AVANT-PREMIERE Não foi medo que senti quando você imenso - era a primeira vez – me rasgou a blusa inebriado e tonto. Eu era virgem como todo mundo um dia foi mas isto não vem ao caso. Fardos pesados, no canto do muro, tu e eu. Vislumbrei à luz murcha da tarde tua fortaleza pontiaguda e me recordo: meu coração recuou. Mas juntei minhas forças todas e num relance lembrei-me que mamãe sempre dizia:
- Homem é para-mulher, e mulher é para-homem.
VAE VICTIS
Sensação de cão sem plumas a máscara a farsa - o medo isto tudo nasceu comigo. A primeira mentira dita, a gente se documenta, se habilita se exercita - e acaba se acostumando. A enfermeira é porta-voz. Oficiosa, a víbora morde, sopra, e cospe um verbete: Homem! Meu pai acredita, minha mãe se deleita o povo festeja. Bandeiras, discursos, charutos - bandas de música. Beberam o mijo do menino magricela - sem lhe perguntar sem lhe auscultar - a sina. Toda festa tem seu preço.
Etiquetado, recebo no berço a humanidade me olhando e rindo um riso que eu não entendo e que não me larga.
Só não ri o anjo. que me protege assexuado, a-ético, aéreo, sobrevoando o meu ser e dizendo: - Vai, Paulo, ser gay na vida! No espaço geográfico do discurso há-sumo. Nihil obstat.
INTIMIDADE
Flagro admirado e grave no meio do teu corpo insone sob a névoa que o encobre teu cabeludo pecado. Lanço nele mãos sedentas de fomes transcendentais. Rolas sob o cobertor procurando na floresta densa e quente do meu ventre a árvore os frutos doces os doces frutos do amor
NO COMEÇO VOCÊ FOI MAIS GENTE
No começo você foi mais quente. Entrava batendo a porta correndo - me entregava as flores murchas que o trem secou. Rondava o prato de leite, bichano, terno, barbudo, olhava o mundo por mim.
No começo você foi mais gente. Andava a rua comigo, o braço apoiado - e eu podia ainda beijar teu rosto e saber por que.
No começo você foi eterno. Parecia feito em sal. Eu levava os lábios sôfregos e ungia o teu corpo todo. Você não se desprendia, vibrava em mim, vivia em mim trepava.
No começo foi somente amor.
E NO ENTANTO É PRECISO VIVER
Caminhões continuam saindo do Nordeste carregando gente como gado. E eu choro. o homem que amo viaja na carne brasileira, no sangue latino - trazendo um punhal. Às 8 horas da noite o continente estremece e o povo não atina o que fazer com os órgãos genitais da gente. E, no entanto, mil crianças de todos os sexos acabam de nascer. Amarro minha fome de amor fortemente com os cordões de miséria da minha cidade. Boto as tropas na rua. Temo pelo futuro. Danação. Você que não sabe o que fazer da vida pegue-me pela mão e me carregue para o vazio do que há-de-vir. Eu também profundamente entediado com isto tudo. E, no entanto, é preciso viver. As gerações futuras nada têm com isto.
O MEU AMOR PELOS HOMENS
No fundo eu gosto dos homens, todos os homens, de todas as cores. Apesar de suas horas odiosas, de suas lâminas e de suas balas. Com as suas discrepâncias e acima delas.
No fundo eles não são tão maus. Até que a gente entenda que a necessidade patrocina dores, medos, lágrimas, tiros, greves, convulsões. Para entender o motor dos homens humano é necessário ser.
No fundo meu amor emana e os cobre, engloba, engole-os. Esqueço a face má que tem vez mascaram para me assombrar e os amo um pouco.
No fundo meu amor almeja ser entre eles e realizar-se comunistamente como solução.
Se pudessem receber, todos, eu dava, salmista, todos os peixes que meus olhos guardam nos lagos sombrios, distantes, que eu nunca vi. No fundo os homens me amam na mudança mútua de nossos ódios, na troca de todos os beijos por todas as balas.
No fundo meu amor abunda. Através dele há de ser salvo o mundo.
