quarta-feira, 22 de abril de 2009
Arthur Cézar Ferreira Reis
(Na foto, Reis e ao fundo Pedro Calmon)
Arthur Cézar Ferreira Reis
A PRESSÃO DOS INTERESSES UNIVERSAIS
Arthur Cézar Ferreira Reis
Há perigos rondando realmente a Amazônia? Depois do que aqui já foi registrado, poderá alguém duvidar do que pretendemos ter provado? No tocante ao passado, essas dúvidas não devem existir. No que diz respeito à atualidade, os perigos antevistos, propostos, terão algum fundamento?
A industrialização do mundo, marcando, evidentemente, a etapa econômica de nossos dias, está ligada, como é óbvio, ao da produção de matérias-primas. No passado foi fácil às nações que dispunham do primado industrial obter matéria-prima, através da política colonialista que executaram na África e na Ásia, através de acordos de comércio ou ainda por meio da aplicação de seus capitais na própria América tropical. A história do século XIX e das primeiras décadas do século XX é, realmente, uma história que se distingue justamente pela ação daquelas potências na divisão dos espaços onde colheram ou onde compraram aqueles recursos, essenciais à movimentação de seus parques fabris.
Essas matérias-primas vegetais, todavia, estão sendo substituídas pelo que a técnica, em seu desenvolvimento vertiginoso, vai alcançando. Os sintéticos, obtidos nos grandes laboratórios de pesquisa e de produção intensiva, se ainda não são suficientes para satisfazer o apetite da indústria, já vão alimentando em muito as necessidades dos grandes centros manufatureiros, permitindo a impressão de que está encerrado o ciclo dos mercados produtores de matéria-prima vegetal ou animal - extraídas ou colhidas em estado de natureza. E com eles, assegurando-se maiores venturas aos povos que até então viviam subordinados à extração de recursos da terra, seja os recursos minerais, seja os recursos florestais e, nessa condição de inferioridade, sujeitos a soberanias que não eram legitimamente aquelas que melhor lhes falavam ao coração porque estranhas às respectivas etnias, estranhas às suas tradições nacionais, estranhas ao seu passado religioso, político e cultural. Às técnicas, com os sucedâneos, conseqüentemente, poder-se-ia atribuir, de certo modo, o êxito que os programas nacionalistas dos povos colonizados estão alcançando.
As teses, pergunta-se, estão certas? Os sintéticos estarão realmente pondo fim ao ciclo das matérias-primas naturais? Os impérios coloniais terão atingido o seu encerramento como realidade política e econômica como decorrência natural desse novo estado de coisas no campo da produção?
O problema da produção de matérias-primas ainda não atingiu a fase final. Sua solução ainda não foi coberta pela produção dos sintéticos. Quando certos cientistas ou amadores de cientistas pretendem que os sintéticos levaram â sepultura a matéria-prima natural, evidentemente estão afirmando uma inverdade ou se colocaram ao serviço de iniciativas suspeitas.
Se quiserem a palavra final, de contestação, é só consultar as estatísticas que se publicam anualmente pelos órgãos internacionais. Nesses dados temos o esclarecimento definitivo - a produção de matérias-primas, como resultante do saque à natureza ou efeito do investimento de capitais e de técnicas mais amadurecidas, mais adiantadas, mais eficientes, nas regiões tropicais, continua a processar-se em ritmo que não diminui, antes se avoluma, cresce, aumenta sensivelmente. Vamos a um exemplo — afirmou-se que a borracha natural estava condenada ao desaparecimento como atividade econômica, uma vez que nos Estados Unidos, na Europa, o sintético, já previsto em 1865 por um cientista alemão que visitara a Amazônia e se alarmara com o sistema rotineiro, agressivo, destrutivo porque a extração de látex era realizada pelos seringueiros, estava superando quantitativa e qualitativamente aquela, de sorte que, num futuro muito próximo, as gomas naturais, fossem as da floresta amazônica, fossem as das plantações orientais, não teriam mais existência no particular da atividade lucrativa ou mesmo da simples atividade que mobilizasse energias humanas. Ora, o que estamos verificando é que, no Oriente, as plantações continuam a fazer-se, restaurando-se velhas culturas decadentes, reanimando-se vastas áreas tradicionalmente ligadas àquela economia, o que importa concluir, imediatisticamente, que ninguém acredita que o sintético superará aquele gênero comerciável. Os investimentos de capitais continuando a operar-se regularmente significam que esse capital não se arreceia da competição dos sintéticos. As necessidades dos mercados de consumo não acompanham o ritmo da produção industrial. A vingança dos povos que perderam o Oriente e começaram a perder a África não poderá ser um sucesso na base do sintético.
