quinta-feira, 7 de abril de 2011

Anisio Mello


AUTORETRATO









ÓLEO E POEMAS DE ANISIO MELLO


BLOG DO ROCHA:

O ARTISTA PLÁSTICO ANÍSIO MELLO



Anísio Thaumaturgo Soriano Mello, nasceu no Município de Itacoatiara, Amazonas, no dia 21 de junho de 1927, faleceu em 11 de abril de 2010, residia na Avenida Joaquim Nabuco, 1.254, centro antigo de Manaus.


Era polivalente: artista plástico, músico, poeta, professor, escritor, tradutor do Russo, jornalista, dirigiu o Liceu Esther Mello (fundado pela sua mãe), membro da Associação Amazonenses dos Artistas Plásticos -AAMAP, fundador do Clube da Madrugada e membro da Academia Amazonense de Letras(cadeira nº 3, de patrono Gonçalves Dias).


Segundo a Biblioteca Virtual do Estado do Amazonas “Desde pequeno freqüentou aulas no curso de Belas Artes na Escola de Artes Cristo Redentor. Cursou Línguas Neolatinas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Oswaldo Cruz, depois se transferiu para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora Medianeira em São Paulo. Dirigiu e fundou jornais e revistas, publicou vários livros tais como: "Estrelas do meu caminho"; "Remanso"; e "Lira Amazônica", dentre outros. A partir de 1985 passou a dirigir o Liceu de Arte do Amazonas Esther Mello (nome da sua genitora), onde desenvolve diversas atividades culturais ligadas às artes plásticas. Participou de diversas exposições, dentre elas: Salão da França (Paris, 1948); I Salão Bancário de Arte (São Paulo, 1958); Arte e pensamento ecológico, no Paço Municipal de São Bernardo do Campo (São Paulo, 1975); I Salão Tiradentes de Artes Plásticas, no Museu Tiradentes (Manaus, 1986) e Exposição Comemorativa aos seus 51 anos de vida artística, na Pinacoteca do Estado do Amazonas (Manaus, 1990). Seu estilo muda de acordo com o momento. Já passou pelo acadêmico, o impressionista e o abstrato”.

Segundo o seu amigo Almir Diniz “Ele era uma pessoa humilde, sobretudo, amigo. Ainda rapazinho, ele abrigava movimentos literários em reuniões no porão da casa dos pais, entre eles, o Grêmio Cultural Gonçalves Dias; realizava sempre às sextas-feiras, o chamado Chá do Armando, do qual participava vários de seus amigos da AAL, era uma reunião lítero-cultural, havia coquetéis, declamações de poesia, música, ele fazia saraus maravilhosos”.


O Anísio Mello cumpriu maravilhosamente a sua missão aqui na Terra, deixou exemplos para várias gerações de amazonenses, está feliz, com certeza, no andar de cima! Valeu!


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Anísio Thaumaturgo Soriano de Mello nasceu em Itacoatiara, no Amazonas, no dia 21 de junho de 1927. Viajou, durante a infância, pelo interior do Estado do Amazonas, companhando o pai, que era juiz. Transferiu-se para São Paulo, onde concluiu o bacharelado em Letras, nas Faculdades Anchieta. Retornou a Manaus, onde dirige o Liceu de Artes Esther Mello e ministra aulas de pintura. Principais obras poéticas: Lira nascente(Manaus, 1950), Minhas vitórias-régias(Manaus, 1952), Estrelas do meu caminho (São Paulo, 1962), Festa geral (São Paulo, 1977), Vibrações(São Paulo, 1981), Sexagésima stella(Manaus, 1992).



Rogel Samuel aparece na Lira amazônica de Anísio Mello (São Paulo, Correio do Norte (1965)





A BOIADA

É madrugada e o boi em vaquejada

passa mugindo em bando, ao campo aberto;

o bucolismo intenso é a própria estrada

que abençoa a boiada no deserto...



É de esmeralda o campo, a luz parada,

em céu que se contenta em ser tão perto,

é beijo que ficou na sua malhada,

numa tarde sem luz, de céu coberto.



O tropeiro caminha, e cerca, e canta,

ecô!... ecô!... ao léu, e se levanta,

para ver à distância o seu lamento:



A vida que passou naquele dia,

tendo o verde do chão e a alegria

de um incêndio de luz cantando ao vento...
 

