ÁLVARO MAIA COM SUA MÃE
ÁLVARO MAIA (1893-1969)
(Foto de 1939)
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SOBRE AS ÁGUAS BARRENTAS
Sob o sol fugitivo, a tarde prisoneira
abre à invasão da noite as aguas do Madeira...
Calor de Agosto. 0 vento encrespa o sorvedouro,
que embala ao vento langue as lentas ondas de ouro...
- Rema, canoeiro amigo! A noite se avizinha.
Não risca o espaçO escuro uma asa de andorinha...
Deixa o barco fugir à flor da correnteza,
e apresta as férreas mãos com vigor e presteza ...
SUMAUMEIRA
Venho adorar-te à sombra da folhagem,
olhando o nascente, ao vento ondeando a fronde ...
E soltas o farfalho, que responde
à voz das cousas, num bramir selvagem ...
Teu verde-branco, verde-azul, aonde
a passarada canta em vassalagem,
vem procurar ventura na estiagem,
que doura as copas e a fartura esconde.
Ó samaumeira patrícia! Infiltra-me na fronte,
quando o corpo volver ao transformismo,
as riquezas do ar, as bênçãos do horizonte.
Leva minha alma ao céu, que o bem resume,
e espalha-me, em piedoso romantismo,
na luz, no pendão e no perfume ...
ARBORICÍDIO
Esqueço o peito desvairado,
que, vendo morto o seu menino,
no cedro em flor vibra o machado
para o caixão do pequenino...
que, vendo morto o seu menino,
no cedro em flor vibra o machado
para o caixão do pequenino...
Esqueço o noivo enamorado,
que, no itaubal que o viu menino,
procura o leito de noivado,
– princípio e fim do seu destino...
que, no itaubal que o viu menino,
procura o leito de noivado,
– princípio e fim do seu destino...
O que em suor o sangue vaza,
e acorda ao sol, ao sol se deita,
si corta as vigas para a casa,
os imbaubais para a colheita...
e acorda ao sol, ao sol se deita,
si corta as vigas para a casa,
os imbaubais para a colheita...
O construtor, o marceneiro,
que faz os barcos e a mobília,
e põe as ripas ao braseiro
para o aconchego da família...
que faz os barcos e a mobília,
e põe as ripas ao braseiro
para o aconchego da família...
A árvore em cruz, que se transporta
em correntezas, sobre os rios,
e vai fulgir – árvore morta
nos longos mastros dos navios...
em correntezas, sobre os rios,
e vai fulgir – árvore morta
nos longos mastros dos navios...
Há dor sublime no cilício
das pobres árvores feridas,
mas do tremendo sacrifício
nascem risos, brotam vidas...
das pobres árvores feridas,
mas do tremendo sacrifício
nascem risos, brotam vidas...
Mas derrubar troncos eternos,
cheios de glória e batalhas,
apodrecê-los nos invernos,
pulverizá-los nas fornalhas,
cheios de glória e batalhas,
apodrecê-los nos invernos,
pulverizá-los nas fornalhas,
Abrir florestas em clareiras,
deixar os pássaros sem ninhos,
o calmo rio em corredeiras,
em labirintos os caminhos,
deixar os pássaros sem ninhos,
o calmo rio em corredeiras,
em labirintos os caminhos,
É ser brutal, fero, demente,
e destruir, em crime duro,
pela inconstância do presente,
toda a grandeza do futuro...
e destruir, em crime duro,
pela inconstância do presente,
toda a grandeza do futuro...
ARBORICÍDIO
Álvaro Maia (1893-1969)
Álvaro Maia (1893-1969)
MAIA, Álvaro. Buzina dos paranás. Manaus: Sergio Cardoso, 1958. p.129-130
SERINGUEIRA
Ó gérmen do celeiro, ó bendita semente,
que trazes no tecido o vigor destas zonas,
brota, deslumbra, mostra o delírio fremente
das florestas, dos céus, dos rios do Amazonas.
Quantas bênçãos de luz nao te brilham nas franças,
que harmonizam de dia o rincão que adoramos...
Resplende em tua fronde um fanal de esperanças,
solta hosanas a noite o oboé dos teus ramos...
Rainha poderosa imperando na mata,
com tua ardente seiva o terreno enriqueces...
E, às carícias do sol e aos luares de prata,
esbanjas a bondade, entreabrindo-te em preces ...
És a imagem ideal do crescer formidando,
do holocausto divino em favor de quem chore...
Dão-te golpes na casca e, em resposta, cantando,
dás teu leite e teu pão, que são gotas da aurora...
Sacodes tua copa aos clamores do vento,
ofereces ao solo o teu pólen fecundo...
Sorves pela raiz o abençoado alimento
para dar alimento aos que vivem no mundo...
Ó florestas, ó céus, ó rios do Amazonas,
estacai um momento e, em delirio fremente,
levantai orações ao porvir destas zonas,
ao galho, à folha, à flor, ao perfume, a semente ...
PÊNDULO QUEBRADO
O implacavel cronometro da vida,
nos mecânicos giros errabundos,
ao bater os minutos e os segundos,
vai ficando com a órbita partida.
Enquanto corre o pêndulo, na lida
de revolver as eras nos seus fundos,
surgem do nada gêneses de mundos
e ao nada volta o que nao tem saida.
Corpo, frágil ponteiro da existencia,
coração, que alimentas e transformas,
perdestes o claror da adolescencia...
Mas, nas lutuosas noites merencórias,
haveis de reviver por novas formas
para a ressurreição de novas glórias.
EMPAREDADO
- "A terra é um canto eliseo... O céu é um grande centro
de aura e fogo a fulgir, - sentinelas da aurora...
Mas, apoiado à dor, noiva que estua e chora,
a cela da saudade, entre soluços, entro...
A duvida acompanha o elo em que me concentro,
ergue interrogações... E, nos prantos que irrora,
mostra o contentamento a explodir por fora
e um rude desespero a vibrar aqui dentro...
Estudo as sensações de toda fronte jovem,
sondo meu coração, rubro céu sem caminho.
E fujo, na agonia em que me desespero
E no encanto triunfal das forças que me movem,
a ansia de desejar tudo quanto adivinho
e à furio de viver em ideais que não quero..."
FANTASMAS
- " Fantásticas visões, virgens de olhos ardentes,
que passaram sorrindo em meu longo caminho,
constróem beijos de mel, ressoantes de carinho,
em colmeias que são tremendas urnas quentes...
Amei-as furioso, como a árvore o torvelinho...
Agitei-as com raiva em meus braços potentes,
desprezando-as após sem fo1has viridentes,
sem torneios de vento e sem canções de ninho...
Clamei, mas era tarde... Às minhas rudes vozes,
responderam da treva em clamores de fera
rugidos de revolta e protestos ferozes...
Só tu me apareceste, ó Imagem soberanal
ó triste Solidão doce noiva sincera,
e sincera talvez porque não és humana!"
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
[...]
Rias ao vento... Mais um dia,
Cahiste negua e, agreste avena,
Vinhas sem luz, vinhas tão fria,
Vinhas tão só de causar pena...
O seringueiro que remava,
Semeando espumas pelo rio,
o seringueiro, que passava,
erguendo os remos te acudiu.
Hoje, em seu lábio agradecida,
Agitas no ar sonoras azas,
E, pela voz, levas a vida
Aos entes bons, que estão nas casas...
Levas o som de cornamusa,
Quando o luar jorra e o rio é branco,
Á que o namora, alva e confusa,
Das ingaseiras do barranco...
A noiva ideal quase desmaia,
Quando percebe as tuas notas,
Lembrando beijos sobre a praia
E gritos longos de gaivotas...
Bambu perdido nos relentos,
Narciso immoto á beira d’agua,
Bebeste a rir todos os ventos,
Toda a verdura estuando em magua...
Agora tens, nesses descantes
em que a saudade vive accesa,
a dor das mattas soluçantes,
as grandes forças da tristeza...
Clarim das selvas, em teu canto
Rola o rumor das outras éras,
-anceios mortos num quebranto,
Clamores de índios e de feras...
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
Quando, alva e loura vital me dava,
minha Mãe, entre a selva e o céu nevoento,
também me dava o trom do oceano ao vento,
das galeras valsando na onda em lava...
Mas minha vida em fumo se apagava:
Germinara e cahira em soffrimento...
E tive a salvação, tive o tormento
nos seios de Narcisa, uma índia brava...
Dessas correntes em meu sangue, sinto
Galeões em rota por um mundo extincto,
Tribus em lucta pela mesma terra,
E, ora em doçuras, ora em rebeldias
Labios christãos ciciando Ave-Marias,
Rudes almas pagãs medindo a guerra...
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
Cabelos negros como nunca vi!
Mágico poema de fatais anelos
Há nessas tranças, como nunca li!
Cabelos crespos, revoltoso oceano,
Cabelos negros como a tempestade!
Cabelos castos de infinito arcano,
Que me consolam nesta soledade!