É certo que estamos chegando a um momento em que teremos todos de, numa tomada de consciência universal muito séria, medir as nossas responsabilidades e os perigos a que nos estamos expondo pelo tratamento bárbaro da natureza, pelo nosso comportamento agressivo em face dela, que saqueamos numa desenvoltura desumana e profundamente criminosa. O assalto a que temos dado a nossa contribuição para usufruir bem-estar material imediatista, com ignorância ou desprezo pelo desacerto dessa política tão danosa ao nosso futuro, precisa parar. Deve cessar. Nem por isso, isto é porque temos vandalizado o patrimônio imenso e admirável da natureza em qualquer latitude em que vivemos, mas preferentemente nos mundos tropicais, chegaremos à conclusão perigosa de que a primeira conseqüência seria a de que as matérias-primas, extraídas da natureza, em seu estado de primitividade ou através da ação do homem nas culturas extensivas que faz com o uso e abuso dos adubos, estariam faltando, donde a conveniência da adoção da política de produção dos sintéticos, produção em grande estilo, muito mais cara que a outra, a exigir equipes técnicas de alta qualificação e o emprego de capitais muito maiores que aqueles investidos na produção da matéria-prima natural. Dar-se-ia, então, uma inversão no problema. Porque iríamos entregar novamente a produção aos poderosos de todas as horas, desse modo passando os sintéticos a constituir um perigo à existência livre dos povos menos beneficiados pela técnica e pelos capitais financeiros. Sim, porque só esses países estariam em condições de atuar, governando os mercados de produção e de consumo.
Acontece que as necessidades do mundo não diminuíram. Ao contrário, desenvolvem-se, aumentam. E se desenvolvem principalmente porque também cresce o padrão cultural dos povos e cresce grandemente a população do mundo, portanto as solicitações de mercadorias industrializadas.
Ora, se essas necessidades aumentam, como aumenta a população, é de ver que nem os sintéticos serão suficientes nem farão a concorrência mortífera às matérias-primas naturais, como pressagiam as vozes agourentas dos que se deixam impressionar facilmente pelo êxito invulgar, como obra de técnica avançada do século XX, é certo, daqueles mesmos sintéticos.
Num livro admirável, como grito de alarme, como advertência, como análise de nossa posição em face do que temos ao nosso dispor e utilizamos com tanto desamor ou tão desapiedadamente, La Planête au pillage,(1) Fairfield Osborn passou em revista a destruição da Terra por efeito do superpovoamento e do uso indevido dela, assinalando a tendência que possuíamos para essa obra de destruição das fontes de vida. Examinando o problema no particular do continente africano, Jean Paul Harroy, com larga experiência no trato daquele mundo tropical, detalhou (2) o que vem sendo, a degradação dos solos africanos. Seja pela ação dos próprios nativos, seja pelos europeus colonizadores, aqueles
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1 Paris, 1948.
2 Afrique terre qui meurt, Bruxelas, 1944.
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ignorantes do que estão fazendo e estes indiferentes ao vandalismo a que se entregam, degradação que preocupa hoje os responsáveis pela existência dos impérios coloniais ali ainda existentes mas não logram provocar as soluções que os homens de ciência, em reuniões realizadas, estudos feitos, já aconselharam e têm procurado executar. Operação velhíssima, essa da destruição das fontes de vida, em nenhum momento atendemos às observações dos que existiram em todos os tempos e pediram um pouco de demência para com a terra e seus elementos integrantes. No caso particular da Amazônia, para ficar logo em casa, será suficiente recordar que todo o processo de sua ocupação, a começar do século XVII, vem sendo realizado com a atuação nefasta do homem. (3) Os portugueses de Lisboa expediam ordens e mais ordens visando á defesa da natureza no seu potencial florestal e na sua riqueza animal. A legislação a respeito é abundante. Nunca, todavia, foi cumprida, obedecida. Como posteriormente, sob o Império e sob a República. Exemplifiquemos com os quelônios. Em quanto poderíamos avaliar as tartarugas na região no momento da chegada dos europeus? Nenhuma estimativa foi elaborada. Nenhuma avaliação foi feita. Considerada infindável pelo colono a “apanha” de tartaruga, que não servia apenas de base alimentar, mas igualmente em outros usos domésticos, inclusive o óleo para a fabricação de velas ou de condimento, apesar das instruções vindas do Reino para impedir a agarração e a matança impiedosa, essa agarração e essa matança se operaram, ininterruptamente. Não foi interrompida depois da Independência. (4) Silva Coutinho, que examinou o assunto com a serenidade de um homem de ciência, registrou algarismos impressionantes. Será suficiente este: só no ano de 1719, para as 192.000 libras de manteiga de tartaruga exportada pela Capitania de São José do Rio Negro, hoje Estado do Amazonas, foi necessário exterminar 24 milhões de tartarugas!!!
Na atualidade, a aquisição de uma tartaruga, em Belém ou Manaus, é operação cara, difícil. Porque elas não existem mais, não só naquelas proporções dos tempos coloniais, mas na medida das exigências de mercados normais, pequenos, como são os daquelas duas cidades. Custam fortunas e são escassas, escassíssimas. As garças, abundantes também na região, perseguidas sem cessar para a obtenção de plumas solicitadas pelos mercados de elegância da Europa, constituem outra espécie que vai rareando. O “galo da serra”, que se escondia no alto rio Negro, é hoje praticamente inexistente. Como vários outros espécimes da fauna selvagem regional, que desaparecem ante a fúria dos que os perseguem
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3 No tocante ao Brasil em geral, pode ser consultado o livro magnífico de Wanderbilt Duarte de Barros, A Erosão no Brasil, Rio, 1956. Sobre a ação dos colonos portugueses na Amazônia, desrespeitando a vontade expressa de Lisboa, cf. o ensaio de nossa autoria, intitulado A Política de Portugal no vale amazônico, Belém, 1940.
