quinta-feira, 10 de março de 2011
Cornelius Castoriadis
Sobre o conteúdo do socialismo
Cornelius Castoriadis
Texto publicado em Socialisme ou Barbarie, nº 17 (julho de 1955). O texto era
precedido da seguinte indicação: "Este texto inicia uma discussão sobre os
problemas programáticos que terá prosseguimento nos próximos números de
Socialisme ou Barbarie".
Da critica da burocracia à idéia da autonomia do proletariado
As idéias expostas neste texto serão talvez mais facilmente compreendidas se
retraçarmos o caminho que nos conduziu a elas. Na verdade, partimos de certas
posições nas quais se situa necessariamente um militante operário ou um marxista
numa determinada etapa de seu desenvolvimento, portanto, de posições que foram
partilhadas, num momento ou noutro, por todos aqueles aos quais nos dirigimos; e
se as concepções aqui apresentadas possuem algum valor, seu desenvolvimento não
pode ser obra do acaso ou de características pessoais, mas deve encarnar uma
lógica objetiva em funcionamento. Descrever este desenvolvimento só pode pois
aumentar a clareza e facilitar o controle do resultado final.[1]
Como muitos outros militantes de vanguarda, começamos por constatar que as
grandes organizações "operárias" não possuem mais uma política marxista
revolucionária ou não representam mais os interesses dos proletários. O marxista
chega a esta conclusão confrontando a ação dessas organizações ("socialistas"
reformistas ou "comunistas" estalinistas) com a sua própria teoria. Vê os
partidos ditos "socialistas" participarem de governos burgueses, exercerem
ativamente a repressão de greves ou de movimentos dos povos das colônias, serem
campeões da defesa da pátria capitalista, e até esquecerem a referência a um
regime socialista. Vê os partidos "comunistas" estalinistas aplicarem ora esta
mesma política oportunista de colaboração com a burguesia, ora uma política
"extremista", um aventureirismo violento sem relação com uma estratégia
revolucionária conseqüente. O trabalhador consciente faz as mesmas constatações
ao nível de sua experiência de classe; vê os socialistas envidarem seus esforços
para moderar as reivindicações de sua classe e para tornar impossível qualquer
ação eficaz visando a satisfazê-los, para substituir a greve por conversações
com o patronato e o Estado; vê os estalinistas ora proibirem rigorosamente as
greves (como de 1945 a 1947) e tentarem reduzi-las mesmo pela violência[2] ou
fazê-las abortar insidiosamente,[3] ora quererem impor brutal- mente a greve aos
operários que não desejam fazê-la, pois percebem que ela é alheia a seus
interesses (como em 1951-1952, com as greves "antiamericanas"). Fora da fábrica,
o trabalhador vê também os socialistas e os comunistas participarem de governos
capitalistas, sem que disto resulte alguma modificação em sua condição; e ele os
vê se associarem, tanto em 1936 quanto em 1945, quando sua classe quer agir e o
regime está em situação desesperadora, para interromper o movimento e salvar
este regime, proclamando que é preciso saber encerrar uma greve", que é preciso
"produzir primeiro e reivindicar depois".
Tanto o marxista quanto o operário consciente, constatando essa oposição radical
entre a atitude das organizações tradicionais e uma política marxista
revolucionária que exprima os interesses históricos e imediatos do proletariado,
poderão então pensar que estas organizações "se enganam" ou que elas "traem".
Mas, na medida em que refletem, ou ficam sabendo, ou constatam que reformistas e
estalinistas se comportam do mesmo modo dia após dia, que se comportaram assim
sempre e em toda a parte, outrora, agora, aqui e em outros lugares, eles vêem
que não tem sentido falar de "traição" e de "erros". Poder-se-ia falar de
"erros" se esses partidos procurassem atingir os objetivos da revolução
proletária com meios inadequados; mas estes meios, aplicados de modo coerente e
sistemático há dezenas de anos, demonstram simplesmente que os objetivos dessas
organizações não são os nossos, e que essas mesmas organizações expressam
interesses diferentes daqueles do proletariado. A partir do momento em que se
compreendeu isto, não tem sentido dizer que elas "traem". Se um comerciante,
para me vender sua mercadoria, me conta histórias e tenta me persuadir que é do
meu interesse comprá-la, posso dizer que ele me engana, mas não que ele me trai.
Do mesmo modo, o partido socialista ou estalinista, ao tentar persuadir o
proletariado de que representam os seus interesses, enganam-no, mas não o traem;
eles traíram o proletariado de uma vez por todas, há muito tempo, e, depois
disto, não são traidores da classe operária, mas servidores conseqüentes e fiéis
de outros interesses, os quais é preciso determinar.
Aliás, esta política não aparece simplesmente constante em seus meios e em seus
resultados. Ela está encarnada na camada dirigente dessas organizações ou
sindicatos; o militante percebe rapidamente e às suas próprias custas que esta
camada é inamovível, que ela sobrevive a todas as derrotas e que se perpetua por
cooptação. Quer o regime interno da organização seja "democrático" como nos
reformistas, quer seja ditatorial, como nos estalinistas, a massa dos militantes
não pode absolutamente influir em sua orientação, que é determinada sem apelação
por uma burocracia cuja estabilidade nunca é questionada; pois mesmo quando o
núcleo dirigente chega a ser substituído, ele o é em proveito de um outro não
menos burocrático.
Nesse momento, o marxista e o operário consciente esbarram quase fatalmente com
o trotskismo.[4] O trotskismo oferece, com efeito, uma critica permanente, passo
após passo, da política reformista e estalinista há um quarto de século,
mostrando que as derrotas do movimento operário - Alemanha 1923, China
1925-1927, Inglaterra 1926, Alemanha 1933, Áustria 1934, França 1936, Espanha
1936-38, França e Itália 1945-47 etc. - se devem à política das organizações
tradicionais, e que esta política esteve em constante ruptura com o marxismo. Ao
mesmo tempo, o trotskismo[5] oferece uma explicação da política desses partidos
a partir de uma análise sociológica. Em relação ao reformismo, retoma a
interpretação dada por Lenin: o reformismo dos socialistas exprime os interesses
de uma aristocracia operária (que os lucros excedentes do imperialismo permitem
corromper através de salários mais elevados) e de uma burocracia sindical e
política. Em relação ao estalinismo, sua política está a serviço da burocracia
russa, desta camada parasitária e privilegiada que usurpou o poder no primeiro
Estado operário, graças ao caráter atrasado do país e ao recuo da revolução
mundial depois de1923.
Havíamos começado nosso trabalho de critica a partir do problema da burocracia
estalinista, no seio mesmo do trotskismo. Por que foi exatamente sobre este
problema, não há necessidade de longas explicações. Enquanto o problema do
reformismo parecia resolvido pela história, como reformismo tornando-se cada vez
mais um defensor aberto do capitalismo,[6] sobre o problema do estalinismo - que
é o problema contemporâneo por excelência e que na prática tem um peso muito
maior que o primeiro - a história de nossa época desmentia constantemente a
concepção trotskista e as perspectivas que dela decorriam. Para Trotsky, a
política estalinista se explicava pelos interesses da burocracia russa, produto
da degenerescência da revolução de Outubro. Esta burocracia não tinha nenhuma
"realidade própria", historicamente falando; ela era apenas um "acidente",
produto do equilíbrio constantemente rompido entre as duas forças fundamentais
da sociedade moderna, o capitalismo e o proletariado. Na Rússia, ela se apoiava
mesmo nas "conquistas de Outubro", que haviam dado bases socialistas à economia
do país (nacionalização, planificação, monopólio do comércio exterior etc.) e na
manutenção do capitalismo no resto do mundo; pois a restauração da propriedade
privada na Rússia significaria a derrubada da burocracia em proveito de um
retorno dos capitalistas, enquanto que a extensão mundial da revolução acabaria
com este isolamento da Rússia - do qual a burocracia era o resultado, ao mesmo
tempo econômico e político - e determinaria uma nova explosão revolucionária do
proletariado russo, que expulsaria os usurpadores. Daí o caráter necessariamente
empírico da política estalinista, obrigada a bordejar entre os dois adversários,
e dando-se como objetivo a manutenção utópica do status quo; obrigada a sabotar
todo movimento proletário desde que este colocasse em perigo o regime
capitalista, e obrigada também a compensar em excesso esta sabotagem através de
uma violência extrema a cada vez que a reação, encorajada pela desmoralização do
proletariado, tentasse instaurar uma ditadura e preparar uma cruzada capitalista
contra "os restos das conquistas de Outubro". Assim, os partidos estalinistas
estavam condenados a uma alternância de aventureirismo "extremista" e de
oportunismo.