Cabelos magos que me seduzem tanto,
Cabelos negros que beijar quisera,
Cabelos plenos de magia e encanto
Cabelos lindos como a primavera!
Formosos laços de sonhado enleio,
Cabelos negros da mulher que eu amo,
- vagas olentes sobre um puro seio,
Por elas morro e, suspirando, chamo!
ÁRVORE FERIDA
Ante a constelação do céu florindo em lume
temos, ó árvore, o mesmo ideal e a mesma sina. . .
Sangrou-me o peito inerme a sensação divina,
como a acha te sangrou em golpe de negrume.
Dando esmola ao faminto e consôlo à ruina,
subimos em bondade, ardemos em perfume. . .
Bendita a dor criadora, o perfurante gume,
que em mim produz o verso e em ti produz resina. .
Ninguém virá curar-te! Apenas os ramalhos
ensinarão à flor a música dos galhos
e ensinarão ao galho as lutas das raizes.
Ninguém virá curar-me! Os meus versos apenas
serão o bálsamo esfeito em minhas próprias penas,
sob a ronda de dor dos dramas infelizes.
(BUZINA DOS PARANAS, 1958)
Buzina do Mato
Clarim das selvas, em teu canto
rola o rumor das outras eras,
anseios mortos num quebranto,
clamores de índios e de feras...
Quantos idílios não despertas
no lago imenso das lembranças,
rubras paixões das Descobertas,
revôos de flechas contra lanças...
Com essas canções de citaredo,
cobres a tarde de perfumes:
as folhas bolem no arvoredo
e ardem no bosque os vaga-lumes...
Falas... e trazes nos zunidos
as redolências das florestas,
e enches os olhos e os ouvidos
de trechos verdes e de festas...
Rias ao vento... Mas, um dia,
caíste n'água e, agreste avena,
vinhas sem luz, vinhas tão fria,
vinhas tão só de causar pena...
O seringueiro, que remava,
semeando espumas pelo rio,
o seringueiro, que passava,
erguendo os remos, te acudiu...
Hoje, em seu lábio, agradecida,
agitas no ar sonoros asas,
e, pela voz, levas a vida
aos entes bons, que estão nas casas...
Levas o som de cornamusa,
quando o luar jorra e o rio é branco,
à que o namora, alva e confusa,
nas ingàzeiras do barranco...
A noiva ideal quase desmaia,
quando percebe as tuas notas,
lembrando beijos sôbre a praia
e gritos longos de gaivotas...
Bambu perdido nos relentos,
Narciso imoto à beira d'água,
bebeste a rir todos os ventos,
todo o verdor estuando em mágoa...
Agora tens, nesses descantes,
em que a saudade vive acesa,
a dor das matas soluçantes,
as grandes fôrças da tristeza...
Clarim das selvas, em teu canto
rola o rumor das outras eras,
anseios mortos num quebranto,
clamores de índios e de feras...
Apud. Buzina dos paranás. Manaus, Sérgio Cardoso, 1958. p.9.
SÔBRE AS ÁGUAS BARRENTAS
Sob o sol fugitivo, a tarde prisioneira
abre à invasão da noite as águas do Madeira...
Calor de Agosto. O vento encrespa o sorvedouro,
que embala ao vento langue os lentas ondas de ouro.
- Rema, canoeiro amigo! A noite se avizinha.
Não risca o espaço escuro uma asa de andorinha...
Deixa o barco fugir à flor da correnteza,
e apresta as férreas mãos com vigor e presteza...
Há quem te espere ansiosa, entre as portas da casa,
mostrando à bôca em sangue um sorriso de brasa...
O sol filtra na queda o derradeiro feixe...
A montaria investe e corre como um peixe,
ora em quieto remanso, ora na maresia,
por entre a escuridão da mata fugidia...
Recurvo, o corpo de aço excandece e trabalha,
mas a idéia repousa à janela de palha,
onde um rosto amanhece e um corpo alvoroçado
e um maduro pomar, onde cresce o pecado...
Tudo em nosso redor é um solene incentivo
a êsse beijo de fogo, a êsse abraço furtivo :
o vento, que te afaga, enchendo-te de frio,
êste encanto, esta noite, esta cena, êste rio,
tudo é um riso imaturo, uma carícia calma,
que se lançam do céu sôbre as misérias da alma.
Ao rever a ampla selva em que folguei menino,
sinto meu coração fundir-se em brônzeo sino,
como si a terra fôsse uma igreja, uma aurora,
e o meu corpo em delírio uma tôrre sonora...
Às ilusões da infância, a minha vida acorda:
cada sentido é a fôrça e cada nervo é a corda,
que me levam no rio, áurea flor de bubuia,
na estranha languidez de uma branda aleluia...
A alegria luariza o sonho... -E o sino canta
ante a consolação desta harmonia santa.
Ajoelho em pensamento, entrecruzando os braços,
para beber num sôrvo as selvas e os espaços...
Insculpo em meu olhar, recolho nos ouvidos
tantos quadros da Vida em vidas repartidos...
Longas praias sem têrmo, onde alvejam gaivotas,
bosque em côres aberto e rio aberto em notas,
árvores de São João, sumaumeiras em prece,
doces recordações que nunca a fronte esquece,
heis-de embutir um dia, entre a lembrança rude,
na prata da velhice o ouro da juventude...
Sois o romance, a voz, que nos vem, de repente,
a uma valsa, a um perfume,a uma vista, em que a gente
ouve, abraça, recorda a trindade bendita
- a mãe, a noiva, a irmã, em doçura infinita...
Vivei, entrai em mim ! Quero, tempos afora,
sentir-vos a vibrar, como vos sinto agora,
onde me surja a mágoa, onde me leve o sonho,
imagens maternais de meu berço risonho !
Mais distante, à distância, onde o caudal não dorme,
desliza um batelão, vagaroso e disforme...
Hércules semi-nus lutam, batendo a voga,
e a espuma, em revulsão sob os remos que afoga,
confunde a queixa humana ao rumor de fadigas
da embarcação que lembra as galeras antigas...
-Homens, ó meus irmãos, ó párias que aí dentro ides,
em dolentes canções para a dor de outras lides,
que buscais e quereis, nesse destino obscuro,
despidos de ambição, cegos para o futuro?
Nada! Mas, na floresta onde as hordas selvagens
viam palcas de guerra ao verdor das ramagens,
traçais a nova estrada, ergueis o mundo novo,
por onde há de rolar em marcha um grande povo.
Os dias, que passais em conquistas e arrojos,
viverão dentro em nós, cantarão nos rebojos,
como o sangue brutal destas barrentas veias,
como o suave dulçor destas fulvas areias...
— Rema, canoeiro amigo! O vago céu escorre
uma toalha de breu sôbre a tarde que morre...
Estas margens azuis são muralhas de fumo,
— muros de sombra e mêdo, em que vamos sem rumo...
Tudo apavora, tudo assusta, tudo assombra,
nesta hora de refrega entre o sol-morto e a sombra. .
Há bruxedos de anões sôbre as luras do charco,
índios e iaras trovando à passagem do barco...
Bóia, monstruoso, à proa, o balseiro de uma ilha...
Mas, em cima, o bando irial das estrêlas fervilha.
Erra o bosque em perfume. Há bôcas nos barrancos,
e o lindo luar nascente esparge lírios brancos...
A noite aumenta o espasmo em que nos debatemos,
ouvindo no silêncio o chapinhar dos remos...
É a recompensa... E, enquanto idealizas o beijo
do que te espera muda, em pudor e desejo,
eu guardo a imensa voz destas imensidades
e encho o meu coração de vindouras saudades,
Terra, ó mãe, que me deste, em mesma hora dorida,
a luz do amor, o bem do sonho, o pão da vida!
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
Falena doidejando em fútil meio bobo,
Traí minha beleza e pratiquei um crime...
Pousei de riso em riso e não amei, -vendi-me!
Fiz à própria existência um lancinante roubo...
Estéril, sem tremer ao maternal arroubo,
Para matar a angústia imensa, - dividi-me
Entre a dor da lembrança e a mágoa que me oprime,
Sentindo roer-me o ovário um famulento lobo...
Os nervos, na prisão da carne em fúria, bolem...
E meu corpo, que é céu, contém o horror do inferno,
E minh’alma, que é luz, rola em pleno negrume...
Tranquei a alva corola aos remígios do pólen,
Fugi ao sol nupcial e procurei o inverno...
Morro sem ver o amor! Morro sem ter perfume!
%%%%%%%%%%%%%%%%%
Cedro! Não soffres o ultimo trabalho,
O derradeiro sommo...
Foi pouco esse agasalho,
Que déste a quem passava no abandono...
Breve, em canoa, o seringueiro estóico
Virá levar-te para a embocadura
De igarapé ou lago,
Cantando endeixas do torrão heroico...
E aguradará, com um affago,
Que a jangada appareça na corrente
E pare da ingazeira á sombra escura...