4 Cf. SILVA COUTINH0, na memória escrita a pedido de Emilio Goeldi, in Boletim do Museu Goeldi, tomo 4, Belém, 1906; JOSË VERISSIMO, A Pesca na Amazônia,
Rio, 1895.
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para o comércio lucrativo dos couros e peles. (5) Ocorreu o mesmo com o pau-rosa na Guiana Francesa.
A destruição das riquezas da terra, pelo seu uso irregular, sendo uma nociva constante no comportamento humano, apesar do progresso cultural que atingimos, progresso que não conhece teto no espaço nem medida no tempo, tem aumentado. As reflexões dos homens de ciência e as medidas adotadas pelos Governos não vêm sendo suficientes. Degradam-se os solos sem cessar. Desplantam-se regiões, levando ao desértico, provocando o despovoamento, criando a miséria. Nem por isso, no entanto, as matérias-primas vegetais e animais, como os minerais, vêm deixando de abastecer os mercados em ascensão permanente. Sua produção não cessa. Ao contrário, intensifica-se. O relatório intitulado Recursos para a liberdade, referindo-se, por exemplo, aos Estados Unidos nas suas imensas necessidades de consumo de matéria-prima, depois de 1959, chama-a de gigantesca... Esse consumo não se processa no mesmo nível em todas as nações. Os desequilíbrios são imensos; as distâncias, amplíssimas. Embora, aumentem as solicitações dos mercados, que impõem, desse modo, o aumento da produção. Como assinala J. Gottmanm, “o convite constante do consumo, sem ter, ainda de longe, atingido quantidades que satisfaçam a sede atual do mundo é entretanto impressionante”. (6)
Outra característica do século XX é o seu desenvolvimento demográfico verdadeiramente gigantesco. Em 1650, a população do mundo estava calculada em 450 milhões de indivíduos; em 1850, em 1.100 milhões; em 1900, em 1.195 milhões; em 1940, em 2.150 milhões. Segundo Landry, (7) a Europa contribuía para esse algarismo final com 530 milhões, a América com 271 milhões, a África com 153 milhões, a Oceania com 10 milhões e a Ásia, nela incluída a Insulíndia, com 1 .185 milhões. Em 1956, na conformidade com as estatísticas da ONU, os algarismos já são os seguintes: Europa, 610 milhões; América, 366 milhões; África, 215 milhões; Oceania, 14 milhões; Ásia, 1.480 milhões. Esta, em 1650, não passava dos 300 milhões, superando a Europa em 200 milhões. A grande concentração humana era, e continua sendo, uma constante asiática, constante profundamente perigosa pelo que podia e
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5 O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia confiou ao Sr. Manoel Nunes Pereira uma investigação acerca da caça e pesca na vida regional, inclusive no particular dos aspectos destrutivos por que vem sendo realizada essa atividade econômica.
6 Les marchées des matières premières, pág. 31, Paris, 1957. Cf. também M. F. TABAH, La population du monde et les besoins en matière premiière, in Population, out./dez. 1953.
7 Traité de Démographie, pãg. 66, Paris, 1945.
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pode representar no ajuste de contas das velhas civilizações que ali se haviam desenvolvido e no decorrer de quinhentos a novecentos tinham experimentado um retrocesso de que era acusada a Europa dos descobrimentos geográficos e do colonialismo impenitente. Ademais, tais grupos humanos asiáticos se desenvolveram igualmente qualitativamente. A aspiração de ascensão cultural neles é hoje outra preocupação, como foi ontem a aspiração política de independência, por fim alcançada.
Para Jacqueline Beaujeu-Garnier, há, presentemente, uma média de 18 habitantes por quilômetro quadrado no conjunto do mundo. (8) Na África, todavia, como unidade, vivem em cada quilômetro quadrado apenas 6,7 habitantes; na América, 8 e na Oceania, 2. Na Ásia, a situação altera-se profundamente — 50 habitantes. Em face do quadro tão sensacional, a pergunta natural é essa — por que o crescimento da população do mundo está alcançando estes algarismos? As previsões alarmistas de Malthus estarão certas? Haverá alimentos e espaço para satisfazer dietas e acolher toda essa multidão? Haverá necessidade de apelar-se para a política da limitação de nascimentos, ou apelar para as soluções violentas das guerras? O espaço terrestre será suficientemente grande para permitir que continue, sem alterações substanciais, o aumento demográfico?