A MULHER QUE MORA EM MIM
A mulher que mora em mim de noite sacode a saia, remexe e bebe, intumescida e apaixonada. Nas noites que eu não quero ela me atira nos braços de homens que eu nunca vi. Pensa, nostálgica, canta, e embeleza o rosto como um girassol. Anda todas as ruas, beija todos os homens, se procura. Encarcerada em minhalma faz de mim ofício. Requebra quando não vejo, canta quando lamento, romântica, frenética, bêbada. Não me infunde medo, mas só me apavora quando nas horas graves do meu dia quer sair para trottoir. Feroz, voraz, insana, quer amar a cidade inteira, ser anel de toda mão, chapéu de toda cabeça. Aprendi a gostar dela e dos sons arroubos um pouco demoradamente. Coexistimos equilibrados, largos e satisfeitos a maior parte do tempo. Há dias que ela alucina: quando eu durmo ela acorda, quando canto ela cala, silencia quando falo. Me investe, me explora, me oprime - mas eu gosto. Compreendi finalmente que em mim está vivendo a síntese crucial do mundo: aqui os contrários se unem, poderosa, apaixonada, eterna e furiosamente.
SYSTEM-ATTICA
Porque sou fresco, hábil, lépido, a gerontocracia sente medo, se arrepia como um rato. Cospe leis, editos, atos. Se agasalha, modorrenta, rouca, recua na cadeira de balanço botando graxa na dobradiça das pernas. A tosse, a vista cansada, a velha despótica me espreita.
Quando exibo meu porte, meu corte, me chama de trans viado me cobra pedágio - a doida quer me ver casado, parindo mão-de-obra para eternizá-la. Para destruí-la, esterilizo-me. Minha praxis. Por puro capricho me amedronta, me persegue, me degrada. Nego, renego, faço ouvido mouco. Se me encontra pela rua madrugada quer violentar-me, ver meus documentos, me revista e se delicia apalpando minhas partes, pensa em coito. Nego, renego, abomino. E ficamos eternamente nessa cachorrada.
Quer me tributar, me chupar – foder-me porque sabe que é maravilhoso, ser fresco como um dia de Domingo ensolarado e pendurado no varal.
EU ERA O OUTRO
Cúmplice de teu medo, assombrei-me com o mundo. Calei, me deixei ficar, perdi-me. Cúmplice da tua vontade, existi para os teus ditames, para os teus atos, farto, cupincha. Cúmplice do teu ódio, não apertei os gatilhos, vi somente cair os corpos. Cúmplice de tua hipocrisia, emudeci, neguei-me, aceitei. Cúmplice de tua fome, fartei-me na tua mesa, bebi do teu doce vinho, gargalhei dos teus prazeres.
Hoje não penso nisto, não. Bastam as dores do olho, do meu visor, do meu ângulo. Sofrer, não - esquecer... O mundo é outro hoje, há outras caras na sala, mas não quero mais ser ninguém.
UM HOMEM LÁ DO NORDESTE?
Nordestino sim com fome e com sede de amor e justiça - dinheiro, no coldre, no Banco, longe da mão e dos olhos. Nordestino sim, dos cabras da peste, de esquistossomose, do Bumba-rneu-boi, um bamba, uma bomba, uma pomba, da paz e do grito - barriga vazia, pregada no espinhaço.
Lampião jogava a criança pra riba, a criança sorria, o céu era azul, o vento bom. A criança abundância, a criança gorducha, o povo espiava: - Oh! quanta sustança! Lampião recebia a criança na ponta da faca.
HOMEM COME CARNE HUMANA NO CARIRI
Homens comendo homens, com farinha e pinga, comendo paçoca de carne de bunda - mole e fresca. Nordestino véio! Eita... muié macho sim sinhô... Das bandas da Borborema nordestino no meio dos cabras, com enxerimento, a fome danada - ô peste! Come diabo, o que é do homem o bicho não come. Homo-sensual, mulé, fulô - um cabra da peste que pinta os beiços. Um frege da gota.
- Que friage é essa, bichim? - Num é chuva, não, meu pai. Padim Ciço vai matar nós tudo.
Come, Aderaldo, canta, bebe, espanta Belzebu.
Nordestino no meio do mato alisando a batata da perna, chupando cana caiana. - Tá cum a bixiga lixa! Êta, Severino duma gota. Gosta, se demora, no meio, do verde do cacto, sentado na coroa avermelhada de padre - a secura. A frescura - o medo. Esta seca é braba, ô xente! Nós sofre, mas nós goza... Come Severo, come... Este mando todo é teu.