Então, exposto as maresias,
Aos cedros rente,
Irás para longe
Da humosa selva dos primeiros dias...
E longe ainda
Ainda bem longe,
Dentilhões de ferro transformado,
Embalará infante recemnado,
Em dia lindo, em noite linda...
Ou mastro no penol de um transatlantico,
Levantará, nos vagalhões do Atlantico,
a bandeira da Pátria, envolta em trovas...
Ante flavor da flammula flammante,
-folhagem verde-flava flammejante
Lembrarás amazônicos recantos...
E, na áurea juventude de um renovo,
Tu julgarás o mastro um galho novo,
Reverdecendo em folhas novas
E remalhando em novos cantos...
Onde vás assim? Porque abandonas
A terra em flôr de yaras e de máguas,
Ó jangada de cedros do Amazonas?
Onde a levais, bebendo os horizontes,
Na successão da aguas,
Seringueiros-titans de brônzeas frontes?
Entre ribas azues e grandes aguas
E com a saudade a uivar nos horizontes,
A jangada de cedros, no Amazonas,
Vae para longe,
Muito longe...
[...]
OBSESSÃO
- “Noite. .. Que horas serão?
Levanto-me do leito abandonado,
e abro o olhar triste pelo escuridão
tremenda do pecado ...
Na treva do cubículo, perquiro,
sob a febre nervosa dos instintos,
.....................
Abro a janela, em prantos para a treva ...
Meu olhar, de tristezas embebido,
treme, desvaira, perde-se e se eleva
nas árvores do sítio em que resido ...
São ficus e mangueiras paralelas,
de folhagens triunfais,
expostas aos clamores das procelas
e aa trom dos temporais ...
Beijadas por estrelas misteriosas,
como que sonham nesta grande hora,
- hora em que as hamadríadas chorosas,
enquanto nao Ihes vêm a luz da aurora,
Saem dos troncos, cheios de ciúme,
e, em rajadas pagãs,
beijam, apertam, cobrem de perfume
os feros egipãs ...
A noite é fria. .. Dançam pela aragem,
dançam na aragem fadas taciturnas ...
Dedilha o vento as harpas do folhagem,
zune e entoa suavíssimos noturnos ...
Noite, fecundo ventre das idéias,
quando choras assim,
fulgurando ao dulçor das epopéias,
tem piedade de mim ...
VEIO D'AGUA
Gosto de ouvir-te, veio de agua pura,
recortando os recantos escondidos
de soluços, de vozes, de arruidos,
entre hinos de alegria e de amargura ...
Choras no coração da selva escura
a saudade dos trilhos percorridos,
e ao teu pranto, lembrando os tempos idos,
a verde alma da terra se mistura ...
És calmo e frio em fases diferentes,
ora na rude angustia das vazantes,
ora no desespero das enchentes ...
E, corda de harpa rebentando em festas,
ergues ao ceu, em notas delirantes,
a epopeia convulsa das florestas ...
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
Em teu corpo de nubil se anniquila,
Estrangulado por um cancro interno,
O sol germinador que, em sonho terno,
Te incendeia de auroras e pupilla...
Vês o tempo correr, carne intranquilla,
sem o sanguento céu do amor materno,
e sentes nos tendões rugir o inferno,
emquanto marchas para a extrema argilla...
Ainda podes combater a idade,
Ó fonte que desejas ser bebida...
Cede ao Amor... E, á sombra que te invade,
Surgirão, no esplendor de nova vida,
Forças occultas pela virgindade,
Grandes beijos sem portas de sahida...
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
GARÇAS
No azul, em móveis ângulos, esparsas
as penas em finíssimas arestas,
fugindo em tempo às cerrações funestas,
vão em busca do céu bandos de garças ...
Em meio de tristezas e de festas,
fazem retas e círculos de farças,
ou pospontam sendais nas talagarças
e nas tules ondeantes das florestas...
Na tarde escura, no verdor da aurora,
voam, revoam pelo espaço afora,
- aladas sensações, asas de mágoas...
Descem, depois, aos longes da planura,
e, enfeitando os barrancosde brancura,
lebram Mães-dágua em sonhos sobre as águas...
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
[...]
Longas praias sem termo, onde alvejam gaivotas,
Bosques em cores aberto e rio aberto em notas,
Arvores de São João, samahumeiras em prece,
Doces recordações que nunca a fronte esquece,
Heis de embutir um dia, entre a lembrança rude,
Na prata da velhice o ouro da juventude...
Sois romance, a voz, que nos vêm, de repente,
A uma valsa, a um perfume, a uma vista, em que a gente
Ouve, abraça, recorda a trindade bemdita
-a mãe, a noiva, a irmã, em doçura infinita.
Vivei, entrae em mim! Quero, tempos afora,
Sentir-vos a vibrar, como vos sinto agora,
Onde me surja a magua, onde me leve o sonho,
Imagens maternaes de meu berço risonho!
Mais distante, à distancia onde a caudal não dorme,
Deslisa um batelão vagaroso e disforme...
Hercules semi-nús luctam, batendo a voga,
E a espuma, em revulsão sob os remos que afoga,
Confunde a queixa humana ao rumor das fadigas
Da embarcação que lembra as galeras antigas...
-Homens, ó meus irmãos, ó parias que ahi dentro ides,
Em dolentes canções para a dor de outras lides,
Que buscais e quereis nesse destino obscuro,
Despidos de ambição, cegos para o futuro?
Nada! Mas, na floresta onde as hordas selvagens
Viam palcos de guerra ao verdor das ramagens,
Traçais a nova estrada, ergueis o mundo novo,
Por onde há de rolar em marcha um grande povo...
Os dias, que passais em conquistas e arrojos,
Viverão dentro de nós, cantarão nos rebojos,
Como o sangue brutal destas barrentas veias,
Como o suave dulçor destas fulvas areias...
[...]
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
Despeço-me de ti como o proscripto
Que da risonha pátria desterrado
Parte para cumprir seu negro fado
noutra pátria de fel e granito
Onde somente echôe o triste grito
De qualquer animal desnaturado,
E donde não divise o desgraçado
Nem passar uma nuvem no infinito.
Adeus! Em um desanimo profundo
Vae fenecendo toda a minha vida
Desde o momento desta despedida
De mim agora foge toda calma
E é tão triste a saudade de minha’alma
como é entrestecido o próprio mundo
RENÚNCIA
Entre o teu vulto ardente e o meu destino incerto,
fulgure este deserto, este abismo fechado,
- e ruja o coração, como um grande forçado,
vendo-te sempre longe, embora estejas perto ...
Mas bendito esse abismo e bendito o deserto,
que nos cavam no mundo um fosso ilimitado:
não terás minha voz, como um grito abafado,
nem verei teu olhar, duplo sol entreaberto ...
Bendito esse deserto e bendito esse abismo!
Não sentirás a dor, que me acorrenta os passos,
o imposslvel gelar-te as faces de agonia,
Nem cismarás em pronto as torturas que cismo,
- beijo morto ao nascer, rósea estátua sem braços,
que vejo em desespero e não terei um dia!
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
Meu coração é cedo! Não te afundes
Na dor de sonhos fúneros, inscriptos
De eterno anceio por eternos mythos,
Em trêdos ais e longos de profundis...
Busca os céus, onde fuljam róseos ritos,
Róseos mysterios em que te aprofundes,
E destróe o pavor de que te infundes,
Provendo culpas aos teus proprios gritos...
Deixa, um instante a solidão! A vida
É transformismo, é ascese indefinida,
É doirar de volúpia as sombras frias...
Ó machina de dynamos de sangue,
Arranca e suga de meu corpo exangre
Beijos novos por novas energias
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
Já viste por acaso um cemitério
Cheio de ossos das fúnebres caveiras
De mausoléus de todas as maneiras
Que nos dão um pavor triste e funéreo?
Quando o relogio lugrube as primeiras
Pancadas vae batendo em tom sidereo,
Á meia-noite- a hora do mysterio,
Soltam gritos as aves agoureiras
Nesse momento geme a ventania
E ergue-se uma visão
Toda envolta por tétricos horrores
É a imagem terrível de minh’alma
Que passa pelo mundo sem ter calma,
Mergulhada no pântano das dores?
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
REFÚGIO AZUL
2.
Volvidos lentos anos de fadiga
sob um pesar desolador,
vinha sempre dizer-te, árvore amiga,
o meu sonho de amor ...
Guardavas minhas súplicas sombrias
- velhas frases dizendo dores vivas...
Escutavas as frases, e vertias
o teu perdao de folhas pensativos...
Nado sou, nada sinto, nada valho
sem o perfume e a sensação que vertes:
bebo teu riso, canto no teu galho,
porque dás forças às ilusoes inertes.
3.
Neste canto de luz que nos esconde
das violentas paixões da vida impura,
enlaço-te hoje toda a verde fronde
com meus serenos braços de verdura...
Chegam ruídos do mundo de onde em onde,
gritos que se erguem pela noite escura...
