terça-feira, 10 de novembro de 2015

AUTA DE SOUZA



Auta de Souza 



Na Primeira Página 
da 
“Imitação de Cristo” 
Vinde a mim todos os que estais fatigados  
e oprimidos, e eu vos consolarei. 
                            IMIT. DE CRISTO L. IV. cap. I 
(Macaíba - Março de 1899) 

Quando meu pobre coração doente, 
Cheio de mágoas, desolado e aflito, 
Sinto bater descompassadamente, 
Abro este livro então: leio e medito. 
Leio e medito nesta voz celeste 
Quem vem do Além, qual mensageiro santo, 
Trazer um ramo de oliveira agreste 
Aos que navegam sobre o mar do pranto.  
Meus pobres olhos sempre rasos d’água, 
Por um instante deixam de chorar; 
E nas asas da Prece a minha mágoa 
Vai-se um momento para além do Mar.  
E d’entro d’alma, nua de esperança, 
Eu penso ouvir como n’um sonho doce 
Alguém que fala numa voz tão mansa 
Como se o eco de um suspiro fosse:  
“Vem a mim se padeces: no meu seio 
Corre a fonte serena da Alegria... 
Eu sou Aquele que sorrindo veio 
Dourar as trevas da Melancolia.  
Eu sou um branco e pálido sorriso 
Iluminando a tua solidão: 
Faze de minha Cruz um Paraíso 
E do meu Coração teu coração.  
Faze-te humilde, humilde e pequenina, 
Como as crianças, como os passarinhos... 
Escuta e guarda a minha lei divina, 
No sacrário ideal dos meus carinhos.  
Não sabes quanto padeci no Horto, 
Por ti, por teu amor, filha querida? 
Eu sou o Anjo formoso do conforto, 
Venho trazer o bálsamo à ferida.  
Carrega a tua Cruz e vem comigo 
Pela estrada da Dor e do Tormento. 
Eu serei teu irmão, teu sol, o amigo 
Que em lírios mudará o sofrimento.  
Venho trazer a Paz... Longe da terra 
A Paz habita... Ao pé do Santuário, 
Ó minha filha, a doce paz se encerra 
Dentro da Hóstia, dentro do Sacrário.  
Felizes os que sofrem e no meu seio 
Recolhem suas queixas como preces; 
Volta o pesar ao Céu de onde ele veio... 
Feliz, ó sim! feliz tu que padeces!”  
E a mesma voz escuto, o mesmo canto, 
De cada vez que o meu olhar ungido 
Cai docemente n’este livro santo, 
Lembrança amiga de um irmão querido.  
Amo tanto o meu livro, ele é tão puro, 
Consola tanto o coração aflito! 
Ah! desta vida no caminho escuro 
Ele será meu talismã bendito!  
E se ele entreabre, a rir, a boca ingênua e pura, 
Casta como da rosa o seio imaculado: 
“Abrem-se, par em par, - meu coração murmura - 
As portas de coral de um palácio encantado!”  
Ah! como fico alegre e como canto ao vê-lo! 
Foge-me até do seio a sombra do Desgosto. 
Inclino-me de leve e beijo-lhe o cabelo 
Enquanto o Sol se ajoelha e vem beijar-lhe o rosto...  
Ó lírio perfumado! Ó manso cordeirinho 
Que guardas a Quimera em teu sorriso em flor... 
Vive feliz, ó santo, e que jamais o espinho 
Da mágoa te atormente, ó pequenino amor!  
Que o meu Verso te leve, açucena bendita, 
Nas asas de cristal, as brancas esperanças... 
E o afeto sagrado e a ternura infinita 
Que minh’alma consagra a todas as crianças!  



  
BENDITA


Bendita sejas, minha mãe, bendito 
Seja o teu seio, imaculado e santo, 
Onde derrama as gotas de seu pranto 
Meu dolorido coração aflito. 
Ó minha mãe, ó anjo sacrossanto, 
Bendito seja o teu amor, bendito! 
Ouve do Céu o amargurado grito 
Cheio da dor de quem soluça tanto. 
E deixa que repouse em teus joelhos 
A minha fronte, ouvindo os teus conselhos 
Longe do mundo, ó sempiterna dita! 
Envia lá do céu no teu sorriso 
A morte que levou-te ao Paraíso... 
Bendita sejas, minha mãe, bendita! 
  
