase anulam sua traição
e caminham para o redil.
e quase vemos ao crepúsculo
o divino milhão surgir!
O Encontro
Encontrei-o no caminho.
A água não turvou seu sonho,
nem se abriram mais as rosas.
Mas o assombro entrou-me na alma.
E uma pobre mulher tem
o rosto banhado em lágrimas.
Levava um canto ligeiro
sua boca descuidada;
ao olhar-me se tornou
profundo o canto que entoava.
Contemplei a senda, achei-a
estranha, transfigurada.
Tive na alba de diamante
o rosto banhado em lágrimas.
Continuou a andar cantando
e levou os meus olhares.
Então já não foram mais
azuis e esbeltas as salvas.
Que importa! Ficou nos ares
estremecida minha alma.
Ninguém me feriu mas tenho
o rosto banhado em lágrimas.
Essa noite não velou
assim como eu junto à lâmpada;
Longe seu peito de nardo
minha aflição não atinge.
Porém talvez por seu sonho
passe um perfume de acácia,
que uma pobre mulher tem
o rosto banhado em lágrimas.
Ia só e não temia.
Tinha sede e não chorava
Mas desde que o vi passar,
Deus revestiu-me de chagas.
Minha mãe reza por mim
a sua oração confiada.
Mas eu terei para sempre
o rosto banhado em lágrimas.
Ausência
(Tala, 1938)
Se vai de ti meu corpo gota a gota.
Se vai minha cara no óleo surdo;
Se vão minhas mãos em mercúrio solto;
Se vão meus pés em dois tempos de pó.
Se vai minha voz, que te fazia sino
fechada a quanto não somos nós.
Se vão meus gestos, que se enovelam,
em lanças, diante de teus olhos.
E se te vai o olhar que entrega,
quando te olha, o zimbro e o olmo.
Vou-me de ti com teus mesmos alentos:
como umidade de teu corpo evaporo.
Vou-me de ti com vigília e com sono,
e em tua recordação mais fiel já me borro.
e em tua memória volto como esses
que não nasceram nem em planos nem em bosques
Sangue seria e me fosse nas palmas
de teu trabalho e em tua boca de sumo.
Tua entranha fosse e seria queimada
em marchas tuas que nunca mais ouço,
e em tua paixão que retumba na noite,
como demência de mares sós.
Se nos vai tudo, se nos vai tudo!
Tradução - Maria Teresa Almeida Pina
Riqueza
Tenho a fortuna fiel
e a fortuna perdida.
Uma assim como a rosa,
a outra assim como espinho.
Não me prejudicou
o roubo que sofri.
Tenho a fortuna fiel
e a fortuna perdida.
E estou rica de púrpura
e de melancolia.
Como é amada a rosa,
como é amante o espinho!
Tal num duplo contorno
frutas gêmeas unidas,
tenho a fortuna fiel
e a fortuna perdida.
Dois Anjos
Não é um anjo apenas
que me afeiçoa e guia.
Como embalam as duas
orlas ao mar, embalam-me
o anjo que traz o gozo
e o que traz a agonia;
o que tem asas voantes
e o que tem asas fixas.
Eu sei, quando amanhece,
qual vai reger-me o dia,
se o anjo cor de chama,
se o anjo cor de cinza.
E dou-me a eles como
alga às ondas, contrita.
Voaram uma só vez
com asas unidas:
foi o dia do amor,
o da epifania.
Fundiram-se numa asa
as asas inimigas
e apertaram o nó
que junta à morte a vida.
A casa
A mesa, filho, está posta
em brancura quieta de nata,
e em quatro muros que mostram sua cor azul
dando brilhos, a cerâmica.
Este é o sal, este o azeite
e ao centro o Pão que quase fala.
Ouro mais lindo que ouro do Pão
não está nem em fruta nem em retama,
e do seu cheiro de espiga e forno
uma fortuna que nunca sacia.
O partimos, filhinho, juntos,
com dedos duros e palma branda,
e tu o olhas assombrada
de terra preta que dá flor branca.
Abaixada a mão de comer,
que tua mãe também a abaixa.
Os trigos, filho, são do ar,
e são do sol e da enxada;
porém este Pão "cara de Deus"*
não chega as mesas das casas;
e se outras crianças não o tem,
melhor, meu filho, não o tocares,
e não tomá-lo melhor seria
com mão e mão envergonhadas
*No Chile, o povo chama ao pão de "cara de Deus"
Apegado a mim
Floco de lã de minha carne,
que em minha entranha eu teci,
floco de lã friorento,
dorme apegado a mim!
A perdiz dorme no trevo
escutando-o latir:
não te perturbem meus alentos,
dorme apegado a mim!
Ervazinha assustada
assombrada de viver,
não te soltes de meu peito:
dorme apegado a mim!
Eu que tudo o hei perdido
agora tremo de dormir.
Não escorregues de meu braço:
dorme apegado a mim!
Tradução - Maria Teresa Almeida Pina
DESOLACIÓN
La bruma espesa, eterna, para que olvide dónde
me ha arrojado la mar en su ola de salmuera.
La tierra a la que vine no tiene primavera:
tiene su noche larga que cual madre me esconde.
El viento hace a mi casa su ronda de sollozos
y de alarido, y quiebra, como un cristal, mi grito.
Y en la llanura blanca, de horizonte infinito,
miro morir intensos ocasos dolorosos.