DECRETO EM CORDEL
Para democratizar o amor o decreto ora assinado determina: todo humano tem direito de possuir uma fonte de plena gratificação. Principalmente no Norte, no Nordeste e em Mato Grosso caravanas vão correr distribuindo carinhos afagos e beijos, apertos de mão. Onde houver necessidade, onde houver irmão faminto terá conforto no peito – sossegarás coração! Se faltar mulher ou homem, pra fazer um par certinho – atenção compatriotas: Aqueles que apreciam carinhos por outras rotas, atenção, eu peço agora, trabalhas pro teu irmão, faz pra eles que em troca tu terás compensação. Abençôo e dou partida Nessa comunicação. Levem meu consentimento, Colaborem com a nação.
ESTATUTO
Ser bicha é ser enquadrado no inciso C do parágrafo terceiro do artigo 24 da lei de segurança inter nacional.
É ter medo à flor da pele, é ter a língua ferida, a boca rubra, o beijo fácil, o amor saindo pelos poros.
Ser bicha é um estado de espírito, de choque, de sítio, de graça.
Como o artista pinta seu quadro, como a luz que filtra a janela do quarto a lua bojuda no céu.
Ser bicha: ser inspecionado, é ter revirado o passado e investigado o medo – subindo o cheiro saudoso dos primeiros tempos.
É a polícia, acesa e trêmula no encalço do baitola amedrontado.
Ser bicha é ser metade gente, a outra metade - o povo, gargalha garganta a dentro ri e galhofeiro.
É Ter parte com o demônio, aprendiz de feiticeiro. É estar entre, no meio, ser meta-de Outros homens.
ATENTADO AO PUDOR
Para prender-me a polícia por a-tentar - o pudico e ávido público termina por decifrar a mensagem dos órgãos de segurança sexual e mergulha sob as cobertas comigo. Deliciosamente infratores simultaneamente gozamos entre relinchos, unhadas, beijos e coronhadas.
FELICIDADE
Procuro a felicidade como quem cata uma agulha às quatro horas da tarde num matagal do arrabalde.
A polícia me vicia. A-guarda, solícita, me guarda. E permanece à distância expectando fuxicos.
Duas mãos que me procuram liames, cordas, arames, se perdem - me perdem no matagal de arrabalde onde a felicidade às quatro horas da tarde é uma agulha que a polícia aparvalhada cata sem nunca achar - a gente sempre perdendo.
O jogo.
PETIÇÃO TERRORISTA
Um dia que eu estava quieto João revelou que me amava. Incendiei. Como se um jorro de napalm me tivesse atingido. Meu coração, desolada cratera, vi João. Como uma pluma, um B-52, possante, rijo, sobrevoava minhalma. Fui aos ares. Desfraldei-me, a ouvir bandas marciais. Olhei atento seus olhos, medi seu porte, senso e falo: - João, pense no que diz como se morresse. A vida eu vejo como um desdobramento de mortes. Quero viver todas elas. Ele me olha, nostálgico. Seus cílios, arames farpados, fecham-se comigo dentro. Eu vejo: mulheres batendo roupas, as panelas vazias, um filho repulsivo no colo, os cabelo de azinhavre, os dentes postiços, a missa aos domingos e a xepa no final da feira. - Não, João. Mata-me três vezes, para lavar tua honra pois eu te trai - agora, mesmo antes de dizer que aceito.
POEMA PARA AS MÃOS DE ANTÔNIO
Essa mão que me segura pelo pescoço, me sacode e me revista, essa mão eu amo.
Toda vez que vai ao coldre leva um beijo meu.
Se atira pedras e arrebenta vidros, assusta gente, cidades, eu gozo - ela é minha.
Nas sombras de minhas colchas desliza atrevida em partes que eu não permito.
Silencia, vibra, fala - abarca tudo que vê, ambiçiosa e chula.
Se peço que pare, avança - adoro! Louca, impura, grossa, entra aonde não deve, cava, coça, atira e treme, goza - banha-se no meu torpor, vive para acarinhar meu rosto e me bater se grito quando quer me amar.