A explicação tem desafiado os demógrafos e os outros estudiosos dos problemas da habitabilidade da Terra. Para uns, o crescimento vertiginoso é uma conseqüência imediata das transformações conquistadas pelo homem com os progressos das ciências e das técnicas que criaram condições várias mais saudáveis para a espécie humana. Mais — das vitórias alcançadas sobre as doenças, o que importaria na diminuição da mortalidade, no aumento da longevidade dos homens, no aumento da natalidade. (9) Para Josué de Castro, a explicação deve ser encontrada no estado de fome crônica que atormenta certos setores ou áreas da Humanidade. Essa fome crônica determinaria uma excitação da capacidade reprodutora dos homens, a exaltação das funções sexuais. E como justamente na Ásia, onde o estado de fome crônica e não de fome aguda, que seria aquela momentânea, episódica, que ao contrário forçaria a inapetência sexual, é uma realidade constatada através dos séculos, o acréscimo demográfico tem apresentado índices altíssimos, verdadeiramente espetaculares.(10)
O exame do comportamento humano, no que diz respeito ao seu aumento numérico, não se encerra, porém, com estas explicações ou na simples constatação do fato físico do crescimento. Porque se agrava diante das perspectivas de que não cesse o desenvolvimento demográfico.
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8. Geographie de la Population, T. 1. pág. 35, Paris, 1956.
9. A bibliografia que procura explicar o fundamento da velocidade do crescimento populacional é imensa. Gaston Bouthoul é o autor do livro mais recente a respeito. Intitula-se La Superpopulation dans Ie monde, Paris, 1958.
1O. Geopolítica da fome, Rio, 195 1.
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Mesmo que se conservem, para o futuro, espaços livres visando à localização das disponibilidades populacionais das regiões mais afetadas pelo desequilíbrio social e econômico.
Como assinala Castro Barreto — “Os dois bilhões e setecentos milhões de habitantes do planeta atualmente aumentam de 80 mil por dia ou cerca de 29 milhões por ano. Entre 1900 e 1950, a população mundial aumentou em 850 milhões e o ritmo desse crescimento tende a acelerar-se, esperando-se para 1980 mais 1 bilhão, 174 milhões, isto é, mais 324 milhões neste curto período. Só a Índia contribui com 5 milhões anualmente para esse crescimento. As previsões para o ano 2000, no ritmo atual, dão mais 1 bilhão, o que, vale dizer, dentro de 44 anos teremos 3.700 milhões de habitantes. II No Congresso Mundial de População, reunido em 1954, as conclusões foram ainda mais alarmantes - em 1980, 3.600 milhões. (12)
As perspectivas são, portanto, assustadoras. Porque não há qualquer esperança de que este ritmo de crescimento se interrompa. Dir-se-á que, exata a tese de Josué de Castro, a modificação do regime de vida alimentar das populações asiáticas, que são as mais alarmantes em desenvolvimento numérico, ou, como diz Castro Barreto, as que apresentam uma densidade patológíca, poderia constituir uma contribuição expressivíssima para conter a corrida ou revolução demográfica, assegurando melhores dias à Humanidade. Se já se fala em algarismos mais gritantes, mais alarmantes — para o ano 2000— 6 bilhões. 13
Como proceder? Como solucionar o problema? Ë preciso não ignorar que “a China, com a sua população crescendo com uma taxa anual de 2%, já atingindo 602 milhões (1953), ou seja, um aumento anual de 10 a 12 milhões de habitantes, considera entretanto esse crescimento demográfico perfeitamente aceitável ao mesmo tempo que eleva a condição do seu povo com a nova orientação política unificando a nação, utilizando as riquezas naturais e evitando as fomes.
Entre 1881 e 1931, a população da Índia cresceu 113 milhões, ou seja, numa ordem de grandeza de 10,60/o; entre 1931 e 1941, aumentou 56 milhões, ou seja, 15%; na última década, de 1941 a 1951, o aumento foi de 43 milhões, ou seja, 13,5%. Na situação atual, com a melhoria geral das condições, a tendência é para um percentual maior no crescimento.’’( 14)
Não devemos esquecer, lembra ainda Castro Barreto, que “o controle da natalidade não é uma medida facilmente aplicável a qualquer população. São precisamente aqueles que se encontram sob maior pressão demográfica que oferecem maiores dificuldades para essa providência
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11 “A superpopulação da terra e suas perspectivas”, in Revista Brasileira de Estatística, n.0 68/70, pág. 18, Rio, 1957.
12 Cf. MARTIN BRUGAROLA, 5. J. El Drama dela población. Pág. 78, Barcelona,
1958.