MINHA AURORA

Toda manhã num cântico sereno

vai a neblina em lágrimas beijar

a placidez do lago, de amor pleno,

e a matinal canção que paira no ar.



La no horizonte o sol em loiro aceno

retira o véu  e a luz vai  luminar

do rouxinol o ninho tão pequeno,

enquanto o dia vem num canto alvar.



No céu há luz e cor, há fantasia,

um esplendor de aurora em ardentia,

como troféu de aljôfares boiando.



Nascendo assim é o dia do meu sertão,

onde inda é puro o amor, e o coração

é como um cisne em gôndola, cismando...


TERNURA


Se me amas com todo o teu carinho,

se me beijas os lábios, com amor,

se me afagas as mãos, com tuas carícias,

e sonhando, co sonho pensa (s) em mim,



Esse sonho doirado é leve e brando

no jardim que fizeste, com ternura,

e tua boca em sorriso é alva e leve,

como um hálito em cálice de luz.



Se essa luz são teus olhos para ver

os lampejos de Deus, claro, em figura,

quero tê-los bem perto, junto a mim,



E hei de ver, qual teus olhos cristalinos,

a efígie celeste em meu azul,

a brilhar para sempre, com ternura.


AMAR É SER FELIZ

O amor é mar, onde navego em sonho,

em direção de teu doirado encanto,

e nos teus olhos a sorrir deponho

o meu destino de suave manto.


Se estou contigo, meu amor, risonho

é o passaredo colorido em canto

a redoirar o teu olhar tristonho,

que de tão lindo, é divinal e santo.


E se navego neste mar de amor,

enchendo o peito de suspiro, a flor

em ti brotou para enfeitar meu mundo.

Ainda assim, este poeta é triste

e ama em silêncio, pois o amor consiste

em ser feliz e se tornar fecundo.


TRANSFORMAÇÃO

Estavas tão sozinha, lenta e pensativa,

debruçavas ao leito a soluçar, talvez;

e a flor dos teus contornos, como a sempre-viva,

palpitava em teu seio em louca embriaguez...

Amaste a solitude e a noite incitativa

tinturada no azul que a imensidão desfez...

Despiste ao corpo a veste branca, e sensitiva,

te viste mais formosa... em límpida nudez!...


Tudo parou nest' hora! o espaço emudeceu!

raiou bendita aurora, a noite alvoreceu,

e a mística visão irradiou luz fátua!

Chorava a natureza em triste evocação...

sentiu-se o brilho do ouro em meio à imensidão,

e te tornaste deusa! e te fizeste estável!...


UMA TARDE EM TANAGRA

Era uma tarde azul, de festa colorida,

na Tanagra vetusta – ornada colunata!...

era na Grécia a dança e a lira mal ferida

soluçava dolente às notas em cascata!...


Entre harmônicos de luz a lira enlaguecida,

em lúcida harmonia, em notas de sonata,

inda fazia dançar, e a festa embelecida,

vi ao bailar das ninfas mil visões de prata!...


Toda a beleza humana em conjugar de idéias,

concatenando a graça em lindas melopéias,

ergueu um grande templo à música bacante!


E em bacanais alegres, entre róseas flores,

morreu Tanagra em festa! enfim, morreu de amores

a tarde esmaecida, exangue, delirante...





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Vendaval de sonhos

Anisio Mello (21/06/1927-11/04/2010)




A solidão que envolve esta minhalma errante
Na cratera sem luz do último poder
É a mesma catacumba que a sorrir triunfante
Há de levar-me um dia à glória do não ser.

Eu vivo sempre assim: sorriso agonizante,
Sem poder encarar esta alegria de ter
A dulce compreensão de um ideal de instante
Num vendaval de sonhos que deixei nascer...

O ideal não morre e cada dia prospera
Na múltipla visão de quem paciente espera
O fruto do porvir que é verdadeiro e são.

Solitária visão de tudo que me envolve,
A vida é sempre assim, e ela por si resolve
As mágoas do viver que atingem o coração...



LEMBRANÇAS


Na lembrança ficaste de permeio
a momentos de amor com que te vi.
Foste rosa em meu peito e com receio
a primavera augusta então vivi.