NA PENSÃO A FLOR DE MINAS
O rapaz do quarto 14 é rebento, 24 anos, da tradicional família mineira. Olhou nos meus olhos um dia seu pecado feito carne e viu meus cílios baterem. Ele estremece, foge o olhar - mas fala. Disse-me que tem muito medo. Nas noites frias de junho ele atravessa a sala e demora-se no banheiro. Passa pela minha porta, estou no leito, mas não vejo, sinto. O chão de táboas me diz que ele foi para lá ou que ele está de volta. Me olha, estremece, tem medo. Eu gosto de vê-lo assim e ele me parece feliz quando meus cílios batem e descobre no meu olho seu pecado feito gente. Ouço tudo que acontece dentro dele no quarto 14. Sua comunicação é na cama, quando gira, tosse, contorce seu medo - ela range, ele ruge, mas não tem coragem. Deitado, espero, seu pecado, batendo os cílios e lembrando a disciplinar Minas Gerais. Seu pecado, a vontade, deitado estou sempre, esperando que na ida para o banheiro a cupidez mineira da família tradicional permita o medo dele vir pelo meu quarto misturar na noite fria de junho nossas humanidades no pecado amplo, fofo, que deitado estou para isso...
RAÇÃO BALANCEADA
Pudibundo, aparatoso, o homem togado, convicto e obeso, absolve o criminoso de guerra – patriota, festejando sua indômita e voraz bravura.
Tem pressa, tamborila, a voz, rouca, tange: - O próximo! As grades rangem, Rebanhos pastam, aguardam a vez. Vadios, prostitutas, bichas loucas, estelionatários que um camburão despejou lá fora.
Fedem.
O magistrado ri, balofo, cego e balança a saia. Protege a nação da desregulada e momentosa dissolução dos costumes. Grave e generoso, grasna: - O próximo! O código bordeja a corja - a sala cheia, barganha. Como reza a lei, a salvo a tradição fica de famílias quietas a gerar mundanas, a desovar foras-da-lei inéditos e rechonchudos.
PESADELO
Pari chorando horrivelmente sonhos impossíveis. Através o túnel da ilusão flutuei, boiando no fog e alcancei, nem mesmo lembro como o éter. Terremoto, uma hecatombe linda. Pluralista em cores. Os bancários na rua, Plaqueando remorsos, Angústias – inutilmente... No rol dos ratos o chefe – Camundongo-Mestre, liberalizando remessas para o exterior do sonho nacional. Um filme pornográfico no horário nobre, um grito ensurdecendo a gente no subway e longe, muito longe na Praia de Iracema você sob uma palmeira.
VIDA-MEDO
Olho para ele embevecido. Ânsia voraz de agarrá-lo. AS BARREIRAS. Busco seu olhar, fugindo, fugindo, fugindo. Nessas horas, persevero. AS BARREIRAS. Vou para o outro lado. Mudo a tática. Deixo me ver -à luz do sol. Os olhos, fugindo. - a chance, fugindo. Sempre as barreiras, sempre. É preciso ter consciência de nossa profunda inutilidade para suportar o estabelecido.
TEU CORPO
Deitado sobre o teu corpo esqueço o quanto sou mau, esqueço o quanto sofri, esqueço a panela no fogo.
A maciez do teu corpo, a gramínea, o preto do pelo, o tecido da pele, tudo me traz arrepios, tudo me faz melancólico, tudo me acende e me apaga.
Anúncio luminoso, luz de vela, encrespo-me nos teus braços, perco-me pelas tuas portas decoradas e indecorosas e beijo a tua carcaça.
Teu olho preto, chupo, longo tempo - tremo, como se mamãe chegasse de mansinho e eu pudesse ver que ela me olha e me quer. Pálida, quieta, cálida.
Redemoinhas meu cérebro, e traz aflições ver-te assim, inerte, frio, sabendo que ainda há pouco eras vida minha - e agora és morte. Eternidade que vou aturar a carregar pela vida inteira teu féretro. Morre, Antônio, morre e me esquece!
BALADA PARA MADAME SATÃ
Madame Satã, acabaram de me contar que você andou por aqui. Não forneceram detalhes, mas eu imagino.
Gostaria de saber de ti: possuias algum cãozinho, cativo, para alimentar? Havia o teu, particular, que afagavas e, modorrento, botavas para dormir - cheiroso?...
Sim - madame divina! eu penso. Precursora, poderosa, Lampião do asfalto. A Lapa tremia contigo, vibrava, amava contigo, trepava.
Pelo menos ficou urna certeza: vão demolir toda a Lapa, mas teu nome vai ficar, enorme - suspenso no ar. Bojudo, grave, prenhe de emoção e de glória.