  
  

À ALMA DE MINHA MÃE
  
  

Partiu-se o fio branco e delicado 
Dos sonhos de minh'alma desditosa... 
E as contas do rosário assim quebrado 
Caíram como folhas de uma rosa. 
Debalde eu as procuro lacrimosa, 
Estas doces relíquias do Passado, 
Para guardá-las na urna perfumosa, 
Do meu seio no cofre imaculado. 
Aí! se eu ao menos uma só pudesse 
D'estas contas achar que me fizesse 
Lembrar um mundo de alegrias doidas... 
Feliz seria... Mas minh'alma atenta 
Em vão procura uma continha benta: 
Quando partiste m'as levaste todas! 
  
  
  
  
  
   A MINHA AVÓ 


Minh'alma vai cantar, alma sagrada! 
Raio de sol dos meus primeiros dias... 
Gota de luz nas regiões sombrias 
De minha vida triste e amargurada. 
Minh'alma vai cantar, velhinha amada! 
Rio onde correm minhas alegrias... 
Anjo bendito que me refugias 
Nas tuas asas contra a sina irada! 
Minh'alma vai cantar... Transforma o seio 
N'um cofre santo de carícias cheio, 
Para este livro todo o meu tesouro...  
Eu quero vê-lo, em desejada calma, 
No rico santuário de tu'alma... 
— Hóstia guardada n'um cibório de ouro! — 
  
  
  

REGINA MARTYRUM


  Lírio do Céu, sagrada criatura, 
Mãe das crianças e dos pecadores, 
Alma divina como a luz e as flores 
Das virgens castas a mais casta e pura; 
Do Azul imenso, d'essa imensa altura 
Para onde voam nossas grandes dores, 
Desce os teus olhos cheios de fulgores 
Sobre os meus olhos cheios de amargura! 
Na dor sem termo pela negra estrada 
Vou caminhando a sós, desatinada, 
— Ai! pobre cega sem amparo ou guia! — 
Sê tu a mão que me conduza ao porto... 
Ó doce mãe da luz e do conforto, 
Ilumina o terror d'esta agonia! 
  
   
  AO PÉ DE UM BERÇO 

A Leopoldina Monteiro. 

Pensei em ti, Leopoldina, escrevendo estes versos; quero 
que os cantes embalando o teu Milton. 

Dorme, dorme, pequenino 
Encanto de meu amor; 
Que o sono doce e divino 
Cerre-te as folhas, ó flor! 

Fecha os olhos, meu filhinho; 
E pede ao sono que leve 
Ao céu, em faixas de linho. 
Tu’alma da cor da neve. 

Mas não demores, meu filho, 
Volta nas asas do amor, 
Traz a meus olhos o brilho, 
Traz a meu seio o calor. 

Meu coração é um ramo 
Onde teci o teu ninho; 
Dorme nele, gaturamo, 
Ó sonho branco de arminho! 

Dorme, dorme; de mansinho 
Vou te embalando a cantar... 
Esconde as asas no ninho, 
Não quero ouvir-te chorar. 

Fecha os olhos docemente 
E voa longe da terra, 
Dorme o teu sono inocente, 
Ó nívea pomba da serra! 

Dorme, santinho, as estrelas 
Virão cobrir-te com um véu; 
Não chores se queres vê-las 
Fazer de teu berço um céu. 

Foge da noite aos abrolhos 
Neste celeste abandono; 
Eu guardo um sonho nos olhos 
Para dourar o teu sono. 

Olha, meu santo, Jesus, 
Que tanto amava os meninos, 
Vela sorrindo da cruz 
O sono dos pequeninos. 

E a mãe do céu, nos espaços 
Deixando de luz um trilho, 
Traz o filhinho nos braços 
Para beijar-te, meu filho! 

Recebe o carinho amigo 
E pede ao rei do Universo 
Que fique a sonhar contigo, 
Dormindo no mesmo berço. 

Às duas mães, n’um sorriso, 
Sobre o ninho velarão... 
E eu direi ao Paraíso, 
Baixinho, no coração: 

Qual dos dois mais luz encerra, 
Envoltos no mesmo véu: 
O filho da mãe da terra? 
O filho da mãe do Céu? 

Dorme, bonina nevada, 
Enquanto eu velo a cantar; 
Guia-me à pátria adorada, 
Ó doce estrela do Mar! 

Dorme e não chores, criança! 
A Lua do Céu sorri - 
Na vida sem esperança 
Eu hei de chorar por ti.
  

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