¿A quién podrá llamar la que hasta aquàha venido
si más lejos que ella sólo fueron los muertos?
¡Tan sólo ellos contemplan un mar callado y yerto
crecer entre sus brazos y los brazos queridos!
Los barcos cuyas velas blanquean en el puerto
vienen de tierras donde no están los que son míos;
y traen frutos pálidos, sin la luz de mis huertos,
sus hombres de ojos claros no conocen mis ríos.
Y la interrogación que sube a mi garganta
al mirarlos pasar, me desciende, vencida:
hablan extrañas lenguas y no la conmovida
lengua que en tierras de oro mi vieja madre canta.
Miro bajar la nieve como el polvo en la huesa;
miro crecer la niebla como el agonizante,
y por no enloquecer no encuentro los instantes,
porque la "noche larga" ahora tan solo empieza.
Miro el llano extasiado y recojo su duelo,
que vine para ver los paisajes mortales.
La nieve es el semblante que asoma a mis cristales;
¡siempre será su altura bajando de los cielos!
Siempre ella, silenciosa, como la gran mirada
de Dios sobre mí; siempre su azahar sobre mi casa;
siempre, como el destino que ni mengua ni pasa,
descenderá a cubrirme, terrible y extasiada.
Coisas
Amo as coisas que nunca tive
como as outras que já não tenho;
Eu toco a água silenciosa,
parada em pastos friorentos
que sem um vento tiritava
no horto que era meu horto.
Se a vejo como a via antes,
me vem um estranho pensamento;
e brinco, devagar, com essa água,
qual um peixe ou um mistério.
Penso no início, onde deixei
passos alegres que já não carrego,
e no umbral vejo uma chaga
cheia de musgo e de silêncio.
Me procuro num verso que perdi,
que aos sete anos me disseram.
Era uma mulher fazendo o pão
e eu ainda sua santa boca vejo.
Vem um aroma rompendo em rajadas;
sou muito ditosa, sei o que sinto;
de tão delicado não é aroma,
senão o cheiro das amêndoas.
Me fazem criança, de novo, os sentidos;
busco um nome mas não o encontro,
e cheiro o ar e os lugares,
procurando amêndoas mas não acho...
Há um rio barulhento sempre perto.
Faz quarenta anos que o escuto.
É cantoria no meu sangue
ou bem um ritmo que me deram.
Ou é o rio Elqui de minha infância,
onde em suas águas bóio e me deixo levar.
Nunca o perco; peito a peito, como
duas crianças, nos pertencemos.
Quando sonho com a Cordilheira,
caminho por desfiladeiros,
que vou ouvindo sem parar,
um assobio, quase um juramento.
Vejo à linha do Pacífico,
Golpeando, meu arquipélago,
e de uma ilha só me restou
um cheiro acre de pássaro morto...
Um dorso, um dorso sério e doce,
arremata o sonho que estou tendo.
É o final do meu caminho
e nele descanso quando chego.
É um tronco morto ou é meu pai,
o vago dorso cinzento...
Eu não pergunto, não o incomodo.
Sentindo-o perto, calo e durmo.
Amo uma pedra de Oaxaca
ou Guatemala, sou parecida com ela,
vermelha e séria como minha cara
e cuja abertura me dá alento.
Quando adormeço ela fica nua;
não sei porque eu a persigo.
Acho que nunca a tive
e é o meu sepulcro o que vejo...
Versão e adaptação:
Marilena Trujillo
Cosas
Amo las cosas que nunca tuve
con las otras que ya no tengo;
Yo toco un agua silenciosa,
parada en pastos friolentos,
que sin un viento tiritaba
en el huerto que era mi huerto.
La miro como la miraba;
me da un extraño pensamiento,
y juego, lenta, con esa agua
como con pez o con misterio.
Pienso en umbral donde deje
pasos alegres que ya no llevo,
y en el umbral veo una llaga
llena de musgo y de silencio.
Me busco un verso que he perdido,
que a los siete años me dijeron.
Fue una mujer haciendo el pan
y yo su santa boca veo.
Viene un aroma roto en ráfagas;
soy muy dichosa si lo siento;
de tan delgado no es aroma,
siendo el olor de los almendros.
Me vuelve niño los sentidos;
le busco un nombre y no lo acierto,
y huelo el aire y los lugares
buscando almendros que no encuentro...
Un río suena siempre cerca.
Ha cuarenta años que lo siento.
Es canturía de mi sangre
o bien un ritmo que me dieron.
O el río Elqui de mi infancia
que me repecho y me vadeo.
Nunca lo pierdo; pecho a pecho,
como dos niños, nos tenemos.
Cuando sueño la Cordillera,
camino por desfiladeros,
y voy oyéndoles, sin tregua,
un silbo casi juramento.
Veo al remate del Pacífico
amoratado mi archipiélago,
y de una isla me ha quedado
un olor acre de alción muerto...
Un dorso, un dorso grave y dulce,
remata el sueño que yo sueño.
Es al final de mi camino
y me descanso cuando llego.
Es tronco muerto o es mi padre,
el vago dorso ceniciento.
Yo no pregunto, no lo turbo,
me tiendo junto, callo y duermo.
Amo una piedra de Oaxaca
o Guatemala, a que me acerco,
roja y fija como mi cara
y cuya grieta da un aliento.
Al dormirme queda desnuda;
no se por qué yo la volteo.
Y tal vez nunca la he tenido
y es mi sepulcro lo que veo...
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