Mas, a esses gritos, nossa voz responde
em preces de silencio e de doçura...
Nas áureas borda úmidos do cálix,
que se alberga nos urnas de teu peito,
vivem bênçãos de amor para os meus males...
E bendizes o céu ermo e impoluto,
como a flor que perece em bem do leito,
como a flor que perece em bem do fruto...
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Não se remove o amor, quando entrelaça
dois destinos que se uniram
ao fulgor de procelas, na desgraça...
dois destinos que se uniram
ao fulgor de procelas, na desgraça...
Doma-se, às vezes... Mas, um dia,
os que as almas em beijos confundiram
se encontram em divina rebeldia,
os que as almas em beijos confundiram
se encontram em divina rebeldia,
e vão na vida, como as águas,
de pedra em pedra repartindo as mágoas...
de pedra em pedra repartindo as mágoas...
MAIA, Álvaro. Buzina dos paranás. Manaus: Sergio Cardoso, 1958. p.176
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Soffres? – Somente o Amor, que transfigura e eleva,
accenderá manhãs em teu genio sombrio...
Amor é procreação, ou estéril desvario,
e, quando fere, exalta, e, quando humilha, eleva...
-Achas o mundo o inferno?-Adão, vae domar Eva!
Ateia a labareda a esse peito já frio,
E, em seios limpos, colla os labios, como um rio
Em dois montes iguaes, cantando ao sol e á treva...
Lança a bocca faminta á violência dos húmus...
Suga, pela volúpia o sangue, - alma da veia...
E , dando á vida o odor dos fructos de áureos sumos,
Mudas os haustos pagãos num soberbo evangelho...
Sê divino, e produz! Sê robusto, e semeia!
Verás que fostes um deus, quando ficares velho!
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INVERNO
Vai morrendo a alegria dos estios,
num retintim de pompas e fanfarras:
bandos de pombos em revoos sombrios,
periquitos em loucas algazarras...
A água se espalha em volumosos fios,
que a terra escarvam, ferem como garras...
Fogem do espaço os fracos vozerios
das aves, das abelhas, das cigarras...
Os rios, como veias rebentadas,
dão o sangue lustral – a água que escorre –
às margens, em torrentes e enxurradas...
Há vozes pela selva, em canto eterno
– voz de saudades ao verão que morre,
– voz de exorcismos ao vindouro inverno!
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BIOGRAFIA DO ARQUIVO DO SENADO
Senador Álvaro Maia
Álvaro Botelho Maia
Nascimento: 19/2/1893
Natural de: Humaitá - AM
Filiação: Fausto Pereira Maia
e Josefina Botelho Maia
Falecimento: 4/5/1969
Histórico Acadêmico
Secundário Ginásio Amazonense D. Pedro Ii
Direito Faculdade de Direito
Cargos Públicos
Secretário da Prefeitura Manaus
Presidente da Caixa Econômica Federal Manaus
Secretário de Educação e Cultura.
Secretário da Prefeitura Porto Velho
Profissões
Jornalista
Professor(a)
Servidor Público
Mandatos
Interventor - 1930 a 1933
Deputado Federal - 1933 a 1935
Governador - 1935 a 1937
Interventor - 1937 a 1945
Senador - 1946 a 1951
Governador - 1951 a 1954
Senador - 1967 a 1969
Trabalhos Publicados
- Água viva. Manaus : [s.n.] 1950. 8 p.
- Antes das férias. Manaus : Livraria Clássica, 1929.
- Após a campanha. Manaus : Armazéns Palácio Real, 1926. 28 p.
- Banco de canoa. Manaus : Sérgio Cardoso, 1963. 280 p.
- A Bandeira Nacional como símbolo e emblema da Pátria. Manaus : Armazéns Palácio real, 1926. 42 p.
- Beiradão. Rio de Janeiro : Borsoi, 1958. 296 p.
- Bendita entre as mulheres. Manaus : [s.n.], 1945. 9 p.
- Buzina dos paranás. Manaus : Sérgio Cardoso & Cia., 1958. 382 p.
- Canção de fé e esperança. Manaus : Tipografia de Cá e Lá, 1923. 34 p.
- O clarão solitário. Manaus : [s.n.], 1945. 9 p.
- O cântaro da samaritana. Manaus : DEIP, 1945. 9 p.
- Defumadores e porongas. Manaus : Sérgio Cardoso, 1966. 266 p.
- D. Pedro II e a República. Manaus: Armazéns Palácio Real, 1926. 22 p.
- Em minha defesa. Manaus : Aug Reis Impressor, 1931. 10 p.
- Em nome das amazônidas. Manaus : Tipografia Palais Royal, 1927.
- Em torno do caso do Amazonas. Rio de Janeiro: [s.n.], 1931.
- Etelvina, enfermeira esperança. Manaus : [s.n.], 1946. 11 p.
- Friagens e cerrações.[S.n.t.]
- Gente dos seringais. Rio de Janeiro : Borsoi, 1956. 375 p.
- Imperialismo e separatismo. Manaus : Armazéns Palácio Real, 1926. 28 p.
- Luz do horizonte. Manaus : [s.n.], 1946. 9 p.
- Na manhã do centenário. Manaus : Tipografia Augusto Reis, 1925. 20 p.
- Nas barras do pretório. Manaus : Sérgio Cardoso & Cia., 1958. 200 p.
- Nas paliçadas de dezembro. Manaus : [s.n.], 1934. 37 p.
- Nas tendas do emaús. Manaus : Sérgio Cardoso, 1967 .220 p.
- Na vanguarda da retaguarda. Manaus : DEIP, 1943. 354 p.
- No limiar da intervenção. Manaus : Tipografia Palais Royal, 1925. 44 p.
- Noite de redenção. Manaus : DEIP, 1944. 8 p.
- A nova política do Brasil. Manaus : [s.n.], 1939. 90 p.
- Panorama real do Amazonas. Manaus : Tipografia Phenix, 1934. 37 p.
- Pela glória de Ajuricaba. [S.l.]: Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, 1952. 43 p.
- O português-lusitano e o português-brasileiro, léxica e sintaticamente considerados. Manaus : Armazéns Palácio Real, 1926. 71 p.
- As responsabilidades revolucionárias da juventude. Manaus : [s.n.], 1931.
- O ritmo da língua nacional. Manaus : Papelaria Velho Lino, [19- - ?]. 39 p.
- Os sãos não precisam de médicos. [S.l: s.n.], 1954. 18 p
- Semana do serviço militar. Manaus : DEIP, 1947. 8 p.
- Sponsa horrenda : poesia. Manaus : Imprensa Pública, 1943. 4 p.
- Velhos e novos horizontes. Manaus : Imprensa Oficial , 1924. 31 p.
ÁLVARO MAIA
Álvaro Botelho Maia nasceu em 19 de fevereiro de 1893, no seringal “Goiabal”, rio Madeira, município de Humaitá, primogênito de Fausto Ferreira Maia (cearense, falecido em 1932) e Josefina Botelho Maia (amazonense, falecida em 1968). Além de Álvaro Maia, nasceram do casal os filhos Antonio Botelho Maia (antigo fiscal de consumo, ex-Prefeito de Manaus e ex-Deputado Federal pelo Amazonas), Raimundo Botelho Maia (funcionário federal, falecido em Manaus em 1942) e uma menina, Nênê, falecida em 1902, em tenra idade.
Formação intelectual
Álvaro Maia veio criança para Manaus, aqui fazendo os cursos primário e secundário, o último no Ginásio Amazonense, tendo como colegas de turma Cosme Ferreira Filho, Cícero Bezerra de Menezes, Romero Estellita, Carlos Studart Filho e Pedro Thiago de Mello.
Curso superior iniciado em 1913 na Faculdade de Direito do Ceará, onde morou na “República Vaticano”. Em 23 de março de 1917, na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, colou grau de bacharel em direito, na mesma turma do acreano Mário Oliveira.
Atividade jornalística
Iniciada em “Aura”, publicação estudantil que circulou em Manaus de 24 de junho de 1907 até 20 de junho de 1912, quase todo esse longo período sob direção de Abelardo Araújo.
Ainda estudante secundário começou a trabalhar no “Jornal do Comércio”, então dirigido, pelo Dr. Vicente Reis, tendo como companheiros Abelardo Araújo, Cosme Ferreira Filho e Raimundo Santos.
No Ceará, participou do grupo de redatores do jornal estudantil “Vaticano”, onde apareceu uma apreciação a seu respeito em que é identificado por “Alberto Maia”. Também no Ceará escreveu em “Radical”, assistindo à agressão sofrida pelo Dr. Gentil Falcão.
De volta a Manaus, já formado, em 1917, Álvaro Maia fundou com Caetano Estellita “A Imprensa”, de cuja redação fez parte também Benjamim Lima, sendo Diretor o Dr. Alfredo da Mata.