Mas nem esses partidos nem a burocracia russa podiam permanecer assim
indefinidamente suspensos no ar; na ausência de uma revolução, dizia Trotsky, os
partidos estalinistas assimilar-se- iam cada vez mais aos partidos reformistas e
comprometidos com a ordem burguesa, enquanto a burocracia russa seria derrubada,
com ou sem intervenção militar estrangeira, em proveito de uma restauração do
capitalismo.
Trotsky havia associado este prognóstico ao desfecho da Segunda Guerra Mundial,
que, como se sabe, o desmentiu fragorosamente. Os dirigentes trotskistas se
deram o ridículo de afirmar que sua realização era uma questão de tempo. Mas,
para nós, o que se tornou imediatamente manifesto - já durante a guerra - é que
não se tratava, e não poderia se tratar de uma questão de prazo, mas do sentido
da evolução histórica, e que toda a construção de Trotsky era mitológica em seus
fundamentos.
A burocracia russa passou pela prova crucial da guerra mostrando tanta
resistência quanto qualquer outra classe dominante. Se o regime russo comportava
contradições, apresentava também uma estabilidade não menor que a do regime
americano ou alemão. Os partidos estalinistas não passaram para o lado da ordem
burguesa, mas continuaram a seguir fielmente (com exceção, é claro, das
deserções individuais como existem em todos os partidos) a política russa:
partidários da defesa nacional nos países aliados à URSS, adversários desta
defesa nos países inimigos da URSS (aí compreendidas as viradas sucessivas do PC
francês em 1939, 1941 e 1947). Enfim, fato mais importante e mais
extraordinário, a burocracia estalinista estendia seu poder a outros países:
quer impondo seu poder em favor da presença do Exército russo, como na maior
parte dos países satélites da Europa Central e dos Bálcãs, quer dominando
inteiramente um movimento confuso de massas, como na Iugoslávia (ou, mais tarde,
como na China e no Vietnã, ela instaurava nesses países regimes tão análogos em
todos os aspectos ao regime russo (levando em conta, evidentemente, as condições
locais), os quais, com toda certeza, era ridículo qualificar de Estados
operários degenerados. [7]
Nesse momento, era-se pois obrigado a procurar o que dava essa estabilidade e
essas possibilidades de expansão à burocracia estalinista, tanto na Rússia
quanto em outros países. Para fazê-lo, foi necessário retomar a análise do
regime econômico e social da Rússia. Uma vez abandonada a tática trotskista, era
fácil ver, utilizando categorias marxistas fundamentais, que a sociedade russa é
uma sociedade dividida em classes, entre as quais as duas fundamentais são a
burocracia e o proletariado. A burocracia exerce o papel de classe dominante e
exploradora no pleno sentido do termo. Não se trata apenas do fato de ela ser
uma classe privilegiada, cujo consumo improdutivo absorve uma parte do produto
social comparável (provavelmente superior) ao que absorve o consumo improdutivo
da burguesia nos países de capitalismo privado. E ela que comanda soberanamente
a utilização do produto social total, primeiramente determinando a sua
repartição em salários e mais-valia (ao mesmo tempo em que tenta impor aos
operários os salários mais baixos possíveis e extrair deles a maior quantidade
de trabalho possível), em seguida determinando a repartição desta mais-valia
entre seu próprio consumo improdutivo e novos investimentos, e, enfim,
determinando a repartição destes investimentos entre os diversos setores da
produção.
Mas a burocracia só pode comandar a utilização do produto social porque ela
comanda também a produção. E porque ela gere a produção ao nível da fábrica que
pode constantemente obrigar os trabalhadores a produzir mais pelo mesmo salário;
é porque gere a produção ao nível da sociedade que pode decidir pela fabricação
de canhões e de sedas em vez de moradias ou tecidos de algodão. Constata-se pois
que a essência, o fundamento da dominação da burocracia sobre a sociedade russa
é o fato de que ela domina no interior das relações de produção; ao mesmo tempo,
constata-se que esta mesma função foi sempre a base da dominação de uma classe
sobre a sociedade. Dito de outra maneira, a essência efetiva das relações de
classe na produção é sempre a divisão antagônica dos participantes da produção
em duas categorias fixas e estáveis, dirigentes e executantes. O resto diz
respeito aos mecanismos sociológicos e jurídicos que garantem a estabilidade da
classe dirigente; tais são propriedade feudal da terra, a propriedade privada
capitalista ou esta estranha forma de propriedade privada, impessoal, do
capitalismo atual; tais são, na Rússia, a ditadura totalitária do organismo que
exprime os interesses gerais da burocracia, o partido "comunista", e o fato de
que o recrutamento dos membros da classe dominante se faz por uma cooptação que
se estende à escala da sociedade global. [8]
Disto resulta que a nacionalização dos meios de produção e a planificação não
resolvem absolutamente o problema do caráter de classe da economia, não
significa de forma alguma a supressão da exploração; elas certamente provocam a
supressão das antigas classes dominantes, mas não respondem ao problema
fundamental: quem dirigirá agora a produção, e como o fará? Se uma nova
categoria de indivíduos assume essa direção, a "antiga confusão", da qual falava
Marx, reaparecerá rapidamente; pois esta classe utilizará sua posição para criar
privilégios para si mesma e para aumentar e consolidar estes privilégios;
reforçará seu monopólio das funções de direção, tendendo a tornar sua dominação
mais total e mais difícil de ser colocada em causa; ela se inclinará a assegurar
a transmissão destes privilégios a seus descendentes etc.
Com relação à argumentação de Trotsky, para quem a burocracia não é classe
dominante porque os privilégios burocráticos não são transmissíveis
hereditariamente, basta lembrar: 1º) que a transmissão hereditária não é
absolutamente um elemento necessário da categoria classe dominante; 2º) que, de
fato, o caráter hereditário de membro da burocracia (não certamente de tal
situação burocrática particular) é evidente; basta uma medida como a
não-gratuidade do ensino secundário (estabelecida em 1936), para instaurar um
mecanismo sociológico inexorável que assegura que somente os filhos de
burocratas poderio ingressar na carreira burocrática. Além de tudo isto, o fato
de que a burocracia queira tentar (através de bolsas de estudo ou de seleção por
"mérito absoluto") atrair para si os talentos que nascem no seio do proletariado
ou do campesinato, não somente não contradiz mas sobretudo confirma o seu
caráter de classe exploradora; mecanismos análogos existiram desde sempre nos
países capitalistas e sua função social é de revigorar através de sangue novo a
classe dominante, de melhorar em parte as irracionalidades que resultam do
caráter hereditário das funções dirigentes e de mutilar as classes exploradas
corrompendo os seus elementos mais bem dotados.