13 Cf. LOURIVAL FONTES, Política, Petróleo e População, pág. 69, Rio, 1958.
14 CASTRO BARRETO, artigo cit. pág. 19.
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atenuadora dos seus sofrimentos. As populações asiáticas da Índia e da China, por motivos culturais e religiosos, desdenham o controle das dimensões da família que tanto as pouparia de tanto sofrimento e miséria e oferecem resistência à restrição do número de filhos. A proliferação inconseqüente prossegue agravando cada ano a extensão do mal,
crescendo na Índia, por exemplo, 5 milhões de habitantes por ano
Na China, a diminuição do potencial demográfico espera-se que possa ser alcançada através da política visando à limitação dos nascimentos. Nos primeiros momentos da fase marxista que vive aquele pais, essa limitação foi considerada. Imaginou-se que uma produção alimentar maior, a distribuição das terras e a industrialização bastassem como solução. A superpopulação parecia um problema apenas para os paises capitalistas. Verificada a insuficiência daquelas medidas, o Governo de Pequim passou ao sistema das limitações, aceitando como verdade que a superpopulação não é problema próprio dos países capitalistas. (16)
Quanto à Índia, a política de limitações não tem encontrado eco. E melhorando as condições sanitárias, as perspectivas são mais angustiantes. (17) O quadro indiano é, pois, mais dramático que o chinês. Além do espaço onde localizar os milhões de seres que já não têm mais onde instalar-se, há, de outro lado, a situação grave do abastecimento alimentar. Já no Exterior viviam 3.768.000 indianos. Será essa a solução? Esses 3.768.000 indianos representariam, porém, menos de um por cento da atual população da Índia, que é de 480 milhões, ou seja, 18% da população mundial.(18).
A alimentação que vem sendo produzida não está sendo suficiente, nem quantitativa nem qualitativamente, para o sustento dos grupos humanos que crescem na forma por que assinalamos páginas atrás. O estado de fome endêmica, conseqüentemente, assume caráter verdadeiramente perigoso à estabilidade social, pondo em graves riscos instituições e soberanias. Não há exagero na conclusão. Os dados estatísticos que a FAO vem publicando acerca da matéria são ilustrativos acerca desses aspectos gritantemente graves do problema. Por eles, verifica-se que há um tremendo desequilíbrio entre regiões, continentes, uns mais ou menos regularmente abastecidos, satisfeitos em suas necessidades,
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15 CASTRO BARRETO, art. cit. págs. 21-2.
16 ALFRED SAUVY, La population de la Chine, Novelies donnés et novelle politique, in Population, n.0 4, Paris, 3957.
17 GILBERT ETIENNE — “La population de l’Inde. Perspectives demographiques et allmentaires”, in Population, n. 4, Paris, 1957.
18 J. BEAUJEU-GARNIER, Geographie de la population, T.2, pág. 364, Paris, 5958.
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outros não dispondo de recursos para obtenção de um mínimo ou não possuindo os recursos alimentares com que matar a fome de suas populações, seja a fome epidêmica, seja a fome chamada crônica ou endêmica. E a história ensina que em todos os tempos os que sofrem de fome não medem meios para obter alimentos, indo ao extremo dos pronunciamentos populacionais que podem pôr abaixo regimes e governantes.
A Europa, o Canadá e os Estados Unidps, a Austrália e a Nova Zelândia, segundo os quadros estatísticos e os inquéritos que se vêm realizando com certa freqüência e rigorismo científico, vivem uma vida de abastança. Não lhes faltam aqueles elementos nutritivos indispensáveis. Os Estados Unidos, como poucas nações do mundo, alcançaram, aliás, um grau de bem-estar alimentício verdadeiramente sensacional. Na Europa, paises como a Grã-Bretanha, a Holanda, a Dinamarca, a Noruega e a Suécia 19 possuem dietas alimentares que lhes garantem uma população em condições de realizar bem as suas tarefas diárias e produzir as riquezas essenciais ao pais em ritmo normal, e muitas vezes dinâmico. Já não sucede o mesmo, todavia, com os países da América ibérica, exceção da Argentina e do Uruguai. Pagam todos a sua quota de sacrifício, sem dispor do suficiente às solicitações de suas populações que aumentam em ritmo bastante apreciável. 20
No particular da Ásia e da África, a situação apresenta-se catastrófica. O crescimento da população ultrapassa todas as possibilidades de sustento, não havendo, em conseqüência, os alimentos essenciais ao equilíbrio dos habitantes. 21
Segundo a informação de Marin Brugarola, 22 morrem presentemente de fome, no mundo, 30 a 40 milhões de pessoas. Entre 1948 e 1950, adianta o mesmo autor, as disponibilidades alimentícias por habitante não tinham alcançado o nível das disponibilidades anteriores ao conflito universal, com a agravante de que havia milhões de seres carecendo de comida.
Segundo cálculos recentes, divulgados por aquele demógrafo espanhol, na Sul-América, o número de subalimentados compreendia mais
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19 Isso não significa, porém, que nos Estados Unidos não haja regiões que padeçam do estado de fome. Essas regiões existem no chamado velho sul, isto é, aqueles trechos da grande nação que constituíram a mais antiga colonização, realizada na base da escravização do negro e de uma economia do tipo da que foi operada no Nordeste do Brasil. Na generalidade, todavia, a situação alimentar norte-americana é boa;
20 Além do livro de Josué de Castro, há hoje abundante bibliografia a respeito das condições alimentares da América ibérica. De todos os países o mais afetado é a Bolívia. Cf. PEDRO ESCUDERO, El presente y ei futuro deI problema alimentario en Bolivia. Buenos Aires, 1947.
21 Cf. S. CHANDRASEKHAR, Pueblos hambrientos y tierras desprobladas, Madrid,
1957; J. BEAUJEU-GARNIER, Geographie de la population, T. 2, Paris, 1958;
CHARLES ROBEQUAIN, Le Monde malais, Paris,l946; MICHEL CEPEDE e
MAURICE LENGELLS, Economie alimenta ire du globo, Paris, 1953.
