segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

J. KRISNAMURTI







J. KRISHNAMURTI



MEDITAÇÕES





A mente meditativa é silenciosa. Não é o silêncio que o pensamento pode imaginar;
não é o silêncio de um calmo anoitecer; é o silêncio que vem quando o pensamento
com todas as suas imagens, palavras e percepções - cessa completamente.
Esta mente meditativva é a mente verdadeiramente religiosa
- religiosidade que não é tocada pelas igrejas, os templos ou os cânticos.

A mente religiosa é a explosão do amor - de um amor que não conhece a separação. Para ele, o longe é perto. Não é o amor de um só, ou de muitos; é, antes, um estado de amor no qual toda a divisão desaparece. Tal como a beleza ele também não cabe na medida das palavras. E só a partir deste silêncio a mente meditativa actua.

A meditação é uma das maiores artes da vida - talvez a maior, e não é possível aprendê-la de alguém. Nisso reside a sua beleza. Não está sujeita a nenhuma técnica, e portanto a nenhuma autoridade. Aprendermos a respeito de nós mesmos, observando-nos, vendo o modo como andamos, como comemos, reparando no que dizemos, nas conversas fúteis e maldizentes, na inimizade, no ciúme... estarmos atentos a tudo isto, em nós mesmos, sem qualquer escolha, faz parte da meditação. Assim, a meditação pode acontecer quando estamos sentados num autocarro ou passeamos nos bosques cheios de luz e de sombras, quando escutamos o canto das aves, quando olhamos o rosto da nossa mulher ou do nosso filho.

É curioso como a meditação se torna uma constante presença: não há um fim nem um princípio para ela. É como uma gota de chuva: nela estão todos os regatos, os grandes rios, os mares e as quedas de água... A gota de chuva alimenta a terra e o homem; sem ela, a terra seria um deserto. Sem a meditação, também o coração se torna um deserto, um lugar abandonado.

Meditar é ver se o cérebro, com todas as suas atividades, todas as suas experiências, pode ficar inteiramente silencioso; sem ser forçado a isso, porque no momento em que se força, nasce a dualidade. A entidade que diz, «gostaria de ter experiências maravilhosas, portanto tenho de forçar o meu cérebro a ficar quieto» - não conseguirá aquietá-lo. Mas se começarmos a procurar descobrir, a reparar, a escutar todos os movimentos do pensamento, o seu condicionamento, os seus interesses, os seus medos, os seus desejos, observando como o cérebro funciona, então veremos que ele se toma extraordinariamente quieto; mas essa quietude não é entorpecimento: ele está extremamente ativo e, portanto, silencioso. Um poderoso dínamo a trabalhar perfeitamente quase não se ouve; só quando há fricção, há ruído.

Silêncio e amplidão interior andam juntos. A imensidade do silêncio é a imensidade da mente em que não existe um centro.

A meditação requer um trabalho de grande empenhamento. Requer a mais alta forma de disciplina - não a do conformismo, da imitação, da obediência - mas uma disciplina que nasce de uma atenção constante, não apenas às coisas que nos rodeiam exteriormente, mas também interiormente. Assim, a meditação não é uma atividade de isolamento. Ela é ação na vida quotidiana, que exige cooperação, sensibilidade e inteligência. Sem lançarmos a base de uma vida reta, a meditação toma-se uma fuga, e não tem portanto valor algum. Uma vida reta não consiste em seguir a «moralidade» social, mas em estar liberto da avidez, da inveja, da procura de poder - todos eles criadores de inimizade. Não é pela ação da vontade que podemos libertar-nos deles, mas pela atenção que lhes damos por meio do auto-conhecimento. Se não conhecemos as atividades do «eu», a meditação torna-se uma forma de excitação ligada aos sentidos, e é portanto de muito pouco significado.

Andar sempre à procura de .«experiências transcendentes», mais variadas e intensas, é uma forma de fugir da realidade presente, daquilo que é, ou seja, de nós mesmos, da nossa própria mente condicionada. Uma mente desperta, inteligente, livre, que necessidade tem dessas experiências? A luz é luz; não anda à procura de mais luz.

Se não sabemos o que é a meditação - e ela é realmente muito extraordinnária - somos como cegos num mundo de cores vivas, de sombras e de luz em movimento. Meditar não é uma actividade intelectual, uma actividade mental, mas quando o coração «inunda» a mente, esta adquire uma qualidade inteiramente nova; fica, então, verdadeiramente sem limites, não só na sua capacidade de pensar e de agir com eficiência, mas também no sentir que está a viver num espaço imenso, onde fazemos parte de tudo.
A meditação é o movimento do amor. Não é o amor de um só ou de muitos. É a água que brota, inesgotável, e que qualquer pessoa pode beber, por um jarro qualquer, seja ele de ouro ou de barro. E acontece uma coisa singular, que nenhuma droga ou auto-hipnose pode fazer acontecer: a mente como que entra em si mesma, começando àsuperfície e penetrando sempre mais profundamente - até que «profundidade» e «altura» perdem o seu significado e toda a forma de medida cessa. Neste estado há completa paz - não um contentamento que surge como uma recompensa - mas uma paz que é ordem, beleza e intensidade. Pode ser destruída - tal como se pode destruir uma flor - e contudo, devido à sua subtileza e ausência de rigidez, ela é indestrutível. Esta meditação não pode ser aprendida de outrem. Temos de «começar» sem nada saber sobre ela, e de ir sempre de inocência em inocência.

O solo em que a mente meditativa pode desabrochar é o solo da vida quotidiana, com os seus conflitos, dores e fugazes alegrias. Deve nascer aí, para criar ordem, e a partir desta prosseguir constantemente. Mas se estamos apenas interessados em criar ordem, então essa mesma «ordem» trará a sua própria limitação, e a mente ficará dela prisioneira. Em todo este movimento, temos, de algum modo, de «começar» a partir do outro lado, a partir da outra margem, sem estarmos sempre preocupados com esta margem ou em como atravessar o rio. Temos de dar um mergulho na água, sem saber nadar. E a beleza da meditação é que nunca sabemos onde estamos, onde é que vamos, qual é o fim.