Eu agora estou no palco, Samuai, que foi o teu viver. Mas não tenho tua força de expressão, a ginga. Ogum não quis me dar - ele sabe... o chapéu de Panamá, a voz, as noites, o bordel. Tudo isto era muito teu, muito nosso. Gostaria de te cochichar as últimas que ouvi na Lapa. O malandro aposentou-se, Vive agora de welfare state, a noite agora é outra, poluída, massiva, Lasciva, ainda, mas morta. Levaste um pouco da Lapa, ou tudo - a Lapa não é mais aquela. Trocaram muito de vez, e a bunda dela agora é kitch, sucesso, fora de ângulo, démodé Ficou teu brinco, o charme, a tônica, a perna no ar, capoeira e pinga. As paredes da Lapa, Satã, são eternas, e nelas você está definitivamente, preto, feroz, uma pedra.
PORTARIA INTRUSA
Uma portaria caiu de súbito estrondosa mente sobre o meu desejo. Para minha segurança, vela, pontiaguda, e não me sacia, inquieta-me. Faz renascer em meus anos sabores estupefacientes de noctívagas buscas. Arregalo os olhos e vejo o inciso perpetrando introduções no meu ser – insolente, arranhando minhas paredes retais em busca do meu centro.
AVISO AOS NAVEGANTES
HOJE - AQUI - GRÁTIS
FARTA DISTRIBUIÇÃO DE AFAGOS E CARGAS ERÓ- -TICAS. EXCLUSIVAMENTE PARA OS EXTRAVIADOS E DESOCUPADOS DESTE BAIRRO. PEDIMOS AOS NAMORADOS E PESSOAS EQUILIBRADAS ABANDO- -NAREM O LOCAL
A sessão terá início às 15 horas, com meneio de cabeça coletivo. Seguir-se-á, a entrega dos brindes jubilosos.
ATENÇÃO
Como a porção de sentimentos para esta área é limitada, pedimos aos interessados chegarem à hora marcada, a fim de evitar traumas e carências prematuras de afetividade.
BRINDES - BRINDES - BRINDES
Cafunés com mãos cheirosas de alecrim. Cantos suaves ao ouvido. Declarações de amor e prazer pelo contato. Pequeno fluxo de informes alcovitei- -ros. Mão-na-mão entre demorados passeios. Me- -lopéias cantadas por jovens virgens negras. Beijos estalados. Beijos com sussurros. Olho no olho. Pis- -cações de cílios e golpes de sorte no amor. Afabili- -dades. Cestos de cortesia. Delicadezas em profusão.
Recomenda-se não abusar para resguardar-se de enfados
Garantimos: a Polícia não foi convidada e possuí- -mos esquema de cordão sanitário para mantê-la a uma distância ponderada.
UNIÃO DAS SOLTEIRONAS DE IRAJÁ
ANGELINO DISTRIBUITORS & CO. Trata casos de solidão crônica. Faz extração de dores antigas. Anula recalques. Remove rusgas amorosas. Elimina angústias. Telefo- ne: 200.0000
DEUS ESTÁ EM TODA PARTE
Achei Deus na cesta do lixo, no grito horrendo e nos estertores da morte, no pneu firestone do carro que conduz e mata. Na luz do sol e nas sombras perigosas da noite.
Nos olhos avermelhados de uma lambioia. Ele hoje está de plantão com a guarda costeira. Vi-O no balançar suave da folha do coqueiro, no intestino delgado do famélico, na palidez do defunto, na gargalhada estridente e carente de amor da mundana - nos céus, no chão, na fossa ouvindo Roberto Carlos.
Senta-se onipotente com o vendedor magricela oferecendo café numa viela do Mangue.
Treme, no falo, vibra, nas entranhas feminís, no ânus. Na mão ágil que segura a arma, está no dedo que aciona o gatilho e - atingindo, está na vítima que cai numa dança bonita.
Está louco, bêbado, trôpego nos descaminhos da seca - migra.
Inocente sorri nos cabelos claros da infância, no pródigo frescor juvenil.
Estampa-se no sensacionalismo barato e ôco da manchete de jornal.
Está no fundo do mar - cata conchas com os mergulhadores, indonésios. Na fila do INPS, desespera, quer brigar.
Está na letra do livro, viaja no trem da Central agarrado com um pingente para evitar os postes.