É fácil perceber que não se trata aqui de um problema particular da Rússia ou
dos anos 1920. Pois o problema se põe para o conjunto da sociedade moderna,
independentemente mesmo da revolução proletária; ele é apenas uma outra
expressão do processo de concentração das forças produtivas. O que é que cria,
efetiva- mente, a possibilidade objetiva de uma degenerescência burocrática da
revolução? E o movimento inexorável da economia moderna, sob a pressão da
técnica, em direção a uma concentração cada vez mais elevada do capital e do
poder, a incompatibilidade do grau de desenvolvimento atual das forças
produtivas com a propriedade privada e o mercado como modo de integração das
empresas. Este movimento se traduz por uma gama de transformações estruturais
nos países capitalistas ocidentais, a respeito das quais não podemos nos
estender aqui. Basta lembrar que elas se encarnam socialmente numa nova
burocracia, tanto burocracia econômica quanto burocracia do trabalho. Ora, ao
fazer tabula rasa da propriedade privada, do mercado etc., a revolução pode se
ela parar ai facilitar a via da concentração burocrática total. Vê-se pois que,
longe de ser desprovida de realidade própria, a burocracia personifica a última
fase do desenvolvimento do capitalismo.
Em conseqüência, tornava-se evidente que o programa da revolução socialista e o
objetivo do proletariado não podiam mais ser simplesmente a supressão da
propriedade privada, a nacionalização dos meios de produção e a planificação,
mas a gestão operária da economia e do poder. Fazendo um retrospecto da
degenerescência da revolução russa, constatávamos que o partido bolchevique
tinha como programa no plano econômico não a gestão operária, mas o controle
operário. Isto porque o partido, que não pensava que a revolução pudesse ser
imediatamente uma revolução socialista, nem mesmo se dava como tarefa a
expropriação dos capitalistas, considerava que estes guardariam para si a
direção das empresas; nestas condições, o controle operário teria como função ao
mesmo tempo impedir os capitalistas de organizar a sabotagem da produção,
controlar seus lucros e a disposição do produto das empresas, e constituir uma
"escola" de direção para os operários. Mas esta monstruosidade sociológica de um
pais onde o proletariado exerce sua ditadura através de sovietes e do partido
bolchevique, e onde os capitalistas mantêm a propriedade e a direção das
empresas não podia durar; nos lugares onde os capitalistas não fugiram, foram
expulsos pelos operários que assumiram ao mesmo tempo a gestão das empresas.
Esta primeira experiência de gestão operária durou pouco; não podemos aqui
entrar na análise deste período (muito obscuro e sobre o qual existem poucas
informações) da revolução russa [a], nem dos fatores que determinaram a passagem
rápida do poder nas fábricas para as mios de uma nova classe dirigente: estado
de atraso do país, fraqueza numérica e cultural do proletariado, deterioração do
aparelho produtivo, longa guerra civil de uma violência sem precedentes,
isolamento internacional da revolução. Há um único fator cuja ação durante este
período queremos destacar: a política sistemática do partido bolchevique foi, na
prática, contrária à gestão operária e inclinou-se, desde o início, a instaurar
um aparelho próprio de direção da produção, responsável unicamente perante o
poder central, ou seja, afinal de contas, o Partido. Isto em nome da eficácia e
das necessidades imperiosas da guerra civil. Se esta política era a mais eficaz
mesmo a curto prazo, resta ainda saber; em todo caso, lançava os fundamentos da
burocracia.
Se a direção da economia escapava assim ao proletariado, Lenin pensava que o
essencial era que a direção do Estado lhe fosse conservada pelo poder soviético;
que, de outro lado, a classe operária, participando da direção da economia pelo
controle operário, sindicatos etc. "aprenderia" gradualmente a gerir. Todavia,
uma evolução impossível de reconstituir, mas irresistível, tornou rapidamente
inamovível a dominação do partido bolchevique nos sovietes. A partir desse
momento, o caráter proletário de todo o sistema estava ligado ao caráter
proletário do partido bolchevique. Poder-se-ia mostrar facilmente que, nestas
condições, o partido, minoria estritamente centralizada e monopolizando o
exercício do poder, não poderia nem mais possuir um caráter proletário no
sentido forte deste termo, e deveria forçosamente se separar da classe de onde
havia saído. Mas não é necessário ir tio longe. Em 1923, "o partido contava
350000 membros: 50000 operários e 300000 funcionários. Não era mais um partido
operário, mas um partido de operários que se tornaram funcionários".[9] Reunindo
a "elite" do proletariado, o partido havia sido levado a instalar esta elite nos
postos de comando da economia e do Estado; nestes postos, ela só devia prestar
contas ao partido, ou seja, a ela mesma. O "aprendizado" da gestão pela classe
operária significava simplesmente que um certo número de operários, aprendendo
as técnicas de direção, saiam de sua posição e passavam para o lado da nova
burocracia. Com a existência social dos homens determinando sua consciência, os
membros do partido doravante iriam agir não segundo o programa bolchevique, mas
em função de sua situação concreta de dirigentes privilegiados da economia e do
Estado. A jogada estava feita, a revolução estava morta e, se há algo espantoso,
é exatamente a subseqüente lentidão da consolidação da burocracia no poder. [10]
As conclusões que resultam desta breve análise são claras:
o programa da revolução socialista não pode ser outro senão o da gestão
operária. Gestão operária do poder, ou seja, poder dos organismos autônomos das
massas (sovietes ou Conselhos); gestão operária da economia, ou seja, direção da
produção pelos produtores, organizados também em organismos do tipo soviético. O
objetivo do proletariado não pode ser simplesmente a nacionalização e a
planificação, porque isto significa restituir a dominação da sociedade a uma
nova classe de dominadores e exploradores; ele não pode ser realizado com a
entrega do poder a um partido, por mais revolucionário ou proletário que este
partido possa ser no início, porque tenderá fatalmente a exercer o poder por sua
própria conta e servirá de semente para a cristalização de uma nova classe
dominante. O problema da divisão da sociedade em classes aparece com efeito em
nossa época cada vez mais sob sua forma mais direta e mais nua, desprovida de
todas as máscaras jurídicas, como o problema da divisão da sociedade em
dirigentes e executantes. A revolução proletária só realiza seu programa
histórico na medida em que ele se inclina, desde o início, a suprimir tal
divisão, eliminando toda classe dirigente e coletivizando, mais exatamente,
socializando, integralmente, as funções de direção. O problema da capacidade
histórica do proletariado de realizar a sociedade sem classes não é o da
capacidade de derrubar fisicamente os exploradores do poder (o que está fora de
dúvida), mas de organizar positivamente uma gestão coletiva, socializada, da
produção e do poder. Torna-se desde logo evidente que a realização do socialismo
por um partido ou uma burocracia qualquer em nome do proletariado é um absurdo,
uma contradição em seus termos, um círculo quadrado, um pássaro submarino; o
socialismo não é nada mais do que a atividade gestionária consciente e perpétua
das massas. Torna-se igualmente evidente que o socialismo não pode estar
"objetivamente" inscrito, mesmo a 50%, numa lei ou numa constituição qualquer,
na nacionalização dos meios de produção ou na planificação, nem mesmo numa "lei"
que instaure a gestão operária: se a classe operária não puder gerir, nenhuma
lei poderá fazer com que ela o possa, e se ela gerir, a "lei" só terá de
constatar esta situação de fato.