A meditação não é algo diferente da vida de todos os dias; não é isolarmo-nos no canto de um quarto, para meditar durante dez minutos, e depois sairmos dali e irmos destruir o nosso semelhante - não só metaforicamente como de maneira real. Meditar é algo da maior seriedade. Podeis fazê-Io durante o dia, no emprego, com a família, quando dizeis a alguém «Amo-te», quando cuidais dos vossos filhos... Mas depois dais-Ihes uma «educação» para se tomarem soldados e matarem, para serem nacionalistas e prestarem culto à bandeira, «educando-os» para entrarem na armadilha do mundo moderno. Observar tudo isso, compreender a vossa participação nisso, faz parte da meditação. E quando assim meditais encontrareis nesse meditar uma beleza extraordinária; agireis correctamente em todos os momentos; e se num dado momento assim não for, não importa; tentareis de novo agir correctamente - sem perder tempo em lamentações. A meditação não está separada da vida, faz parte dela.

Se nos esforçamos por meditar, não estamos a meditar. Se nos esforçamos por sermos bons, a bondade não floresce. Se cultivamos a humildade, ela fica ausente. A meditação é a brisa que entra quando deixamos a janela aberta; mas se deliberadamente a mantemos aberta, com o propósito de atrair a brisa, ela não aparece.



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O Amor

Trad. Hugo Veloso



A NECESSIDADE de segurança nas relações gera inevitàvelmente o sofrimento e o mêdo. Essa busca de segurança atrai a insegurança. Já encontrastes alguma vez segurança em alguma de vossas relações? Já? A maioria de nós quer a segurança no amar e no ser amado, mas existirá amor quando cada um está a buscar a própria segurança, seu caminho próprio? Nós não somos amados porque não sabemos amar.
Que é o amor? Esta palavra está tão carregada e corrompida, que quase não tenho vontade de empregá-la. Todo o mundo fala de amor tôda revista e jornal e todo missionário discorre interminàvelmente sôbre o amor. Amo a minha pátria, amo o meu rei, amo um certo livro, amo aquela montanha, amo o prazer, amo minha espôsa, amo a Deus. O amor é uma idéia? Se é, pode então ser cultivado, nutrido, conservado com carinho, moldado, torcido de tôdas as maneiras possíveis. Quando dizeis que amais a Deus, que significa isso? Significa que amais uma projeção de vossa própria imaginação, uma projeção de vós mesmo, revestida de certas formas de respeitabilidade, conforme o que pensais ser nobre e sagrado; o dizer “Amo a Deus” é puro contra-censo. Quando adorais a Deus, estais adorando a vós mesmo; e isso não é amor.


Incapazes, que somos, de compreender essa coisa humana chamada amor, fugimos para abstrações. O amor pode ser a solução final de tôdas as dificuldades, problemas e aflições humanas. Assim, como iremos descobrir o que é o amor? Pela simples definição? A Igreja o tem definido de uma maneira, a sociedade de outra, e há também desvios e perversões de tôda espécie. A adoração de uma certa pessoa, o amor carnal, a troca de emoções, o companheirismo — será isso o que se entende por amor? Essa foi sempre a norma, o padrão, que se tornou tão pessoal, sensual, limitado, que as religiões declararam que o amor é muito mais do que isso. Naquilo que denominam “amor humano”, vêem elas que existe prazer, competição, ciúme, desejo de possuir, de conservar, de controlar, de influir no pensar de outrem e, sabendo da complexidade dessas coisas, dizem as religiões que deve haver outra espécie de amor — divino, belo, imaculado, incorruptível.

Em todo o mundo, certos homens chamados “santos" sempre sustentaram que olhar para uma mulher é pecaminoso; dizem que não podemos aproximar-nos de Deus se nos entregamos ao sexo e, por conseguinte, o negam, embora êles próprios se vejam devorados por êle. Mas, negando o sexo, êsses homens arrancam os próprios olhos, decepam a própria língua, uma vez que estão negando tôda a beleza da Terra. Deixaram famintos os seus corações e a sua mente; são entes humanos “desidratados”; baniram a beleza, porque a beleza está ligada à mulher.

Pode o amor ser dividido em sagrado e profano, humano e divino, ou só há amor? O amor é para um só e não para muitos? Se digo “Amo-te”, isso exclui o amor a outro? O amor é pessoal ou impessoal? Moral ou imoral? Familial ou não familial? Se amais a humanidade, podeis amar o indivíduo? O amor é sentimento? Emoção? O amor é prazer e desejo? Tôdas essas perguntas indicam — não é verdade? —que temos idéias a respeito do amor, idéias sôbre o que êle deve ou não deve ser, um padrão, um código criado pela cultura em que vivemos.