22 El drama dela población, pág. 95.
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de dois terços da respectiva população. No Oriente, todavia, as condições eram ainda mais alarmantes, pois os subalimentados somavam 90% dos habitantes! Se 30% da Humanidade consome 80% dos bens alimentícios, registrando-se, portanto, que os 70% restantes dispõem apenas de 20%, que lhes sobram. 23
As técnicas agrícolas, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália asseguraram àqueles países um padrão de produção alimentícia que explica a euforia que desfrutam. Já na Índia e na China, ocorrendo a circunstância de a atividade agrícola permanecer submetida a processos rotineiros, e só agora experimentando transformações substanciais. Na China, principalmente, essa produção não alcança índices satisfatórios, explicando-se assim o desequilíbrio tremendo que ali ocorre. 24 Na África, só agora os governos colonialistas procuram enfrentar o problema, fazendo produzir alimentos em quantidades apreciáveis e que concorram para o levantamento dos padrões de vida das populações aborígines. E que ali aconteceu o que era fatal, dadas as políticas de imprevidência ou de exploração que caracterizaram a ocupação da África pelos europeus nos séculos passados, além da exportação de africanos nas condições de escravos — o regime alimentar vigente fora alterado profundamente. Introduziram-se espécies novas, modificando-se a dieta a que estavam habituadas as populações nativas. Com a modificação, alteraram-se substancialmente certas condições existenciais daquele continente o que comprometeu o crescimento da população 25
Ora, apesar de todos os programas, todos os clamores, todas as críticas feitas, as sugestões apresentadas, nada de prático vem sendo realizado em grande estilo, no sentido de pôr termo ou mesmo minorar essa situação que aflige a Humanidade. Quando dissemos no começo que esse estado de carência podia trazer como conseqüência profundas mudanças no equilíbrio social, não estávamos afirmando apressadamente. Em face dos algarismos que aqui enunciamos poderá chegar-se a outra conclusão? Alguém poderá duvidar que esses povos famintos não se decidam a procurar o alimento de que carecem em outros pontos da Terra, onde encontrem possibilidades em espaço e em produtividade da terra? E justamente esses milhões de seres não vivem nos trechos do
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23 Op. cit., pág. 99 e III.
24 Sobre a China, há que referir as alterações profundas que vem sofrendo e em torno às quais há um bom documentário nos estudos: de GEORGES DAVIDOFF, Dela medicine et de la securitê sociale en Chine, e de ALFREDO SAUVY, “La population dela Chine. Nouvelles donnés et nouvelle politique”, ambos em Population, n.0 4, Paris, 1957.
25 A propósito, Pierre Gourou apresentou ao III Coloquium Luso-Brasileiro de Estudos, que reuniu em Lisboa em 1957, interessantissima tese intitulada “Les plantes alimentaires americanes en Afrique tropicale; remarques geographiques”, e em que examinou o problema, evidentemente como uma contribuição para investigação de maior tomo. A matéria vem sendo considerada por outros especialistas nos problemas africanos, como se pode verificar do capitulo pertinente da Geographie dela Population, n.0 2, vol., de Jacqueline Beaujeu-Garnier.
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mundo onde não há mais possibilidade de um palmo de terra por ocupar na tarefa de produzir alimentos? Os alimentos sintéticos serão suficientes? Resolverão o problema?
Chandrasekhar, ao estudar, com a autoridade que ninguém lhe nega, o que ocorre no mundo dos povos famintos e das terras despovoadas, apôs a análise penetrante e irrecusavelmente exata do quadro alimentar e populacional da Índia, da China, do Japão, recordou que, crescendo a população mundial em cerca de 20 a 22 milhões de pessoas por ano, não ocorria idêntico crescimento no tocante aos gêneros alimentícios. E certo que será possível aceitar-se a tese de que a má distribuição, o baixo poder aquisitivo e a má produção constituem fatores que não devem ser desprezados ao equacionar-se o problema da fome. Sendo assim, tendo eles o peso ponderável que muitos pretendem, então o problema perderá em muito a importância por que se está apresentando uma vez que sua solução estará no entendimento pacifico entre os povos abastados e os povos famintos, mudanças de técnicas de produção, financiamento por intermédio dos órgãos especializados internacionais, e uma rede de distribuição mais perfeita que proceda à entre g a de alimentos de maneira a que ninguém mais possa afirmar que tem fome. O simplismo da tese, todavia, encontra resistência na experiência e na eloqüência dos algarismos e dos fatos. Os entendimentos vêm sendo processados. Nem por isso, o problema foi resolvido de maneira a lhe pôr fim a gravidade. E a solução que mais está despertando interesse é aquela ligada ao aproveitamento das áreas onde o homem ainda não realizou a atividade criadora, portanto, árias que constituem verdadeiros convites à iniciativa, ao capital, às técnicas avançadas, à coragem e à decisão dos povos fortes e onde se espera que possa ser criada uma fonte de suprimento alimentar.