Assim, da critica da burocracia, chegamos à formulação de uma concepção positiva
do conteúdo do socialismo: para abreviar as palavras, "o socialismo sob todos
seus aspectos não significa outra coisa senão a gestão operária da sociedade", e
"a classe só pode se libertar exercendo seu próprio poder". O proletariado só
pode realizar a revolução socialista se o fizer de uma maneira autônoma, ou
seja, se encontrar em si mesmo ao mesmo tempo a vontade e a consciência da
transformação necessária da sociedade. O socialismo não pode ser nem o resultado
fatal do desenvolvimento histórico, nem a violação da história por um partido de
super-homens, nem a aplicação de um programa que decorra de uma teoria
verdadeira em si mesma - mas o desencadeamento da atividade criadora livre das
massas oprimidas, desencadeamento que o desenvolvimento histórico torna
possível, e que a ação de um partido baseado nessa teoria pode facilitar
enormemente.
A partir dal é indispensável desenvolver as conseqüências desta idéia sob todos
os aspectos.
A Idéia da autonomia do proletariado e o marxismo
De imediato, é preciso dizer que esta concepção não tem nada de novo. Seu
conteúdo é o mesmo daquele da célebre formulação de Marx segundo a qual "a
emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores"; este mesmo
conteúdo foi expresso por Trotsky quando dizia que "o socialismo, ao contrário
do capitalismo, se constrói conscientemente". Seria muito fácil multiplicar
citações deste tipo.
O que há de novo é o fato de querer e de poder levar essa idéia totalmente a
sério, e extrair dela as implicações ao mesmo tempo teóricas e práticas. Isto
não pôde ser feito até hoje, nem por nós, nem pelos grandes fundadores do
marxismo. É que, de um lado, faltava a experiência histórica necessária; a
análise precedente mostra a importância enorme que a degenerescência da
revolução possui para o esclarecimento do problema do poder operário. De outro
lado, a teoria e a prática revolucionárias na sociedade de exploração estio
sujeitas a uma contradição crucial, resultante do fato de que elas participam
desta sociedade que querem abolir e traduzindo-se por infinidade de aspectos.
Apenas um desses aspectos nos interessa aqui. Ser revolucionário significa ao
mesmo tempo pensar que somente as massas em luta podem resolver o problema do
socialismo e não cruzar os braços por isso; pensar que o conteúdo essencial da
revolução será dado pela atividade criadora, original e imprevisível das massas,
e agir por si mesmo a partir de uma análise racional do presente e de uma
perspectiva que se antecipa ao futuro. [11] Afinal de contas: postular que a
revolução significará uma transformação e um alargamento enorme de nossa
racionalidade e utilizar esta mesma racionalidade para antecipar o conteúdo
desta revolução.
O modo pelo qual esta contradição é relativamente resolvida e relativamente
recolocada a cada etapa do movimento operário até a vitória final da revolução
não pode nos reter aqui: é todo o problema da dialética concreta do
desenvolvimento histórico da ação revolucionária do proletariado e da teoria
revolucionária. Basta neste momento constatar que existe uma dificuldade
intrínseca ao desenvolvimento de uma teoria e de uma prática revolucionárias na
sociedade de exploração e que, na medida em que quiser superar esta dificuldade,
o teórico - do mesmo modo aliás que o militante - se arrisca a recair
inconscientemente no universo do pensamento burguês, mais geralmente no universo
deste tipo de pensamento que procede de uma sociedade alienada e que dominou a
humanidade durante milênios. É assim que, diante dos problemas postos pela nova
situação histórica, o teórico será sempre levado a "reduzir o desconhecido ao
conhecido", pois é nisto que consiste a atividade teórica corrente. Assim, ele
pode ou não ver que se trata de um novo tipo de problema, ou, mesmo se vê,
aplicar ao problema os tipos de solução herdadas. Todavia, os fatores cuja
importância revolucionária o teórico acaba de reconhecer ou mesmo de descobrir,
a técnica moderna e a atividade do proletariado, tendem não somente a criar
novos tipos de solução mas a destruir os próprios termos nos quais os problemas
se colocavam anteriormente. As soluções de tipo tradicional que o teórico dará a
partir daí não seriam simplesmente inadequadas; na medida em que foram adotadas
- o que implica que o proletariado permaneça ele mesmo sob o jugo das idéias
recebidas - serio objetivamente o instrumento da manutenção do proletariado no
quadro da exploração, se bem que talvez sob uma outra forma.
Marx estava bem consciente do problema: sua recusa do socialismo "utópico" e sua
frase "uma iniciativa prática vale mais do que uma dúzia de programas" traduziam
precisamente sua desconfiança em relação às soluções "livrescas", sempre
afastadas pelo desenvolvimento vivo da história. Todavia, permanece no marxismo
uma parte importante (que foi crescendo para os marxistas das gerações
seguintes) de herança ideológica burguesa ou "tradicional". Nesta medida, existe
uma ambigüidade no marxismo teórico, ambigüidade que teve um papel histórico
importante; por seu intermédio, a influência da sociedade de exploração pôde
exercer-se de dentro para fora sobre o movimento proletário. O caso analisado
acima oferece um exemplo dramático da aplicação, na Rússia, de soluções eficazes
tradicionais ao problema da direção da produção; as soluções tradicionais foram
eficazes no sentido de que trouxeram de volta o estado de coisas tradicional e
conduziram à restauração da exploração sob novas formas. Mais adiante
encontraremos outros casos importantes de sobrevivência de idéias burguesas no
marxismo. E importante no entanto discutir desde já um exemplo no qual aparecerá
claramente o que queremos dizer.
Como será remunerado o trabalho numa economia socialista? Sabe-se que Marx, na
"Critica do programa de Gotha", ao distinguir esta forma de organização da
sociedade após a revolução ("fase inferior do comunismo) do próprio comunismo
(no qual reinaria o princípio segundo o qual "de cada um segundo suas
capacidades, a cada um segundo suas necessidades"), falou do "direito burguês"
que prevaleceria durante esta fase, entendendo por isto uma remuneração igual
pela mesma qualidade e quantidade de trabalho - o que pode significar uma
remuneração desigual para os diferentes indivíduos. [12]
Como se justifica este principio? Parte-se das categorias fundamentais da
economia socialista: a saber, que, de um lado, a economia é ainda uma economia
de penúria, onde, conseqüentemente, é essencial que o esforço de produção dos
membros da sociedade seja elevado ao máximo; de outro lado, os homens ainda
estio dominados pela mentalidade "egoísta" herdada da sociedade precedente, e
mantida precisamente por esta penúria. Há, pois, necessidade de um esforço
produtivo o maior possível, ao mesmo tempo em que há a necessidade de lutar
contra a tendência ainda "natural" de se furtar ao trabalho neste estágio.
Dir-se-á, pois, que é necessário, se se quiser evitar a desordem e a fome,
proporcionar a remuneração do trabalho à qualidade e à quantidade do trabalho
executado, medidas por exemplo pelo número de peças fabricadas, as horas de
presença etc., o que conduz naturalmente a uma remuneração nula por um trabalho
nulo e resolve de uma vez o problema da obrigação de trabalhar. Chega-se, em
suma, a uma espécie de "salário por rendimento",[13] e, segundo formos mais ou
menos astuciosos, conciliaremos mais ou menos bem esta conclusão com a critica
severa desta forma de salário no quadro do capitalismo.
Ao fazer isto, teremos esquecido pura e simplesmente que o problema não pode
mais ser colocado nestes termos: tanto a técnica moderna quanto as formas de
associação de trabalhadores decorrentes do socialismo o tornam ultrapassado.
Quer se trate do trabalho numa linha de montagem ou da fabricação de peças em
máquinas "individuais", o ritmo de trabalho do operário é ditado pelo ritmo de
trabalho do conjunto ao qual ele pertence - automática e "fisicamente" no caso
do trabalho na linha de montagem, indireta e socialmente" no caso da fabricação
de peças numa máquina, mas sempre de um modo que lhe é imposto.