Assim, para examinarmos a questão do amor — o que é o amor — devemos primeiramente libertar-nos das incrustações dos séculos, lançar fora todos os ideais e ideologias sôbre o que ele deve ou não deve ser. Dividir qualquer coisa em o que deveria ser e o que é, é a maneira mais ilusória de enfrentar a vida.
Ora, como iremos saber o que é essa chama que denominamos amor — não a maneira de expressá-lo a outrem, porém o que de próprio significa? Em primeiro lugar, rejeitarei tudo o que a Igreja, a sociedade, meus pais e amigos, tôdas as pessoas e todos os livros disseram a seu respeito, porque desejo descobrir por mim mesmo o que ele é. Eis um problema imenso, que interessa a tôda a humanidade; há milhares de maneiras de defini-lo e eu próprio me vejo todo enredado neste ou naquele padrão, conforme a coisa que, no momento, me dá gôsto ou prazer. Por conseguinte, para compreender o amor, não devo em primeiro lugar libertar-me de minhas inclinações e preconceitos? Vejo-me confuso, dilacerado pelos meus próprios desejos e, assim, digo entre mim: “Primeiro, dissipa a tua confusão. Talvez tenhas possibilidade de descobrir o que é o amor através do que de não é".
O govêrno ordena: “Vai e mata, por amor à pátria!” Isso é amor? A religião preceitua: “Abandona o sexo, pelo amor de Deus”. Isso é amor? O amor é desejo? Não digais que não. Para a maioria de nós, e; desejo acompanhado de prazer, prazer derivado dos sentidos, pelo apêgo e o preenchimento sexual. Não sou contrário ao sexo, mas vêde o que de implica. O que o sexo vos dá momentâneamente é o total abandono de vós mesmo, mas, depois, voltais à vossa agitação; por conseguinte, desejais a constante repetição dêsse estado livre de preocupação, de problema, do “eu”. Dizeis que amais vossa espôsa. Nesse amor está implicado o prazer sexual, o prazer de terdes uma pessoa em casa para cuidar dos filhos e cozinhar. Dependeis dela; ela vos deu o seu corpo, suas emoções, seus incentivos, um certo sentimento de segurança e bem-estar. Um dia, ela vos abandona; aborrece-se ou foge com outro homem, -e eis destruído todo o vosso equilíbrio emocional; essa perturbação, de que não gostais, chama-se ciúme. Nêle existe sofrimento, ansiedade, ódio e violência. Por conseguinte, o que realmente estais dizendo é: “Enquanto me pertences, eu te amo; mas, tão logo deixes de pertencer-me, começo a odiar-te. Enquanto posso contar contigo para satisfação de minhas necessidades sociais e outras, amo-te, mas, tão logo deixes de atender a minhas necessidades,não gosto mais de ti”. Há, pois, antagonismo entre ambos, há separação, e quando vos sentis separados um do outro, não há amor. Mas, se puderdes viver com vossa espôsa sem que o pensamento crie todos êsses estados contraditórios, essas intermináveis contendas dentro de vós mesmo, talvez então — talvez —sabereis o que é o amor. Sereis então completamente livre, e ela também; ao passo que, se dela dependeis para os vossos prazeres, sois seu escravo. Portanto, quando uma pessoa ama, deve haver liberdade — a pessoa deve estar livre, não só da outra, mas também de si própria.

No estado de pertencer a outro, de ser psicologicamente nutrido por outro, de outro depender — em tudo isso existe sempre, necessàriamente, a ansiedade, o mêdo, o ciúme, a culpa, e enquanto existe mêdo, não existe amor. A mente que se acha nas garras do sofrimento jamais conhecerá o amor; o sentimentalismo e a emotividade nada, absolutamente nada, têm que ver com o amor. Por conseguinte, o amor nada tem em comum com o prazer e o desejo.

O amor não é produto do pensamento, que é o passado. O pensamento não pode de modo nenhum cultivar o amor. O amor não se deixa cercar e enredar pelo ciúme; porque o ciúme vem do passado. O amor é sempre o presente ativo. Não é “amarei" ou “amei". Se conheceis o amor, não seguireis ninguém. O amor não obedece. Quando se ama, não há respeito nem desrespeito.

Não sabeis o que significa amar realmente alguém —amar sem ódio, sem ciúme, sem raiva, sem procurar interferir no que o outro faz ou pensa, sem condenar, sem comparar —não sabeis o que isso significa? Quando há amor, há comparação? Quando amais alguém de todo o coração, com tôda a vossa mente, todo o vosso corpo, todo o vosso ser, existe comparação? Quando vos abandonais completamente a êsse amor, não existe ‘‘o outro’’.

O amor tem responsabilidades e deveres, e emprega tais palavras? Quando fazeis alguma coisa por dever, há nisso amor? No dever não há amor. A estrutura do dever, na qual o ente humano se vê aprisionado, o está destruindo. Enquanto sois obrigado a fazer uma coisa, porque é vosso dever fazê-la, não amais a coisa que estais fazendo. Quando há amor, não há dever nem responsabilidade.
A maioria dos pais, infelizmente, pensa que são responsáveis por seus filhos, e seu senso de responsabilidade toma a forma de preceituar-lhes o que devem fazer e o que não devem fazer, o que devem ser e o que não devem ser. Querem que os filhos conquistem uma posição segura na sociedade. Aquilo a que chamam responsabilidade faz parte daquela respeitabilidade que êles cultivam; e a mim me parece que, onde há respeitabilidade, não existe ordem; só lhes interessa o tornar-se um perfeito burguês. Preparando os filhos para se adaptarem à sociedade, estão perpetuando a guerra, o conflito e a brutalidade. Pode-se chamar a isso zêlo e amor?

Zelar, com efeito, é cuidar como se cuida de uma árvore ou de uma planta, regando-a, estudando as suas necessidades, escolhendo o solo mais adequado, tratá-la com carinho e ternura; mas, quando preparais os vossos filhos para se adaptarem à sociedade, os estais preparando para serem mortos. Se amásseis vossos filhos, não haveria guerras.

Quando perdeis alguém que amais, verteis lágrimas; essas lágrimas são por vós mesmo ou pelo morto? Estais pranteando a vós mesmo ou ao outro? Já chorastes por outrem? Já chorastes o vosso filho, morto no campo de batalha? Chorastes, decerto, mas essas lágrimas foram produto da auto-compaixão ou chorastes porque um ente humano foi morto? Se chorais por auto-compaixão, vossas lágrimas nada significam, porque estais interessado em vós mesmo. Se chorais porque vos foi arrebatada uma pessoa em quem “depositastes” muita afeição, não se trata de uma afeição real. Se chorais a morte de vosso irmão, chorai 'por ele'! É muito fácil chorardes por vós mesmo porque êle partiu. Aparentemente, chorais porque vosso coração foi atingido, mas não foi atingido por causa dele; foi atingido pela auto-compaixão, e a auto-compaixão vos endurece, vos fecha, vos torna embotado e estúpido.