A ocupação da terra foi feita pelo homem desordenadamente. Era natural que assim fosse. Sem considerar o futuro e na ignorância de que estava trabalhando contra as gerações de amanhã, destruiu florestas, secou rios, removeu dificuldades criando problemas para amanhã. Em todos os continentes ocorreu esta maneira de agir desastrada e imprevidente. O pior, porém, é que, sem querer aprender a lição da experiência, prosseguiu na tarefa condenável, desatento a tudo e a todas as previsões dos que se alarmavam com a conduta criminosa, destruindo, com a sua teimosia, as esperanças e as possibilidades dos que deviam sucedê-lo. Ao mesmo tempo que assim agia, crescia numericamente numa proporção maior que aquela que seria aconselhável em face dos próprios recursos de que dispunha para trabalhar e para viver. O espaço sobre que agiu aqui e ali começou, então, a tornar-se pequeno. As migrações pacíficas ou violentas que realizou não resolveram a situação que fora criando. As técnicas aperfeiçoadas que começou a empregar também não contribuíram para a solução ideal nem para a solução definitiva. A terra continuou a ficar pequena. Por que nem toda ela está em condições para receber os grupos humanos que desejem utilizá-la para a obtenção de alimentos ou para a exploração econômica de rendimento apreciável, que autorize o bem-estar ou mesmo a condição mínima de vida? Os limites da terra, limites da terra habitável, isto é, que possa ser trabalhada, são reais? (27) É essa hoje, aliás, uma das mais graves cogitações dos organismos internacionais, de governos nacionais e de grupos que tomaram consciência da situação e procuram resolve-la dentro de programas executáveis.
E certo que há ainda vastas áreas do mundo que não receberam ocupação nem foram exploradas convenientemente. Constituem verdadeiros espaços abertos que representam convite aos povos capazes, problemas políticos dos mais sérios e desafiam a inteligência e as planificações pragmáticas de seus estadistas, O acesso a tais áreas será, porém, tão fácil que possam ser ocupadas sem que surjam incidentes ou produzam o rendimento necessário? Essas áreas desocupadas apresentam condições de habitabilidade? Permitirão que nelas se crie gado, haja lavouras de subsistência, exploração do subsolo, mobilização de braços na produção agrária, de alto valor econômico? O clima dessa área permitirá que povos de todas as latitudes vivam nelas com a sua capacidade de reprodução, com seu potencial de trabalho e em perfeito funcionamento? Sobre tais espaços não haverá o exército tranqüilo e centenário de soberanias nacionais, que não lhes cederão o uso sem ajustes, muito seguros, sem imposições, sem medidas acauteladoras de seus interesses, sem perda de seu império político? Em face de conceituação nova criada pelas exigências internacionais, decorrentes do crescimento social e da diminuição do espaço econômico, ainda vigorarão os princípios das soberanias nacionais?
Não resta mais dúvida de que o homem pode viver em qualquer trecho do mundo, com a sua capacidade de reprodução e seu potencial de trabalho em perfeito funcionamento. Aquelas teses da inaptabilidade de certas espécies humanas a determinados pedaços da terra não podem ser consideradas mais na categoria das conclusões científicas. O homem vive nos trópicos secos e úmidos, nas regiões mais frias, nas zonas temperadas. Adapta-se a todas elas. Vence em todas. Para isso progrediu e descobriu processos para sua adaptação, que lhe asseguraram o maior êxito. 28 O que não estará certo é o homem nórdico querer viver nos trópicos secos ou úmidos com os mesmos processos existenciais que adotou em sua terra de origem. Terá que ceder aos imperativos mesológicos
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27 Cf. F. OSBORN, Los limites dela tierra, México, 1956.
28 Cf. JOSÉ DE PAIVA BOLEO, As falsas nações acerca das possibilidades das terras e das populações intertropicais, Bissau, 1950; Clima e Coloniza çio, Lisboa, 1952; Determinismo antropogeográ fico, Lisboa, 1936; ELLSWORTH HUNTINGTON, Civlización y clima, Madrid, 1942; MAX SORRE, Fundements de la Géagraphie humaine, vol. 1.0, Paris, 1947; GEORGES HARDY, Geographie & Colonisatian, Paris, 1933.
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condicionada sua existência a um certo número de regras que resultam do novo meio em que pretende realizar-se como unidade social ou como membro de uma coletividade. Nessa tarefa ou aventura de domínio que o homem exercita sobre qualquer trecho do mundo onde pretenda instalar-se, o que deverá ser considerado mais vivamente será se essa terra está em condições de recebê-lo, apresentando aquelas condições mínimas. O progresso das técnicas, em matéria de tratamento de solos, todavia, já não admite mais, também, que se afirme que estas ou aquelas terras são impróprias à vida humana. Todas elas podem ser empobrecidas, e esse tem sido o mais intenso da ação humana, insistamos, como todas elas podem ser enriquecidas, recuperadas, tornadas capazes de reagir às solicitações que lhes façamos para que se tornem boas, úteis, produtivas, amigas da espécie humana. Os adubos vegetais, animais ou minerais, as maneiras de tratar os solos, recompondo-se, zelando para que não se lateralizem, os reflorestamentos, os canais de irrigação, todo um vasto empreendimento cientifico está hoje ao dispor da Humanidade para que ela vença tais dificuldades e possa possuir terras em porção bastante, pelo menos no século que estamos vivendo, para que sua existência descanse um pouco das aflições que experimenta.