Conseqüentemente, o problema do rendimento individual não existe mais.[14]Existe
sim o problema do ritmo. de trabalho de um determinado conjunto de operários -
que é no final das contas o conjunto de uma fábrica - e este ritmo só pode ser
determinado por este mesmo conjunto de operários. O problema da remuneração
torna-se, portanto, um problema de gestão, pois, uma vez estabelecido um salário
geral, o teto de remuneração concreto (relação salário-rendimento) será
estabelecido através da determinação do ritmo de trabalho; esta, por sua vez,
nos conduz ao centro do problema da gestão como problema que diz respeito, de
uma maneira concreta, à totalidade dos produtores (que, de um modo ou de outro,
teria de definir que tal ritmo de produção numa linha de montagem de determinada
natureza equivale, como dispêndio de trabalho, a tal ritmo de produção em uma
linha de montagem de outra natureza, tanto em relação às diversas seções de uma
mesma fábrica quanto em relação ás diversas fábricas etc.). lembremos, se for
preciso, que isto não significa absolutamente que o problema se torna
necessariamente mais fácil de ser solucionado, mas talvez mesmo o contrário; mas
ele é enfim colocado corretamente. Erros em sua solução poderiam ser fecundos
para o desenvolvimento do socialismo, pois a eliminação sucessiva destes erros
poderiam permitir chegar â solução; ao passo que enquanto se colocar o problema
sob a forma do "salário pelo rendimento" ou do "direito burguês", permaneceremos
de imediato no âmbito de uma sociedade de exploração.
É certo que o problema sob sua forma tradicional poderá subsistir em setores
"atrasados", o que não significa que será necessário lhe dar uma solução
"atrasada". Mas qualquer que seja a solução neste caso, o que queremos dizer é
que o desenvolvimento histórico tende a modificar ao mesmo tempo a forma e o
conteúdo do problema.
Mas é importante analisar o mecanismo do erro. Diante de um problema legado pela
época burguesa, raciocina-se como burguês. Primeiramente, quando se coloca uma
regra universal e abstrata - única forma de solução dos problemas numa sociedade
alienada - esquecendo que "a lei é como um homem ignorante e grosseiro" que
repete sempre a mesma coisa,[15] e que uma solução socialista não pode ser
socialista se não for uma solução concreta que implique a participação
permanente do conjunto organizado dos trabalhadores à sua determinação;
esquecendo ainda que uma sociedade alienada é obrigada a recorrer a regras
universais abstratas porque, de outro modo, não poderia ser estável e porque é
incapaz de levar em consideração os casos concretos em si mesmos, pois não
possui instituições nem a ática necessária para isto, enquanto uma sociedade
socialista, que cria precisamente os órgão que podem levar em conta todos os
casos concretos, só pode ter como lei a atividade determinante perpétua destes
órgão.
Raciocina-se ainda como burguês quando se aceita a idéia burguesa (que reflete
justamente a situação na sociedade burguesa) do interesse individual como motivo
supremo da atividade humana. E assim que, para a mentalidade burguesa dos
"neo-socialistas" ingleses, o homem na sociedade socialista continua a ser,
antes de qualquer outra coisa, um homem econômico, e a sociedade deveria pois
ser regulamentada a partir desta idéia. Transpondo assim, ao mesmo tempo, os
problemas do capitalismo e o comportamento do burguês para a nova sociedade,
eles estão preocupados essencialmente com o problema dos incentivos (ganhos que
incitam a trabalhar) e esquecem que já na sociedade capitalista o que faz o
operário trabalhar não são os incentivos, mas o controle do seu trabalho pelos
outros homens e pelas próprias máquinas. A idéia do homem econômico foi criada
pela sociedade burguesa à sua própria imagem; mais exatamente à imagem do
burguês, e não certamente à imagem do operário. Os trabalhadores só agem como
homens econômicos onde são obrigados a fazê-lo, ou seja, face aos burgueses (que
recebem assim o troco de sua moeda), mas não certamente entre eles mesmos (como
se pode ver durante as greves e também em suas atitudes com suas famílias; de
outro modo, há muito tempo não haveria mais operários). Seria correto dizer que
eles agem assim em relação ao que lhes "pertence" (família, classe etc.), pois
dizemos precisamente que eles agirão assim em relação a tudo, quando tudo lhes
"pertencer". Seria ainda um mal-entendido pretender que a família está ai,
visível, enquanto o "tudo" é uma abstração - pois o tudo do qual falamos é
concreto, começa com os outros operários da seção, da fábrica etc.
A gestão operária da produção
Uma sociedade sem exploração só é concebível, como vimos, se a gestão da
produção não estiver mais localizada numa categoria social, ou seja, se a
divisão estrutural da sociedade em dirigentes e executantes for abolida. Vimos
igualmente que a solução do problema colocado desta forma só pode ser dada pelo
próprio proletariado. Não é somente que nenhuma solução teria valor, não poderia
nem mesmo ser realizada simplesmente, se não fosse reinventada pelas massas de
uma maneira autônoma; nem que o problema esteja colocado numa escala que torna a
cooperação ativa de milhões de indivíduos indispensável à sua solução. Mas sim
que, por sua própria natureza, a solução do problema da gestão operária não cabe
numa fórmula, ou, como já dissemos, que a única lei verdadeira que a sociedade
socialista conhece é a atividade determinante perpétua dos organismos
gestionários das massas.
As considerações que se seguem não visam pois "resolver" teoricamente o problema
da gestão operária - o que seria ainda uma vez uma contradição nos termos - mas
esclarecer os dados do problema. Visamos somente dissipar mal-entendidos e
preconceitos largamente difundidos, mostrando como o problema da gestão não se
coloca, e como ele se coloca.
Se julgamos que a tarefa essencial da revolução é uma tarefa negativa, a
abolição da propriedade privada - que pode, efetivamente, ser realizada por
decreto -, podemos pensar a revolução como que centrada sobre a "tomada do
poder", logo, como um momento (que pode durar alguns dias e ser, a rigor,
seguido de alguns meses ou anos de guerra civil) no qual os operários, tomando o
poder, expropriam de direito e de fato os proprietários das fábricas. E, neste
caso, seremos levados efetivamente a dar uma importância capital à "tomada do
poder" e a um organismo construído exclusivamente para este fim.
De fato, é assim que se passam as coisas durante a revolução burguesa. A
sociedade nova está toda preparada no seio da antiga; as manufaturas concentram
patrões e operários, as taxas que os camponeses pagam aos proprietários das
terras são destituídas de qualquer função econômica, assim como os proprietários
são destituídos de toda função social. Nesta sociedade, na verdade burguesa,
subsiste apenas uma casca de feudalismo. Uma Bastilha derrubada, algumas cabeças
cortadas, uma noite de agosto, eleitos (entre os quais muitos advogados)
redigindo Constituições, leis e decretos - e pronto. Faz-se a revolução,
fecha-se um período histórico e abre-se um outro. E verdade que pode acontecer
uma guerra civil: a redação dos novos códigos levará alguns anos, a estrutura da
administração assim como a do exército sofrerão transformações importantes. Mas
o essencial da revolução está feito antes da revolução.
É que, na verdade, a revolução burguesa é apenas pura negação no que se refere
ao domínio econômico. Ela se baseia sobre o que já existe, limita-se a levar à
legalidade um estado de fato, suprimindo uma superestrutura já irreal em si
mesma. Suas limitadas construções afetam apenas esta superestrutura; a base
econômica cuida de si mesma. Quer antes quer após a revolução burguesa, Q
capitalismo se propaga pela própria força de suas leis pelo campo da produção
mercantil que encontra diante de si.