Quando chorais por vós mesmo, será isso amor? —chorar porque ficastes sozinho, porque perdestes o vosso poder; queixar-vos de vossa triste sina, de vosso ambiente — sempre vós a verter lágrimas. Se compreenderdes êsse fato, e isso significa pôr-vos em contato com êle tão diretamente como quando tocais uma árvore ou uma coluna ou uma mão, vereis então que o sofrimento é produto do “eu”, o sofrimento é
criado pelo pensamento, o sofrimento é produto do tempo. Há três anos eu tinha meu irmão; hoje êle é morto e estou sozinho, desolado, não tenho mais a quem recorrer para ter confôrto ou companhia, e isso me traz lágrimas aos olhos.

Podeis ver tudo isso acontecer dentro de vós mesmo, se o observardes. Podeis vê-lo de maneira plena, completa, num relance, sem precisardes do tempo analítico. Podeis ver num momento tôda a estrutura e natureza dessa coisa desvaliosa e insignificante, chamada “eu" — minhas lágrimas, minha família, minha nação, minha crença, minha religião — tôda essa fealdade está em vós. Quando a virdes com vosso coração, e não com vossa mente, quando a virdes do fundo de vosso coração, tereis então a chave que acabará com o sofrimento.

O sofrimento e o amor não podem coexistir, mas no mundo cristão idealizaram o sofrimento, crucificaram-no para o adorar, dando a entender que ninguém pode escapar ao sofrimento a não ser por aquela única porta; tal é a estrutura de uma sociedade religiosa, exploradora.

Assim, ao perguntardes o que é o amor, podeis ter muito mêdo de ver a resposta. Ela pode significar uma completa reviravolta; poderá dissolver a família; podeis descobrir que não amais vossa espôsa ou marido ou filhos (vós os amais?); podeis ter de demolir a casa que construístes; podeis nunca mais voltar ao templo.

Mas, se desejais continuar a descobrir, vereis que o mêdo não é amor, a dependência não é amor, o ciúme não é amor, a posse e o domínio não são amor, responsabilidade e dever não são amor, auto-compaixão não é amor, a agonia de não ser amado não é amor, que o amor não é o oposto do ódio, como também a humildade não é o oposto da vaidade. Dessarte, se fordes capaz de eliminar tudo isso, não à fôrça, porém lavando-o assim como a chuva fina lava a poeira de muitos dias depositada numa fôlha, então, talvez, encontrareis aquela flor peregrina que o homem sempre buscou sequiosamente.

Se não tendes amor — não em pequenas gôtas, mas em abundância; se não estais transbordando de amor, o mundo irá ao desastre. Intelectualmente, sabeis que a unidade humana é a coisa essencial e que o amor constitui o único caminho para ela, mas quem pode ensinar-vos a amar? Poderá uma autoridade, um método, um sistema ensinar-vos a amar? Se alguém vo-lo ensina, isso não é amor. Podeis dizer: “Eu me exercitarei para o amor. Sentar-me-ei todos os dias para refletir sôbre êle. Exercitar-me-ei para ser bondoso, delicado e me forçarei a ser atencioso com os outros”? — Achais que podeis disciplinar-vos para amar, que podeis exercer a vontade para amar? Quando exerceis a vontade e a disciplina para amar, o amor vos foge pela janela. Pela prática de um certo método ou sistema de amar, podeis tornar-vos muito hábil, ou mais bondoso, ou entrar num estado de não violência, mas nada disso tem algo em comum com o amor.

Neste mundo tão dividido e árido não há amor, porque o prazer e o desejo têm a máxima importância, e, todavia, sem amor, vossa vida diária é sem significação. Também, não podeis ter o amor se não tendes a beleza. A beleza não é uma certa coisa que vêdes — não é uma bela árvore, um belo quadro, um belo edifício ou uma bela mulher; só há beleza quando o vosso coração e a vossa mente sabem o que é o amor. Sem o amor e aquêle percebimento da beleza, não há virtude, e sabeis muito bem que tudo o que fizerdes — melhorar a sociedade, alimentar os pobres — só criará mais malefício, porque, quando não há amor, só há fealdade e pobreza em vosso coração e vossa mente. Mas, quando há amor e beleza, tudo o que se faz é correto, tudo o que se faz é ordem. Se sabeis amar, podeis fazer o que desejardes, porque o amor resolverá todos os outros problemas.

Alcançamos, assim, êste ponto: Poderá a mente encontrar o amor sem precisar de disciplina, de pensamento, de coerção, de nenhum livro, instrutor ou guia — encontrá-lo assim como se encontra um belo pôr-de-sol?

Uma coisa me parece absolutamente necessária: a paixão sem motivo, a paixão não resultante de compromisso ou ajustamento, a paixão que não é lascívia. O homem que não sabe o que é paixão, jamais conhecerá o amor, porque o amor só pode existir quando a pessoa se desprende totalmente de si própria.
A mente que busca não é uma mente apaixonada, e não buscar o amor é a única maneira de encontrá-lo; encontrá-lo inesperadamente e não como resultado de qualquer esfôrço ou experiência. Esse amor, como vereis, não é do tempo; ele é tanto pessoal como impessoal, tanto um só como multidão. Como uma flor perfumosa, podeis aspirar-lhe o perfume, ou passar por êle sem o notardes. Aquela flor é para todos e para aquêle que se curva para aspirá-la profundamente e olhá-la com deleite. Quer estejamos muito perto, no jardim, quer muito longe, isso é indiferente à flôr, porque ela está cheia de seu perfume e pronta a reparti-lo com todos.

O amor é uma coisa nova, fresca, viva. Não tem ontem nem amanhã. Está além da confusão do pensamento. Só a mente inocente sabe o que é o amor, e a mente inocente pode viver no mundo não inocente. Só é possível encontrá-la, essa coisa maravilhosa que o homem sempre buscou sequiosamente por meio de sacrifícios, de adoração, das relações, do sexo, de tôda espécie de prazer e de dor, só é possível encontrá-la quando o pensamento, alcançando a compreensão de si próprio, termina naturalmente. O amor não conhece oposto, não conhece conflito.