Em 1921, durante permanência no Rio, trabalhou na “Gazeta de Notícias”, ao lado de Cândido Campos e Franklin Palmeira.
Nos primeiros meses de 1926, no início do Governo Efigênio de Sales, foi Diretor da Imprensa Oficial.
A partir da II Grande Guerra, passou a colaborador permanente dos Diários Associados, por escolha pessoal de Assis Chateaubriand, e seus artigos entraram a ser divulgados pela citada cadeia jornalística.
Atividades intelectuais
Estreou nas letras publicando o soneto “Cabelos Negros” em o “Curumi”, jornal de estudantes, em 1904. Ao longo de 65 anos, consagrou-se como poeta, ensaísta, romancista e pensador; sobretudo como poeta.
Durante o período de formação escreveu e versejou sempre, publicando nos jornais em que trabalhou.
Em 1918, figurou entre os 30 fundadores da Academia Amazonense de Letras, tendo escolhido para patrono o poeta Maranhão Sobrinho, então há pouco falecido.
No concurso promovido, em 1925, pela revista “Redenção”, dirigida por Clovis Barbosa, Álvaro Maia foi escolhido príncipe dos poetas amazonenses, por 21 votos, tendo como concorrentes Jonas da Silva (7 votos), Raimundo Monteiro (6 votos), Francisco Pereira, Genésio Cavalcante e Heitor Veridiano (1 voto cada).
Só em 1943 publicou o primeiro livro, reunindo crônicas aparecidas quando da campanha da produção da borracha, sob o título de “Na Vanguarda da Retaguarda”, tendo como prefácio um artigo de Assis Chateaubriand, “O Mujik da Steppe Verde da Amazônia”, escrito em Manaus a 25 de maio de 1943. Foi divulgação oficial, feita pelo então Departamento Estadual de Imprensa e Divulgação.
Até então os trabalhos de Álvaro Maia (poesia, crônicas, ensaios, teses, discursos e conferências) haviam sido publicados somente na imprensa ou em folhetos. O livro, porém, só apareceu aos 50 anos de idade.
O 2o livro, “Gente dos Seringais”, foi impresso no Rio, pelo Editor Borsoi, em 1956, apresentando um mapa da região que serve de cenários às narrativas, que se prendem “ao Médio-Madeira, especialmente no Município de Humaitá, com o Marmelos, Maici, Machado e Jamari, pela margem direita; à esquerda, os rios menores, que percorrem os campos gerais, Puruzinho e Mucuim, cujas águas se comunicam ao Ipixuna e outros afluentes do Purus; ao sul, o cotovelo encachoeirado do Madeira-Mamoré, até Guajará-Mirim, na fronteira boliviana, em que se encontra a estrada-de-ferro, conseqüência do Tratado de Petrópolis”.
Em 1958 apareceram três volumes: um de poesias, “Buzina dos Paranás”, o segundo “Nas Barras do Pretório”, livro político de justificativa de sua vida, editados por Sérgio Cardoso & Cia. Ltda., em Manaus, e o terceiro, o romance “Beiradão”, saído no Rio, dos prelos de Borsoi Editor.
“Buzina dos Paranás” reúne a poesia de Álvaro Maia até a época, incluindo os seguintes sub-títulos: Nos Céus do Amazonas, Portas da Amazônia, No Turbilhão, Novo Ipiranga, Mata Invadida, A Bem-Aventurança Esquecida, Romance Azul, Terreiros de Umbanda, Na Penumbra dos Sanatórios, Traduções, Horas Antigas e Mi Deslumbramiento en el Amazonas (traduções de Gastón Figueira).
O famoso “Nas Barras do Pretório” e uma defesa da vida do político, escrita sem malquerenças nem subterfúgios, demonstrando, à saciedade, com documentos, os atos e as atitudes de uma carreira combativa.
O romance “Beiradão” retrata o período de conquista do Madeira e seus afluentes, registrando dramas e tragédias na época em “dominava a coragem fria, manejando o rifle”.
“Banco de Canôa” saiu em 1963, pela Editora Sérgio Cardoso, em Manaus, retratando cenas de rios e seringais da Amazônia. Diz o autor, no prefácio: é um livro de crônicas seringueiras, destinadas a seringueiros e operários da selva. Espécie de folclore pioneiro caboclitude para imitar negritude, qualidade comum às atitudes e às condutas dos caboclos do interior”.
Em 1966, saiu nas Edições Governo do Estado do Amazonas, na série Raimundo Monteiro, vol. X, uma coletânea de pequenas estórias, intitulada “Defumadores e Porongas”.
Por fim, “Tenda de Emaús”, livro de divagações espiritualistas, foi lançado em fins de 1968, poucos meses antes da morte de Álvaro Maia, apesar de estar impresso desde o ano anterior, por Sérgio Cardoso.
Em 1o de janeiro de 1966, foi empossada a Diretoria da Academia Amazonense, presidida por Álvaro Maia, que esteve no posto até 28 de novembro, quando dele se licenciou para exercer o mandato de Senador.
Uma semana antes do seu passamento, ficou assentada uma comemoração, em julho de 1969, dos 65 anos de sua atividade literária.
Atividades no magistério
Com a criação da cadeira de Instrução Moral e Cívica nos cursos secundários, pelo Presidente Arthur Bernardes, Álvaro Maia foi nomeado pelo Interventor Alfredo Sá para professor interino do Ginásio Amazonense, em 1925, empossando-se a 20 de maio, em sessão presidida pelo Prof. Plácido Serrano. Aberto concurso para a cadeira, foi ele, já em 1926, candidato único, apresentando tese sobre “Imperialismo e Separatismo” e defendendo outra, de ponto sorteado pela Congregação, “A Bandeira Nacional como Símbolo e Emblema da Pátria”
Também em 1926 conquistou uma das cadeiras de Português do mesmo Ginásio, com duas teses: “O Português-Lusitano e o Português-Brasileiro léxica e sintaticamente considerados” (ponto sorteado pela Congregação) e “O Ritmo da Língua Nacional” (de própria escolha).
Ensinou, efetivamente, até 1930.
Nesse mesmo período ensinou Português no Colégio Dom Bosco, onde ainda tentou continuar a dirigir classes em 1931, já Interventor Federal, verificando, logo no início do ano, a falta de tempo.
No Rio, do segundo semestre de 1931 até 1933, voltou ao magistério em colégios particulares, tendo sido, ainda, Inspetor de Ensino.
Atividades políticas
Desde que retornou, formado, à terra natal, Álvaro Maia se tornou uma bandeira política. Em 1918 foi candidatado a Deputado Federal, pela oposição, sem nenhuma perspectiva de vencer.
Sua afirmação, porém, se deu quando pronunciou a “Canção de Fé e Esperança”, em 9 de novembro de 1923. Depois dos famosos discursos-libelos de Heliodoro Balbi, foi o documento decisivo da vida política do Amazonas. Enquanto ensinava, Álvaro Maia foi conquistando paulatinamente a confiança e a simpatia dos moços. Por outro lado, sua vida era um exemplo de dignidade e desprendimento.
Após a Revolução de 1930, foi afinal chamado ao poder, como Interventor Federal, indicado pelo então Tenente-Coronel Floriano Machado, que esteve à frente do Governo do Estado. Exerceu o cargo até meados de 1931, no meio das maiores dificuldades, inclusive financeiras.
Tendo-se exonerado no Rio, lá ficou até que foi iniciada a campanha para a reconstitucionalização do país, quando voltou ao Amazonas, disputando eleição para Deputado à Assembléia Nacional Constituinte (eleitos: Álvaro Maia, Alfredo da Mata, Leopoldo Cunha Melo e Luiz Tireli).
Votada a Constituição de julho de 1934, organizou-se a vida política estadual, sendo, em 1935, escolhido pela Assembléia Estadual para Senador Federal, juntamente com Alfredo da Mata. Logo depois, também em eleição indireta, foi eleito Governador Constitucional do Estado.
Com o golpe político do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, foi nomeado Interventor Federal, mantendo-se no poder até a queda de Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945. Atravessou toda a II Grande Guerra à frente do Estado. Foi substituído pelo Desembargador Stanislau Affonso, Presidente do Tribunal de Justiça, durante o Governo José Linhares.
Integrando o Partido Social Democrático desde a sua fundação, como membro de sua comissão central, Álvaro Maia foi candidato à Senatoria Federal, juntamente com Waldemar Pedrosa. Nas eleições de 2 de dezembro de 1945 a chapa venceu por larga margem de votos, publicando Álvaro Maia, uma prestação de contas de sua administração.
Durante o exercício do mandato, foi Presidente da Comissão de Diplomacia da Câmara Alta e fez parte da Delegação do Brasil a uma reunião da ONU, em Paris, em 1948: nessa ocasião apresentou trabalho sobre genocídio.
Em 1950 voltou novamente ao Governo do Estado, numa eleição renhida, em que teve como competidor o Senador Seve riano Nunes. Foi eleito na mesma ocasião em que Getúlio Vargas conquistou pelo voto direto a Presidência da República. Antes do término do mandato, desincompatibilizou-se para disputar eleição para o Senado, em que foi derrotado.