Não existe nenhuma relação entre este processo e o processo da revolução
socialista. Esta não é uma simples negação de certos aspectos da ordem que a
precedeu; ela é essencialmente positiva.
Deve construir seu regime - não construir fábricas, mas construir novas relações
de produção, das quais o desenvolvimento do capitalismo fornece apenas
pressuposições. Perceberemos melhor isto relendo a passagem na qual Marx
descreve a "Tendência histórica da acumulação capitalista". Pedimos desculpas
por citarmos um grande trecho desta passagem:
"... Desde que o modo de produção capitalista se basta a si mesmo, tomam uma
nova forma a socialização progressiva do trabalho e a transformação consecutiva
da terra e dos outros meios de produção em meios de produção comuns, porque são
socialmente explorados, e, em seguida, a expropriação dos proprietários
privados. Esta expropriação se faz através do jogo das leis imanentes da própria
produção capitalista pela centralização do capital. Cada capitalista elimina
muitos outros. Junto com esta centralização, ou expropriação de muitos
capitalistas por alguns deles, se desenvolvem a forma cooperativa do processo de
trabalho numa escala cada vez maior, a aplicação racional da ciência à técnica,
a exploração sistemática do solo, a transformação dos meios particulares do
trabalho em meios que s6 podem ser utilizados em comum, a economia de todos os
meios de produção pela sua utilização como meios de produção de um trabalho
social combinado, a entrada de todos os povos na rede do mercado mundial e,
conseqüentemente, o caráter internacional do regime capitalista. Na medida em
que diminui o número dos grandes capitalistas, que abarcam e monopolizam todas
as vantagens deste processo de transformação, vê-se aumentar a miséria, a
opressão, a escravidão, a degenerescência, a exploração, mas igualmente a
revolta da classe operária que cresce sem cessar e que foi preparada, unida e
organizada pelo próprio mecanismo de produção capitalista. O monopólio do
capital torna-se o entrave do modo de produção que se desenvolveu com ele e por
ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho chegam a
um ponto no qual elas não cabem mais no invólucro capitalista, e o fazem
explodir. Soou a última hora da propriedade capitalista privada. Os
expropriadores serão por sua vez expropriados."[16]
O que é que existe, pois, da nova sociedade, no momento em que "o invólucro
capitalista explode"? Na verdade, todas as premissas: uma sociedade quase
inteiramente formada por proletários, a "aplicação racional da ciência na
indústria", e também, dado o grau de concentração das empresas suposto nesta
passagem, a separação da propriedade das funções efetivas de direção da
produção. Mas onde estão as relações de produção socialistas já realizadas no
seio dessa sociedade, assim como as relações de produção burguesas existiam já
na sociedade feudal?
Pois é evidente que estas novas relações não podem ser simplesmente as mesmas
realizadas na "socialização do processo do trabalho", a cooperação de milhares
de indivíduos no seio das grandes unidades industriais; estas são relações de
produção típicas do capitalismo altamente desenvolvido.
A “socialização do processo de trabalho" tal como ela se dá na economia
capitalista é a premissa do socialismo enquanto suprime a anarquia, o
isolamento, a dispersão etc. Mas não é absolutamente uma "prefiguração" ou um
"embrião" de socialismo enquanto é socialização antagônica, ou seja, enquanto
reproduz e aprofunda a divisão entre a massa de executantes e uma classe de
dirigentes. Ao mesmo tempo em que os produtores estão submetidos a uma
disciplina coletiva, que as condições de produção são unificadas entre setores e
localidades, que as tarefas produtivas se tornam permutáveis, observa-se no
outro pólo não somente um número decrescente de capitalistas com uma função cada
vez mais parasitária, mas também a constituição de um aparelho separado de
direção da produção. Ora, as relações de produção socialistas são aquelas que
excluem a existência separada de uma categoria fixa e estável de dirigentes da
produção. Vê-se, pois, que o ponto de partida de sua realização só pode ser a
destruição do poder da burguesia ou da burocracia. A transformação capitalista
da sociedade termina com a revolução burguesa, a transformação socialista começa
com a revolução proletária.
A evolução moderna suprimiu por si mesma alguns aspectos do problema da gestão
considerados outrora como determinantes. De um lado, o trabalho de direção
tornou-se um trabalho assalariado, como já o indicava Engels; de outro lado, ele
se tornou também um trabalho coletivo de execução.[17] As "tarefas" de
organização do trabalho que antigamente cabiam ao patrão assessorado por alguns
engenheiros, são agora executadas por escritórios que agrupam centenas ou
milhares de pessoas, que são elas mesmas executantes assalariadas e avulsas. O
outro grupo de tarefas tradicionais de direção, em suma, a integração da empresa
no conjunto da economia e, em particular, o "estudo" ou o "faro" do mercado
(natureza, qualidade, preço de fabricação demandada, modificações na escala de
produção etc.), já havia sido transformado em sua natureza com os monopólios;
ele se transformou também em sua forma de execução, porque o essencial é agora
executado por um aparelho coletivo de prospeção do mercado, de estudo dos gostos
dos consumidores, de venda do produto etc. Isto no caso do capitalismo
monopolista. Quando a propriedade privada dá lugar à propriedade estatal, como
no capitalismo burocrático (total), um aparelho central de coordenação do
funcionamento das empresas toma o lugar do mercado como "regulador" e dos
aparelhos próprios de cada empresa; é a burocracia planificadora central, cuja
"necessidade" econômica decorreria precisamente, segundo seus defensores, destas
funções de coordenação.
É inútil discutir este sofisma. Assinalemos simplesmente de passagem que os
advogados da burocracia demonstram, num primeiro momento, que os patrões são
dispensáveis, pois pode-se fazer funcionar a economia segundo um plano, e, num
segundo momento, que, para funcionar, o plano necessita de patrões de outro
tipo. Pois - e é isto que nos interessa - o problema da coordenação da atividade
das empresas e dos setores produtivos após a supressão do mercado, ou seja, o
problema da planificação, está já virtualmente suprimido pela técnica moderna. O
método de Leontief, [18] mesmo em seu estado atual[19] elimina qualquer
significação "política" ou econômica" do problema da coordenação dos diversos
setores ou das diversas empresas. Pois permite, se o volume de produção desejada
de objetos de utilização final estiver fixado, determinar as conseqüências para
o conjunto de setores, de regiões e de empresas, sob a forma de objetivos de
produção a serem atingidos por tal unidade num tal espaço de tempo. Permite ao
mesmo tempo um grande grau de maleabilidade, porque torna possível, se se quiser
modificar um plano em processo de execução, tirar as implicações práticas desta
modificação. Combinado com outros métodos modernos [20], permite escolher, uma
vez fixados os objetivos globais, os métodos ótimos de realização, e ao mesmo
tempo definir estes métodos em detalhes para toda a economia. Em poucas
palavras, a totalidade da "atividade planificadora" da burocracia russa, por
exemplo, poderia desde já ser transferida para uma máquina eletrônica.
O problema só se coloca, pois, nos dois extremos da atividade econômica: no
nível mais particular, a saber, traduzir o objetivo de produção de tal fábrica
em objetivo de produção para cada grupo de operários das seções desta fábrica, e
no nível universal, a saber, fixar os objetivos de produção de bens de
utilização final para o conjunto da economia.
Nos dois casos, o problema só existe porque há - e haverá ainda mais numa
sociedade socialista - um desenvolvimento técnico (no sentido amplo do termo).