Podeis perguntar: “Se encontro êsse amor, que será de minha mulher, de minha família? Eles precisam de segurança”. Fazendo essa pergunta, mostrais que nunca estivestes fora do campo do pensamento, fora do campo da consciência. Quando tiverdes alguma vez estado fora dêsse campo, nunca fareis uma tal pergunta, porque sabereis o que é o amor em que não há pensamento e, por conseguinte, não há o tempo. Podeis ler tudo isto hipnotizado e encantado, mas ultrapassar realmente o pensamento e o tempo — o que significa transcender o sofrimento é estar cônscio de uma dimensão diferente, chamada “amor".

Mas, não sabeis como chegar-vos a essa fonte maravilhosa — e, assim, que fazeis? Quando não sabeis o que fazer, nada fazeis, não é verdade? Nada, absolutamente. Então, interiormente, estais completamente em silêncio. Compreendeis o que isso significa? Significa que não estais buscando, nem desejando, nem perseguindo; não existe centro nenhum. Há, então, o amor. ("Liberte-se do passado". Cultrix, São Paulo, 1983).


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O que é meditação
Krishnamurti

NESTA TARDE desejo falar sôbre um assunto tão importante como o tempo, a morte e o amor, a cujo respeito estivemos falando outro dia. É necessário compreendê-lo, porque compreendendo o que é a meditação, estaremos aptos a compreender o tão complexo problema do viver. A meditação não é coisa separada do viver. Para se compreender o conteúdo, o significado a beleza e a grande profundeza do viver, com suas aflições, suas ânsias e temores, e necessário compreender igualmente o mui complexo problema ou questão da meditação.

Para o examinarmos um tanto profundamente, se possível, a esta hora, é necessário, antes de tudo esclarecer que não vamos lançar as bases de nenhum sistema, método ou exercício, porem simplesmente investigar, pois o simples ato de investigar e compreender a meditação, é meditação. Por conseguinte, em primeiro lugar, devemos ver, por nós mesmos, com muita clareza, o que não é meditação, e o que é meditação. São duas coisas muito distintas: o que é e o que não é. Examinaremos primeiramente o que não é meditação: e, pela rejeição daquilo que não e meditação, começaremos a descobrir o que e meditação.

Ora, quando fazemos uso da palavra “rejeitar”, com ela não queremos referir-nos a uma rejeição intelectual de palavras, porem, antes, à rejeição daquilo que pensamos ser a correta maneira de pensar, à rejeição de todos os sistemas, métodos, das futilidades que a mente inventa, na esperança de apreender algo de misterioso. E, para rejeitar, requer-se, não só raciocínio, análise, equilíbrio, mas também, acima de tudo, inteligência; e tudo isso exige energia. Não se pode rejeitar coisa nenhuma apenas verbalmente, pois, nesse caso, a rejeição nenhum significado tem na vida. Não se atingem as profundezas de nosso ser se, incidentalmente, esporádica ou ocasionalmente, rejeitais alguma coisa. Mas, se perceberdes de maneira total o significado de uma coisa e, depois, com a compreensão dessa totalidade, a rejeitardes, ela terá sido, então, eliminada de vosso método, de modo que podereis aplicar vossa energia e vossa atenção numa direção totalmente diferente. É o que vamos fazer nesta tarde.

Vamos meditar conjuntamente; vamos conjuntamente explorar êsse nosso estranho viver — que tão desvalioso parece que o homem vive a buscar, para êle, um alvo, uma finalidade. Estamos, todos juntos, investigando, cada um por si, o verdadeiro significado, e a profundeza, e a beleza, e a glória do viver. E essa investigação tem de ser feita com uma mente muito esclarecida.

Assim, em primeiro lugar, necessitamos de um espírito crítico, não disposto a aceitar coisa alguma, nem mesmo a própria experiência. Porque somos por demais ingênuos, queremos crer, queremos aceitar e ser guiados; e, visto que nossa própria vida é tão cheia de incerteza, de confusão, de mesquinhez, temos esperança de que um certo guru, um certo método — mesmo muito antigo — nos ajudará de alguma maneira a transcender esses conflitos, essas angústias e desditas. E, assim, estamos muito dispostos a aceitar todo aquêle — principalmente a pessoa religiosa, o sanyasi, o guru — que nos oferece um certo método de meditação; mas, dessa mesma pessoa religiosa devemos duvidar. Um ente humano inteligente, desperto, equilibrado, não deve “aceitar” nenhuma pessoa religiosa, inclusive a minha própria. Porque tanto tememos as coisas da vida — a perda do emprêgo, a morte, as incertezas, o êrro, a impossibilidade de alcançarmos o que chamamos Deus, aquêle mistério que o homem vem procurando desvendar através dos séculos; porque nossa vida é tão insignificante, tão sem valor e superficial, e nosso espírito também tão superficial, vulgar, infantil, preferimos “aceitar aquele que diz: “Eu sei, vós não sabeis; portanto, segui-me !“ — Não fazemos uso de nossa razão, nosso senso-comum; por isso, permanecemos insignificantes, superficiais.
Mas, se começardes a questionar, a duvidar, a exigir, a ser “impiedoso” com vós mesmo e com todo aquêle que vos oferece algum método — estais então no verdadeiro “estado de investigação”. A menos que vos investigueis profundamente, em vosso interior, não tendes possibilidade de descobrir o que é verdadeiro.
Ninguem vos pode levar a esse descobrimento, e, por consequencia, nenhum sistema. A verdade nao e uma coisa estática, que fica a vossa espera, enquanto seguis um sistema uniforme, enquanto praticais dia a dia um certo método, enquanto aprimorais a vossa mente e o vosso coração para alcançar aquêle estado a que chamais “a verdade”.
A Verdade não espera por vós!
Por conseguinte, cumpre perceber que todo método — não importa por quem tenha sido estabelecido — Buda, Sankara, ou em quer que seja — só pode amesquinhar mais ainda a mente. Porque, praticando, dia após dia, um certo sistema a mente se torna mecanica. Quando a mente pratica seguidamente uma certa coisa, assemelha-se àqueles que praticam pula todos os dias, repetindo, interminàvelmente. palavras, palavras, palavras sem muita significação. O puja. a meditação que praticam, nada têm em comum com o seu viver. São indivíduos embusteiros, ambiciosos, ávidos, cheios de rancor e de inveja, nunca deixam de “recolher-se a seu canto”, em casa, para meditar — mas continuam com a mesma hipocrisia de todos os dias.
Assim, sua mente, que já é mesquinha, que já é superficial, que já está a mistificar a si e ao próximo; sua mente, por mais que pratique um método e por meio dêle espere alcançar seus pequeninos deuses, nunca descobrirá o que é verdadeiro. Por conseguinte, permanecem êles, dia após dia. na angústia, no sofrimento, num estado de total confusão. Portanto, e necessário que cada um perceba com tôda a clareza, por si próprio, a total futilidade do hábito mecânico, do seguir um método.
Vêde, por favor, estamos aqui investigando juntos. Não estais aceitando minha palavra. Não estais substituindo o vosso guru por êste orador; isso seria verdadeiramente desastroso. Mas, estamos aqui em comunhão, com o fim de descobrirmos a Verdade, de descobrirmos por nós mesmos o estado de espírito próprio da meditação — descobrir êsse estado de espírito e não o como meditar.
Como dissemos, o método, por mais bem fundado, e consolidado pela tradição, não pode conduzir o homem a outra coisa senão a um resultado mecânico. Podeis ver e praticar uma certa coisa diàriamente; mas, isso não libertará a vossa mente das penas e da solidão e da agonia da vida. Ternos de compreender isso, e não um certo deus espúrio inventado pelo homem. Todos os deuses são invenções do homem; porque a verdade não pode ser descrita; o desconhecido não pode ser formulado em palavras; ao que não tem nome, não se pode dar nome; a mente tem de alcançá-lo impremeditadamente, — inocente, fresca, não-contaminada.