Quais serão, porém, esses espaços abertos, isto é, que ainda não foram ocupados ou estão ocupados insatisfatoriamente, proporcionando um vasto campo para os excedentes populacionais? Essas áreas são encontradas na África central, na América do Sul, nas partes central e setentrional da América do Norte, na Austrália e em ilhas do Pacifico. São considerados países vazios, isto é, cujas terras apresentam densidade demográfica baixíssima — a Nova Guiné holandesa, Papua, Nova Guiné australiana, Bornéu, Austrália, América ibérica tropical, África tropical, Nesta, segundo Chandrasekhar, a densidade por quilômetro quadrado é de 4,5. Na América ibérica, aqui incluído o Brasil, 3,9. A Austrália, para exemplificar, com uma extensão de 7.704.000km2, tem presentemente população de apenas 7 milhões, com a densidade de um habitante por quilômetro quadrado. Cerca de 40 milhões de hectares de terras cultiváveis em termos de freqüência de chuvas e de clima ameno estão ali situados. Pois desses 40 milhões apenas 9 milhões foram utilizados. Dir-se-á que a Austrália é um continente que apresenta verdadeiros desertos, que assim tem permanecido à falta de condições de habitabilidade. Seus geógrafos, contestando a tese da possibilidade de todas as terras serem utilizadas pelo homem, tese que consideram um mito, alegam que esses desertos são um desafio. Conseqüentemente, além daqueles 30 milhões ainda disponíveis nada mais haverá na Austrália, que, assim, não deverá estar contida na relação dos chamados espaços abertos. Evidentemente, os geógrafos australianos não atentam para os êxitos da ciência na sua empresa de vencer os solos, transformando-os, recuperando-os, vitalizando-os. Esquecem que os desertos estão sendo conquistados, vencidos. Tanto os desertos naturais como os que o homem criou com suas práticas criminosas. Os casos de Israel e do Saara são de nossos dias e estão ao nosso dispor para a observação do sucesso. Depois do que ali se realiza, poderemos falar em desertos impróprios à vida humana? 29 A Austrália, queiram ou não, é, pois, um espaço aberto. Um imenso espaço aberto. No particular da Africa, recordemos que sua extensão representa 23% das terras do mundo. Sua população, 7% da população do universo. E, pois, insista-se, um deserto. No quadro político, são apenas 7 os Estados soberanos, permanecendo quase a totalidade do espaço em mãos das potências colonialistas.
Na Ásia, já não ocorre o mesmo. Mas suas populações, em especial na China e na India, não dispõem de terras para ocupar. Começam a movimentar-se, impacientes.
Quanto à América ibérica, as áreas desérticas existem no sul do continente. Nem mesmo a Argentina, para onde convergiu a multidão emigrante nos séculos XIX e princípios do XX, pode falar que seu território já foi totalmente ocupado. O mundo amazônico, do Brasil, da Bolivia, do Peru, do Equador, da Colômbia e da Venezuela, num total de 6 1/2 milhões de quilômetros quadrados, esse é, porém, o grande deserto. Como unidade continuada e de características uniformes, não há, em qualquer parte da Terra, maior área desértica.
O mundo por ocupar não é, portanto, pequeno, como se supôs. Seus limites não são tão apertados. Seus recursos podem ser aumentados. O superpovoamento da Terra não constitui, não resta dúvida, conseqüentemente, um perigo à estabilidade social, ao equilíbrio das nações. Os territórios coloniais da África serão assim, só eles, um imenso ambiente acolhedor para os excessos demográficos do Oriente.
Um dos assuntos cruciais dos tempos que estamos vivendo é, todavia, esse da liberdade dos povos de cor, que não se comportam mais com aquela passividade do passado e reagem com violência para alcançar um novo status político. E com esse desassossego, que atormenta as nações colonizadoras do Velho Mundo, começa a pôr-se fim ao chamado colonialismo para ingressar-se num mundo em que todos tenham o direito de dirigir-se, compondo-se politicamente, assegurando-se a condição soberana que os povos do Novo Mundo conseguiram atingir ainda em princípios do século XIX ou fins do século XVIII, como foi o caso dos Estados Unidos.
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29 Cl’. E. F. GAUTIER, Le Sahara, Paris, 1946; JEAN POUQUET, Les deserts, Paris,
1951; ANDRE CHOURAQuI, L’État d’israel, Paris, 1955; PIERRE PARAF,
L ‘État d’Israel dans le monde, Paris, 1958.
30 A. D. C. PETERS0N, L’Extreme-orient, Geographie sociale, Paris, 1951; BRUNO DEOSKER, Les peuples deI ‘Asie en mouvement, Paris, 1946.
31 J. EHRHAND, Le destin du colonialisme, Paris, 1957; JUBERT DESCHAMPs, Le fin des empires coloni ux, Paris, 1950.
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in: A Amazônia e a cobiça internacional. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982. pp. 169-182.
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