Nos teus lábios agora me tonteio
e na luz dos teus olhos refleti
todo um sonho feliz e agora creio
que o amor é como o beijo que senti.

Este amor que flutua mansamente
e encandece a manhã tão de repente,
mais parece o delírio de um adeus.

Um dia partirei, quem sabe quando?
Lembranças levarei sempre cantando,
com teus lábios impressos sobre os meus...


A SEMENTE


De Tua alta mansão banhas as montanhas,
com o fruto de Tuas obras sacias a terra.
(Salmo 103, St.º Thomás)


De pau e pedra cresce a montanha
que se espreguiça no âmago telúrico
e forma em monumentos
os mamilos da terra
de onde jorra o maná por entre as pedras
e o cascalho reluz em micas e cristais.

São brilhantes de garimpo azul
que se escondem no negro e fundo,
onde não há luz de todo este princípio,
onde nasceu o primeiro pensamento e o raciocínio.

De pau e pedra cresce a montanha
com o resto que sobrou
de gerações soterradas pelo ódio,
pela guerra, pela morte, enfim.

São restos de galeras e de arcas,
múmias do acaso incensadas pelo tempo,
bálsamo da salvação
e de todos os milagres,
do meu, do teu, do nosso, pois pensamos,
e sabemos que um dia não sabemos
que montanhas hão de ser, o eu que sou,
e nós, que perdemos na luta inglória
de crer, de construir e de amar.



KALEIDOSCOPIO 1


Balé de felino
entre as flores do verde:
traição à vista.

Foi buscar o sol
e com suas asas de cera
o sonho acabou.

No vaso quebrado
os retalhos de uma vida:
lembranças da China.

Num dia quentíssimo
com um balde d’água na mão
apaguei o sol.

Caindo do céu
como se fosse cristal
molha o chão: a chuva.

Olho o céu escuro
uma estrela abandonada
faz o meu luar.

Relógio-de-sol
com medo da tempestade
atrasou o dia.

Brotando do asfalto
o trilho do bonde é visto:
praça da Saudade.

Saudade e lembrança
duas emoções que se unem
na velha cidade.

Madeira no campo.
Polpa, papel e palavra:
o livro está pronto.



ANISIO MELLO

Por Jorge Tufic

Anisio Mello, com seu atelier no porão da Rua Dr. Moreira (em frente ao Vaticano, de Evandro Carreira), era o ponto de encontro da turma formada por mim, Alencar e Silva, Farias de Carvalho e Antísthenes Pinto; isso, precisamente, ao longo dos anos 1949 a 52 do século XX, quando o artista decide casar-se e transferir residência para o estado de São Paulo. Ali, após uma estada no Jardim Paulista, muda-se definitivamente para o Rio Comprido, onde faz de sua ampla vivenda um abrigo permanente daqueles que o procuravam, ainda e sempre nós, os vates do porão, agora em busca dos ares inovadores da Semana de 22, da qual só restavam Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, que também nos recebera. O novo estúdio de Anísio, então bastante ampliado, já podia incluir um visual de instrumentos musicais, entre estes a flauta e o violão, uma invejável discoteca, além das telas que pintava, ao lado de esculturas de gente famosa, modeladas por ele. Retorna o poeta à sua terra natal em 1977, indo residir em nossa casa, à rua J. G. de Araújo, 94, enquanto se lançava numa arriscada aventura como seringalista, no Rio Juruá, dono que fora de uma gleba do tamanho de seu próprio sonho de empresário. E aproveita o espaço geográfico para criar uma pequena cidade, dando ao nome das ruas os nomes de seus amigos de Manaus.


Findo esse sonho, instala-se ele na avenida Joaquim Nabuco, 1254, casa de seu irmão Pedro Mello, onde passa a funcionar o Liceu Esther Mello, e, tempos após, o seletivo Chá do Armando, de conjurados, sim, contra a mesmice da burocracia literária, mas não de inconfidentes, daí seu ecletismo e o clima democrático que manteve durante quase dez anos. Homem probo, bom, cordato, sincero, culto, polimorfo e criativo, Anísio Mello está a merecer, agora, o justo reconhecimento e a justa homenagem de seus contemporâneos. Ele deixa saudades e acordes imemoriais de sua lira nascente!




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