Assim sendo, o método, a infinita repetição de palavras, não levam ninguém a Verdade. Tampouco as orações, que são meras súplicas. Orais porque desejais felicidade, prazer, porque desejais algo. Desejais a paz na terra, e por ela rezais. Não podeis ter paz na terra, rezando. Só haverá paz na terra se fordes pacífico. Deus não vai dar-vos a paz; vós tendes de ser pacífico quer dizer, sem rivalidades, nem ódio, nem violências, nem divisões de nacionalidades; sem serdes muçulmanos, ou hinduístas, ou sikhs, ou parás, chineses, russos ou americanos. Tendes de ser pacífico; e, então, tereis a paz na Terra.

Quando em vosso coração, em vosso espírito, sois pacífico, então não orais, nem precisais de ajuda alguma. Assim, as orações das igrejas, dos guias, e dos santos, que estão simplesmente explorando o povo, nada significam, nenhum valor têm. A oração poderá produzir um certo resultado — um resultado mecanico. Há pessoas que rezam, não para terem Deus, para terem paz, mas para terem as coisas que desejam. Desejam geladeiras, casas, prosperidade desejam dinheiro, desejam passar em seus exames. E qual a diferença entre essas pessoas e aquelas que rezam para terem o céu, a paz? Não há diferença.

Precisamos, pois, compreender o significado da oração. O homem que reza para ter uma geladeira, a obtém, porque concentrou o espírito e tôdas as energias nesse desejo de uma coisa fora dêle próprio. Mas, a paz não está fora de vós. Vós tendes de criá-la, de torná-la existente; deveis deixar de ter nacionalidade. Estamos aqui em comunhão uns com os outros; não estais apenas a escutar-me. Se desejais a paz, deveis deixar de ser sikh, muçulmano, pará; tendes de trabalhar pela paz. E a oração é uma fuga a isso.

Assim sendo, os métodos — a repetição de palavras, de orações — não conduzem o homem a verdade, visto que são processos egocêntricos a serviço de interêsses egoístas. E a mente vulgar que ora, que pede, que solicita, que repete palavras, em circunstância nenhuma pode descobrir o que se acha além das palavras. Vós e eu estamos, nesta tarde, falando a êste respeito; estamos rejeitando tudo aquilo, não verbal ou intelectualmente, porém realmente, porque se trata da verdade — não porque o orador o diga, mas porque o é de fato. E quando se percebe claramente uma coisa como fato, pomo-la de parte, porque já não tem significação alguma.

As várias posturas que uma pessoa assume na chamada meditação, o respirar corretamente, o sentar-se corretamente, e demais exterioridades superficiais, têm um certo efeito de quietar o corpo. Naturalmente, se uma pessoa se põe a respirar regularmente, tranqüilamente, o organismo físico se torna quieto; mas sua mente continua superficial. Não se pode tornar a mente ampla, profunda, sã, vigorosa, lúcida, por meio da respiração. Podeis fazer isso durante dez mil anos, e continuareis com a mesma mente vulgar. Isso, portanto, precisa também ser posto de lado.