Seguiram-se mais duas eleições perdidas (1958 e 1962). Na 4a disputa, porém, sua candidatura saiu vitoriosa. Foi como Senador, pela 3a vez, que a morte o encontrou.
Outras atividades
O 1o emprego que teve o bacharel Álvaro Maia, no Amazonas, em 1917, foi de redator dos debates da Assembléia Legislativa. Depois foi procurador da República, interino (1917-1918). Exerceu durante 15 dias o lugar de ajudante do Gabinete de Identificação e Estatística (1918), sob a direção do Dr. Galdino Ramos. Em 1918-1919 foi Auditor da Força Policial, cargo que considerou destituído de interesse para o Estado, propondo ao Governador Alcântara Bacelar a sua extinção. Foi então para Porto-Velho, como secretário do Superintendente Monsenhor Raimundo Oliveira (1920-1921). Em 1921-1922 serviu como secretário da Comissão de Propaganda e Organização do Centenário no Pará, chefiada por Djalma Cavalcanti, seu cunhado. De 1922 a 1926, serviu na Comissão de Saneamento Rural do Amazonas sob a direção do Dr. Samuel Uchôa, sendo-lhe atribuída a coordenação dos relatórios.
Quando Governador Militar do Amazonas o Cel. Raimundo Barbosa, após a chegada do General Menna Barreto, Comandante do Destacamento organizado para combater os revoltosos de 23 de julho de 1924, Álvaro Maia foi secretário da Prefeitura de Manaus. O Prefeito, então, foi Araújo Lima, que posteriormente, voltou ao cargo, no Governo Efigênio de Sales, realizando uma das mais profícuas administrações.
Na Associação Comercial do Amazonas, exerceu as funções de Consultor Jurídico e redator da revista, até 1930. Retomou o posto de Consultor Jurídico em 1958.
Neste ano, foi nomeado Presidente da Caixa Econômica Federal, aposentando-se, como tal, em 1966.
No Rio, manteve escritório de advocacia, associado ao Dr. Paulo Marinho, entre 1955-1958.
Morte
Morreu Álvaro Maia a 1:15 da madrugada de 4 de maio de 1969, num apartamento do Pavilhão Santana, da Santa Casa de Misericórdia de Manaus, acometido de infarto do miocárdio na manhã da véspera. Assistiram ao desenlace o médico assistente, Dr. Osvaldo Said, acompanhado pela enfermeira Ruth Helena, pela Srta. Maria Helena Paiva Monte (prima) e Dr. Erasmo Alfaia (amigo). Imediatamente a notícia se espalhou e começaram a chegar ao hospital os amigos do morto, que foi velado no hall do Palácio Rio Negro desde o alvorecer.
O sepultamento de Álvaro Maia se deu ao fim da tarde de 5 de maio, no Cemitério São João Batista, acompanhado por grande massa humana, sentida e emocionada.
(Biografia publicada na Revista da Academia Amazonense de Letras n.0 14, de dezembro de 1969, de autoria do Acadêmico Djalma Batista, que consentiu, gentilmente, na sua transcrição).
[Agnello Bittencourt. Dicionário amazonense de biografias. Rio de Janeiro, Conquista, 1973].
Álvaro Maia foi casado com D. Amazilis e teve duas filhas: Terezinha (já falecida) e Alviles, casada com Leopoldo Péres Sobrinho (irmão do falecido senador Jefferson Péres.)
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OS REMADORES
A tarde é linda... A noite desce...
O sol é uma âmbula de prece
sobre a indolência destas águas...
Ao longe, vão doidas canoas:
levam nas popas e nas proas
homens viris chorando mágoas...
Os remos na água bordam rendas...
Fulgem, refulgem velhas lendas,
longos terrores que a alma espraia,
– posses cruéis, punhais à vista,
ou pardos botos em conquista
a moças nuas, sobre a praia....
Nos ventos fogem cavatinas
de langues, frases cristalinas
do remador, como um lamento...
penso em teu vulto... E, deslumbrado,
ouço no canto o meu passado...
E o canto se ergue, lento e lento...
– “Ouve estas vozes, em lembrança
de quem passou pela bondade
com o pulso em febre e a alma em vulcão...
E, ermando a vida de esperança,
enquanto vais à claridade,
vai procurando a escuridão...
Onda materna que me embalas,
barrancos de ouro e de granizo,
noite em caminho para o mar,
– tendes o céu de suas falas,
o inferno azul de seu sorriso,
a lua e o sol de seu olhar”.
Morre a cadência... Outra garganta
apresta a voz dolente, e canta
crimes brutais, nervosas ânsias...
São os sertões, nervosas demandas,
beijos furtados nas varandas,
raptos perdidos nas distâncias...
Uma canoa, quando passa,
é um violão de amor e graça...
O remador, em desafio,
sacode os remos, duros dedos,
e une seus sonhos e segredos
aos das florestas e do rio...
O rio segue, entre balanços,
em correntezas e remansos,
aos cavos urros do rebojo...
Mais tarde, acalma e, então, recorda,
Presa no azul, barrenta corda...
Vibrai-a, irmãos de gleba e arrojo!
Ó seringueiros-cantadores,
quando remais, cantando amores,
por estas tardes de áureo encanto,
o rio canta pelas bolhas,
a árvore canta pelas folhas
e tudo canta em vosso canto... p.29-31
SERINGUEIRA
Ó gérmen do celeiro, ó bendita semente,
que trazes no tecido o vigor destas zonas,
brota, deslumbra, mostra o delírio fremente
das florestas, dos céus, dos rios do Amazonas.
Quantas bênçãos de luz não te brilham nas franças,
que harmonizam de dia o rincão que adoramos...
Resplende em tua fronde um fanal de esperanças,
solta hosanas à noite o oboé dos teus ramos...
Rainha poderosa imperando na mata,
com tua ardente seiva o terreno enriqueces...
E, às carícias do sol e aos luares de prata,
esbanjas a bondade, entreabrindo-te em preces...
És a imagem ideal do crescer formidando,
do holocausto divino em favor de quem chora...
Dão-te golpes na casca e, em resposta, cantando,
dás teu leite e teu pão, que são gotas da aurora...
Sacodes tua copa aos clamores do vento,
ofereces ao solo o teu pólen fecundo...
Sorves pela raiz o abençoado alimento
para dar alimento aos que vivem no mundo...
ó florestas, ó céus, ó rios do Amazonas,
estacai um momento e, em delírio fremente,
levantai orações ao porvir destas zonas,
ao galho, à folha, à flor, ao perfume, à semente... p.115
SUMAUMEIRA
Venho adorar-te à sombra da folhagem,
olhando o nascente, ao vento ondeando a fronde...
E solta o farfalho, que responde
à voz das cousas, num bramir selvagem...
Teu verde-branco, verde-azul, aonde
a passarada canta em vassalagem,
vem procurar ventura na estiagem,
que doura as copas e a fartura esconde.
Ó samaumeira patrícia! Infiltra-me na fronte,
quando o corpo volver ao transformismo,
as riquezas do ar, as bênçãos do horizonte.
Leva minha alma ao céu, que o bem resume,
e espalha-me, em piedoso romantismo,
na luz, no pendão e no perfume... p.117
ROMANCE AZUL
I
Eu passava por ti, no isolamento
dos que vivem na Dor, quando falaste...
De tua voz fluía um canto...
Fui bebendo-o, lento e lento,
sonambulando num deslumbramento...
Por que te ouvi? Por que falaste?
Eu me algemara ao desalento
e resistia à angústia da alma em pranto,
por uma poeira de sonho,
na poesia do Sonho...
II
Fremiu, em nosso encontro, a força estranha,
a força das torrentes
trementes,
seducentes
da montanha...
E falaste de novo... Em choro humilde,
o prelúdio das grandes amorosas
melodizou as eras...
As mulheres da lenda, Isolda e Bruneilde,
de bruços nas ameias silenciosas,
esfolhavam primaveras...
As musas da tragédia, as tristes musas
– Desdêmona e Francesca,
vagavam fúneras, confusas,
ante a sorte dantesca...
As noivas dos poetas,
estilizadas em poemas,
as amantes inquietas
da Terra americana,
Moemas e Iracemas,
tudo eu ouvia
na pastorela soberana
que teu lábio escorria...
Falaste... E rosais floriram,
e mares tremeram,
e ventos cantaram...
Porque, em romântica surdina,
radiou a voz divina
de todas as que sentiram,
de todas as que sofreram,
de todas as que amaram...
Em baixo, o abismo escancarava
a fauce em lava...
O amor, ao som de harpas,
nos conduzia nas escarpas,
para onde a morte espumejava...
III
Tudo esqueci!
Que importa
o mundo, com horror, me feche a porta,
sendo por ti!
Que importa, injustamente, o atro labéu
me ultraje o rosto, em frenesi...