Viram-nO na Cidade Baixa vendendo gordos pedaços de muqueca e tapioca - os dentes alvos, negro como fuligem.
Na boca do nordestino, está no dente que falta, na cusparada, nas rugas. Em toda parte, Ele, em frenesi, Aparece, sem lugar e hora, desde a nuvem que umedece o sertão, fustigando a seca, até à distribuição aérea de napalm sobre campôneos na Ásia
Mas agora está cansado, aporrinhado, terminando este poema.
O MEU MAIOR DESEJO
Tudo, tudo eu te queria dar - um deus eu queria ser, para presentear-te o mundo. Eu me faria então a mais bonita - o mais doirado corpo de Ipanema: dengosa, nega danada, pedaço de mau [caminho, toda tua, eternamente. Conversaríamos, então, sofregamente, acerca do sol e das flores. Dos gerânios... (Examinaste já os gerânios? Precisas!...) E eu te diria, sibilina, que o mar é teu - o meu presente primeiro. Depois, ah! depois eu te faria ver: são todos teus os germes que lavrando a terra enobrecem o trabalho do teu braço generoso e bom que a cultiva. E só então eu te faria ver que eu sou também humana como as outras escondidas sob a pele bronzeada de Ipanema. E que terra sou, também, fecunda e boa para o teu arado. E que não vês em mim hoje senão um verme malcriado e arredio, por ser Lúcia Ninguém, bêbada e suja, dormitando sob as mil letras de um jornal, de uma rua sórdida da Lapa.
AS CRIANÇAS DO MUNDO
Como o orvalho que contém a noite e a luz primeira da manhã, sou uma possibilidade, uma promessa. Para mim tudo é porvir. Tudo! Tudo em mim e em torno de mim há por ser [descoberto, tocado, sentido, amado. Tudo. Enigma transluzente da aurora, beleza boreal, luxuosa e frouxa, a força hidrelétrica dos rios, o humo da terra. Tudo sou. Fresco como a manhã cálida, cheio de viço e de cheiro, garboso, latente. Virtualmente lato e frágil, prodigiosamente. Contenho-me, componho-me, esperando e [indo. Sendo a cor luxuriante e louca da selva e a fragrância inebriante da relva, o que há de vir e o que está vindo. Extensão, alcance, alvo, ponto intermédio entre desejo e ato, alço vôo, sendo asa. Lânguida asa de pássaros selvagens, o seu gorgeio e sua débil configuração. Rumo, caminho, reta, desembocam em mim todos os deltas, as corredeiras todas - a força do mar. Todos os homens. Os brancos e os insípidos e até os azuis, que nem existem... De você, sou o fim, que você perdeu, e o seu recomeço. Latente está em mim suscetível a realização - e eu suporto, de tudo que você não pôde ou não quis, pois esqueceu.
Agitam-se em mim todos os ódios, todos os medos e os desassombros, os recuos todos e a intrepidez. Força e querer, poder e vontade, a conspicuidade desse vir-a-ser.
E eu serei você decuplicado. Recuperarei suas ânsias e os seus ângulos extraviados, e assumirei seus temores.
Por causa do que foi deixado, em mim zunem mil ferros, vocalizam em mim as dores contidas cantam em mim os cantos, doces e ternos, tristes e envergonhados.
Sou o futuro que você pensava, o fim da linha que você deixou, sou o recomeço.
Comigo está a liberdade, que embriaga, está em mim o medo, que entorpece. Sou acúmulo do mundo de todos vocês, de todas as suas guerras e garras, de todos os mortos. Trago as cicatrizes todas, as mutilações e as medalhas.
Assim, ininterrupto e limpo é o meu começo. Vejo vocês e pergunto - os olhos presos no [cosmos: - Deverei mesmo, digam homens, ser continuação de vocês?