Efetivamente, é claro que com uma técnica estável, o tipo de solução (senão as
próprias soluções que variarão em seu teor preciso se houver modificação) seria
estabelecido de uma vez por todas, quer se trate da repartição de tarefas no
interior de uma seção (perfeitamente compatível com a permutabilidade dos
produtores nas diferentes funções), quer da determinação de produtos de
utilização final. Será a modificação incessante de combinações produtivas e de
objetivos finais que criará o terreno no qual deverá se exercer a gestão
coletiva.
A alienação na sociedade capitalista
Entendemos por alienação - momento característico de toda sociedade de classe,
mas que aparece com dimensão e profundidade muito maiores na sociedade
capitalista - o fato de os produtos da atividade do homem adquirirem em relação
a ele uma existência social independente, e, ao invés de serem dominados por
ele, o dominarem. A alienação é, portanto, aquilo que se opõe à criatividade
livre do homem no mundo criado pelo homem; não é um princípio histórico
independente, que tenha uma origem própria. E a objetivação da atividade humana,
na medida em que escapa de seu autor, sem que seu autor possa escapar dela. Toda
alienação é uma objetivação humana, ou seja, possui sua origem na atividade
humana (não existem "forças secretas" na história, não existe mais astúcia da
razão do que leis econômicas naturais); mas toda objetivação não é
necessariamente uma alienação na medida em que pode ser conscientemente
retomada, reafirmada ou destruída. Qualquer produto da atividade humana (mesmo
uma atitude puramente interior), desde que esteja pronto, "escapa de seu autor"
e leva uma existência independente dela. Não podemos fingir que não dissemos tal
palavra; mas podemos deixar de ser influenciados por ela. A vida passada de todo
indivíduo é sua objetivação naquela ocasião; mas o indivíduo não é necessária e
exaustivamente alienado por ela, seu futuro não é definitivamente dominado pelo
seu passado. O socialismo será a supressão da alienação quando permitir a
retomada perpétua, consciente e sem conflitos violentos, do dado social, quando
restaurar a dominação dos homens sobre os produtos de sua própria atividade. A
sociedade capitalista é uma sociedade alienada enquanto dominada pelas próprias
criações, enquanto suas transformações acontecem independentemente da vontade e
da consciência dos homens (inclusive da classe dominante), segundo quase-leis
que exprimem estruturas objetivas independentes de seu controle.
Não nos interessa aqui descrever como se produz a alienação sob a forma da
alienação da sociedade capitalista - o que implicaria a análise do nascimento do
capitalismo e de seu funcionamento -, mas mostrar as manifestações concretas
desta alienação nas diversas esferas de atividade social e sua unidade intima.
É apenas na medida em que se apreende o conteúdo do socialismo como autonomia do
proletariado, como atividade criadora livre que se determina a si mesma, como
gestão operária em todos os domínios, que se pode apreender a essência da
alienação do homem na sociedade capitalista. Não é por acaso, com efeito, que
burgueses esclarecidos" e burocratas reformistas ou estalinistas querem reduzir
os males do capitalismo a males essencialmente econômicos, e, no plano
econômico, à exploração sob a forma da distribuição desigual da renda nacional.
Na medida em que sua critica do capitalismo se estender a outros domínios, ela
tomará ainda como ponto de partida esta distribuição desigual da renda e
consistirá essencialmente em variações sobre o tema do poder de corrupção do
dinheiro. Se se tratar da família e do problema sexual, falar-se-á da pobreza
que leva à prostituição, da mocinha que se vende ao velho rico, dos dramas
familiares que resultam da miséria. Se se tratar da cultura, falar-se-á da
venalidade, dos obstáculos que os talentos pobres encontrarão, do analfabetismo.
E certo que tudo isto é verdadeiro e importante. Mas isto diz respeito apenas à
superfície do problema; e aqueles que só falam disto consideram o homem
unicamente como consumidor e, pretendendo satisfazê-lo neste nível, tendem a
reduzi-lo a suas funções físicas de digestão (direta ou sublimada). Mas não se
trata para o homem de pura e simplesmente ingerir, mas de se exprimir e de
criar, não somente no domínio econômico, mas na totalidade dos domínios.
O conflito da sociedade de classe não se manifesta simplesmente no domínio da
distribuição, como exploração e limitação do consumo; este é apenas um dos
aspectos do conflito, e não o mais importante. Seu aspecto fundamental é a
limitação e, no final das contas, a tentativa de supressão do papel humano do
homem no domínio da produção. E o fato de o homem ser expropriado do comando de
sua própria atividade, tanto individual quanto coletivamente. Pela sua submissão
à máquina e, através dela, a uma vontade abstrata, estranha e hostil, o homem é
privado do verdadeiro conteúdo de sua atividade humana, a transformação
consciente do mundo natural; a tendência profunda que o leva a se realizar no
objeto é constantemente inibida. A verdadeira significação desta situação não é
somente o fato de ser vivida pelos produtores como um sofrimento absoluto, como
mutilação permanente; é que ela cria um conflito perpétuo no nível mais profundo
da produção, que explode a qualquer ocasião; é também que condiciona um
desperdício imenso - diante do qual o desperdício das crises de superprodução é
verdadeiramente negligenciável -, pela oposição positiva dos produtores a um
sistema que recusam, e ao mesmo tempo pela falta de ganho que resulta da
neutralização da inventividade e da criatividade de milhões de indivíduos. Além
destes aspectos, é preciso se perguntar em que medida o desenvolvimento ulterior
da produção capitalista seria mesmo "tecnicamente" possível se o produtor
imediato continuasse a ser mantido no estado fragmentário em que atualmente se
encontra.
Mas a alienação na sociedade capitalista não é simplesmente econômica; ela não
só se manifesta a respeito da vida material, mas também afeta fundamentalmente a
função sexual e a função cultural do homem.
Na verdade, só existe sociedade na medida em que existe organização da produção
e da reprodução da vida dos indivíduos e da espécie - portanto, organização das
relações econômicas e sexuais - e na medida em que esta organização deixa de ser
simplesmente instintiva e se torna consciente - abrangendo, pois, o momento da
cultura.
Como dizia Marx, "a abelha, pela estrutura de suas células de cera, causa
vergonha a mais de um arquiteto. Mas o que de imediato estabelece uma diferença
entre o mais medíocre arquiteto e a abelha mais hábil é que o arquiteto constrói
a célula na sua cabeça antes de realizá-la na cera" (Le Capital, trad. Molitor,
t. II, p. 4). Técnica e consciência andam evidentemente sempre juntas: um
instrumento é uma significação materializada e operante, ou ainda uma mediação
entre uma intenção refletida e um objetivo ainda ideal.
O que se diz a respeito da fabricação das células das abelhas neste texto de
Marx pode ser dito também a respeito de sua organização social. Assim como a
técnica representa uma racionalização das relações entre o homem e o mundo
natural, a organização social representa uma racionalização das relações entre
os indivíduos de um grupo. Mas a organização da colmeia é uma racionalização
não-consciente e a de uma tribo é consciente, o homem primitivo pode descrevê-la
e pode negá-la (transgredindo-a). Racionalização neste contexto não significa
evidentemente a "nossa" racionalização. Numa determinada etapa e num determinado
contexto, tanto a magia quanto o canibalismo representam racionalizações (sem
aspas).