Vejo no insulto um luar solto do céu,
sendo de ti!
E si
Meu sangue for preciso à tua vida,
rompo a veia, abro-a em ferida,
abro-a por ti!
IV
Vi, junto ao meu, teu sorriso moço,
ouvi teu sangue estuar dentro da artéria...
Desse íntimo alvoroço,
saíste pura,
como vieste...
Si à tua paz etérea
é necessária a minha desventura,
estendo as mãos ao sacrifício,
preso à bondade que me deste...
Tombem sobre mim
as iras do flagício
e, enfim,
alvoreças em árvore feliz!
Branca de flores, vendo-me raiz,
enluarás de alvorada
a sombra sempre derramada
sob a copa feliz!
V
Não se remove o amor, quando entrelaça
dois destinos que se uniram
ao fulgor de procelas, na desgraça...
Doma-se, às vezes... Mas, um dia,
os que as almas em beijos confundiram
se encontram em divina rebeldia,
e vão na vida, como as águas,
de pedra em pedra repartindo as mágoas...
VI
Entre nós dois, talvez possa fulgir
a ausência... frígidas, sem tréguas,
nevarão milhas pelo mar
e, na terra, quilômetros e léguas...
Bendito o temporal que nos unir,
maldigo a calma que nos separar...
Quando se ama para sempre,
distância não assombra,
nem tempos desanimam...
Um e outro ficaram sempre
frente à frente, olhos no vácuo... E, toda hora,
tia imagem de aurora
e meu vulto de sombra
se abraçarão, levados por um imã...
Teremos, curvos à fatalidade,
corpos sem alma, corações já mortos...
O corpo é transição, a alma é eternidade,
e almas e corações são livres como o vento...
Longe, voarás, por certo,
do abrigo em que morares,
através de angras e portos,
de selvas e mares,
em busca de meu pensamento...
E, cheio do ideal que nos prendeu,
há-de fugir meu coração deserto,
como andorinha viúva, para perto
do teu!
VII
O real prazer da vida não no sente
o que o amor preliba em doses
com o casto aspeito
de um convalescente...
Filho de glebas em revoltas,
sinto-o um caudal em nevroses,
rebelde e insatisfeito...
Não torna o rio ao nascedouro,
nem renúncia às voltas
dos vales em dilúvios...
Também não renuncio à chama de ouro
dos teus dormentes olhos núveos...
Dar-me-ás sempre essa luz de que me inundo,
em meu tormento sobre-humano...
Condenados embora, iremos pelo mundo,
num romance lindo,
como o caudal para o oceano,
– de queda
em queda,
bramindo,
borbulhando,
batalhando... p.173-178
RENÚNCIA
Entre o teu vulto ardente e o meu destino incerto,
fulgure este deserto, este abismo fechado,
– e ruja o coração, como um grande forçado,
vendo-te sempre longe, embora estejas perto...
Mas bendito esse abismo e bendito o deserto,
que nos cavam no mundo um fosso ilimitado:
não terás minha voz, como um grito abafado,
nem verei teu olhar, duplo sol entreaberto...
bendito esse deserto e bendito esse abismo!
Não sentirás a dor, que me acorrenta os passos,
o impossível gelar-te as faces de agonia,
Nem cismarás em pranto as torturas que cismo,
– beijo morto ao nascer, rósea estátua sem braços,
que vejo em desespero e não terei um dia! p.201
FANTASMAS
– “Fantásticas visões, virgens de olhos ardentes,
que passaram sorrindo em meu longo caminho,
constroem beijos de mel, ressoantes de carinho,
em colmeias que são tremendas urnas quentes...
Amei-as furioso, como a árvore o torvelinho...
Agitei-as com raiva em meus braços potentes,
desprezando-as após sem folhas viridentes,
sem torneios de vento e sem canções de ninho...
Clamei, mas era tarde... às minhas rudes vozes,
responderam da treva, em clamores de fera,
rugidos de revolta e protestos ferozes...
Só tu me apareceste, ó imagem soberana,
ó triste Solidão, doce noiva sincera,
e sincera talvez por que não és humana!” p.245
EMPAREDADO
– “A terra é um canto elíseo... O céu é um grande centro
de ouro e fogo a fulgir, – sentinelas da aurora...
Mas, apoiado à dor, noiva que estua e chora,
a cela da saudade, entre soluços, entro...
A dúvida acompanha o elo em que me concentro,
ergue interrogações... E, nos prantos que irrora,
mostra o contentamento a explodir lá por fora
e um rude desespero a vibrar aqui dentro...
Estudo as sensações de toda fronte jovem,
sondo meu coração, rubro céu sem caminho.
E fujo, na agonia em que me desespero
E no encanto triunfal das forças que me movem,
à ânsia de desejar tudo quanto adivinho
e à fúria de viver em ideais que não quero... –” p.247
PÊNDULO QUEBRADO
O implacável cronômetro da vida,
nos mecânicos giros errabundos,
ao bater os minutos e os segundos,
vai ficando com a órbita partida.
Enquanto corre o pêndulo, na lida
de revolver as eras nos seus fundos,
surgem do nada gêneses de mundos
e ao nada volta oque não tem saída.
Corpo, frágil ponteiro da existência,
coração, que alimentas e transformas,
perdestes o claror da adolescência...
Mas, nas lutuosas noites merencórias,
haveis de reviver por novas formas
para a ressurreição de novas glórias. p.277
OS REMADORES
A tarde é linda... A noite desce...
O sol é uma âmbula de prece
sobre a indolência destas águas...
Ao longe, vão doidas canoas:
levam nas popas e nas proas
homens viris chorando mágoas...
Os remos na água bordam rendas...
Fulgem, refulgem velhas lendas,
longos terrores que a alma espraia,
– posses cruéis, punhais à vista,
ou pardos botos em conquista
a moças nuas, sobre a praia....
Nos ventos fogem cavatinas
de langues, frases cristalinas
do remador, como um lamento...
penso em teu vulto... E, deslumbrado,
ouço no canto o meu passado...
E o canto se ergue, lento e lento...
– “Ouve estas vozes, em lembrança
de quem passou pela bondade
com o pulso em febre e a alma em vulcão...
E, ermando a vida de esperança,
enquanto vais à claridade,
vai procurando a escuridão...
Onda materna que me embalas,
barrancos de ouro e de granizo,
noite em caminho para o mar,
– tendes o céu de suas falas,
o inferno azul de seu sorriso,
a lua e o sol de seu olhar”.
Morre a cadência... Outra garganta
apresta a voz dolente, e canta
crimes brutais, nervosas ânsias...
São os sertões, nervosas demandas,
beijos furtados nas varandas,
raptos perdidos nas distâncias...
Uma canoa, quando passa,
é um violão de amor e graça...
O remador, em desafio,
sacode os remos, duros dedos,
e une seus sonhos e segredos
aos das florestas e do rio...
O rio segue, entre balanços,
em correntezas e remansos,
aos cavos urros do rebojo...
Mais tarde, acalma e, então, recorda,
Presa no azul, barrenta corda...
Vibrai-a, irmãos de gleba e arrojo!
Ó seringueiros-cantadores,
quando remais, cantando amores,
por estas tardes de áureo encanto,
o rio canta pelas bolhas,
a árvore canta pelas folhas
e tudo canta em vosso canto... p.29-31
SERINGUEIRA
Ó gérmen do celeiro, ó bendita semente,
que trazes no tecido o vigor destas zonas,
brota, deslumbra, mostra o delírio fremente
das florestas, dos céus, dos rios do Amazonas.
Quantas bênçãos de luz não te brilham nas franças,
que harmonizam de dia o rincão que adoramos...
Resplende em tua fronde um fanal de esperanças,
solta hosanas à noite o oboé dos teus ramos...
Rainha poderosa imperando na mata,
com tua ardente seiva o terreno enriqueces...
E, às carícias do sol e aos luares de prata,
esbanjas a bondade, entreabrindo-te em preces...
És a imagem ideal do crescer formidando,
do holocausto divino em favor de quem chora...
Dão-te golpes na casca e, em resposta, cantando,
dás teu leite e teu pão, que são gotas da aurora...
Sacodes tua copa aos clamores do vento,
ofereces ao solo o teu pólen fecundo...
Sorves pela raiz o abençoado alimento
para dar alimento aos que vivem no mundo...
ó florestas, ó céus, ó rios do Amazonas,
estacai um momento e, em delírio fremente,
levantai orações ao porvir destas zonas,
ao galho, à folha, à flor, ao perfume, à semente... p.115
SUMAUMEIRA
Venho adorar-te à sombra da folhagem,
olhando o nascente, ao vento ondeando a fronde...
E solta o farfalho, que responde
à voz das cousas, num bramir selvagem...
Teu verde-branco, verde-azul, aonde
a passarada canta em vassalagem,
vem procurar ventura na estiagem,
que doura as copas e a fartura esconde.