O HETEROSSEXUAL Elizeu tinha um comportamento francamente heterossexual. Costumava andar com mulheres, e as amava, sempre que oportunidades aparecessem. Não era normal este costume, na época, em sua cidade, mas ninguém jamais atinou em recriminá-lo por tais práticas. Possuia um pênis normal, e, segundo entrevistas colhidas junto às suas amantes, ele alcançava o orgasmo quatro ou cinco minutos após deitar sobre elas, no intercurso sexual. Em geral, fumava cigarros de filtro, com gestos estudados, meticulosos, como um homem faz. E pronunciava, ao meio do discurso, incontáveis palavrões, o que dava à sua conversa, um caráter másculo, viril. Dizem que, no começo, chamou a atenção, no clube, no bar, e na quadra de tênis. Apesar de o mundo estar em paz, totalmente, e da explosão demográfica ter sido controlada há muito tempo, todos se acostumaram com o Elizeu, e ninguém mais o recriminava por esse ostensivo comportamento machista. Havia associações entre o comportamento viril e a sociedade opressora, do passado, que levou o mundo à Terceira Guerra Mundial. Mas, ninguém supunha - ou mesmo poderia atribuir ao Elizeu, aspirações, ou que belicistas fossem suas pretensões comportamentais. Apenas certas mães amedrontavam-se com ele, e o evitavam, além de repreender veementemente suas filhas, caso ouvissem falar que alguma delas simpatizara, mesmo em sonho, com o rapaz. No mais, em meio à turma da escola, composta por homossexuais, passivos e ativos, Elizeu nunca arranjou intrigas. Costu-mava ser delicado com todos eles, ainda que nunca tivesse manifestado o mínimo interesse em andar com qualquer um. Era sabido por todos, a atenção desmedida que os meninos de sua escola lhe dispensavam. Mas, hábil, educado, Elizeu a todos despistava, desconversava, evitando maiores aproximações. Pelo que se sabe, apenas um, de todos os rapazes da escola, conseguira algo dele: um beijo, no rosto, no dia em que todos comemoraram o seu aniversário. Desde esse dia, no entanto, Elizeu se descontrolava, visivelmente, quando João Belizário, o felizardo do beijo, se aproximava ou estava por perto. Um rapaz bem estranho, o Elizeu, mas muito benquisto. Ameaça à paz e à prosperidade, para uns - espécime arqueológica, de um passado belicoso e esquecido da humanidade, para outros.
VIDA LATINA A cidade adormece entorpecida, semi-morta, mas as chaminés não descansam.
Tufos de fuligem encobrem meu sexo e há uma criança sem futuro assaltando uma velha operária.
Ai, América, como tua voz está sumida! Tomo algumas frutas nos pomares e vejo teus contornos industriais.
A seiva, teu sangue, desencadeiam violências diuturnas.
No entanto, sei da dor que trazes no peito.
Serão precisos séculos para teus homens virem a mim anunciar que é chegada a hora? Hoje há outro putsch ao meio dia e a gente nem sabe que roupa usar.
O fardamento está roto de tantas revoluções mas o beijo da vitória há de ser dado na boca do homem que chegar primeiro e arrebatar o cetro. Como eu amo este teu descontrole, bêbada América!
A FERRUGEM QUE EXISTE EM NÓS
Homens e mulheres desta parte do universo estamos no mesmo barco, sob a mira do ódio. Pode ser para amanhã, para hoje, para agora, fiquemos alertas. Eriça meus pelos a coberta e teu beijo me sufoca. Tanto amor será inútil?
Esta ferrugem que existe em nós só matará os covardes.
A cada criança que nasce meu coração se convence da salvação irreversível.
Sacudam este meu mundo, crianças! Atraiam-me! Eu quero estar com vocês.
SOBRE O AUTOR – Paulo Augusto da Silva nasceu em Pau dos Ferros, Alto Oeste do Rio Grande do Norte, aos 3 de agosto de 1950. Formado em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ), em 1976 trabalhou nos jornais O Fluminense (Niterói/RJ), Última Hora (RJ), Diário do Grande ABC (Santo André/SP), Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Diário Comércio & Indústria (São Paulo/SP).
De volta ao RN, a partir de 1982, trabalhou nos jornais Diário de Natal, Tribuna do Norte e Jornal de Natal. Ex-editor do suplemento cultural Encartes, do Jornal de Natal (1995/1998), onde assinou as colunas “Balão de Ensaio” e “MidiAtica”. Assina, no mesmo suplemento, a coluna “Antena XXI” e a página cultural “Sacadas do Potengi e Refoles”.
É assessor de imprensa da Secretaria da Saúde Pública e editor do jornal Onda Alternativa, de distribuição dirigida na Zona Sul de Natal. Colaborador em jornais alternativos de distribuição gratuita, em Natal.
Seu único livro FALO hoje está famoso, foi tema de uma dissertação de mestrado, citado em antologias etc.
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