E há, também, as novas drogas que se estão experimentando na América e na França: Mescalina, L. S. D. -25, etc. Muitas pessoas as tomam para terem uma experiência extraordinária do real; pensam que, tomando uma pílula, se transportarão ao nirvana. O efeito dessas drogas (nós não as experimentamos!) é êste: tornam, temporàriamente, o sistema nervoso supersensível, superaguçado. A mente se torna muito alertada, muito sensível, penetrante, lúcida; vê as coisas muito mais intensamente; a flor se torna então muito mais bela. Mas os efeitos dependem da pessoa que toma a droga; se já tem ligeiras disposições artísticas, ou filosóficas, ou supersticioso-religiosas, terá a adequada experiência; e esta, naturalmente, lhe dá um extraordinário sentimento de ter apreendido algo de misterioso. Como sabeis, se um homem toma uma bebida alcoólica, esta o ajuda a vencer suas inibições e êle se sente, naquele momento, extraordinàriamente livre, fala com desembaraço e sutileza. Mas, nem o bebedor, nem o homem que toma drogas de qualquer espécie, está mais perto do Real. Talvez o “pecador”, o homem que não toma drogas, não segue gurus nem se senta numa certa postura, pensando, meditando, mesmerizando-se talvez esse homem, que chamais 'pecador, esteja muito mais perto', porque não finge ser o que não é, e sabe o que é.
Vemos, pois, que nenhum desses sistemas — orações, repetição de palavras, imagens, respiração, drogas — que nada disso dará resultados, porquanto a mente continua superficial. Esta é, pois, a primeira coisa que se precisa compreender: que a mente vulgar, a mente superficial, a mente confusa, o que quer que faça a fim de fugir de si própria, nunca encontrará “o que não tem nome”. Compreendido isso, o indivíduo retorna a si próprio.
Ora bem. É isso o que vamos fazer, vós e eu, nesta tarde — não teórica, porém realmente. Vós e eu vamos encarar-nos de frente, olhar-nos, impiedosamente; e, como resultado dessa observação de nós mesmos, a qual requer uma certa vigilância — de que trataremos mais adiante — estaremos aptos a descobrir o que realmente somos, o fato, o que é, e não o que deveria ser, que é pura imaginação. E daí, então, poderemos prosseguir. Isso temos de fazer juntos. Não estais aqui puramente a escutar-me; estamos aprendendo juntos. Para compreender, não deveis estar confundidos por sistemas, métodos, orações, crenças, etc. Tudo isso tem de ser pôsto de parte; isso será muito difícil para a maioria das pessoas, que querem crer. A mente que crê é a mais vulgar e a mais estúpida. Podeis crer, mas só “experimentareis” aquilo que credes, naturalmente.
Temos, pois, de compreender todo esse processo de “experimentar”; disso vamos tratar agora. Para a maioria de nós, o viver diário é desestimulante e muito pouco significativo. Passar todos os dias pela entediante rotina do emprego, ter um pouco de satisfação sexual, ocasionalmente, ter problemas inumeráveis, causadores de ansiedades, de medo, de aflição, e um ou outro momento de alegria — tal é nosso caminho costumeiro, nossa vida. A esse gênero de vida queremos furtar-nos; sendo tudo aquilo de tão pouco valor, queremos sensações diferentes, experiências diferentes e diferentes visões. Assim sendo, tratamos de procurar outra coisa. Queremos experiências mais grandiosas. Prestai atenção à psicologia, à razão, a sensatez do que estamos dizendo. Queremos experiências mais amplas, mais profundas, mais plenas; e as temos em conformidade com nosso fundo, nosso condicionamento.
Quando falamos de experiência, entendemos “reação a um desafio”, a reação a um desafio da sociedade, da economia social. etc. —, repito: reação a um desafio. E essa reação ao desafio é "experiência”; é o resultado de vosso condicionamento, como hinduísta, como budista, comunista, técnico, etc. Esse é o vosso fundo, vosso temperamento, vosso estado de espírito; daí é que reagis, que “respondeis” a qualquer desafio que se apresenta; e essa reação é “experiência”. Assim, pois, em conformidade com vosso fundo, com vosso, condicionamento, vosso temperamento, vossas emoções, “projetais” coisas; e tais “projeções” constituem vossas experiências - Vemo-nos, assim, colhidos numa rêde de intermináveis experiências, experiências resultantes de nossas próprias “projeções”, conforme os desafios que recebemos. Não vamos entrar em minúcias a êste respeito; mas fácil vos será compreendê-lo, se estais escutando verdadeiramente, se estais aprendendo.
Assim, a mente que busca experiências — prestai atenção, por favor! — está meramente a furtar-se ao fato — o que é. Assim, devemos estar sumamente vigilantes, a fim de não exigirmos experiência de espécie alguma. Percebeis o que estamos fazendo? Estamos despojando a mente de tudo o que é falso, despojando-a das crenças nos deuses, nos sacerdotes, no puja, na recitação de orações, e, mesmo, da exigência de super-experiências — experiências supra-sensíveis. Não estamos falando ilogicamente, porém lógica e sensatamente. Atrás do que se está dizendo, está a razão; não se trata de nenhuma fantasia ou capricho. Assim, pois, se estais seguindo o que estamos dizendo, sem lhe conferirdes nenhum caráter de autoridade, vereis que de vossa mente terão sido varridas tôdas as cargas que a sociedade e as religiões vos impuseram; estareis, então, frente a frente com vós mesmo.
Ora, o compreender a si próprio é absolutamente necessário. Meditar é esvaziar a mente, e, nesse estado de vazio, ocorre a “explosão” que nos lança no desconhecido. A mente que esta repleta, que está carregada de problemas, a mente que se acha em conflito, que não explorou as profundezas de si própria, não tem possibilidade de esvaziar-se. E a meditação e o esvaziar da mente, não no final, porém imediatamente, fora do tempo.
Investiguemos agora o estado da mente que aprende a respeito de si própria. Porque, se não aprendeis a respeito de vós mesmo, não tendes base para qualquer investigação ou outra exploração mais profunda; se não aprendeis a respeito de vós mesmo, ficais meramente a enganar-vos, a hipnotizar-vos para aceitar todo gênero de crenças, de dogmas, de orações. de visões. Deveis. pois. aprender a respeito de vos mesmo; esta é a base essencial. E podeis fazê-lo, instantaneamente e de modo completo; e esta é a única maneira de aprenderdes a respeito de vós mesmo — e não pelo processo da análise ou do exame introspectivo, que requer tempo. Mas. como já dissemos não há amanhã. não há instante seguinte; só há o presente. só o agora tremendamente ativo; e, para compreendê-lo. deveis afastar de todo, de vossa mente. a idéia de 'compreensão gradual'.
Agora, para aprendermos a respeito de nós mesmos, necessitamos de uma certa vigilância. Não estamos dando a essa palavra nenhum significado místico. Trata-se da vigilância comum de cada dia: estar-se consciente das côres, das árvores, da sordidez da imundície; estar consciente da espôsa e dos filhos — observá-los, ver como se vestem, de que maneira falam. Estar simplesmente — consciente. Sabeis o que entendo por essa palavra? Ao entrardes nesta tenda, perceber as
cores, perceber as várias pessoas sentadas, como estão sentadas, se bocejam, se estão sonolentas, cansadas, forçando-se a escutar, na esperança de obterem alguma coisa, os tiques nervosos que estão executando.
Perceber, sem condenar, sem julgar; observar pura e simplesmente e sem escolha, olhar sem condenação, interpretação comparação; nisso há grande beleza, e grande clareza na observação. Se dessa maneira vos observardes sem escolha, então, nesse percebimento, existe atenção, nenhuma entidade existe como “observador”, nem “coisa observada”. Não há “observador” a olhar aquilo a que está observando.
Agora, é preciso diferençar entre concentração e atenção. Concentração é processo de esfôrço, de exclusão, de repressão, de forçar todo o vosso pensamento, tôda a vossa energia num certo canal, por um dado momento, excluindo todos os outros pensamentos, tôda “distração”, assim chamada. Essa a espécie de concentração que a maioria de vós pratica em suas ocupações e quando está tentando a chamada “meditação”. Sois educados, desde os dias de colegiais, para concentrar-vos, para aplicar ou forçar a atenção numa dada coisa: no trabalho que estais executando, na página que estais lendo. Mas, a todos os momentos, outros pensamentos surgem, insinuam-se outras impressões, às quais tentais resistir. A concentração, pois, é um processo de exclusão e a atenção não é.