Ó samaumeira patrícia! Infiltra-me na fronte,
quando o corpo volver ao transformismo,
as riquezas do ar, as bênçãos do horizonte.
Leva minha alma ao céu, que o bem resume,
e espalha-me, em piedoso romantismo,
na luz, no pendão e no perfume... p.117
ROMANCE AZUL
I
Eu passava por ti, no isolamento
dos que vivem na Dor, quando falaste...
De tua voz fluía um canto...
Fui bebendo-o, lento e lento,
sonambulando num deslumbramento...
Por que te ouvi? Por que falaste?
Eu me algemara ao desalento
e resistia à angústia da alma em pranto,
por uma poeira de sonho,
na poesia do Sonho...
II
Fremiu, em nosso encontro, a força estranha,
a força das torrentes
trementes,
seducentes
da montanha...
E falaste de novo... Em choro humilde,
o prelúdio das grandes amorosas
melodizou as eras...
As mulheres da lenda, Isolda e Bruneilde,
de bruços nas ameias silenciosas,
esfolhavam primaveras...
As musas da tragédia, as tristes musas
– Desdêmona e Francesca,
vagavam fúneras, confusas,
ante a sorte dantesca...
As noivas dos poetas,
estilizadas em poemas,
as amantes inquietas
da Terra americana,
Moemas e Iracemas,
tudo eu ouvia
na pastorela soberana
que teu lábio escorria...
Falaste... E rosais floriram,
e mares tremeram,
e ventos cantaram...
Porque, em romântica surdina,
radiou a voz divina
de todas as que sentiram,
de todas as que sofreram,
de todas as que amaram...
Em baixo, o abismo escancarava
a fauce em lava...
O amor, ao som de harpas,
nos conduzia nas escarpas,
para onde a morte espumejava...
III
Tudo esqueci!
Que importa
o mundo, com horror, me feche a porta,
sendo por ti!
Que importa, injustamente, o atro labéu
me ultraje o rosto, em frenesi...
Vejo no insulto um luar solto do céu,
sendo de ti!
E si
Meu sangue for preciso à tua vida,
rompo a veia, abro-a em ferida,
abro-a por ti!
IV
Vi, junto ao meu, teu sorriso moço,
ouvi teu sangue estuar dentro da artéria...
Desse íntimo alvoroço,
saíste pura,
como vieste...
Si à tua paz etérea
é necessária a minha desventura,
estendo as mãos ao sacrifício,
preso à bondade que me deste...
Tombem sobre mim
as iras do flagício
e, enfim,
alvoreças em árvore feliz!
Branca de flores, vendo-me raiz,
enluarás de alvorada
a sombra sempre derramada
sob a copa feliz!
V
Não se remove o amor, quando entrelaça
dois destinos que se uniram
ao fulgor de procelas, na desgraça...
Doma-se, às vezes... Mas, um dia,
os que as almas em beijos confundiram
se encontram em divina rebeldia,
e vão na vida, como as águas,
de pedra em pedra repartindo as mágoas...
VI
Entre nós dois, talvez possa fulgir
a ausência... frígidas, sem tréguas,
nevarão milhas pelo mar
e, na terra, quilômetros e léguas...
Bendito o temporal que nos unir,
maldigo a calma que nos separar...
Quando se ama para sempre,
distância não assombra,
nem tempos desanimam...
Um e outro ficaram sempre
frente à frente, olhos no vácuo... E, toda hora,
tia imagem de aurora
e meu vulto de sombra
se abraçarão, levados por um imã...
Teremos, curvos à fatalidade,
corpos sem alma, corações já mortos...
O corpo é transição, a alma é eternidade,
e almas e corações são livres como o vento...
Longe, voarás, por certo,
do abrigo em que morares,
através de angras e portos,
de selvas e mares,
em busca de meu pensamento...
E, cheio do ideal que nos prendeu,
há-de fugir meu coração deserto,
como andorinha viúva, para perto
do teu!
VII
O real prazer da vida não no sente
o que o amor preliba em doses
com o casto aspeito
de um convalescente...
Filho de glebas em revoltas,
sinto-o um caudal em nevroses,
rebelde e insatisfeito...
Não torna o rio ao nascedouro,
nem renúncia às voltas
dos vales em dilúvios...
Também não renuncio à chama de ouro
dos teus dormentes olhos núveos...
Dar-me-ás sempre essa luz de que me inundo,
em meu tormento sobre-humano...
Condenados embora, iremos pelo mundo,
num romance lindo,
como o caudal para o oceano,
– de queda
em queda,
bramindo,
borbulhando,
batalhando... p.173-178
RENÚNCIA
Entre o teu vulto ardente e o meu destino incerto,
fulgure este deserto, este abismo fechado,
– e ruja o coração, como um grande forçado,
vendo-te sempre longe, embora estejas perto...
Mas bendito esse abismo e bendito o deserto,
que nos cavam no mundo um fosso ilimitado:
não terás minha voz, como um grito abafado,
nem verei teu olhar, duplo sol entreaberto...
bendito esse deserto e bendito esse abismo!
Não sentirás a dor, que me acorrenta os passos,
o impossível gelar-te as faces de agonia,
Nem cismarás em pranto as torturas que cismo,
– beijo morto ao nascer, rósea estátua sem braços,
que vejo em desespero e não terei um dia! p.201
FANTASMAS
– “Fantásticas visões, virgens de olhos ardentes,
que passaram sorrindo em meu longo caminho,
constroem beijos de mel, ressoantes de carinho,
em colmeias que são tremendas urnas quentes...
Amei-as furioso, como a árvore o torvelinho...
Agitei-as com raiva em meus braços potentes,
desprezando-as após sem folhas viridentes,
sem torneios de vento e sem canções de ninho...
Clamei, mas era tarde... às minhas rudes vozes,
responderam da treva, em clamores de fera,
rugidos de revolta e protestos ferozes...
Só tu me apareceste, ó imagem soberana,
ó triste Solidão, doce noiva sincera,
e sincera talvez por que não és humana!” p.245
EMPAREDADO
– “A terra é um canto elíseo... O céu é um grande centro
de ouro e fogo a fulgir, – sentinelas da aurora...
Mas, apoiado à dor, noiva que estua e chora,
a cela da saudade, entre soluços, entro...
A dúvida acompanha o elo em que me concentro,
ergue interrogações... E, nos prantos que irrora,
mostra o contentamento a explodir lá por fora
e um rude desespero a vibrar aqui dentro...
Estudo as sensações de toda fronte jovem,
sondo meu coração, rubro céu sem caminho.
E fujo, na agonia em que me desespero
E no encanto triunfal das forças que me movem,
à ânsia de desejar tudo quanto adivinho
e à fúria de viver em ideais que não quero... –” p.247
PÊNDULO QUEBRADO
O implacável cronômetro da vida,
nos mecânicos giros errabundos,
ao bater os minutos e os segundos,
vai ficando com a órbita partida.
Enquanto corre o pêndulo, na lida
de revolver as eras nos seus fundos,
surgem do nada gêneses de mundos
e ao nada volta oque não tem saída.
Corpo, frágil ponteiro da existência,
coração, que alimentas e transformas,
perdestes o claror da adolescência...
Mas, nas lutuosas noites merencórias,
haveis de reviver por novas formas
para a ressurreição de novas glórias. p.277
ARBORICÍDIO
Álvaro Maia (1893-1969)
que, vendo morto o seu menino,
no cedro em flor vibra o machado
para o caixão do pequenino...
Esqueço o noivo enamorado,
que, no itaubal que o viu menino,
procura o leito de noivado,
– princípio e fim do seu destino...
O que em suor o sangue vaza,
e acorda ao sol, ao sol se deita,
si corta as vigas para a casa,
os imbaubais para a colheita...
O construtor, o marceneiro,
que faz os barcos e a mobília,
e põe as ripas ao braseiro
para o aconchego da família...
A árvore em cruz, que se transporta
em correntezas, sobre os rios,
e vai fulgir – árvore morta
nos longos mastros dos navios...
Há dor sublime no cilício
das pobres árvores feridas,
mas do tremendo sacrifício
nascem risos, brotam vidas...
Mas derrubar troncos eternos,
cheios de glória e batalhas,
apodrecê-los nos invernos,
pulverizá-los nas fornalhas,
Abrir florestas em clareiras,
deixar os pássaros sem ninhos,
o calmo rio em corredeiras,
em labirintos os caminhos,
É ser brutal, fero, demente,
e destruir, em crime duro,
pela inconstância do presente,
toda a grandeza do futuro...
MAIA, Álvaro. Buzina dos paranás. Manaus: Sergio Cardoso, 1958. p.129-130
* Imagem retirada do livro Álvaro Maia - poliantéia: - a obra - o exemplo - o homem. Manaus: Edição UBE, 1984. p.23
* Imagem retirada do livro Álvaro Maia - poliantéia: - a obra - o exemplo - o homem. Manaus: Edição UBE, 1984. p.23