Se, portanto, uma organização social for antagônica, ela tenderá a sê-lo tanto
no plano produtivo quanto no plano sexual e cultural. E falso pensar que o
conflito no domínio da produção "cria" ou "determina" um conflito secundário e
derivado em outros planos; as estruturas de dominação se impõem simultaneamente
sobre os três domínios, e, fora desta simultaneidade e desta equivalência, são
impossíveis e inconcebíveis. A exploração, por exemplo, só pode ser garantida se
os produtores forem expropriados da gestão da produção; mas esta expropriação
pressupõe por sua vez que os produtores sejam separados das capacidades de
gestão portanto, da cultura - e reproduz esta separação em larga escala. Do
mesmo modo, uma sociedade na qual as relações inter-humanas fundamentais são
relações de dominação pressupõe e ao mesmo tempo acarreta uma organização
alienatória das relações sexuais, ou seja, uma organização que cria nos
indivíduos inibições fundamentais que tendem a fazê-lo aceitar a autoridade etc.
[21]
Evidentemente, existe de fato uma equivalência dialética entre as estruturas
sociais e as estruturas "psicológicas" dos indivíduos. Desde os seus primeiros
passos na vida, o indivíduo está submetido a uma pressão constante que visa a
impor-lhe uma determinada atitude diante do trabalho, do sexo, das idéias, que
visa a frustrá-lo dos objetos naturais de seu trabalho e inibi-lo, fazendo-o
interiorizar e valorizar esta frustração. A sociedade de classe só existe na
medida em que consegue impor esta aceitação num nível importante. É por isto que
o conflito nesta sociedade não é puramente exterior, mas transposto para o
próprio coração dos indivíduos. Â estrutura social antagônica corresponde uma
estrutura antagônica nos indivíduos, e cada uma se reproduz perpetuamente
através da outra.
O objetivo destas considerações não é somente destacar o momento de identidade
da essência das relações de dominação, que estas se situem na fábrica
capitalista, na família patriarcal ou na pedagogia autoritária e na cultura
aristocrática. É assinalar que a revolução socialista deverá necessariamente
abarcar o conjunto destes domínios, e isto não num futuro imprevisível e "por
acréscimo", mas desde o início. É certo que ela deve começar de uma determinada
maneira, que não pode ser outra senão a destruição do poder dos exploradores
pelo poder das massas armadas e a instauração da gestão operária da produção.
Mas a revolução deverá imediatamente se dedicar à reconstrução das outras
atividades sociais, sob pena de morte. Tentaremos mostrar isto com o exemplo das
relações entre o proletariado no poder e a cultura.
A estrutura antagônica das relações culturais na sociedade atual se exprime
também (mas não exclusivamente) pela divisão radical entre o trabalho manual e o
trabalho intelectual, da qual resulta que a imensa maioria da humanidade está
totalmente separada da cultura como atividade e participa apenas de uma ínfima
parte de seus resultados. De outro lado, a divisão da sociedade em dirigentes e
executantes torna-se cada vez mais homóloga à divisão em trabalho manual e
intelectual (todos os trabalhos de direção sendo trabalhos intelectuais, e todos
os trabalhos manuais sendo trabalhos de execução).[22] A gestão operária,
portanto, só é possível se esta última divisão tender desde o início a ser
ultrapassada, em particular no que se refere ao trabalho intelectual relativo à
produção. Isto implica, por sua vez, a apropriação da cultura pelo proletariado.
Não certamente como cultura já pronta, como assimilação de "resultados" da
cultura histórica; esta assimilação, para além de um determinado ponto, é ao
mesmo tempo impossível de imediato e supérflua (em relação ao que nos interessa
aqui). Mas como apropriação da atividade e como recuperação da função cultural,
como transformação radical da relação entre as massas dos produtores e o
trabalho intelectual. E apenas na medida em que esta transformação se realiza
que a gestão operária se tornará irreversível.
Cornelius Castoriadis, julho 1955
Notas:
[1] Na medida em que esta introduçllo retoma brevemente a análise de diversos
problemas já tratados nesta revista, permitimo-nos enviar os leitores aos textos
correspondentes publicados em Socialisme au Barbarie.
[2] A greve de abril de 1947 na Renault, a primeira grande explosão operária
após a guerra na França, só pôde acontecer depois de uma luta física dos
operários com os responsáveis estalinistas.
([3] Ver, no número 13 de Socialisme ou Barbarie (pp. 33), a descrição detalhada
da maneira pela qual os estalinistas, em agosto de 1953, na Renault, puderam
fazer fracassar a greve, sem se opor abertamente a ela.
[4] Ou com outras correntes de essência análoga (bordiguismo, por exemplo).
[5] Para os representantes sérios, que se reduzem mais ou menos ao próprio Leon
Trotsky. Os trotskistas atuais, contestados pela realidade como nunca o foi
nenhuma corrente ideológica, estio num tal estado de decompo sição política e
organizacional que não se pode dizer nada de conciso a esse respeito.
[6] No final das contas, nossa concepção final da burocracia operária leva
também a rever a concepção leninista tradicional sobre o reformismo. Mas não
podemos nos estender aqui a respeito desta questio.
[7] Ver a "Lettre ouverte aux militants du P.C.I." no numero 1 de Socialisme ou
Berbarie (pp.90-1o1). (Atualmente em La société bureaucratique, 1, pp. 185-204.)
[8] Ver "Les rapports de production en Russie", no nº 2 de Socialisme ou
Barbarie (pp. 1-66). (Atualmente em LA société bureaucratíque, 1, pp. 2O5-283.)
[a] Ver "Le rôle de I'idéologie boichevique..." em L'éxperience du mouvement
ouvrier, 2, pp. 395-416, e o texto de M. Bsinton que ai é citado.
[9] Victor Serge, Destin d'une révolution (Paris, 1937), p. 174.
[10] Ver o editorial do nº 1 de Socialisme ou Barbarie, pp. 27 e seguintes.
(Atualmente em La société bureaucratique, 1, pp. 139-184.)
[11] Ver 'La direction prolétarienne" no nº 10 de Socialisme ou Barbane (pp. 10
e seguintes). (Atualmente em L 'expérience du mouvement ouvrier, 1, pp.
145-162.)
[[2] Mostramos, aliás, que esta desigualdade seria extremamente limitada. Ver
"Sur la dynamique du capitalisme", nº 13 de Socialisme ou Barbarie (pp. 66-69).
[13] O termo não é, evidentemente, utilizado aqui no sentido técnico preciso que
possui atualmente.
[14] Cf. os trechos de Tribune Ouvriére publicados neste número de Sociallsme au
Barbarie (nº. 17).
[15] Platão, Le politíque 294 b-c.
[16] Le capitaI, tomo IV (trad. Molitor), pp. 273-274. (Pléiede, 1, p. 1239.).
[17] Ver o artigo de Ph. Guilaume, Machinisme et prolétariat, no nº 7 de
Socialisme ou Barbarie (em particular p. 59 e seguintes).
[18] Expusemos alguns conceitos fundamentais deste método no artigo "Sur Ia
dynamique du capitalisme", publicado no nº 12 de Socialisme ou Barbarie (p. 17 e
seguintes). Ver também Leontief e outros, Studies in the Structure of Amerikan
Economy, 1953.
([9] Restrição importante, pois as aplicações práticas deste método quase não
foram desenvolvidas até hoje, por razões evidentes.
[20] Ver T. Koopmans, Activity Analysis of Production and AIlocation, 1951.
[21] Ver, sobre a relação profunda entre a estrutura de classe da sociedade e a
regulamentação patriarcal das relações sexuais, os trabalhos de W. Reich, The
Sexual Revolution (1945), Character Analysis (1948) (trad. La révolution
sexueile, Paris, Plon, 1968; Analyse caracténelIe, Paris, PaVot, 1971) e La
fonction de l'orgesme (trad. francesa, 1952). Em particular, neste último, a
análise da estrutura neurótica do indivíduo fascista (pp. 186-199).
[22] Entre os dois se situa a categoria dos trabalhos intelectuais de execução,
cuja importância vai crescendo. Falaremos disto mais adiante.
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