Estar atento implica que não há distração. Quando estais atento, “recebeis” o todo e não apenas a parte; vedes os presentes, as formas de suas cabeças, as côres, as luzes. Estais consciente e, por conseguinte, atento. Nessa atenção não há observador nem coisa observada, porque, nela, todo o vosso ser, vossa mente, vosso corpo, vossos nervos, vossos ouvidos, vossos olhos — tudo está atento; por conseguinte, não há divisão. Nesse estado de atenção há auto-observação. Não há, portanto, auto-condenação. Não se pode aprender se se está condenando. Não se pode aprender, se se está comparando. Não se pode aprender, se se está a dizer: “Serei aquilo amanhã”.

Assim, a mente que está atenta se acha num estado de não-contradição e, por conseguinte, num estado em que nenhum esfôrço existe. Esse estado é absolutamente necessário. Do contrário, se êle não fôr possível, a mente não pode ser esvaziada. Vereis por que é necessário o “estado de atenção”. A mente, em geral, é “barulhenta”. Está sempre a “tagarelar”. Sempre monologando, ou dizendo repetidamente o que irá fazer, o que fêz, o que deve fazer, etc. Nunca está quieta. E pensais que, para se produzir êsse estado de quietude mental, deveis praticar algum método — método que, por sua vez, se torna mecânico.

Mas, se estiverdes consciente de cada pensamento, ao surgir, sem julgar, sem condenar nem aceitar — porém simplesmente num estado de atenção — vereis que a mente se torna extraordinàriamente quieta; não a disciplinastes para a tornardes quieta, pois isso é de efeito mortal.
Porque, se se disciplina a mente, ela se torna superficial, vazia, morta. A mente deve ser viva, vigorosa, plena, cheia de vitalidade.

Se estais atento, dessa atenção vem sua peculiar disciplina, não solicitada, não-repressiva. Só a mente que dessa maneira se disciplinou, pela atenção sobre si própria e não mediante compulsão e ajustamento — só essa mente é lúcida. Então, a mente que está atenta aprendeu a respeito de si própria, a respeito de seus conscientes e inconscientes motivos, fantasias, ilusões, temores, ambições, avidez, ciúme, competição, e tôdas as demais coisas que somos nós; quando a mente, mediante vigilância, aprendeu a respeito de si própria, torna-se então quieta, não disciplinada, não narcotizada por drogas, não-rnesmerizada. Essa é a mente tranqüila. Ela tem de estar tranqüila, do contrario não estará vazia.

A mente de todos nós é o resultado de dois milhões de anos de tempo. Ela está condicionada e moldada; sob a compulsão de muitas impressões, sujeita a grande tensão, de ordem consciente e inconsciente; impelida pelas circunstâncias. Essa mente, pois, se não estiver totalmente quieta — quieta, e não exigindo, nem procurando — não ficara vazia.
Tôda coisa nova só pode verificar-se no vazio. Um novo ente humano é concebido no ventre vazio. A mente, por conseguinte, deve estar vazia, e não ser “posta vazia” mediante pensamento inibitivo, controlador, repressivo; isso não e vazio, porém apenas outra forma de fuga à realidade. E a realidade sois vós mesmo, o que verdadeiramente sois, e não o Super-Atman, que é invenção de nossas avós, de nossos pais, dos Sankaras e Budas. Tudo isso tem de ir-se, para que a mente se torne completamente vazia e tranqüila.
Então, nesse vazio, há um movimento que e criação. Nesse vazio, há a energia de que a mente necessita para alcançar a Imensidade. E todo asse processo, do comêço “negativo” até o fim, o qual não é uma fuga da vida, porém a própria compreensão da vida — todo asse processo é meditação. E vereis, então, que estareis meditando em todo o correr do dia, e não num certo minuto do dia; estareis meditando no escritório, no ônibus, onde quer que vos encontreis. Estareis diretamente em contato com a vida. Estareis meditando, enquanto falais, porque estareis vigilante; estareis atento ao que estareis dizendo e a como o estareis dizendo, a como falareis com vosso serviçal, se o tendes. Estareis vigilante, estareis atento; por conseguinte, a mente, que é limitada, estreita, vulgar, agrilhoada pelo tempo, se libertará. Só essa mente pode encontrar o Eterno.

Essa, a beleza da meditação. Nela, não há compulsão nem esfôrço de espécie alguma. E o homem que é capaz de meditar, o homem que compreendeu o que é a meditação, só esse, e nenhum outro, pode dar ajuda.

Nova Deli, 8 de novembro de 1964



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